US$ 10 12   de resgate para os jogadores da Wall Street
— Nada para as famílias e os reformados

por Michael Hudson [*]

Quadro de George Grosz. Se o movimento para um Executivo Unitário com um poder presidencial sem peias já o assusta, a viragem da direita radical dos EUA para a Finança Unitária deveria assustá-lo ainda mais — e aumentar as suas dívidas também. Os acontecimentos financeiros das últimas duas semanas de Março de 2008 demonstraram que o "realistas económicos" e os "mercadores de dinheiro", que Franklin Delano Roosevelt (FDR) expulsara do templo das finanças, voltaram para maltratar a nossa economia conduzindo-a aos horrendos apuros da inédita criação do risco-dívida, eufemisticamente chamado "alavancagem" e "criação de riqueza".

As poucas limitações que subsistem para o cada vez mais centralizado planeamento do sector financeiro, especialmente ao nível do Estado, estão a ser varridas para o lado com o pretexto de "salvar o sistema". Os poucos beneficiários da Wall Street que utilizam esta frase explicam simplesmente o que é este sistema. Em primeiro lugar, seus administradores políticos são indústrias de lobbies indicadas para altas posições administrativas e de planeamento nas agências públicas que supostamente regulamentam estas indústrias. Sua ideia de planeamento financeiro é colocar um milhão de milhões (trillion) de dólares em fundos de agências governamentais e em garantias de créditos em risco. Esta agência de financiamento era suposta que fosse utilizada para ajudar famílias americanas médias a obter habitação e cuidados de saúde, e para proteger suas poupanças e proporcionar as suas aposentadorias. Ao invés disso, ela está a ser mobilizada para apoiar banqueiros e administradores financeiros da economia. Na verdade, as últimas poucas semanas assistiu-se a milhões de milhões de dólares serem comprometidos na economia de guerra e no apoio aos bancos.

A livre criação de crédito do sistema bancário, que duplica aproximadamente a cada cinco anos para a economia como um todo, ameaça culminar na escravização de muitas famílias americanas através da dívida, bem como de indústrias e governos estaduais e locais. O excedente económico está a ser rapidamente absorvido por uma combinação de serviço da dívida e planos de emergência (bailouts) governamentais para credores cujos esquemas Ponzi estão a entrar em colapso por todo o lado, desde o imobiliário residencial até o comercial, assim como os empréstimos para tomadas de controle (takeover) de corporações por bolhas económicas de crédito estrangeiro.

Este é o contexto no qual devem ser vistas as perturbações financeiras das últimas semanas envolvendo o Bear Stearns, o JPMorgan/Chase e a paisagem da dívida em mutação rápida. "O sistema" que o Tesouro, o Federal Reserve a as agências do New Deal capturadas pela administração Bush está a tentar salvar é uma vasta economia Ponzi. Quero dizer com isto que o plano de negócios é os credores emprestarem aos devedores dinheiro suficiente para que eles paguem os custos dos juros de modo a que se mantenham em dia nos seus empréstimos.

Nos últimos anos este sistema dependia de os preços de activos como imobiliário, acções e títulos serem inflacionados o suficiente a fim de permitir aos devedores penhorarem estes activos como colateral ao mais alto preço do mercado para mais e mais novos empréstimos. Mas agora que a bolha do imobiliário se rompeu (e na verdade, quando as acções afundam), o problema é como salvar o topo do nosso iceberg económico que mergulhou numa situação líquida negativa – uma situação em que as dívidas ligadas à propriedade excederam seu valor de mercado. Alguém deve assumir uma perda – mas quem?

Normalmente é o banqueiro ou o investidor que assumem a perda. Mas agora supõe-se que eles sejam "resgatados" e isto está a ser apresentado como um retorno à estabilidade. Mas era um sistema que, para começar, nunca fora estável.. De facto, para este resgate funcionar a maior parte dos americanos terá de possuir menos e dever mais, apesar de se lhes dizer que tudo isto faz parte do caminho para a criação de riqueza – como se fosse sua riqueza, não aquela dos seus credores. A dádiva do seguro ao Bear Stearns/JPMorgan Chase para "salvar o sistema financeiro" proporcionou uma ilustração viva de como as Finanças Unitárias desenvolveram um relacionamento parasítico com o trabalho americano no seu papel como contribuidor das pensões, do consumidor e dos proprietários de casas. O sistema que está a ser subsidiado permite ao sector FIRE (Fire, Insurance and Real Estate) dirigir e viver fora dos esforços produtivos dos outros – as pessoas que fabricam coisas reais e proporcionam serviços reais.

Poupando a Wall Street dos maus empréstimos hipotecários com uma salvação de emergência de 10 12 dólares

O plano de emergência começou no domingo, 16 de Março. O governo e o JPMorgan Chase tinham razão para estarem embaraçados acerca das negociações, pois os poucos pormenores que pingaram nos sítios web do Federal Reserve ou do Tesouro e nos discursos do Sr. Paulson iam muito além apenas do Chase e do Bear Stearns. Revelou-se que no mesmo domingo em que fora negociado o plano de emergência de US$30 mil milhões do Fed, durante dez dias o Sr. Paulson começou uma frenética orquestração de acções do Tesouro, Reserva Federal e outras agências governamentais para por de parte um milhão de milhões de dólares a fim de reinflacionar os mercados financeiros para os possuidores de hipotecas e os seus credores associados e especuladores. Nos bastidores, como se verificou, a administração Bush estava a montar uma explosão financeira (financial surge): Ele decidiu lançar tudo o que as suas agências de financiamento hipotecário pudessem reunir a fim de impedir que os mercados da propriedade de entrassem em colapso.

A explosão do apoio aos mercados hipotecário e imobiliário foi encabeçada pelos dois maiores possuidores e empacotadores de hipotecas dos EUA: o National Mortgage Association (FNMA) patrocinado pelo governo e o Freddie Mac. Estas duas agências foram criadas para desenvolver mercados comerciáveis para hipotecas que os bancos tradicionalmente haviam mantido na sua própria contabilidade com a compra de hipotecas residenciais dos bancos e correctores hipotecários que as originavam. Isto criou uma vasta nova procura por hipotecas ao torná-las comercializáveis em grandes pacotes para investidores institucionais tais como fundos mútuos e de pensão. Sendo implicitamente garantida pelo governo, a Fannie Mae e o Freddie Mac eram capazes de tomar emprestado a taxas de juro razoavelmente baixas, e vender as hipotecas com um maior valor. A procura por estes títulos hipotecários empacotados proporcionava uma enorme nova fonte de concessão de empréstimos. Isto também transformava os bancos em originadores de hipotecas ao invés de possuidores de hipotecas.

Em conjunto a Fannie Mae e o Freddie Mac compraram mais de três quartos de todas as hipotecas nos EUA emitidas no quarto trimestre de 2007, elevando seus haveres a US$1,4 milhão de milhões. Contudo, o facto de o seu capital base estar abaixo dos US$70 mil milhões – com um rácio de alavancagem da dívida de 20 para 1 – levou investidores a venderem constantemente o seu stock ao longo do ano passado. Ao invés de insistir em que a Fannie Mae e o Freddie Mac reconstruíssem sua posição de capital, o Office of Federal Housing Enterprise and Oversight (OFHEO) fez exactamente o oposto. Reduziu suas exigências de capital de 30 por cento para 20 por cento, e encorajou-as a utilizar esta alavancagem acrescida para o despejo de uns US$200 mil milhões extras no mercado hipotecário do país. Os limites quanto à dimensão dos empréstimos hipotecários que estas duas agências podiam fazer foram elevados drasticamente a fim de ajudar a reinflacionar os perturbados mercados de propriedade de alto custo, particularmente na Califórnia e em Nova York.

Concebida para trazer um alívio temporário, esta manobra ameaçou desestabilizar ainda mais as coisas ao simplesmente chutar a lata estrada abaixo. O mesmo se aplica à Federal Housing Administration (FHA), estabelecida em 1934 como parte do New Deal. Seu fundo de seguros com cerca de US$20 mil milhões apoia uns 3,8 milhões de empréstimos hipotecários que totalizam US$365 mil milhões, com um rácio de alavancagem 18:1. Na segunda-feira, 24 de Março, prometia US$400 mil milhões em novos seguros de crédito hipotecário. Isto significa que as agências do governo podem utilizar seu capital para emprestar muito mais dinheiro a compradores de casas em perspectivas. O FHA, a Fannie Mae e o Freddie Mac também estarão na linha para quaisquer perdas, "socializando o risco" num grau muito mais elevado do que alguma vez fora visto.

O preocupante acerca desta estratégia é que o FHA já estava em apuros financeiros devido aos seus empréstimos subprime. Pela primeira vez na sua história estava a incorrer num défice. Mais de um terço dos empréstimos que assegurara foram efectuados por vendedores de casas a novos compradores para cobrir o seu pagamento inicial – permitindo às casas serem compradas sem qualquer entrada inicial. (Tradicionalmente, 20 por cento tem sido a norma). Isto foi um mercado nova em folha, que mal existia em 2000 na véspera da bolha imobiliário de Greenspan-Bush. O secretário da Housing and Urban Development Agency (HUD), Alphonso R. Jackson, declarou a um comité do Senado: "Estes tipos de empréstimos empurraram o FHA para a beira da insolvência". E agora duplicou-se as suas actividades a fim de escorar o mercado imobiliário e de hipotecas.

A direcção do Federal Housing Finance (FHF), obedientemente, fez a sua parte para aumentar a alavancagem de dívida do sistema. Duplicou a capacidade dos Federal Home Loan Banks (FHLB) regionais para alavancarem a sua compra de títulos hipotecários, de três vezes o seu capital para seis vezes, o dobro do rácio dívida/situação líquida existente. O objectivo era ajudá-los a servir seus clientes, as oito mil caixas económicas do país, uniões de crédito e companhias de seguros, financiar a compra de US$160 a US$200 mil milhões de novos títulos apoiados por hipotecas emitidas pela Fannie Mae e Freddie Mac. O objectivo era que estas duas agências comprassem este ano um valor de cerca de 500 a 1000 mil milhões de dólares de títulos hipotecários do sector privado.

SOCIALIZAR AS PERDAS

O sistema do Federal Home Loan Banking também anunciou planos para começar a oferecer o seu próprio seguro hipotecário "monolinha" contra os maus tempos económicos que se anunciam a preços abaixo daqueles que as seguradoras do sector privado estavam dispostas a oferecer. O objectivo é escorar a cobertura de seguro hipotecário que se está a esfarelar a expensas do contribuinte. Mais uma vez, o conceito de "mercado livre" está a ser subjugado a fim de socializar as perdas para os grandes jogadores do sector FIRE. A situação é semelhante ao seguro governamental de propriedades frente à praia contra danos por inundação, que paga por um problema cronico que dá prejuízo a expensas do público. Naturalmente, um número desproporcionado dos proprietários daquelas propriedades frente à praia provém da classe que contribui para as campanhas [eleitorais].

Gillian Tett do Financial Times observou que este subsídio ao seguro hipotecário irá "provavelmente disparar um novo debate acerca de como os decisores políticos estão a transformar o Estado, ou entidades quase-estatais, a fim de estabilizar o sector financeiro" referindo-se a "uma ausência do mercado". Ao invés de moldar o mercado de acordo com o menor risco, menos linhas de dívida alavancada, agora vê-se o governo a socializar o risco financeiro a taxas abaixo do mercado. John Price, presidente do Federal Home Loan Bank board, afirmou que "é para isto que se destinam as Empresas Estatais do Governo, tendo em vista o facto de que seguradoras privadas cobrariam taxas mais elevadas". Mas o actual plano do governo coordenado pelo secretário do Tesouro, Paulson, procura evitar a permissão para os mercados funcionarem de um modo que aumente os custos para a Wall Street e portanto deixa menos rendimento para os proprietários de casas comprometerem-se com serviço de dívida. Esta política é apresentada hipocritamente como redução do preço a que o sector financeiro "serve" a economia, deixando de colocá-la em risco.

Os movimentos mais espantosos ainda estavam para vir. Em 11 de Março o Federal Reserve criou um Instrumento para a concessão de crédito com títulos a prazo a fim de oferecer US$200 mil milhões em empréstimos a negociantes primários de títulos contra os seus haveres em hipotecas e outros títulos empacotados como colateral. O objectivo era re-inflacionar rapidamente as hipotecas que o mercado livre estava a atribuir um preço de lixo, tão baixo quanto 20 por cento do seu valor facial.

A seguir veio a bomba dupla. Num verdadeiro show, no dia de St. Patrick, 17 de Março, o Fed ofereceu crédito aproximadamente ilimitado a não banqueiros pela primeira vez desde a Grande Depressão. O Fed aceitou como colateral as suas hipotecas tóxicas – activos dúbios que "o mercado" se recusava a tocar. Tantas soluções "com base no mercado" quando se trata da alta finança! Pela primeira vez desde a década de 1930, não bancos podiam tomar emprestado no guiché de empréstimos do Fed contra as suas hipotecas lixo, aparentemente pelo seu valor de face. Já era demasiado tarde para o Bear Stearns, mas outros banqueiros de investimento e casas correctores viram a bóia de salvação verde quando o Fed abriu o seu guiché de desconto para não banqueiros, isto é, banqueiros de investimento tais como o Lehman Brothers, em contraste com os banqueiros comerciais que são regulados pelo Fed.

O volume de crédito parecia ser ilimitado, colaterizado por títulos apoiados em hipotecas que "o mercado" estava a apreçar em torno dos níveis que os empréstimos do Terceiro Mundo estavam a ser vendidos após a insolvência do México em 1982. O economista do Trabalho Tom Palley escreveu em 26 de Março no seu blog: "Estes subsídios são um disfarce (travesty). O Goldman Sachs, Lehman Brothers e Morgan Stanley são extraordinariamente lucrativos. Eles também foram os condutores das piores tendências na economia americana ao longo da geração passada, pressionando por excessivo pagamento aos presidente de conselhos de administração que se difundiram como um cancro através da América corporativa, atingindo mesmo universidades e entidades não lucrativas. Adicionalmente, eles incentivaram o paradigma do valor para o accionista que pressionou as companhias a enfatizarem o ganho a curto prazo em detrimento do investimento a longo prazo, e contribuíram para rasgar o contrato social da América. Enquanto isso, o seu modelo de negócio promoveu a especulação que está por trás das repetidas bolhas de preços de activos e mercadorias".

É para suportar este modelo de negócio que os responsáveis do Fed e do Tesouro parecem estar a fazer novas regras numa base diária – regras que recebem apenas uma revisão superficial e negligente do Congresso. Os críticos destacam que os banqueiros de investimento não estão sujeitos à supervisão do Federal Reserve ou outra qualquer regulamentação. Talvez mesmo isto não importe realmente em vista do modo extremamente não regulamentador do Fed desde os quatro mandatos de Alan Greenspan como presidente. Ainda mais importante, naturalmente, é o facto de que os novos clientes do Fed, bancos de investimento e casas correctoras, não servem os depositantes da classe média que necessitam protecção especial para as poupanças que fizeram ao longo das suas vidas. Os investimentos financeiros que estão a ser salvos de condições de mercado adversas são em última análise de carácter especulativo.

DE CABEÇA PARA BAIXO

Parece uma ironia sarcástica que as instituições que agora estão a ser mobilizadas para salvar os credores da Wall Street – o Federal Home Loan Banks para bombear crédito para dentro do mercado hipotecário, a Federal Housing Administration para seguros empréstimos hipotecários, a Fannie Mae e o Freddie Mac para comprar pacotes de hipotecas a fim de revendê-los por grosso a investidores institucionais – tenham sido criadas para ajudar os compradores de casas, não os seus credores e muito menos os especuladores. Mas salvar especuladores e a alta finança tornou-se agora a sua função primária. Esta mudança pôs a habitação, as hipotecas e as agências bancárias da América de cabeça para baixo. A Wall Street saudou naturalmente a captura destas instituições do New Deal e pós 1945. Mas a sua ideologia doutrinária havia acusado a [lei] Glass-Steagall, a Segurança Social e a maior parte dos regulamentos Sarbanes-Oxley da Securities and Exchange Commission (SEC) de conduzirem à estrada da servidão.

Politicamente, tais salvações de emergência exigem uma retórica de cobertura ostensivamente humanitária. Elas precisam ser apresentadas como um subsídio não aos bancos e outros credores ricos e sim aos devedores. Isto significa que a salvação de emergência "ideal" assume a forma de novo crédito para pagar bancos e outros accionistas e possuidores de hipotecas suficiente para manter a bolha da dívida flutuante. Isto significa mais crédito suficiente para mantê-la em crescimento, pelo menos pela quantia dos juros que deva ser paga.

O resultado é uma verdadeira estrada para a escravização através da dívida. Isto é muito mais destrutivo – e certamente mais real – do que a imaginária estrada para a servidão que Hayek e outros ideólogos anti-governo anteviam. Enquanto estes rapazes da livre-empresa torcem as mãos e denunciam o poder do governo, seus patrocinadores percebem muito bem que quando o governo recua, o sector financeiro avança a fim de preencher o vácuo. Os bancos e os administradores do dinheiro tornam-se os planeadores da sociedade e os seus repartidores (allocators) de recursos – no seu próprio interesse a curto prazo. Este interesse leva-os a oporem-se a leis que protejam o trabalho, os consumidores e os devedores. Isto significa que a "liberdade" em questão é o favoritismo unilateral aos empregadores, monopolistas privilegiados e credores. O que estes interesses adquiridos têm em vista com esta "estrada para a servidão" é uma economia administrada por outras mãos que não as suas, uma economia que protegesse os trabalhadores, consumidores e devedores a quem eles procuram sacrificar.

Nenhum dinheiro deixado para a Segurança Social e o seguro de saúde após a salvação de emergência do imobiliário?

O público americano pode justificavelmente ficar confundido pelo facto de o governo dispor de milhões de milhões de dólares para guerras externas e salvações de emergência de banqueiros mas tão pouco para eles. Os Estados Unidos estão a gastar uns estimados US$3 milhões de milhões para uma guerra ilegal que nos torna menos seguros, e US$1 milhão de milhão para resgatar banqueiros de uma forma que está a desestabilizar a economia. Mas não pode assegurar cuidados de saúde ou segurança de aposentadoria para todos os americanos. Na terça-feira, 25 de Março, logo depois de proporcionar um milhão de milhões de dólares para assegurar o sector financeiro e imobiliário, o Sr. Paulson ressuscitou a pretensão da administração Bush de que não há dinheiro para pagar a Segurança Social. Mas "consertar" a Segurança Social – se na verdade houvesse algum problema (o que de modo algum é certo) – seria relativamente fácil. Simplesmente restaurando as isenções fiscais para os 1% de americanos do topo (aqueles que ganham mais de US$414 mil por ano) com as altas taxas fiscais de 30% da década de 1990 (de modo algum próximo das taxa marginal topo de 94% da década de 1940, ou mesmo das taxas de 70% da década de 1970) proporcionaria 46% mais do que o fosso da Segurança Social estimado pelo Gabinete de Orçamento do Congresso. A administração não reconhece tais verdades inconvenientes, nem tão pouco os repórteres que simplesmente reproduzem notas de imprensa nos mass media.

A afirmação de que não há perspectiva de financiamento para atender as obrigações do governo para com a Segurança Social e o Medicare tornou-se brutalmente incrível na última semana de Março, o qual assistiu ao quinto aniversário da guerra no Iraque da administração Bush. Quando o número de soldados americanos mortos atingiu os 4000, notícias dos jornais relatavam os cálculos do Prémio Nobel Joseph Stiglitiz de que o custo da guerra havia atingido os US$3 milhões de milhões mencionados acima, levando em conta o seu legado de encargos com juros e tratamento médico para os mais de 25 mil soldados que foram feridos ou têm desordens pós-traumáticas e outros males psíquicos. (O Sr. Stiglitz actualizou recentemente a sua análise, dizendo que os US$3 milhões de milhões é um número conservador).

Cinco anos, quatro milhares de vidas e três milhões de milhões de dólares para a guerra – mas não há dinheiro para a Segurança Social e o Medicare! Será que o Sr. Paulson não se sentiu um bocadinho desconfortável ao afirmar, com aparência de urgência, que o financiamento para a Segurança Social estaria exaurido em apenas pouco mais de trinta anos, em 2041? O Medicare é suposto estar em situação ainda pior, tendo acumulado bastante salários postos de lado para sobreviver apenas até 2010, devido em grande medida à ascensão nos custos de saúde – os quais a administração Bush recusou-se a controlar através da negociação de preços com companhias de medicamentos, entre outras.

A estrada histórica para a servidão é aquela da escravização pela dívida a uma oligarquia financeira que concentra a riqueza nas suas mãos. O "libertarianismo" anti-governo contemporâneo cria um vácuo e o sector financeiro move-se para preenche-lo. O problema para a sociedade em geral é que as finanças descobriram que os seus maiores ganhos residem não em elevar padrões de vida, mas em promover um almoço gratuito para os seus clientes – enquanto transformam lucros corporativos, monopólios rentistas e ganhos de preços no imobiliário num fluxo de juros para si próprio, ao avançar o crédito para financiar a compra destes activos e privilégios.

Só existe um caminho para reverter esta evolução rumo à escravização pela dívida. Este é desescalar as hipotecas existentes, especialmente para propriedades com saldo líquido negativo, a fim de reflectir o afundamento actual nos valores da propriedade – sob condições reconhecidamente penosas, mas apesar de tudo constrangimentos reais sobre a capacidade de o devedor pagar. Uma vez que o principal for reduzido a níveis realistas, hipotecas com taxas ajustáveis seriam substituídas por hipotecas com taxas fixas.

O problema com esta solução é que para as instituições financeiras a crise habitacional não é o seu problema. A sua atitude de culpar-a-vítima sustenta ser a hipoteca um problema dos proprietários – e agora cada vez mais um problema dos contribuintes. Esta perspectiva de como resolver a crise habitacional só pode ter êxito através da criação de uma retórica populista para que responsáveis públicos a utilizem ao promover interesses financeiros, apresentando-a como se tudo isto fosse no melhor interesse dos proprietários de casas e outros devedores.

14/Abril/2008

Artigos de Michael Hudson em português:
  • Super-capitalismo, super-imperialismo e imperialismo monetário
  • Greenspan, o grande inflacionador de activos
  • A pirâmide dos US$ 4,7 milhões de milhões: a Segurança Social dos EUA & a Wall Street
  • Irá a Europa sofrer da síndroma suíça?
  • Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore
  • Salvar a economia, desmantelar o império

    [*] Ex-economista da Wall Street especializado em balança de pagamentos e imobiliário no Chase Manhattan Bank (agora JPMorgan Chase & Co.), Arthur Anderson, e posteriormente no Hudson Institute. Em 1990 ajudou a estabelecer o primeiro fundo de dívida soberana para a Scudder Stevens & Clark. Foi Conselheiro Económico Chefe de Dennis Kucinich na recente campanha presidencial primária dos Democratas. Também aconselhou os governos dos EUA, Canadá, México e Letónia, bem como o United Nations Institute for Training and Research (UNITAR). Actualmente é Professor Investigador na Universidade de Missouri – Kansas City (UMKC). Autor de vários livros, inclusive Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance . Email: mh@michael-hudson.com

    O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/hudson04142008.html


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 17/Abr/08