A actual crise financeira e o futuro do capitalismo global
Profecias de queda
O facto de Marx ter principiado a elaboração da obra
económica, planeada há muito, no Inverno de 1857/1858 foi
provocado directamente pela crise económica que estalou no Outono de
1857 e das concomitantes expectativas de um trauma profundo do qual o
capitalismo não mais pudesse recuperar-se. "Estou a trabalhar como
louco noite e dia a conferir meus estudos económicos de modo a que pelo
menos possa ter o esboço claro antes do dilúvio", escreveu
Marx a
Engels numa carta de Dezembro de 1857 (MECW 40, p.217). A crise de 1857/1858
foi de facto a primeira crise verdadeiramente global do capitalismo moderno, a
qual envolveu todos os principais países capitalistas daquele tempo
(Inglaterra, EUA, França e Alemanha). No
Grundrisse
que emergiu durante
este período pode-se encontrar a única passagem não
ambígua do trabalho de Marx que pode ser entendida como uma teoria do
colapso capitalista (MECW 29, p.29 e seguintes). Este colapso, Marx estava
convencido, desencadearia movimentos revolucionários. Numa carta a
Ferdinand Lassalle de Fevereiro de 1858 ele exprimiu mesmo o seu temor de que
à luz dos "movimentos turbulentos" esperados o seu trabalho
seria acabado "demasiado tarde" e então "encontraria o
mundo não mais atento a tais assuntos" (MECW 29, p.271). Marx
estava certo sobre o facto de que não acabaria o seu trabalho (o
primeiro volume do
Capital
foi publicado nove anos mais tarde), mas esta
primeira crise global do capitalismo nem conduziu a um colapso do capitalismo
nem a qualquer espécie de movimento revolucionário. A crise
já fora ultrapassada no princípio do Verão de 1858, e o
sistema capitalista ainda saiu disso enormemente fortalecido. Marx aprendeu
uma lição: no capitalismo, as crises funcionam como actos
brutais de purificação. A destruição executada
pelas crises remove impedimentos anteriores à acumulação e
liberta novas possibilidades para o desenvolvimento capitalista.
Marx rompeu fundamentalmente com a noção de uma crise final do
capitalismo. Quando Danielson, seu tradutor russo, perguntou (mais uma vez) em
1879 quando podia esperar a sequência do primeiro volume do
Capital
Marx
respondeu que tinha de esperar o fim da crise então actual, a qual
apresentava uma série de características especiais, a fim de
incorporar a análise daquela crise ao seu trabalho, e observava em
conclusão: "Entretanto o curso desta crise pode desenvolver-se
embora o mais importante para o estudante da produção
capitalista e o
théoricien
profissional [seja] observá-la nos
seus pormenores ultrapassar-se, como as suas antecessoras, e iniciar um
novo "ciclo industrial" com todas as suas fases diversificadas de
prosperidade, etc" (MECW 45, p.355).
O facto de Marx, com boas razões, ter dito adeus às teorias do
colapso capitalista não impediu muitos marxistas de permanecerem leais a
tais ideias. Na Social Democracia "marxista" anterior à
Primeira Guerra Mundial bem como nos Partidos Comunistas da década de
1920, era encarado como uma conclusão inevitável que o
capitalismo pereceria em resultado das crises cada vez mais fortes que ele
gerava. Toda recuperação era interpretada como um último
alento antes do colapso final e inevitável, o que muitas vezes conduzia
a grotescos maus juízos políticos. No princípio da
década de 1990, a teoria do colapso capitalista celebrou uma
ressurreição alegre na Alemanha novamente unida, enfeitada com o
pretexto de ser uma ideia nova. As crises que se seguiram a crise
asiática de 1997/98, o crash bursátil que anunciou o colapso da
bolha da "Nova Economia" em 2000/2001, e a crise na Argentina em
2001/2002 foram interpretadas cada uma dela ao seu tempo como um sinal
seguro da crise final do colapso capitalista. Mas todas estas crises foram
ultrapassadas rapidamente. Elas conduziram a processos de enorme
miséria (particularmente as crises da Ásia e da Argentina), mas o
sistema capitalista, ao contrário dos prognósticos de colapso,
emergiu particularmente fortalecido daquelas crises. Enquanto isso, há
mais uma vez uma nova crise bem como novas previsões do colapso iminente
do capitalismo. Neste momento economistas burgueses e mesmo o Fundo
Monetário Internacional também estão a emitir
advertências quanto ao perigo de um crash financeiro internacional com
severas consequências para a economia global.
Da crise imobiliária americana à crise financeira internacional
Esta crise merece um olhar mais atento. Ela começou com um acto de
expansão demasiado rápida
(overtrading)
culminando com uma explosão da bolha especulativa. Desde a mania
holandesa das tulipas, no princípio do século XVII, tais crises
de especulação sempre seguiram o mesmo curso: um activo
particular (quer sejam acções, residências ou mesmo bolbos
de tulipa) aumenta continuamente o seu valor estimado, o qual por sua vez
estimula a procura por este activo, porque todos querem partilhar da
aparentemente imparável ascensão do seu valor. As pessoas
utilizam a sua própria riqueza, e acabam por assumir empréstimos,
a fim de adquirir o objecto da especulação. Os preços
ascendem cada vez mais alto na base da procura acrescida, o que conduz a um
novo aumento na procura. Mas em algum ponto a ascensão esgota-se.
Torna-se mais difícil encontrar novos compradores, e os investidores
iniciais querem vender a fim de realizar o seu lucro. O preço do
objecto da especulação cai. Agora todos querem sair do mercado a
fim de evitar perdas, as quais conduzem entretanto a uma nova queda no
preço do objecto de especulação. Muitos que
começaram a especular tarde no jogo e compraram a alto preço
agora incorrem em altas perdas. Uma vez que estas perdas são combinadas
com um desmoronamento geral da procura, tal crise especulativa pode ter efeitos
sobre toda a economia. Em princípio, o curso de tais crises
especulativas é conhecido nos dias de hoje mesmo para aqueles que nelas
participam. Mas nunca é claro para os participantes exactamente em que
fase da especulação eles se encontram: mais ou menos no
princípio, onde existem boas oportunidades para fazer um lucro, ou mais
perto do fim, pouco antes de a bolha arrebentar. Todos esperam incluir-se
entre os vencedores, mesmo quando sabem que o crash está para chegar.
Após a explosão da bolha da Nova Economia no ano 2000, o Federal
Reserve reduziu a taxa dos fundos federais de 6,5 para 1,0 por cento entre
Janeiro de 2001 e meados de 2003 a fim de estimular o investimento
através do crédito barato. Durante dois ou três anos, a
taxa dos fundos federais era mesmo mais baixa do que a taxa de
inflação. Taxas de juro em queda também tornam a compra
de casas atraente, e viver na privacidade da própria casa é um
objectivo amplamente aceite entre todas as classes sociais nos EUA. Entre os
anos 2000 e 2005 o montante das hipotecas quase triplicou. A procura
fortemente crescente por casas levou os preços do imobiliário,
apesar do aumento da construção, a aumentar 10-20 por cento por
ano, o que atraiu bancos a garantirem empréstimos cada vez mais
arriscados. Os preços de compra eram agora financiados até 100
por cento, e a situação líquida
(equity)
já não era exigida aos compradores. Normalmente, os bancos
financiam apenas 60-80 por cento do preço de compra, de modo que o banco
tem uma almofada de segurança e não incorre em perdas no caso de
uma venda da casa arrestada (em consequência da insolvência do
devedor). Mesmo que a casa não realize o preço de compra
original através da venda do arresto, normalmente sobre bastante para
ressarcir o empréstimo, e a perda é incorrida unicamente pelo
devedor. No caso de preços do imobiliário fortemente
ascendentes, os administradores de banco acreditam que nada poderia sair
errado, e que a almofada de segurança seria automaticamente
proporcionada pelos preços em ascensão. Contudo, muitos
proprietários de casas utilizaram os preços do imobiliário
em ascensão para aumentar os seus empréstimos a fim de financiar
as suas despesas de consumo pessoal. O estabelecimento de uma almofada de
segurança foi portanto adiado. Além disso, os bancos
começaram a emitir os chamados créditos "Ninja", o que
significa "sem rendimento, sem emprego, ou activos"
("no income, no job, or assets")
por parte do tomador. Tais empréstimos constituíram grande
parte dos "subprime" que são um assunto de discussão
frequente nestes dias. Trata-se de empréstimos para tomadores que
realmente não podem permitir-se tais empréstimos, o que significa
que há um alto risco de incumprimento, o que os bancos compensam
cobrando taxas de juro super altas. Acima de tudo, tais empréstimos
"subprime" são então revendidos pelos bancos,
através do que eles livram-se das suas preocupações quanto
a devedores insolventes.
Empréstimos imobiliários de qualidade diversa foram empacotados
juntos de um modo relativamente complicado para servir como colateral para
títulos aos quais são dados belos nomes como "collateralized
debt obligations" (CDO). Estes foram então vendidos com
êxito a outros bancos e fundos. Tais títulos ofereciam retornos
elevados por um lado (uma vez que os compradores imobiliários tinham de
pagar taxas de juro altas) e pareciam por outro lado ser um investimento
relativamente seguro, uma vez que estavam cobertos pelo imobiliário. A
fim de manter estas transacções foram dos livros dos bancos
compradores e portanto garantido
(hedged)
pelo seu próprio capital, foram criados os chamados "Structured
Investment Vehicles" (SIV), os quais actuavam como subsidiárias
estrangeiras. Eles refinanciaram os custos destes investimentos com
emissões de títulos a curto prazo a taxas de juro muito mais
baixas do que aquelas dos títulos especulativos colaterizados por
hipotecas. Na Alemanha, não foram apenas bancos privados que seguiram
este método de evadir legalmente o exame de entidades reguladoras, mas
também bancos públicos tais como o Landesbank Sachsen.
Com a ascensão das taxas de juro nos EUA entre 2005 e 2006, a
ascensão nos preços do imobiliário foi reduzida, mas o
fardo dos juros das hipotecas aumentou, uma vez que na maior parte dos casos
haviam sido estipuladas taxas variáveis. Mais notavelmente no sector
"subprime", onde as taxas de juro já eram altas, o
número de incumprimentos de empréstimos aumentou fortemente. Em
resultado, o número de vendas de arrestos aumentou, o que mais uma vez
deprimiu os preços do imobiliário. Agora a ascensão nos
preços já não estava a reduzir-se; nos fim de 2006 os
preços começaram a afundar.
Com a crescente insolvência dos compradores de imobiliário, caiu o
fundamento dos rendimentos em juros dos títulos baseados sobre estas
hipotecas, e com o afundamento dos preços imobiliários, o
colateral destes títulos também se foi, e os seus preços
caíram. Isto forçou os bancos e os fundos que haviam comprado
estes títulos a empenharem-se cada vez mais em "ajustamentos de
valor" nos seus balanços, um processo que provavelmente ainda
não chegou ao seu fim.
Características especiais da crise actual
O fenómeno descrito até agora não constitui nada inabitual
na história do capital. A crise actual é notável por
causa do papel que os bancos nela desempenharam. Nas crise de bolsas de
acções, os perdedores frequentemente são os investidores
muito pequenos que colocaram os seus pés de meias em
acções e que descobriram-se na posse de papeis sem valor
após um crash ou aqueles que estão mesmo em dívida porque
financiaram as suas compras de acções com empréstimos. No
caso da crise imobiliária americana, as partes aflitas são os
bancos e os hedge funds especulativos que compraram os empréstimos
imobiliários (ou títulos cobertos pelos empréstimos) dos
bancos emitentes. Muitos proprietários de casas insolventes perderam as
suas poupanças, que aplicaram nas casas, devido aos arrestos. Mas pelo
menos o crédito fácil oferecido pelos bancos permitiu um
nível de consumo mais alto ao longo de anos. Desta vez, não
foram os pequenos poupadores colocando seu magro capital em
acções que fogem do dia para a noite, mas sim bancos a
financiarem a compra de imóveis de preço excessivo e as despesas
de consumo dos proprietários de casas.
A extensão das perdas que bancos individuais tiveram de absorver
(não só bancos americanos, mas também por exemplo bancos
públicos e privados alemães que tomaram parte em
transacções especulativas aparentemente seguras) ainda não
é clara. Não só porque os bancos estão relutantes
em dar ao conhecimento público a extensão das suas perdas como
também porque frequentemente eles próprios não
estão plenamente conscientes da extensão exacta. Quando entraram
na compra dos títulos cobertos pelos empréstimos
imobiliários, os bancos confiaram cegamente no julgamento das chamadas
"agências de classificação". Mas as
classificações "AAA" de maior qualidade foram pagas
pelos próprios bancos que emitiram os títulos, o que não
ajuda necessariamente no que se refere à objectividade das
classificaçóes. Uma vez que ninguém sabe exactamente qual
banco está na posse de quantos empréstimos podres ou talvez mesmo
a enfrentar a bancarrota, a desconfiança entre os bancos tem crescido o
que no ano passado quase paralisou as operações
interbancárias. No comércio interbancário, os bancos
concedem uns aos outros empréstimos a curto prazo sem quaisquer
formalidades a fim de assegurar que o negócio prossiga suavemente. Mas
se um banco tem de levar em conta que o outro banco pode estar em bancarrota
amanhã, o típico empréstimo "over night"
também se torna um risco. Problemas maiores têm sido impedidos
até agora apenas porque bancos centrais reagiram com uma rápida
expansão da concessão de empréstimos
Mudanças dentro do capitalismo
As enormes perdas que até agora tem sido o assunto em discussão
no fim de Abril, os bancos anularam cerca de 270 mil milhões de
dólares, mas o total pode acabar por ir aos 400-500 mil milhões
também são uma expressão das mudanças
estruturais que se tem verificado dentro do capitalismo global nos
últimos 30 anos: desde a crise económica global de 1974/75 e as
políticas neoliberais introduzidas em consequência, a
distribuição de riqueza nos principais países capitalistas
mudaram consideravelmente em benefício do capital e de indivíduos
de alto rendimento. Os salários reais aumentaram apenas um bocadinho
desde então, o aumento na riqueza social beneficiou quase exclusivamente
aqueles que já possuíam altos rendimentos e grande riqueza. Uma
grande parte destes ganhos de rendimentos, bem como parte dos lucros crescentes
dos negócios, foi investida nos mercados financeiros, os quais
conseguiram cortejar os investidores com novos tipos de instrumentos
financeiros especulativos (os chamados "derivativos") desde a
desregulação geral dos mercados na década de 1970.
Várias "pensões de reforma", todas elas
instituídas a expensas de sistemas de pensão do Estado,
também levaram a tentativas da parte de muitos empregados de melhorarem
os pagamentos das suas pensões através de "fundos de
pensão", de modo que indivíduos com rendimentos mais baixos
também acabaram por investir indirectamente nos mercados financeiros.
Em resultados destes desenvolvimentos, o volume de riqueza financeira cresceu
muito mais fortemente nas últimas poucas décadas do que a
produção agregada. E há uma busca constante por novas
oportunidades de investimento para este enorme aumento da riqueza financeira, o
que estimula grandemente a especulação.
Contudo, as perdas acima mencionadas constituem uma fracção da
riqueza financeira internacional, a qual monta a cerca de 150.000 mil
milhões de dólares americanos. As perdas globais até
agora de cerca de 270 mil milhões estão na escala do
défice anual do orçamento federal dos EUA e podem facilmente ser
absorvidas pelos mercados financeiros globais. Mas pode bem acontecer que um
ou dois grandes bancos deparem-se com dificuldades semelhantes àqueles
encontrados pelo quinto maior banco americano, o Bear Stearns, cuja bancarrota
só pôde ser evitada pela sua venda a preço de salto
intermediado pelo Federal Reserve ao J.P. Morgan Chase, o segundo maior
banco americano.
Novos centros de acumulação capitalista
Em consequência da crise financeira, começou uma recessão
nos EUA (ainda que isto não tenha sido oficialmente reconhecido). Os
bancos tem travado a concessão de empréstimos e os consumidores
privados que acabam de perder as suas casas não podem continuar a
consumir nos mesmos níveis. Considerando o peso significativo que tem o
mercado interno para a economia dos EUA, uma baixa cíclica pode ser
inevitável, mesmo com um dólar fraco fazendo com que as
exportações americanas fiquem mais competitivas no mercado
global. É notável, contudo, que esta baixa até agora teve
efeitos relativamente menores sobre a economia global. Na Europa e
particularmente na Alemanha, as previsões de crescimento têm sido
revistas para baixo, mas com a "tendência de subida" dos
últimos poucos anos, uma baixa cíclica era prevista de qualquer
modo. Os EUA ainda são a potência económica mais forte,
mas com o desenvolvimento de países da Ásia e partes da
América Latina, emergiram novos centros de acumulação de
capital que não são mais simplesmente uma "periferia"
de uma economia global conduzida pela Europa Ocidental e América do
Norte. Em alguma medida, eles podem compensar a queda de procura nos EUA. Que
companhias indianas estejam a ganhar fama por si próprias com tomadas de
controle espectaculares (a Jaguar foi comprada pela Tata Motors; a maior
companhia siderúrgica europeia, Arcelor, foi comprada pela Mittal
Steel), e que o banco central chinês possua reservas maciças de
divisas estrangeiras, constitui simplesmente a expressão óbvia
deste desenvolvimento. O capitalismo competitivo global está a
tornar-se cada vez mais multipolar, um desenvolvimento acompanhado pela perda
relativa da significância económica dos EUA (ver "Profit
without End: Capitalism Is Just Getting Started," MRZine, 28/07/07).
Novas formas de regulação e novas crises
A crise actual também indica outra coisa. Cerca de 30 anos atrás
terminou a era do keynesianismo: políticas keynesianas que haviam
sido
reduzidas a "gastos deficitários" foram substituídas
por conceitos neoliberais decorrentes da suposição de que
"os mercados" são as entidades melhores e mais eficientes para
regular a economia. Desde a desregulação da década de
1980, a flexibilização e a privatização
verificaram-se por praticamente todo o mundo. Hoje, os
mercados financeiros aproximam-se mais estreitamente do ideal neoliberal de um
mercado livre e flexível: regulamentações estatais
foram
cortadas radicalmente, e devido à natureza dos objectos sendo
comerciados, os lapsos de tempo e os custos de transacção
são mínimos, os "impulsos do mercado" podem portanto
impor-se sem obstáculo. Mas são precisamente estes mercados
financeiros desregulados que demonstraram ser extremamente instáveis e
propensos a crises. Mesmo Josef Ackermann, responsável do Deutsche
Bank, teve recentemente de admitir que já não acredita nos muito
apregoados "poderes de auto-correcção do mercado". E o
Fundo Monetário Internacional, que até agora obrigava todos os
países em desenvolvimento que precisavam de crédito a "mais
mercados" (também e especialmente no sector financeiro), descobriu
à luz da crise financeira que a arquitectura financeira internacional
apresenta "deficiências dramáticas" e que é
necessário mais controle do Estado e regulação. Mas se
tal regulação está realmente para vir em breve é
incerto: Ackermann não pretendia que a sua crítica fosse
entendida como um pedido de mais intervenção do Estado. Ao
invés disso, ele apresentou um código de conduta
voluntário ao qual instituições deveriam aderir no futuro.
As propostas discutidas pelo FMI também permanecem extraordinariamente
vagas. É possível que seja necessária uma nova crise
antes
de uma nova onda regulatória poder começar. Mas o
período de ingénua euforia do mercado parece estar ultrapassado a
partir de agora.
Contudo, mesmo que uma nova era de regulação dos mercados
financeiros esteja a caminho, isso não tornará o capitalismo
livre de crises. Ao analisar o capitalismo, é preciso distinguir entre
arranjos institucionais que favorecem crises e tendências fundamentais do
capitalismo dirigidas para a crise, as quais estão enraizadas por um
lado nas determinações contraditórias da
produção capitalista e por outro na circulação
capitalista. Arranjos institucionais podem ser alterados, e em regras as
crises tendem a induzir tais mudanças. Que o objectivo da
produção capitalista é a maximização do
lucro e que isto é parcialmente mediado pela especulação,
entretanto, não pode ser mudado, ou pelo menos não sem abolir o
capitalismo.
Também há indicações de novas crises. A enorme
ascensão do consumo nos últimos poucos anos levou a uma escalada
nos preços das matérias-primas e à actual ascensão
nos preços dos alimentos. No caso de preços em ascensão e
de expectativas de novos aumentos de preços, o investimento especulativo
aumentará, no qual activos são comprados unicamente com a
intenção de vendê-los a um preço mais alto.
Já há conjecturas de que o aumento de preço do
petróleo bruto e do trigo é parcialmente um resultado de
contratos futuros especulativos, de modo que novas bolhas especulativas
estão a emergir.
O aumento dos preços dos alimentos já teve um considerável
impacto económico na Índia e particularmente na China, eles
estão a alimentar a já elevada taxa de inflação.
Não pode ser excluída a possibilidade de o banco central
chinês tentar combater a inflação com a
elevação das taxas de juro ou com um endurecimento da oferta
monetária, sufocando portanto as até agora
extraordinárias taxas de crescimento taxas de 8-9 por cento ao
ano.
Então o outro lado da moeda das estruturas multi-polares do capitalismo
global tornar-se-á evidente: uma crise económica na China
não seria apenas um problema chinês, seria um problema para toda a
economia capitalista global. Mesmo sem o temido colapso do sistema financeiro,
as perspectivas do capitalismo competitivo global são tudo menos
róseas.
[*]
Matemático e cientista político
, residente em Berlim. Editor de
Prokla Journal of Critical Social Science
.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/heinrich090608.html
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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