Crise sistémica global
Último alerta antes do choque do Outono de 2011:
Quando US$15 milhões de milhões de activos financeiros se
desfarão em fumo
Em 15 de Dezembro de 2010, no GEAB nº 50, a equipe do LEAP/E2020
antecipava a explosão das dívidas públicas ocidentais no
segundo semestre de 2011. Descrevíamos então um processo que
partiria da crise das dívidas públicas europeias
[1]
para a seguir atear o fogo ao coração do sistema financeiro
mundial, ou seja, a dívida federal dos EUA
[2]
. E eis-nos aqui, com este GEAB nº 56, à beira do segundo semestre
de 2011, com uma economia mundial em pleno descalabro
[3]
, um sistema monetário global cada vez mais instável
[4]
e praças financeiras que estão em transe
[5]
, tudo isso apesar dos milhões de milhões de dinheiro
público investidos para evitar precisamente este tipo de
situação. A insolvência do sistema financeiro mundial, e em
primeiro lugar do sistema financeira ocidental, retorna novamente à
frente da cena após pouco mais de um ano de políticas
cosméticas visando afundar este problema fundamental sob carradas de
liquidez.
Em 2009 havíamos estimado que o planeta contava com cerca de US$30
milhões de milhões de activos fantasmas. A metade aproximadamente
desfez-se em fumo em seis meses, entre Setembro de 2008 e Março de 2009.
Para a nossa equipe, é agora a vez de a outra metade, os restantes 15
milhões de milhões de activos fantasmas, pura e simplesmente
desvanecerem-se entre Julho de 2011 e Janeiro de 2012. E desta vez, as
dívidas públicas estarão igualmente em causa, ao
contrário de 2008/2009 em que foram essencialmente os actores privados
os afectados. Para avaliar a dimensão do choque que se prepara, é
útil saber que mesmo os bancos americanos começam a reduzir a sua
utilização dos Títulos do Tesouro dos EUA para garantir
suas transacções, por medo dos riscos crescentes que pesam sobre
a dívida pública estado-unidense
[6]
.
Para os actores do planeta financeiro, o choque do Outono de 2011 vai assim
corresponder no sentido literal ao facto de sentirem o chão ruir sob os
seus pés, uma vez que é a própria base do sistema
financeiro mundial, o Título do Tesouro dos EUA, que se vai afundar
brutalmente
[7]
.
Neste GEAB nº 56 abordamos os dois aspectos mais perigosos deste choque do
Outono de 2011, a saber:
- o mecanismo de detonador das dívidas públicas europeias
- o processo de explosão da bomba estado-unidense em matéria de
dívidas públicas.
Paralelamente, neste contexto de aceleração da reequilibragem das
correlações de força planetárias, apresentamos a
antecipação de um processo geopolítico fundamental
referente à realização de uma cimeira Euro-BRICS daqui
até 2014.
Finalmente, concentramos nossas recomendações nos meios de evitar
fazer parte destes 15 milhões de milhões de activos fantasmas que
se vão desvanecer em fumo nos próximos meses, com uma
menção muito particular ao imobiliário residencial
ocidental cujo afundamento dos preços que havíamos antecipado
para 2015 começa de facto a partir de 2012.
No comunicado público GEAB nº 56 apresentamos uma parte da
antecipação acerca do mecanismo de detonador das dívidas
públicas europeias.
O mecanismo detonador das dívidas pública europeias
Os operadores financeiros anglo-saxónicos brincaram de aprendizes de
feiticeiro durante um ano e meio e as primeiras manchetes do
Financial Times
em Dezembro de 2009 sobre a crise grega tornaram-se rapidamente uma chamada
"crise do Euro". Não retornaremos às vicissitudes desta
formidável manipulação da informação
[8]
orquestrada a partir da City de Londres e da Wall Street uma vez que já
consagrámos numerosas páginas em vários GEAB ao longo
deste período. Contentamo-nos em constatar que dezoito meses depois, o
Euro se comporta bem ao passo que o Dólar continua a sua descida aos
infernos em relação às grandes divisas mundiais; e que
todos aqueles que apostaram na deslocação da zona Euro perderam
muito dinheiro. Como havíamos antecipado, a crise favorece a
emergência de um novo soberano, a Eurolândia, que permite hoje
à zona Euro estar bem melhor preparada que os Japão, os Estados
Unidos ou o Reino Unido
[9]
quanto ao choque do Outono de 2011 ... ainda que ela esteja em vias de
desempenhar um papel de detonador nesta matéria, muito apesar dela. O
"bombardeamento" (pois é preciso chamar as coisas pelos seu
nome)
[10]
, entrecortado por pausas de algumas semanas
[11]
, ao qual está
submetida a Eurolândia desde este tempo teve de facto três grandes
efeitos consecutivos, muito afastados quanto a dois deles dos resultados
pretendidos pela Wall Street e pela City:
1. Num primeiro tempo (Dezembro 2009 Maio 2010), fez desaparecer o
sentimento de invulnerabilidade da divisa europeia tal como se havia
constituído em 2007/2008, introduzindo a dúvida sobre a sua
perenidade e sobretudo relativizando a ideia de que o Euro era a alternativa
natural ao US Dólar (ou mesmo seu sucessor).
2. Depois, num segundo tempo (Junho 2010 Março 2011), levou os
dirigentes da Eurolândia a porem mãos à obra a "muito
grande velocidade" todas as medidas de salvaguarda, de
protecção e de reforço da moeda única (medidas que
já deveriam ter sido tomada há numerosos anos). Fazer isto
redinamizou a integração europeia e restabeleceu o núcleo
fundacional na cabeça do projecto europeu, marginalizando em particular
o Reino Unido
[12]
. Ao mesmo tempo, isto promoveu apoio crescente à divisa europeia por
parte dos BRICS, encabeçados pela China, os quais após um momento
de hesitação se tornaram conscientes de dois pontos fundamentais:
primeiro que os europeus estavam a actuar seriamente para enfrentar o problema
e, em segundo lugar, dado o encarniçamento anglo-saxónico, o Euro
era obviamente uma ferramenta essencial para qualquer tentativa de sair do
"mundo do dólar"
[13]
.
3. Enfim, actualmente (Abril 2011 Setembro 2011), a crise conduz a zona
Euro a empreender afectar os sacrossantos investidores privados a fim de os por
a contribuir para resolver o problema grego através, nomeadamente, das
extensões "voluntárias" dos prazos de reembolso (ou
qualquer outra forme de corte nos lucros previstos)
[14]
.
Como se pode imaginar, se o primeiro impacto era certamente um dos objectivos
perseguidos pela Wall Street e pela City (além do facto de desviar a
atenção dos problemas maciços do Reino Unido e dos Estados
Unidos), os dois outros em contrapartida são efeitos totalmente
contrários ao fim que se buscava: enfraquecer o Euro e reduzir sua
atracção mundial.
Sobretudo quando se prepara uma quarta sequência que vai assistir, daqui
até o princípio de 2012
[15]
, o lançamento de um mecanismo de Eurotítulos (Eurobonds),
permitindo mutualizar uma parte das emissões de dívidas dos
países da Eurolândia
[16]
, assim como a inevitável pressão política crescente
[17]
para aumentar a parte da contribuição privada neste vasto
processo de reestruturação
[18]
da dívida dos países periféricos da zona Euro
[19]
.
E com esta quarta sequência entra-se no cerne do processo de
contágio que vai fazer explodir a bomba do endividamento federal dos
EUA. Pois, por um lado, ao criar um contexto mediático e financeiro
mundial ultra-sensibilizado para as questões de endividamento
público, a Wall Street e a City tornaram visível a amplitude
insustentável dos défices públicos estado-unidense,
britânico e japonês
[20]
. Isso obrigou mesmo as agências de notação, fieis
cães de guarda das duas praças financeiras, a lançarem-se
numa corrida louca para a degradação das notas dos Estados.
É por esta razão que os Estados Unidos se encontram agora sob a
ameaça de uma degradação, como havíamos antecipado,
quando isso parecia impensável para a maior parte dos peritos há
apenas alguns meses atrás. E paralelamente o Reino Unidos, a
França, o Japão, ... encontram-se igualmente na mira das
agências
[21]
.
Recordamos que estas agência jamais anteciparam nada de importante (nem
as subprimes, nem a crise mundial, nem a crise grega, nem a Primavera
árabe, ...). Se hoje elas degradam atabalhoadamente, é porque
estão presas ao seu próprio jogo
[22]
. Não é mais possível degradar um A sem afectar a nota B
se B não estiver em melhor situação. Os
"pressupostos" sobre o facto de que é impossível a tal
ou tal Estado entrar em incumprimento da sua dívida não
resistiram a três anos de crise: é aqui que a Wall Street e a City
caíram na armadilha a qual ameaça todos os aspirantes a
aprendizes de feiticeiro. Eles não viram que lhes seria
impossível controlar esta histeria em torno da dívida grega.
Assim, hoje, é no Congresso dos EUA, no quadro de um violento debate
sobre o tecto de endividamento e os cortes orçamentais maciços,
que desenvolvem as consequências dos artigos manipuladores destes
últimos meses sobre a Grécia e a zona Euro. Mais uma vez, nossa
equipe não pode senão sublinhar que se a História tem um
sentido, este é sem dúvida o da ironia.
Notas:
(1) Inclusive o facto de que os investidores privados (nomeadamente os bancos)
seriam postos a contribuir para resolver o problema da dívida grega.
(2) Sem esquecer naturalmente as dívidas das colectividades locais
americanas.
(3) Os Estados Unidos retomam a recessão. A Europa desacelera assim
como a China e a Índia. A ilusão de uma retomada mundial
doravante está totalmente acabada. É igualmente esta
situação muito inquietante que explica porque as grandes empresas
acumulam tesouraria: elas não querem encontrar-se outra vez como em
2008/2009 dependentes de bancos eles próprios em crise de liquidez.
Segundo LEAP/E2020, as PME e os particulares deveriam meditar utilmente nesta
situação. Fonte: CNBC, 06/06/2011
(4) James Saft, editorialista de renome para a Reuters e o
New York Times,
chega mesmo ao ponto de desejar "boa sorte para a hegemonia do
Dólar". Fonte: Reuters, 19/05/2011
(5) As bolsas sabem que a "festa" está acabada com o fim da
Quantitative Easing dos EUA e o retorno da recessão. E os operadores
financeiros não sabem mais como encontrar aplicações
lucrativas e não demasiado arriscadas.
(6) Fonte: CNBC/FT, 12/06/2011
(7) Mesmo a Arábia Saudita doravante inquieta-se publicamente pela boca
do Príncipe AlWaleed, que evoca a "bomba da dívida dos
EUA". Fonte: CNBC, 20/05/2011
(8) Último exemplo: a manifestação anti-austeridade de
04/Junho em Atenas que penosamente reuniu menos de 1000 manifestantes ao passo
que os media anglo-saxónicos novamente fez manchetes com esta prova de
rejeição da população grega ... evocando milhares
de manifestantes. Fontes:
Figaro,
05/06/2011;
Financial Times,
05/06/2011;
Washington Post,
06/06/2011
(9) O
Telegraph
de du 07/06/2011, por exemplo, ensina-nos que desde os anos 1980 o Reino Unido
gastou 700 mil milhões de libras mais do que ganhou. Uma boa parte desta
soma entra nos 15 milhões de milhões de activos fantasmas que
vão desaparecer proximamente.
(10) Pode-se constatar o esgotamento do discurso sobre o "fim do
Euro" no facto de que daqui em diante a Wall Street está reduzida a
fazer intervir regularmente Nouriel Roubini para tentar credibilizar esta
fábula. O pobre Roubini, cujos trabalhos de antecipação
não previram nem a crise mundial nem nunca ultrapassaram seis meses,
vê-se reduzido a dever prever o "fim do Euro" daqui a cinco
anos, ou ao menos uma reforma fundamental da zona Euro podendo igualmente
redundar numa integração europeia reforçada. Citamos o
autor de acordo com a sua recente intervenção num congresso em
Singapura retomada no
Figaro
de 14/06/2011. Assim, se se resumir a previsão de Nouriel Roubini,
haveria um do Euro daqui a cinco anos salvo se de facto o Euro se
reforçasse através do estabelecimento definitivo de um "novo
soberano", a Eurolândia. Que antecipação! Para
além do efeito do anúncio espalhafatoso, isso consiste em dizer
que daqui a cinco anos (duração infinitamente longa em tempo de
crise, e Roubini falava de prazos muito mais próximos há alguns
meses), ele pode avançar uma coisa e o seu contrário. Obrigado
Doutor Roubini! É difícil tentar fazer prospectiva e trabalhar
para a Wall Street ao mesmo tempo. Enfim, ele faz o que é preciso para
tentar convencer (em vão) os asiáticos a não vender os
activos em Dólares em proveito daqueles em Euro.
(11) Quando os peritos e os media anglo-saxónicos não podem
realmente inventar mais nada para legitimar a manutenção da
"crise do Euro" nas manchetes.
(12) Mas também a Suécia cujas elites continuam a viver no mundo
do após 1945, aquele em que elas puderam enriquecer aproveitando-se dos
problemas do resto do continente. A propósito do Reino Unido, a City
contiua a tentar em vão evitar passar para o controle das autoridades
europeias como nos ensiva este artigo do
Telegraph
de 30/05/2011. O mais divertido neste artigo é a imagem escolhida pelo
jornal: uma bandeira europeia em farrapos. Contudo é a própria
City que está em vias de perder a sua independência
histórica em proveito da UE e não o contrário. Isto
é uma ilustração flagrante da impossibilidade de
compreender os acontecimentos que se desenrolam na Europa através dos
media britânicos, mesmo quando se trata do
Telegraph,
excelente quanto à sua cobertura da crise.
(13) Daí a sua motivação para comprar a dívida da
Eurolândia. Fonte: Reuters, 26/05/2011
(14) Fontes: YahooActu, 13/06/2011; DeutscheWelle, 10/06/2011;
Spiegel,
10/06/2011
(15) A crise não permitirá à Eurolândia esperar
2013, data prevista para rever o sistema adoptado em Maio de 2010, para
resolver este debate.
(16) Diversas fórmulas estão em estudo, mas as mais
prováveis organizam-se em torno de um sistema de emissão de
dívida pública a dois níveis: uma emissão
beneficiando da assinatura comum da Eurolândia (e portanto de taxas muito
baixas) num montante indo até uma percentagem máxima do PIB de
cada Estado (40%, 50%, 60%
cabe aos dirigentes da Eurolândia
escolher); para além deste patamar, as emissões não
são mais garantidas senão pela assinatura do Estado em causa,
implicando taxas rapidamente muito elevadas para os alunos menos sérios
da classe.
(17) A este respeito, é lamentável que os media internacionais
se interessem mais por alguns milhares de manifestantes gregos (ver mais
adiante neste número do GEAB um exemplo flagrante das diferenças
imensas entre números reais e números dos media
anglo-saxónicos) que supostamente encarnam a recusa da austeridade
europeia e a fraqueza da zona Euro, ao invés da expectativa real dos
gregos cuja carta aberta dos seus intelectuais acusa não a
Eurolândia mas as suas próprias elites políticas e
financeiras de serem incapazes de respeitarem seus compromissos e apela ao
nivelamento do sistema político-social grego com o do resto da
Eurolândia. Fonte: L'Express, 09/06/2011
(18) A propósito da palavra "reestruturação"
sobre a qual deliram amplamente em artigos e emissões economistas e
financeiros de todos os géneros, nossa equipe deseja dar uma
precisão límpida de simplicidade: é evidente que uma parte
da dívida grega pertence a estes 15 milhões de milhões de
activos fantasmas que se vão evaporar nos próximos meses. Pouco
importa a palavra utilizada, "reestruturação",
"incumprimento", ..., como havíamos indicado nos GEAB
anteriores, a Eurolândia organizará um processo que fará
perder aos credores menos poderosos ou aos mais expostos uma parte
significativa das suas aplicações na Grécia. É a
isso que se chama uma crise. E a "razão de Estado" funciona
sempre da mesma maneira. Mas, de qualquer modo, daqui até lá, o
problema será deslocado para os Estados Unidos, o Japão, o Reino
Unido, e mais ninguém prestará atenção ao caso
grego cujos montantes são ridículos em comparação:
Grécia 300 mil milhões de euros; EUA, 15 milhões de
milhões de dólares.
(19) E o próximo exame pelo Tribunal Constitucional de Karlsruhe de
recurso contra o Fundo de Estabilização Europeu não
porá em causa as decisões tomadas, vai aumentar a pressão
na Alemanha para que o sector privado participe das soluções, ou
seja, das perdas. Fonte: Source : Spiegel, 13/06/2011
(20) Um cálculo muito simples permite avaliar a diferença entre
o problema grego actual e a crise estado-unidense em preparação:
os bancos em particular vão ser obrigados a assumir entre 10% e 20% do
custo do salvamento da dívida grega, ou seja, entre 30 e 60 mil
milhões de euros. É isto que nestes dias "excita" as
agências de notação a propósito dos bancos europeus.
A explosão da bomba da dívida federal dos EUA imporá no
mínimo um custo de proporções idênticas para os
bancos e outros detentores institucionais desta dívida. Fala-se portanto
neste caso (uma estimativa conservadora pois a própria natureza da
utilização do Títulos EUA implicará uma
contribuição privada mais importante) de montante compreendidos
entre 1500 e 3000 mil milhões de dólares. Isto é coerente
com nossa estimativa dos 15 milhões de milhões de activos
fantasmas que desaparecerão nos próximos trimestres.
(21) Fontes: Reuters, 08/06/2011;
Le Monde,
11/06/2011; FoxNews, 30/05/2011
(22) E uma das consequências deste jogo é que os europeus se
preparam não só para enquadrar severamente os métodos das
agências de notação como vão muito simplesmente
criar concorrentes às agências anglo-saxónicas, como
já o fizeram os chineses cuja agência Dagong estima que os Estados
Unidos entraram num processo de incumprimento da sua dívida. E ao perder
o monopólio da medida do risco, a Wall Street e a City vão assim
perder a sua aptidão para fazer ou desfazer fortunas. Fontes: CNBC,
02/06/2011 ; YahooNews, 10/06/2011
15/Junho/2011
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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