Crise sistémica global:
Cessação de pagamentos do governo americano no Verão de
2009
Por ocasião do aparecimento do GEAB Nº 28, o LEAP/E2020 decidiu
lançar um novo alerta no quadro da crise sistémica global pois
nossos investigadores consideram que no Verão de 2009 o governo
americano estará em cessação de pagamentos e não
poderá portanto reembolsar seus credores (detentores de Títulos
do Tesouro dos EUA, títulos da Fanny Mae e do Freddy Mac, etc). Esta
situação de bancarrota evidentemente terá
consequências muito negativas para o conjunto dos proprietários de
activos denominados em dólares dos EUA. Segundo a nossa equipe, o
período que então se abrirá tornar-se-á
propício ao lançamento de um "novo dólar"
destinado a remediar brutalmente o problema da cessação de
pagamentos e da fuga maciça de capitais fora dos Estados Unidos. Este
processo decorrerá dos cinco factores seguintes que são
analisados mais em pormenor no GEAB Nº 28.
1- A evolução recente, em alta, do dólar é uma
consequência directa e provisória da queda das bolsas mundiais
2- O "baptismo político" do euro acaba de ter lugar dando uma
alternativa "de crise" ao dólar, enquanto "valor
refúgio" crível
3- A dívida pública americana incha de maneira doravante
incontrolável
4- O colapso em curso da economia real dos Estados Unidos impede toda
solução alternativa à cessação de pagamentos.
5- "Forte inflação ou hiper-inflação nos
Estados Unidos em 2009", esta é a única questão.
Mas já se pode ter uma ideia da evolução que se aproxima
examinando a Islândia, que a nossa equipe acompanha à lupa desde o
princípio de 2006. Este país constitui com efeito um bom exemplo
do que espera os Estados Unidos, e igualmente o Reino Unido. Pode-se
considerar, tal como bom número de islandeses hoje, que o colapso do
sistema financeiro foi provocado pelo facto de estar super-dimensionado em
relação ao porte da economia do país.
A Islândia, em matéria financeira, deixou-se dominar pelo Reino
Unidos
[1]
. Como em matéria financeira o próprio Reino Unidos foi dominado
pelos Estados Unidos e como os Estados Unidos estão dominados por todo o
planeta, não é inútil meditar no precedente islandês
[2]
para apreender o rumo dos acontecimentos dos próximos doze meses em
Londres e em Washington
[3]
.
Com efeito, assistimos actualmente a um duplo fenómeno histórico:
- por um lado, desde o mês de Setembro de 2008 (como anunciado no GEAB
Nº 22, de Fevereiro de 2008), o conjunto do planeta doravante está
consciente da existência de uma crise sistémica global
caracterizada por um colapso do sistema financeiro americano e seu
contágio ao resto do planeta.
- por outro lado, actores mundiais cada vez mais numerosos tratam de agir
por si mesmos diante da ineficácia das medidas preconizadas ou adoptadas
pelos Estados Unidos, apesar de este ser o centro do sistema financeiro mundial
desde há décadas. O exemplo da 1ª Cimeira da
Eurolândia (ou
Eurozona
), que se verificou domingo 12 de Outubro de 2008
e cujas decisões, pela sua amplitude (cerca de 1.700 mil milhões
de euros) e sua natureza
[4]
, permitiram um retorno da confiança nos mercados financeiros de todo o
planeta, é a este respeito inteiramente exemplar do "mundo
pós Setembro de 2008".
Pois há certamente um "mundo pós Setembro de 2008".
Para a nossa equipe, doravante é evidente que este mês
ficará nos livros de história de todo o planeta como aquele
"a datar" o desencadeamento da crise sistémica global; mesmo
se não se tratar de facto senão da fase de
"decantação", a última das quatro fases desta
crise identificada desde Junho de 2006 por LEAP/E2020
[5]
. Como acontece sempre nos grandes conjuntos humanos, a
percepção da mudança pela maioria não se verifica
senão quando a mudança já está de facto bem
avançada.
No caso presente, Setembro de 2008 marca a grande explosão do
"detonador financeiro" da crise sistémica global. Segundo
LEAP/E2020, este segundo semestre de 2008 é com efeito o momento em que
"o mundo mergulha no coração da fase de impacto da crise
sistémica global"
[6]
. Isto quer dizer que no fim deste semestre, segundo os nossos investigadores,
o mundo entre na fase dista de "decantação" da crise,
ou seja, a fase em que se vêem as consequências do choque
aparecerem. É de facto a fase mais longa da crise (entre três e
dez anos, conforme o país) e aquela que vai afectar directamente o maior
número de pessoas e de países. É a etapa igualmente em
que se delinearão os componentes dos novos equilíbrios mundiais
dos quais LEAP/E2020 apresenta duas primeiras ilustrações
gráficas neste GEAB Nº 28
[7]
.
Assim, como temos repetido reiteradas vezes desde 2006, esta crise é
muito mais importante, em termos de impacto e de consequências, que
aquela de 1929. Historicamente, todos nós somos os primeiros actores,
testemunhas e/ou vítimas, de uma crise que afecta todo o planeta, com um
grau de interdependência sem precedentes dos países (devido
à globalização destes últimos vinte anos) e das
pessoas (o grau de urbanização, e portanto de dependência
para as necessidades básicas água,
alimentação, energia, ... é hoje sem antecedentes
na História). Entretanto, o precedente dos anos 1930 e suas
terríveis consequências destruidoras parece bem presentes nas
memórias colectivas para nos permitir, se os cidadãos forem
vigilantes e os dirigentes lúcidos, evitar uma repetição
conducente a uma (ou várias) grande(s)
conflagração(ões).
Europa, Rússia, China, Japão, ... constituem sem nenhuma
dúvida os actores colectivos com poderes para assegurar que a
implosão em curso da potência dominante destas últimas
décadas, ou seja, os Estados Unidos, não conduza o planeta a uma
catástrofe. Com efeito, com excepção da URSS de
Gorbachov, os impérios têm tendência a tentar inutilmente
inverter o curso da História quando sentem seu poder entrar em colapso.
Cabe às potências parceiras canalizar pacificamente o processo,
assim como aos cidadãos e elites do país afectado fazer prova de
lucidez para enfrentar o período muito penoso que se prepara.
A "reparação de emergência" dos canais
financeiros internacionais, realizada sobretudo pelos países da zona
euro neste princípio do mês de Outubro de 2008 (8), não
deve mascarar três factos essenciais:
esta "reparação de emergência",
necessária para evitar um pânico que ameaçava engolir todo
o sistema financeiro mundial em poucas semanas, não trata
provisoriamente senão um sintoma. Ela não faz senão
ganhar tempo, dois ou três meses no máximo, pois a recessão
global e o colapso da economia americana (o gráfico acima mostra o
crescimento vertiginoso dos fundos emprestados aos bancos americanos pela
Reserva Federal) vão acelerar-se e criar novas tensões
económicas, sociais e políticas é preciso tratar
antecipadamente no próximo mês (uma vez executados os
"pacotes financeiros").
mesmo se fosse absolutamente necessário por em andamento o
sistema de
crédito, os gigantescos meios financeiros consagrados por todo o planeta
às "reparações de emergência" do sistema
financeiro mundial serão meios que não poderão ser postos
à disposição da economia real no próximo mês
para enfrentar a recessão global
a "reparação de emergência" constitui uma
marginalização, e portanto um enfraquecimento suplementar dos
Estados Unidos, pois ela estabelece processos contrários àqueles
louvados por Washington para os US$700 mil milhões do
TARP
de Hank Paulson e Bernanke: uma recapitalização dos bancos pelos
governos (decisão que Hank Paulson é agora obrigado a seguir) e
uma garantia dos empréstimos interbancários (de facto, os
governos da Eurolândia substituem-se aos seguradores de créditos,
uma indústria no cerne das finanças mundiais e essencialmente
americana desde há décadas). Estas evoluções
afastam sempre mais ligações decisionais e fluxos financeiros
para fora da órbita americana num momento em que a economia dos Estados
Unidos e a explosão da sua dívidas pública (9) e privada
teriam sido precisas mais do que nunca; sem sequer falar das pensões dos
aposentados que se evolam em fumos
[10]
.
Este último ponto ilustra como, no próximo ver, as
soluções para a crise e as suas diferentes sequencias
(financeira, económica, social e política) vão divergir
cada vez mais: aquilo que é bom para o resto do mundo não o
será para os Estados Unidos
[11]
e doravante, com a Eurolândia à cabeça, o resto do mundo
parece determinado a fazer suas próprias opções.
O choque brutal que gerará a cessação de pagamentos dos
Estados Unidos no Verão de 2009 é em parte uma consequência
deste desatrelamento decisional das grandes economias do mundo em
relação aos Estados Unidos. É previsível e talvez
seja amortecido se o conjunto dos actores começar desde já a
antecipar; é aliás um dos temas desenvolvidos neste GEAB Nº
28. O LEAP/E2020 espera apenas que choque de Setembro de 2008 tenha
"educado" os responsáveis políticos, económicos
e financeiros do planeta a fim de compreenderem que se age melhor por
antecipação do que na emergência. Seria danoso que a
Eurolândia, a Ásia e os países produtores de
petróleo, assim como os cidadãos americanos, descobrissem
brutalmente no decorrer do Verão de 2009, depois de um fim de semana
prolongado ou de um encerramento administrativo dos bancos e das bolsas no
território americano durante vários dias, que os seus
Títulos do Tesouro dos EUA e seus dólares não valem mais
do que 10% do seu valor pois um "novo dólar" acaba de ser
instaurado
[12]
.
Notas:
[1] A Islândia adoptou desde há mais de 10 anos todos os
princípios da desregulamentação e da
financiarização da economia que foram desenvolvidos e aplicados
nos Estados Unidos e no Reino Unido. Reykjavik tornara-se uma espécie
de
"Mini-Me"
financeiro de Londres e Washington, tal como o personagem do filme muito
americano-britânico de Austin Powers. E os três países
tentaram actuar financeiramente como
"o sapo que quer se tornar tão grande quanto o boi"
, como na fábula de Jean de la Fontaine cujo
fim é fatal para o sapo.
[2] Assim a bolsa islandesa entrou num colapso de 76% depois de ter sido
encerrada alguns dias a fim de "evitar" o pânico! Fonte:
MarketWatch
, 14/10/2008
[3] A este respeito, examinemos de perto o montante do "pacote
financeiro" anunciado por Londres, ou seja, 640 mil milhões
dos quais 64 mil milhões para recapitalizar os bancos e 320
mil milhões para suportar as dívidas a médio prazo destes
mesmos bancos (fonte:
Financial Times,
09/10/2008). Com uma economia em queda livre à semelhança do
mercado imobiliário, uma inflação galopante, fundo de
capitalização para pensões que se desvanecem em fumo e uma
moeda no seu ponto mais baixo, além de aumentar a dívida
pública e enfraquecer ainda mais a libra, vê-se mal como isso pode
"salvar" bancos britânicos já em má
situação. Ao contrário dos bancos dos países da
maior parte da zona euro, o sistema financeiro britânico, tal como seu
homólogo americano, está no cerne da crise, e não como uma
vítima colateral. Gordon Brown pode bem comparar-se a Churchill e
Roosevelt somados (fonte:
Telegraph,
14/10/2008), mas com o seu evidente desconhecimento da História, ele
esquece que nem Churchill nem Roosevelt haviam passado 10 anos nos comandos dos
seus países quando tiveram de enfrentar as suas respectivas "grande
crise" (isso vale aliás para os Estados Unidos e a
administração Bush Paulson e Bernake incluídos
que vêm todos "do problema" e portanto pouco
provavelmente fazem parte "da solução"). Sem contar
que Roosevelt e Churchill organizavam cimeiras como Yalta ou Teerão
deixando franceses e alemães à porta, ao passo que foi ele que
teve de permanecer à porta da Cimeira da Eurolândia.
[4] Fonte:
L'Express
, 13/10/2008
[5] Fonte
GEAB N°5
, 15/05/2006
[6] Fonte:
GEAB N°26
, 15/06/2008
[7] LEAP/E2020 apresenta assim uma síntese das suas
antecipações sobre a fase de decantação da crise
graças a um mapa mundial do impacto da crise diferenciando entre seis
grandes grupos de países; assim como um calendário antecipativo
2008-2013 das quatro sequências financeira, económico, social e
político para cada uma destas regiões.
[8] Pois foi a zona euro, a Eurolândia, que permitiu travar a espiral de
pânico global. Desde há semanas, as iniciativas americanas e
britânicas não têm tido efeito. É a
irrupção de um novo actor colectivo, a "cimeira da
Eurolândia" e suas decisões de envergadura que constituiu o
fenómeno novo e reconfortante. Trata-se aliás de um novo actor
que Washington e Londres impediram sistematicamente de emergir desde o
lançamento do euro há seis anos. E foi preciso toda uma
preparação diplomática (reunião prévia, foto
de grupo antes da cimeira, ...) para permitir ao primeiro-ministro
britânico fazer crer que ele não estava marginalizado neste
processo, quando ele não pertence de facto às cimeiras da zona
euro. Neste GEAB Nº 28, o LEAP/E2020 reexamina este fenómeno e as
consequências sistémicas duráveis da
efectivação da 1ª cimeira d Eurolândia.
[9] O plano de salvamento financeiro americano já acrescentou US$17 mil
à dívida de cada americano. Fonte:
CommodityOnline
, 06/10/2008
[10] Foram com efeito US$2 milhões de milhões de pensões
por capitalização que desapareceram em fumo nos Estados Unidos
nestas últimas semanas. Fonte:
USAToday,
08/10/2008
[11] Pelo menos a curto prazo. Pois nossa equipe está convencida de que
para o povo americano, a médio e longo prazos, não é mau
de todo que o sistema dominante em Washington em Nova York seja posto em causa
no fundamental. Foi efectivamente este sistema que mergulhou estes país
nos problemas dramáticos em que dezenas de milhões de americanos
hoje se debatem, como ilustra perfeitamente este artigo do
New York Times
de 11/10/2008.
[12] Mesmo que seja uma medida de pouca amplitude em relação
à perspectiva de cessação de pagamentos dos Estados
Unidos, aqueles que pensam que é tempo de reinvestir nos mercados
financeiros podem considerar útil saber que o New York Stock Exchange
acaba de rever todos os seus patamares de interrupção das
cotações por causa da queda demasiado forte das mesmas. Fonte:
NYSE/Euronext
, 30/09/2008
15/Outubro/2008
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/
Este comunicado encontra-se em
http://resistir.info/
.
|