O Clube de Roma, fundado em 1968 como um coletivo de destacados pensadores que ponderavam questões globais, adotou como seu tema principal que encarar os problemas da espécie humana individualmente, isoladamente ou como “problemas que podem ser resolvidos dentro dos seus próprios termos” estava condenado ao fracasso – “todos estão inter-relacionados”. Agora, cinquenta anos depois, isto tornou-se uma “verdade revelada” inquestionável para um segmento chave das populações ocidentais.
O Clube de Roma a seguir atraiu a atenção pública imediata com o seu primeiro relatório, Os limites do crescimento. Publicadas em 1972, as simulações computacionais do Clube sugeriam que o crescimento económico não podia continuar indefinidamente devido ao esgotamento de recursos. A crise petrolífera de 1973 aumentou a preocupação pública acerca do problema. O relatório tornou-se “viral”.
Sabemos a história: A um grupo de pensadores ocidentais foram colocadas três perguntas: Pode o planeta sustentar um nível de consumo de estilo europeu a propagar-se por toda a parte através do globo? A resposta destes pensadores era claramente um não. Segunda pergunta: Pode você imaginar estados industriais a prescindirem voluntariamente do seu padrão de vida pela desindustrialização? Resposta: Um definitivo “não”. Deve então um plano mais baixo de consumo e de uso da energia e dos recursos ser imposto a populações relutantes? Resposta: Definitivamente “sim”.
O segundo “grande pensamento” do Clube surgiu em 1991 com a publicação de A primeira revolução global. Ali se nota que, historicamente, a unidade social ou política tem sido habitualmente motivada por imaginar inimigos comuns:
“Na busca de um inimigo comum contra o qual possamos nos unir, tivemos a ideia de que a poluição, a ameaça do aquecimento global, da escassez de água, da fome e coisas semelhantes cumpririam essa tarefa. Na sua totalidade e nas suas interações, estes fenómenos constituem uma ameaça comum … [e] todos estes perigos são causados pela intervenção humana em processos naturais. Só através da mudança de atitudes e comportamento eles podem ser superados. O inimigo real portanto é a própria humanidade”.
Não é nosso objetivo aqui discutir se a “Emergência climática” está bem fundamentada – ou não – na ciência não-politizada. Mas, ao invés disso, destacar que “As coisas são o que são”. Sua iconografia psíquica foi capturado pelo culto à menina “Greta”.
Quaisquer que sejam os seus méritos – ou viéses – no ocidente um estrato significativo da sociedade chegou à convicção – intelectual e por crença – de que uma “Emergência climática” é tão evidentemente correta que qualquer evidência e argumentação contraditória deveria ser repudiada enfaticamente.
Tudo isto tornou-se um temor existencial do ocidente: crescimento populacional, recursos finitos e consumo excessivo significam o fim do nosso planeta. Precisamos salvá-lo. Não surpreendentemente, embrulhado neste “modo de pensamento” estão os primitivos temas ocidentais de identidade política; eugenia, a sobrevivência darwiniana dos eleitos (e a eliminação das iterações “menores” da vida) e o nihilismo europeu (o inimigo real somo “nós”, nós próprios).
Naturalmente, a “outra” faceta desta projeção ocidental da “realidade” que está a tornar-se extremamente evidente é o facto duro de que a Europa simplesmente não tem quaisquer fontes prontas de energia ou matérias-primas a que possa aceder (tendo virado as costas à sua fonte óbvia). E como observou Elon Musk, “A fim de a civilização continuar a funcionar, precisamos de petróleo e gás”, acrescentando que “qualquer pessoa razoável concluiria isso”. Não só o petróleo e o gás deveriam continuar em uso para manter a civilização a funcionar como, acrescentou Musk, nova exploração “justifica-se neste momento”.
Assim, os governos ocidentais devem ou aceitar a miséria económica numa escala que testaria o tecido da política democrática em qualquer país – ou enfrentar a realidade de que a questão da oferta de energia coloca efetivamente um limite quanto à medida em que o projeto "Salvar a Ucrânia" possa ser prosseguido (sem provocar revolta popular às resultantes altas de preços).
Este desdobramento da “realidade” real, é claro, também limita a extensão em que o decorrente objetivo geo-estratégico associado à Ucrânia – o qual é a salvação das “regras da ordem liberal” (centrais para as preocupações do ocidente). A face reversa deste temor central é então a preocupação de que a ordem mundial já esteja tão quebrada – porque a confiança já se foi – que a ordem mundial emergente já não seja moldada pela visão liberal do ocidente mas sim por uma aliança de economias que cada vez mais se aproximam entre si – e cuja confiança nos EUA e na Europa já se foi.
No nosso antigo mundo interconectado, em que Zoltan Pozsar sugere que aquilo que ele chama de Chimérica (a palavra para manufatura chinesa, casada confortavelmente com uma sociedade estado-unidense consumista); e Eurússia (em que energia e matérias-primas russas alavancavam valor para a base manufatureira da Europa) já não existe mais – foram substituídas pela “Chússia”.
Se a Chimérica já não funciona, e a Eurússia também não, inexoravelmente as placas tectónicas globais reposicionam-se em torno da relação especial entre a Rússia e a China ("Chússia") – que, juntamente com as economias centrais do bloco BRICS a atuarem em aliança com o "Rei" e a "Rainha" no tabuleiro de xadrez eurasiático, uma nova "partida celestial" é forjada a partir do divórcio da Chimérica e da Eurússia …
Em suma, a estrutura global mudou e com a confiança desaparecida, “o comércio tal como o conhecemos já não volta e é por isso que a inflação crescente não tão pouco está em vias de ser domada … As cadeias da oferta global funcionam só em tempo de paz, mas não quando o mundo está em guerra, seja uma guerra quente – ou uma guerra económica”, observa Pozsar, o principal guru dos canais financeiros ocidentais.
Hoje, estamos a assistir à implosão do “just in time” nas longas cadeias de abastecimento da ordem mundial globalizada, onde as corporações assumem que podem sempre obter o que precisam, sem mover o preço:
"Aqui, os disparadores [da implosão] não são a falta de liquidez e de capital na banca e nos sistemas bancários sombra. Mas sim uma falta de stock e proteção no sistema de produção globalizado, no qual concebemos em casa e gerimos a partir de casa, mas a fonte, a produção e o transporte são todos do estrangeiro – e, onde commodities, fábricas e frotas de navios são dominadas por estados – Rússia e China – que estão em conflito com o Ocidente" (Pozsar).
Ainda mais significativo é o 'quadro geral': Aquela antiga interligação e confiança era o que – muito simplesmente – assegurava baixa inflação (manufaturas chinesas baratas e energia barata russa). E da baixa inflação emanava as concomitantes taxas de juro baixas. Estas, em conjunto, compreendem a própria "substância" do projeto global ocidental.
Pozsar explica:
"Os EUA ficaram muito ricos a fazer QE (quantitative easings). Mas a licença para QEs veio do regime de 'baixa inflação' possibilitado pelas exportações baratas provenientes da Rússia e da China. Naturalmente, [situados no] topo da 'cadeia alimentar' económica global – os EUA – não querem que o regime de 'baixa inflação' termine, mas se a Chimérica e a Eurússia estão acabadas, o regime de baixa inflação terá de terminar, ponto final".
Isto representa essencialmente as inquietações existenciais orientalistas. A Rússia e a China, contudo, têm também a sua própria – separada – inquietação existencial. Ela decorre de uma fonte de ansiedade diferente. É que a América empreendeu guerras sem fim, para sempre, empreendidas para justificar o seu expansionismo político e financeiro predatório; além disso, a sua obsessão em propagar um cobertor NATO que embrulhe todo o planeta, irá – inevitavelmente – um dia acabar em guerra - uma guerra que arrisca tornar-se nuclear por fim ao nosso planeta.
Assim, temos aqui duas ansiedades – ambas potencialmente existenciais. E desligadas; passando uma pela outra sem serem ouvidas. O Ocidente insiste que a Emergência Climática é primordial, ao passo que a Rússia, a China e os Estados "Ilha Mundial Mackinder" lutam para forçar o Ocidente a abandonar a sua presunção de Missão global, a sua "Visão hegemónica" e o seu militarismo arriscado.
A questão para a Rússia-China é então como (parafraseando Lord Keynes) mudar atitudes que perduram há muito, remontando a séculos, no curto prazo, sem ir à guerra. Esta última qualificação é particularmente pertinente uma vez que um hegemon a enfraquecer é ainda mais apto a atacar com raiva e frustração.
A resposta de Lord Keynes foi que era necessária um "ataque" extremo sobre perceções de longa data era necessário. Para fazer esta 'operação', a Rússia agarrou em primeiro lugar o calcanhar de Aquiles de uma economia ocidental excessivamente alavancada que consome muito mais do que produz, como um meio para atacar perceções arraigadas através do sofrimento económico.
E em segundo lugar, através da apropriação para si próprio da Emergência Climática, a Rússia arranca a antiga esfera global ocidental do Ocidente, como meio de minar a sua perceção de si mesma – desfrutando de alguma imaginária aprovação global.
O primeiro caminho foi aberto pela Europa ao impor sanções à Rússia. Provavelmente, o Kremlin antecipou amplamente a resposta das sanções ocidentais ao decidir lançar a Operação Militar Especial a 24 de Fevereiro (afinal de contas, existia o precedente de 1998). E, portanto, a liderança russa provavelmente também calculou que as sanções iriam atuar como bumerangue contra a Europa – impondo uma miséria económica numa escala que iria testar o tecido da política democrática, deixando os seus líderes a enfrentar um ajuste de contas com um público enfurecido.
O segundo caminho tem sido conseguido através de uma extensão concertada do poder russo através de parcerias asiáticas e africanas sobre as quais está a construir relações políticas – baseadas no controlo global do abastecimento de combustíveis fósseis e de grande parte dos alimentos e matérias-primas do mundo.
Enquanto o Ocidente está a intimidar o "resto do mundo" para abraçar os alvos da Rede Zero, Putin oferece-se para os libertar da ideologia da mudança climática radical do Ocidente. O argumento russo também tem uma certa beleza estética: o Ocidente virou as costas aos combustíveis fósseis, planeando eliminá-los por fases, dentro de uma década ou mais. E quer que você (o não-ocidente) faça o mesmo. A mensagem da Rússia aos seus parceiros é que compreendemos bem que isto não é possível; as suas populações querem eletricidade, abastecimento de água limpa e industrialização. Podem ter petróleo e gás natural, dizem eles, e com um desconto sobre o que a Europa tem de pagar (tornando as vossas exportações mais competitivas).
O eixo Rússia-China está a pressionar uma porta aberta. Os não ocidentais pensam que o Ocidente tem a sua alta modernidade e agora quer eliminar a escada pela qual subiu, para que outros não possam aderir. Eles sentem que estes "alvos" ocidentais como as normas ESG (Environment, Social and Governance) são apenas outra forma de imperialismo económico. Além disso, os proclamados valores dos Não-Alinhados, de autodeterminação, autonomia e não-interferência externa, apelam hoje muito mais do que os valores "woke" ocidentais, que têm pouca força em grande parte do mundo.
A "beleza" deste audacioso "roubo" da antiga esfera ocidental reside em Produtores de Commodities que produzem menos energia mas embolsam rendimentos mais elevados; e desfrutam do benefício de preços mais elevados de commodities que elevam as apreciação da divisa nacional, ao passo que os consumidores recebem energia e pagam-na em divisas nacionais.
E no entanto... será esta abordagem russo-chinesa suficiente para transformar o zeitgeist ocidental? Será que um Ocidente maltratado começará a ouvir? Possivelmente, mas o que parece ter abalado toda a gente, e pode ter sido inesperado, foi a explosão de russofobia visceral a emanar da Europa na sequência do conflito na Ucrânia, e, em segundo lugar, o modo como a propaganda foi elevada a um nível que impede qualquer "inversão de marcha".
Esta metamorfose pode demorar muito mais tempo – à medida que a Europa se afunda transformando-se numa província distante e atrasada de uma "Roma Imperial" em decadência.