As últimas palavras de Craig Murray antes da prisão
O antigo diplomata britânico, agora na prisão por
alegado desrespeito ao tribunal, publicou a sua última mensagem no blog.
Só depois de solto, daqui a oito meses, será autorizado a
publicar outra vez
A vingança do establishment britânico pela sua defesa dos direitos
humanos e pelo apoio a Julian Assange
Quero dizer uma ou duas coisas para que reflicta enquanto eu estiver na
prisão. Esta é a última mensagem até a época
do Natal; não posso legalmente enviar qualquer mensagem enquanto estiver
preso. Mas o sítio web
Justice for Craig Murray Campaign
agora está a funcionar e em breve começará a ter mais
conteúdo. Um fórum para comentários prevê-se que
permaneça aberto.
Espero que um possível efeito positivo da minha prisão seja unir
a oposição à iminente abolição pelo governo
escocês de julgamentos por júri em casos de agressão
sexual, um plano em que Lady Dorrian que usa demasiados chapéus
em tudo isto
é a vanguardista
. Temos então uma situação onde, tal como estabelecido
pela minha prisão, nenhuma informação sobre a defesa no
processo pode ser publicada caso contribua para a
"identificação por quebra-cabeças"
(jigsaw identification)
e em que a condenação repousará puramente na
opinião do juiz.
Isto claramente não é "justiça aberta",
não é justiça de todo. E é ainda pior do que isso,
porque o objectivo abertamente declarado da abolição dos
júris é aumentar as taxas de condenação. Assim, as
pessoas terão as suas vidas decididas não por um júri dos
seus pares, mas por um juiz que actua sob instruções
específicas para
aumentar as taxas de condenação
.
Um adeus lacrimoso a Craig Murray com os seus apoiantes a cantarem
"Auld Lang Syne"
no momento em que se entrega à polícia na esquadra de St
Leonards, Edimburgo, a fim de iniciar o cumprimento da sua sentença de 8
meses por ter denunciado o caso
Alex Salmond
. Jornalismo sob ameaça na Escócia e no Reino Unido.
pic.twitter.com/X38Rf8opwA
Ragged Trousered Philanderer (@RaggedTP)
August 1, 2021
Observa-se frequentemente que as taxas de condenação nos
julgamentos por violação são demasiado baixas, e isso
é verdade. Mas será que já ouviu este lado do argumento?
No Uzbequistão sob a ditadura Karimov, quando lá trabalhei, as
taxas de condenação nos julgamentos por violação
eram de 100%. De facto, taxas de condenação muito elevadas
são uma característica padrão de regimes altamente
autoritários por todo o mundo, porque se o Estado o processar consegue
então o que quiser. Os desejos do Estado em tais sistemas superam
largamente a liberdade do indivíduo.
O meu ponto é simplesmente este. Não se pode julgar a validade de
um sistema simplesmente por altas taxas de condenação. O que
queremos é um sistema em que os inocentes sejam considerados inocentes e
os culpados considerados culpados; não um sistema onde um objectivo de
condenação arbitrária seja atingido.
A resposta para as baixas taxas de condenação em julgamentos por
agressões sexuais não é simples. Aumentos realmente
sérios nos recursos para a recolha atempada de provas, para treino
policial e unidades especializadas, para serviços médicos, para o
apoio à vítima, tudo isso tem um papel a desempenhar. Mas isso
requer muito dinheiro e reflexão. Apenas abolir os júris e dizer
aos juízes que pretende condená-los é claro que é
grátis, ou mesmo uma poupança.
O direito a ter os factos julgados em alegações de crimes graves
por um júri dos nossos pares é uma glória da nossa
civilização. É o produto de milénios, não
para ser deitado fora de ânimo leve e substituído por um enorme
aumento do poder arbitrário do Estado. Esse movimento é
obviamente alimentado pelo actual dogma político da moda, que é o
de que a vítima deve ser sempre acreditada. Essa afirmação
transmutou-se de uma intenção inicial de que a polícia e
os primeiros a responder devem levar as acusações a sério,
para um dogma de que acusação é prova e que é
errado até mesmo questionar as provas, o que naturalmente é negar
a própria possibilidade de falsa acusação.
Esta é precisamente a posição que Nicola Sturgeon assumiu
no julgamento de Alex Salmond; ser acusado é ser culpado,
independentemente das provas da defesa. Que as pessoas estejam alheias aos
perigos do dogma de que não deve haver defesa contra
alegações de agressão sexual, é para mim
profundamente preocupante. A alegação sexual é o
método mais comum que os Estados têm utilizado para atacar
dissidentes durante séculos, em todo o mundo e especialmente em regimes
autoritários. Mais perto de casa, pense-se na história que se
estende desde
Roger Casement
até Assange e Salmond.
Porque removeríamos a única barreira um júri de
cidadãos comuns que pode impedir o abuso do poder do Estado?
Preocupa-me que esta abolição dos júris terá sido
decretada pelo Parlamento escocês, mesmo antes de eu sair da
prisão. Preocupa-me que o Partido Trabalhista e o Liberal-Democrata a
apoiem por um modismo de correcção política. Preocupa-me
que uma liberdade importante desapareça.
Quero tocar num outro aspecto da liberdade em relação à
minha própria prisão que parece não ser compreendido, ou
talvez simplesmente negligenciado, porque de alguma forma a própria
noção de liberdade está a escapar da nossa cultura
política. Um ponto que se apresenta claramente nos pontos de conversa
troll
usados contra mim, recorrentes continuamente nos media sociais, é que
me foi ordenado que retirasse material do meu blogue e que eu recusei.
Há aqui um ponto extremamente importante. Sempre cumpri instantaneamente
qualquer ordem de um tribunal para retirar material. O que não fiz foi
cumprir as instruções da Coroa ou Procuradoria Fiscal para
remover o material. Porque faz mais de 330 anos que a Coroa teve o direito de
censura na Escócia sem a intervenção de um juiz.
Dá-me náuseas que tantos
trolls
apoiados pelo Governo escocês estejam a tuitar que eu deveria ter
obedecido às instruções da Coroa. Que a Escócia
tenha um partido governamental que apoia activamente o direito da Coroa a
exercer censura desenfreada é extremamente preocupante, e penso que um
sinal tanto da falta de respeito na moderna cultura política pelas
liberdades que foram conquistadas por pessoas que foram torturadas até
à morte, como da absoluta pobreza intelectual da actual classe
governante.
Mas agora ficamos a saber que a Escócia tem um governo que estava
preparado não só para ser cúmplice em dispensar a Coroa da
legislação sobre alterações climáticas, como
também cúmplice no abafamento do acordo secreto, por isso
não estou surpreendido.
O que é ainda mais terrífico no meu caso é que o Tribunal
declara explicitamente que eu deveria ter seguido as instruções
da Coroa naquilo que fiz e não publiquei e a minha omissão em
não publicar como a Coroa ordenou é um factor agravante na minha
sentença.
Se a Coroa pensa que algo que escrevo é desrespeitoso e eu penso que
não é, a Coroa e eu deveríamos ficar em pé de
igualdade em tribunal e argumentar os nossos casos. Não deveria haver a
presunção de que eu deveria ter obedecido à Coroa, em
primeiro lugar. Que a "justiça" escocesa tenha perdido de
vista este facto é desastroso, embora talvez tanto por estupidez como
por malícia.
Ataque aos media alternativos
O meu pensamento seguinte acerca do meu julgamento é o de enfatizar
novamente a
odiosa doutrina
que Lady Dorrian agora consagrou na lei, de que blogueiros deveriam ser
mantidos sob um padrão legal diferente (deduz-se que mais rigoroso) dos
media convencionais (o julgamento usa exactamente esses termos), porque os
media convencionais
(mainstream)
são auto-regulados.
Esta doutrina é utilizada para justificar a minha prisão quando
os jornalistas dos media
mainstream
não têm sido presos por desrespeito dos media há mais de
meio século, e também explicar porque razão fui processado
em casos onde os media
mainstream,
que provavelmente foram responsáveis por muito mais erros
(jigsaw)
de identificação, não foram processados.
Esta é uma lei odiosa e toda a minha equipa legal está
francamente surpreendida por o Supremo Tribunal se ter recusado a ouvir um
recurso sobre este ponto. Este
excelente artigo
de Jonathan Cook explica melhor as implicações assustadoras.
Aqueles artigos que o Tribunal me ordenou que retirasse foram retirados. Mas
não me foi ordenado que retirasse
este
, o qual foi considerado não desrespeitar o tribunal. Também
não me foi ordenado que retirasse as
minhas declarações juramentadas
, as quais, embora ligeiramente alteradas, continuam a ser extremamente
valiosas. Jurei a verdade de cada palavra e mantenho-me fiel a isso. Na altura
em que as publiquei, sabia-se muito menos sobre o caso Salmond do que se sabe
agora, e creio que valerá a pena lê-las novamente à luz do
vosso actual estado de conhecimento mais amplo absolutamente nada a ver
com a aprendizagem de identidades, mas sim com o que realmente aconteceu em
toda a trama para destruir Alex Salmond (algo que o juízo declara que
estou autorizado a dizer).
Finalmente, insto-o a considerar este discurso verdadeiramente notável
do deputado Kenny MacAskill, ex-secretário da Justiça da
Escócia, e considerar as suas implicações realmente
assombrosas. Ele diz-lhe tudo o que quer saber sobre a captura do governo
escocês por parte do establishment britânico. Os media mainstream
não sentiram necessidade de informar os pontos principais que ele estava
a mencionar, os quais constituem um esboço simplesmente espantoso de
abuso de poder corrupto.
Uma explicação: este blogue está a tornar-se sombrio
porque não posso, por lei, publicar a partir de dentro da prisão
ou dirigir um negócio a partir da prisão. O acesso a este blog
foi sempre livre e aberto e as subscrições foram sempre uma
contribuição voluntária e não uma compra.
Entende-se que todas as novas e contínuas subscrições a
partir de hoje, até voltarmos à vida, são
contribuições voluntárias para o bem-estar da minha
família e não em troca de alguma coisa.
[*]
Escritor, radialista e activista de direitos humanos. Foi embaixador
britânico no Usbequistão de Agosto de 2002 a Outubro de 2003 e
reitor da University of Dundee de 2007 a 2010. Sua cobertura está
inteiramente dependente do apoio dos leitores. Subscrições para
manter em funcionamento o blog
CraigMurray.org.uk
são
recebidas com gratidão
.