Expulsão de diplomatas russos anuncia tempos perturbados
A
expulsão em massa de diplomatas russos
por alguns países da União Europeia e América do Norte na
segunda-feira é um desenvolvimento sem precedentes e intrigante. Em
primeiro lugar, os EUA sozinhos representam cerca de dois terços das
expulsões 60 diplomatas. Curiosamente, mesmo a
Grã-Bretanha, a qual aparentemente é a parte agravada no caso
Skripal, expulsou menos da metade desse número 23. Em termos
amplos, entretanto, isto é um movimento anglo-americano com o qual um
certo número de países da UE e Canadá manifestou
solidariedade.
Em segundo lugar, o presidente Trump é aparentemente mais leal a Sua
Majestade no Buckingham Palace do que à primeira-ministra Theresa May.
Isto dá um contorno intrigante à narrativa. Por que é que
há um interesse tão excessivo por parte de Washington,
especialmente num momento em que o fervor da ligação
anglo-americana esmoreceu significativamente na era Trump? (O presidente Trump
ainda está para visitar o Reino Unido.)
Será uma táctica diversionista maciça da Casa Branca
depois de a actriz porno Stormy Daniels ter tirado as cuecas de Trump na sua
entrevista à TV no programa "60 minutos"
? Ou é ainda uma outra tentativa de Trump para alardear que não
é "mole" com a Rússia? Ou será o Estado Profundo
em acção como o encerramento do consulado russo em Seattle
pode bem sugerir? Não há respostas fáceis.
Em terceiro lugar, só menos da metade dos 28 países membros da UE
manifestaram apoio à campanha anglo-americana cerca do incidente do
espião. Há muita relutância ou cepticismo dentro da UE
acerca do que está em curso. Surpreendentemente, contudo, a Alemanha, a
qual exprimira cepticismo numa etapa inicial, agora juntou-se ao bando. O que
provavelmente mostra que houve imensa pressão de Washington e Londres.
No entanto, curiosamente, a generalidade dos países da UE fizeram apenas
expulsões "simbólicas". Sete países da UE
simplesmente mexeram-se para expulsar um diplomata russo cada um. Dito isso, a
campanha pressão continua e a probabilidade de mais países da UE
aderirem à expulsão não pode ser descartada. A
Áustria recusou-se sem rodeios a aderir. (Assim o fez a Turquia, a qual
virtualmente descartou uma posição da NATO, a qual exige apoio
unânime de todos os países membros.)
O que é verdadeiramente extraordinário é que as
circunstâncias que cercam o alegado envenenamento de um agente duplo do
MI6 de extracção russa ainda estão envoltas em
mistério. O líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy
Corbun, acautelou abertamente contra um julgamento apressado em artigo no
jornal
Guardian,
aqui
. A propósito, mesmo a primeira-ministra May afirma apenas ser
"altamente provável" que houvesse envolvimento russo
(não excluindo outros patifes.) Contudo, um princípio fundamental
na jurisprudência anglo-saxónica é de ninguém ser
considerado culpado a menos que a culpa seja provada.
Na verdade, é possível um conjunto de explicações
do que realmente pode ter acontecido em Salisbury. Ler uma análise
excelente do respeitado académico britânico Richard Sakwa,
professor de política russa e europeia na Universidade de Kent e
investigador associado da Chatham House, intitulado
The Skripal Affair,
aqui
.
Mesmo na América, há vozes de cepticismo. Um arrojado colunista
formulou 30 perguntas que exigem resposta. (Ver a coluna de Bob Slane
apresentada no sítio web do Ron Paul Institute for Peace and Prosperity,
intitulada
30 perguntas que jornalistas deveriam fazer acerca do caso Skripal
.)
Na minha opinião, toda esta controvérsia projecta-se como um
teste decisivo da parceria euro-atlântica em particular, da
liderança transatlântica dos EUA num momento de
definição em que a Grã-Bretanha está a abandonar a
condição de membro da UE. Isto por um lado. Mas, o mais
importante, será que anuncia a construção de algo muito
mais sinistro do que se poderia antecipar? Uma passagem particular do ensaio do
Prof. Sakwa constitui um recordatório gélido do que pode estar a
gestar o útero do tempo:
"A única questão é se a confrontação se
dissipará, como aconteceu em relação a Agadir em 1911, ou
se isto é a crise em câmara lenta de Sarajevo que poderia explodir
em chamas em algum momento posterior... Será isto um outro caso do
afundamento do Maine em 1898, onde a histeria pública subsequente
provocou a guerra contra a Espanha só para se descobrir posteriormente
que os paióis de munição do navio haviam explodido
acidentalmente; ou um incidente do Golfo de Tonquim em 1964, o qual foi
também uma operação de falsa bandeira mas provocou a
escalada da Guerra do Vietname. O ocidente pode estar a "unir-se"
contra a Rússia, como disse
The Times
em 16 de Março, mas para que propósito?".
27/Março/2018
[*]
Diplomata e analista político, indiano.
Ver também:
Governo britânico mente ainda nem identificou o [produto] químico utilizado
Neocons Are Back With a Big War Budget and Big War Plans
, Ron Paul
Is Trump Assembling a War Cabinet?
, Patrick Buchanan
Former OPCW official: no conclusive proof of Russian complicity in Salisbury attack
'Skripal case is a carefully-constructed drama'
, John Pilger (vídeo)
O original encontra-se em
blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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