A conspiração genocida contra a Coreia do Norte
Carta aberta ao Tribunal Penal Internacional
por Christopher Black
[*]
As ameaças americanas contra a Coreia do Norte continuam a agravar-se e
com isso a ameaça do genocídio do povo da Coreia do Norte pelos
Estados Unidos da América e seus aliados. A reunião dos EUA,
Canadá e outros países que atacaram a Coreia do Norte em 1950
efectuada em Vancouver, Canadá, no dia 16 de Janeiro, na qual alguns
esperavam que conduzisse a uma solução política, tomou ao
invés o carácter de uma reunião de criminosos os quais
pela sua presença, acordo e acções tornaram-nos partes de
uma conspiração para cometer genocídio, um crime de acordo
com o estatuto do Tribunal Penal Internacional e da Convenção de
Genebra de 1948.
As ameaças feitas contra a Coreia do Norte devem-se a um único
facto: A República Democrática e Popular da Coreia recusa-se a
aceitar a hegemonia mundial do Império Americano. Isto nada tem a ver
com armas nucleares. Agora tornou-se um ritual declarar que todos os membros
permanentes do Conselho de Segurança dispõem de armas nucleares,
que os Estados Unidos utilizaram-nas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, que
desde 1945 eles continuamente ameaçaram utilizá-las para
intimidar outras nações, que o Paquistão, a Índia e
Israel delas dispõem, que membros da NATO na Europa tem-nas à sua
disposição sob a direcção estado-unidense, que a
Coreia do Norte não está a violar qualquer lei internacional ao
desenvolvê-las para defender-se, para assegurar a sua segurança
tal como todas aqueles outros países o fizeram, que a Coreia do Norte
não ameaça ninguém e procura apenas ter uma paz plena e
final com os Estados Unidos.
A questão do armamento nuclear é simplesmente o pretexto que os
Estados Unidos estão a utilizar para tentar solidificar a sua tirania
sobre a Coreia, sobre o mundo.
A ameaça à paz mundial não vem da Coreia do Norte. Ela
provém dos Estados Unidos e seus aliados: os países que se
degradaram a si próprios como estados vassalos subjugados prontos a
obedecerem a qualquer ordem criminosa dos seus mestres da guerra em Washington.
Em resposta ao que na nossa opinião meditada são
acções criminosas, em 23 de Janeiro o Dr. Graeme MacQueem,
fundador e antigo director do Centre for Peace Studies, na McMaster University,
e eu, sentimos necessário enviar a seguinte Carta Aberta ao Promotor do
Tribunal Penal Internacional.
Carta aberta
Cara Senhora Promotora:
Ref: Ameaças de genocídio efectuadas contra a República
Democrática e Popular da Coreia
Nós, os signatários, partilhamos o desejo do povo canadiano de
estabelecer e preservar a paz no mundo. É portanto necessário
para nós pedir-lhe que abra um processo de investigação
sobre a acção de governos aliados aos Estados Unidos, incluindo o
Canadá, seus ministros e responsáveis activos no governo quanto
à crise em curso com a RDPC.
A vergonha e o choque das ameaças do presidente Trump contra a Coreia do
Norte foram propagadas e levaram a levaram a uma séria discussão
nos EUA sobre se o sr. Trump está mentalmente apto para governar.
Entretanto, as ameaças do sr. Trump e do seu secretário da Defesa
vão bem além da esfera interna dos EUA e têm
implicações directas para outros países, incluindo o
Canadá.
O artigo 6º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional declara
que genocídio significa qualquer dos seguintes actos cometidos com
intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional,
étnico, racial ou religioso:
(a)
matar membros do grupo,
(b)
causar grave dano corporal ou mental a membros do grupo,
(c)
infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas
para provocar a destruição física, no todo ou em parte do
grupo.
A conspiração para cometer genocídio é entendida no
direito internacional como um acordo concertado para cometer genocídio o
qual pode ser inferido da conduta dos conspiradores. A evidência para
apoiar a acusação de genocídio tanto pode ser baseada em
evidência circunstancial como em evidência directa. Além
disso, a acção concertada ou coordenada de um grupo de
indivíduos pode constituir evidência de um acordo.
No dia 8 de Agosto de 2017 o sr. Trump disse que ameaças da Coreia do
Norte "serão recebidas com fogo e fúria como o mundo nunca
viu". O seu secretário da Defesa, James Mattis, corroborou em 9 de
Agosto com a declaração de que
"A RDPC deveria cessar qualquer consideração de
acções que levariam ao fim do seu regime e à
destruição do seu povo".
O sr. Mattis acrescentou um novo comentário em 3 de Setembro:
"Estamos a encarar a aniquilação total de um país,
nomeadamente a Coreia do Norte, mas como eu disse, temos muitas
opções para assim fazer".
Durante o seu discurso inaugural na Assembleia-Geral da ONU, em 19 de Setembro,
o sr. Trump disse: "Os Estados Unidos têm grande força
e
paciência, mas se for forçado a defender a si próprio ou os
seus aliados, não teremos escolha senão destruir totalmente a
Coreia do Norte".
Finalmente, o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, durante uma
entrevista em 17 de Janeiro de 2018 na Universidade de Stanford com Condoleeza
Rice, declarou aprovadoramente, quanto a mortes a bordo de barcos pesqueiros
coreanos indo ao mar no inverno sem o combustível necessário:
"eles [os norte coreanos] estão a sentir o efeito das nossas
sanções". Isto é uma evidência directa de que
os Estados Unidos estão intencionalmente a criar condições
que causarão a morte de civis coreanos numa grande escala a fim de os
EUA alcançarem objectivos.
Excessos retóricos ("fogo e fúria") são uma
coisa, mas esta série conectadas de declarações, incluindo
a ameaça de destruição total, constitui uma ameaça
de genocídio. Ameaça genocídio, pode-se argumentar,
não é um crime, mas "a incitação
pública ao genocídio" está explicitamente
incluída como um crime na Convenção do Genocídio da
qual os EUA são parte. Portanto, ao publicamente a apaixonadamente
promoverem o genocídio como uma opção política, o
sr. Trump e o sr. Mattis já entraram em território legalmente
perigoso. Uma vez que os EUA tomaram parte na Convenção do
Genocídio as disposições da Convenção
têm o estatuto de lei estado-unidense.
Para condenar com êxito alguém por genocídio, a prova da
intenção é requerida. A acusação precisa
mostrar a "intenção de destruir". Isto habitualmente
é um desafio para a acusação uma vez que os perpetradores
raramente transmitem antecipadamente ao mundo as suas intenções
destrutivas. Mas, como dois académicos genocidas já argumentaram
no Washington Post, a liderança dos EUA fez precisamente isto: ela
transmitiu suas intenções. Se, destacam eles, o sr. Trump fizer o
que ameaçou, processá-lo por genocídio tomaria um caminho
directo.
O país dos signatários, o Canadá, é membro do TPI e
sob a sua jurisdição, e os líderes e responsáveis
canadianos têm responsabilidade individual por quaisquer crimes cometidos
sob o Estatuto. Uma vez que há evidência clara de que o crime de
genocídio está a ser discutido abertamente e que estão a
ser feitos planos para executá-los contra o povo da RDPC pelos
líderes dos EUA e uma vez que, nestas circunstâncias e com pleno
conhecimento destas ameaças e planos, os aliados dos EUA, incluindo o
Canadá, estão a cooperar com o governo dos EUA e a reunir-se para
discutir acções a serem tomadas contra a Coreia do Norte, e uma
vez que estes aliados dos EUA parecem estar a ignorar a lei internacional, a
Carta das Nações Unidas e o Estatuto de Roma, é
necessário que um investigação seja conduzida pelo seu
gabinete para considerar a evidência e processar se houver
evidência de um crime.
Os Estados Unidos da América já não são mais um
membro do TPI. Contudo, está obrigado pela Carta das
Nações Unidas a manterem a paz mundial, são parte da
Convenção do Genocídio e foram um patrocinador do Tribunal
Penal Internacional. Além disso, o TPI não tem apenas um papel
investigador e acusador, mas também o papel de informar o mundo do que
é uma conduta criminosa quando ela acontece. Ele optou por assim fazer
em relação ao Quénia, por exemplo. Deveria fazer o mesmo
na crise actual.
Solicitamos que o Gabinete do Promotor abra um processo de
investigação quanto a esta matéria e, além disso,
utilize a sua vez como Promotor e o imperativo moral que o seu gabinete
pretende representar para evitar o genocídio e condenar como graves
violações do direito penal internacional as
intenções anunciadas e acções das
nações acima mencionadas".
Instamos outros a fazerem o mesmo.
26/Janeiro/2018
[*]
Advogado criminalista internacional com escritório em Toronto. É
conhecido por numerosos casos de crimes de guerra importantes e
recentemente publicou o seu romance
Beneath the Clouds
. Escreve ensaios sobre direito internacional, política e acontecimentos,
especialmente para a revista online
New Eastern Outlook.
O original encontra-se em
journal-neo.org/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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