"Estamos construindo o Novo Poder"
Entrevista de Rafael Reyes
[*]
Red Resistencia
enviou uma equipe
jornalística às selvas colombianas a fim de conhecer de
perto a realidade da legendária guerrilha das Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (FARC-EP). A entrevista que se segue
foi efectuada foi efectuada num acampamento do sul do país. O
entrevistado é o comandante Rafael Reyes, responsável pela
formação de quadros de um dos blocos insurgentes. Recrutamento,
trabalho clandestino, o "Novo Poder", guerra mediática e a
nova fase da guerra nas cidades são alguns dos temas analisados pelo
cmte.
Rafael Reyes.
Red Resistencia: Comandante Rafael Reyes, qual o seu papel nas FARC-EP?
Rafael Reyes: Entrei nas FARC-EP como combatente raso, a seguir foram-me dando
algumas responsabilidades que me permitiram receber uma formação
integral como guerrilheiro revolucionário. O meu trabalho centrou-se
sobretudo no aspecto político-organizativo, organizando comunidades,
contribuindo internamente para o trabalho do organismo político,
elevando a capacidade das células, que são as estruturas
políticas mais importantes no seio das FARC-EP. Aqui estou cumprindo
meu papel como comunista, que é ajudar na formação
política e ideológica e cultural do colectivo das FARC.
Isto foi uma escola importante para mim. Antes de entrar na guerrilha uma
pessoa tenta imaginá-la, mas só quando se está dentro se
percebe que isto é uma verdadeira universidade da
revolução. É na prática diária que se vai
aprendendo a conhecer as pessoas, a entender suas dificuldades e o porque da
sua incorporação ao nosso exército revolucionário.
Isso é um processo teórico-prático. Nas FARC-EP temos um
conceito de formação integral dos quadros revolucionários.
A este aspecto da formação damos uma grande importância,
já que nos permite não só preparar-nos ao nível do
discurso como também no campo militar. Aqui há que aprender
todas as especialidades que existem na guerrilha, como o manejo de explosivos,
artilharia, organização de massas, propaganda, etc.
Diz-se que as FARC-EP são um Partido Comunista. Como pode um partido
político ser ao mesmo tempo um exército revolucionário?
Somos uma organização político-militar
revolucionária que se orienta de acordo com os princípios do
marxismo-leninismo e do pensamento do nosso Libertador Simón
Bolívar e de todo o pensamento revolucionário da América
Latina. Nossa organização político-militar tem uma
estrutura organica como força militar formada por esquadras, guerrilhas,
companhias, colunas, frentes e blocos. Mas também uma estrutura
hierárquica, pois cada uma destas estruturas tem seus comandos, quer
sejam comandantes, substitutos ou terceiros no comando. A esquadra é a
estrutura básica militar, mas em nossa organização
é ao mesmo tempo uma célula política. Assim como na
esquadra existe o comando militar, a célula também tem os seus
próprios dirigentes políticos. Neste nível já
existe formação de quadros político-militares. A
célula comunista para nós tem uma importância vital, pois
é ali que manejamos as questões quotidianas da vida,
especialmente aquilo que tem a ver com a formação de quadros.
É na célula que o combatente desenvolve sua capacidade
política. Na célula o guerrilheiro deve estudar todos os
documentos de nossas conferências, dos Plenos do Estado Maior Central, de
actualização política, etc. É ali na célula
que nos vamos formando nas ideias revolucionárias.
Como se entra nas FARC-EP?
A maioria dos nossos combatentes provem de estratos sociais muito humildes.
Muitos deles foram vítimas do terrorismo do Estado e decidem entrar na
guerrilha porque aqui vêm um futuro e sobretudo vêm a garantia de
defender a sua própria vida. A maioria são jovens que não
tiveram oportunidades, porque o Estado não lhes deu nada. Também
temos guerrilheiros que provêm de estratos médios e altos.
Trata-se sobretudo de lutadores sociais aos quais não lhes restou outra
alternativa senão a luta armada a fim de continuar a sonhar por uma
sociedades mais justa. A idade de recrutamento nas FARC-EP é dos 16 aos
30 anos. Nos nossos acampamentos pode haver menores de idade mas não
estão ali na qualidade de combatentes. Estes menores estão a
receber a educação que o Estado lhes negou. Nossa
organização faz uma selecção muito rigorosa dos
seus integrantes. Um jovem antes de entrar para a nossas fileiras passa por
todo um processo. A primeira coisa que fazemos é explicar-lhe do que se
trata. Que compromisso vai assumir com nossa organização. Para
isso é necessário explicar-lhe o que são as FARC-EP,
porque luta, qual o seu projecto político, quais suas normas,
regulamentos e estatutos. Tudo isto para que o jovem tenha todos os elementos
para decidir se deseja realmente entrar no nosso exército e assumir
assim seu compromisso com o projecto revolucionário. O jovem combatente
compromete-se em primeiro lugar a lutar em defesa dos interesses do seu povo.
Em segundo lugar, a levar adiante o plano estratégico das FARC-EP. Em
terceiro, a cumprir com os planos e tarefas que decorram do mesmo plano. E em
quarto lugar a cumprir os regulamentos, princípios e estatutos, assim
como a seguir as linhas políticas e ideológicas da
organização.
A decisão de incorporar-se ele tem que tomá-la livremente.
Nós não fazemos nenhum tipo de recrutamento forçado. A
entrada nas FARC-EP é voluntária. Aqui o guerrilheiro não
recebe nenhum salário. Dá-se-lhe tudo o que precisa para viver e
combater.
Como se vai ascendendo na estrutura das FARC-EP desde guerrilheiro raso
até Comandante em Chefe?
O jovem atravessa todo um processo de formação
político-militar, cultural e ideológica. Na etapa de
recrutamento os jovens vão a uma escola básica de recrutas que
pode durar de três a cinco meses. Ali adquirem o conhecimento
básico do guerrilheiro. A primeira coisa que vão conhecer
é o porque lutamos. Damos-lhe a conhecer o "Programa
Agrário dos Guerrilheiros", a "Plataforma para um Governo de
Reconstrução e Reconciliação Nacional", que o
programa do Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia; estudam-se
também três documentos importantes: os estatutos, o regime
interno disciplinar e as normas internas de comando, que são a coluna
vertebral das nossas normas. Uma vez finalizada esta etapa pode-se dizer que
está pronto para entrar no grosso da tropa.
Estando já nas unidades das FARC, o jovem inicia a sua carreira como
profissional revolucionário. Nossas normas dizem que depois de dois
anos, de acordo com a sua experiência, comportamento, valor, entrega e
espírito de superação, assim como a sua responsabilidade e
à qualidade do seu trabalho, já se podem dar cargos de
responsabilidade ao guerrilheiro. A primeira coisa que fazemos é
promove-lo a comando. Inicia-se como substituto de esquadra. É a
partir desse momento que começa a receber graus: comandante de
esquadra, substituto de guerrilha, comandante de guerrilha, e assim por diante
até que vai adquirindo graus de maior responsabilidade como pode ser o
de substituto ou comandante de coluna. Neste nível o combatente
já pode actuar como comandante de frente ou membro de Estado Maior de
Frente.
Depois de ser comandante de frente começa-se a receber outros graus como
o de ser membro do Estado Maior de Bloco, comandante ou substituto de Bloco.
Para ir depois adquirindo maiores responsabilidades até chegar a ser
membro do Estado Maior Central, e dali ser membro do Secretariado, que é
o cargo máximo e que actualmente é integrado por sete camaradas.
O camarada Manual Marulanda Vélez actua como membro do Secretariado e
como Comandante em Chefe das FARC-EP.
O que propõem as FARC-EP ao povo colombiano?
O objectivo final do nosso projecto revolucionário é a tomada do
poder a fim de construir uma nova sociedade, uma Nova Colômbia em paz com
justiça social. É conseguir levar à prática o
"Programa Agrário dos Guerrilheiros". Para alcançar
esse objectivo é necessário percorrer algumas etapas. Estamos
afirmando a necessidade de formar um governo de convergência
democrática, um governo de reconstrução e
reconciliação nacional com um programa muito concreto que
está reflectido na "Plataforma de 10 pontos" aprovada na VIII
Conferência das FARC-EP e foi reajustado no último plenário
do Estado Maior Central de Março de 2000. Como
organização ampla, estamos a propor ao povo colombiano, às
maiorias, que apoiem e levem adiante o projecto do
Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia
.
Estamos impulsionando outras propostas organizativas para levar adiante o
projecto estratégico das FARC-EP. Estamos organizando as
Milícias Bolivarianas nas comunidades, nos bairros, no campo. Neste
processo estamos a vincular todos aqueles que queiram lutar pela defesa dos
interesses do povo, da sua terra, os que estão contra a
corrupção, o Terrorismo de Estado, os que queiram defender sua
vida, assim como vincular todos aqueles que queiram lutar por uma
mudança deste regime de terror na Colômbia.
Estamos a organizar e estruturar o Partido Comunista Clandestino para dar ao
povo mais um instrumento de luta, sem que suas vidas corram os riscos da
actividade política aberta. A nível das
organizações sociais estamos contribuindo para que se
fortaleçam todas as expressões comunitárias a fim de que
as comunidades possam exigir ao Estado que invista no social os grandes
recursos económicos que estão a dilapidar no monstruoso aparelho
de guerra estatal.
Estamos dando a conhecer nossas propostas ao povo colombiano. Estamos dando a
conhecer porque lutamos, qual é nossa proposta de paz com justiça
social, de mudança, de substituição de cultivos
ilícitos. Por isso é que estamos a convidar o povo a que se
organize e lute para alcançar estes objectivos.
O Partido Comunista Clandestino (PCCC) e o Movimento Bolivariano pela Nova
Colômbia são organizações clandestinas. Por que
este carácter?
A oligarquia militarista deste país, aliada ao imperialismo
norte-americano, pôs em prática todos os métodos
repressivos contra o povo colombiano. Utilizando os grupos paramilitares
tentou semear o pânico e o terror a fim de que as pessoas não se
vinculassem ao processo revolucionário. Este método é
conhecido pelo nome de "tirar a água ao peixe". Há
comunidades que foram duramente golpeadas pelo Terrorismo de Estado, quer
através de massacres como de assassinatos selectivos. Cidadãos
humildes, líderes comunais, dirigentes de cooperativas, sindicalistas e
líderes de bairro foram massacrados a sangue e fogo por este regime
excludente e intolerante. Foi o próprio povo que nos disse que é
preciso trabalhar em outras condições e foi por isso que
decidimos que enquanto não houver condições para
avançar um trabalho político aberto, o nosso trabalho
deverá efectuar-se de forma clandestina. É por isso que o PCCC,
o Movimento Bolivariano e as Milícias Bolivarianas têm um
carácter eminentemente clandestino.
Existe uma grande ofensiva do Estado colombiano e dos meios de
comunicação do estabelecimento para deslegitimar a luta das
FARC-EP. O que fazem para contrariar esta ofensiva?
Com a queda da União Soviética, os ideólogos burgueses e
os meios de comunicação ao serviço do grande capital
tentaram desvirtuar a luta revolucionária. Há uma grande
campanha de desinformação e de operações
psicológicas que fazem parte desta guerra sofrida pelos colombianos.
Com isto pretendem convencer o povo de que desapareceu o espaço para a
luta de classes, que hoje já não é possível a luta
dos povos e que a luta armada perdeu validade. Pretendem convencer-nos de que
não existe outra alternativa ao capitalismo selvagem.
Na Colômbia, os militares atribuíram-se a tarefa de ganhar-nos a
guerra a partir dos gabinetes e através dos media. Esta é uma
guerra cada vez mais mediática. Os comunicados militares do
exército são na maioria dos casos puras mentiras. A luta nesse
terreno é muito desigual, uma vez que não contamos nem com os
meios nem com os recursos que eles têm ao seu serviço.
Nossa organização está neste momento a fazer um grande
esforça para combater nesta frente de batalha. Editamos a revista
"Resistência" em vários níveis:
edição nacional, edição internacional,
edição por blocos e por frentes. Ao nível dos blocos
editamo-la com a importante tiragem de 20 mil exemplares por cada bloco.
Além da revista publicamos comunicados, volantes, afixáveis, etc.
Por outro lado, estão a funcionar as emissoras da Voz de la Resistencia
de la Cadena Bolivariana. Cada bloco conta com uma emissora FM. A meta
é que cada frente conte com sua própria emissora e sua
própria revista Resistencia.
Como é o trabalho das FARC-EP com as comunidades?
Com as comunidades estamos procurando construir o "Novo Poder".
Isto explica nossa política de exigir aos alcaides que renunciem. Vemos
que os alcaides já não estão a cumprir nenhum papel ao
serviço das comunidades. Essa experiência já a vivemos com
os inspectores de polícia. As pessoas começaram a desconhecer a
sua autoridade e dirigiam-se a nós para solucionar seus problemas.
Dizíamos às comunidades que os acordos a que chegassem nós
os faríamos respeitar, mas com a condição de que as partes
em conflito deveriam aceitar as decisões e ficar amigas. Isso tem
funcionado e por isso os inspectores de polícia perderam sua
razão de ser.
Actualmente, os alcaides é que perderam sua razão de ser.
Primeiro, porque esses alcaides esquecem as comunidades que os elegeram.
Muitos alcaides só trabalham para os sectores que os apoiaram nas urnas,
esquecendo os demais. Segundo, a maioria das alcaidias converteram-se num foco
de corrupção, injustiça e clientelismo. A estes alcaides
estamos a exigir que renunciem. É por isso que estamos convocando as
comunidades a se organizarem elas próprias, gerirem e administrarem seus
recursos, uma vez que elas conhecem suas próprias necessidades.
Nós e a comunidade vamos estar ali fiscalizando esse novo embrião
de poder local que estamos a criar nos municípios e nas freguesias.
É a isso que chamamos "O Novo Poder". Isto já é
uma realidade em muitas comunidades. Com isto procuramos, antes de tudo, que
as comunidades recuperem o seu protagonismo. Em segundo lugar, que comecem a
fazer o inventário das suas riquezas, da terra, como está
distruída, que conheçam quem são os que produzem a riqueza
e quem são os que se aproveitam delas, como de distribui, e estamos a
dizer a essas comunidades que façam um inventário das suas
necessidades reais, para poder investir eficientemente os recursos.
As FARC-EP entraram numa fase de guerra nas cidades. Qual é o objectivo
desta nova etapa?
O mapa demográfico da Colômbia mudou radicalmente nos
últimos 30 anos. Hoje em dia, quase 85% da população
colombiana vive em centros urbanos, em resultado do deslocamento forçado
que levou muitos camponeses a procurarem refúgio nas cidades. Dentre da
sua estratégia de guerra, o inimigo pretende deixar deserto o campo
através do seus projecto paramilitar. Por um lado pretende apoderar-se
das suas terra, e pelo outro tirar-nos o apoio que temos na
população camponesa, que é muito elevado. Foi assim que
nos últimos anos estes deslocados vêm-se assentando nos
cinturões de pobreza das grandes cidades. A realidade é que os
camponeses foram com os seus problemas para a cidade. Foram perseguidos no
campo e agora são perseguidos na cidade. Anteriormente, eram
bombardeados no campo de forma indiscriminada. Agora também o
são nas cidades. Para eles , isto não é um
fenómeno novo. A isto temos de somar o desemprego, a marginalidade, o
desamparo estatal e a pobreza absoluta. Há sectores que estão
aguentando fome física. Tudo isto faz com que estes sectores
excluídos da riqueza do país lutem pela melhoria das suas
condições de vida. E é aí que estamos nós
com nossas propostas. Estamos a organizar ali as milícias, o PCCC e o
Movimento Bolivariano a fim de preparar o povo colombiano para a
insurreição armada. Com o objectivo de acabar de uma vez por
todas com este regime de terror e exclusão.
Neste momento temos milícias em todas as cidades colombianas. Em
Bogotá e Medellín já se começaram a sentir. Logo a
sua actuação será sentida em toda a Colômbia, uma
vez o povo colombiano não aguenta mais esta situação de
repressão e injustiça social.
[*]
Comandante de las FARC-EP
Mais informação sobre as FARC-EP em
http://www.farcep.org/
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info
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