Reflexões sobre a paz numa perspectiva incerta

por Jaime Caicedo Zurriago [*]

autocarro folclórico Ao concluir o governo Pastraña parece que se encerra uma fase da crise da sociedade colombiana. Aquela dos governos que acreditaram poder edificar, ao lado da coluna vertebral de sua política fundo-monetarista, um arremedo de paz e solução política, sem chegar a modificar os termos do conflito socio-político e armado que persiste na realidade actual.

Uma abordagem que se pretende nova mas que, na verdade, recupera a velha ideia reaccionária e militarista de uma saída de força sob aparências institucionais assume a direcção do Estado, em meio a não pouca contradições internas no bloco do poder e pressões intensas do aliado estratégico da velha oligarquia colombiana: o Estado norte-americano.

Sem que se tenham modificado os parâmetros da confrontação entre o regime socio-político bipartidário e a sociedade, o baralho apresenta novas combinações. Frente a este facto, convém, então, reafirmar algumas referências da luta democrática e popular.

Em primeiro lugar, há que encontrar um caminho político para resolver o conflito interno colombiano. Não há dúvida de que se pode chegar a esta conclusão a partir de diferentes posições. A razão desta colocação é que o conflito armado existente na Colômbia tem um conteúdo social e político. Esse conteúdo é constituído: a) pelas desigualdades permanentes que fragmentaram a Sociedade; e b) pela estreiteza política do Sistema quanto à aceitação de reformas. Estas têm sido e continuam a ser suas características históricas, ainda não modificadas.

A experiência mostrou que este conflito não tem solução militar possível. Até agora não houve dissuasor algum que fizesse mudar os objectivos da guerrilha. Esta é uma verdade comprovável: o endurecimento da guerra por uma política contra-guerrilheira como política do Estado tende a ser respondido por um endurecimento correspondente do campo contrário. O resultado não foi, até agora, a derrota da guerrilha e sim a degradação da guerra, seu agravamento, sua extensão a novas regiões e campos, o crescimento dos seus custos, inclusive os económicos que tanto preocupam alguns empresários.

Este conflito não tem solução militar possível também por outra razão confirmável. Se cessassem as operações militares insurreccionais e contra-insurreccionais, os mais provável é que logo estaríamos a aproximar-nos da explosão social e da insurreição. Devido à própria guerra, mas também, há que dize-lo, da crise do modelo socio-económico neoliberal e do sistema capitalista dependente dominante na Colômbia, está a crescer a pobreza enquanto agrava-se a miséria daqueles que constituem a maioria dos nossos compatriotas. Por outras palavras: o conflito contra-insurreccional pouco a pouco foi-se convertendo no factor fundamental de contenção de uma mudança social, políticas e económica inevitável.

Em segundo lugar, isto significa que a solução política não tem substituto do ponto de vista da racionalidade mais elementar. Agora, quando não existe um processo de paz e é provável que não haja a médio prazo, podem olhar-se com menos preconceitos as consequências da ruptura do processo de paz com as FARC, no Caguán. De facto, o diálogo com o ELN em Cuba travou-se na agonia do governo Pastraña, quando este já não tinha nem a força nem o tempo para pactuar uma trégua, nem tão pouco o ambiente favorável para isso.

Se a solução política não tem substituto, sua busca representa uma posição realista face ao presente e ao futuro. Mas os donos do capital e os governantes que os representam foram-se afastando do realismo, estimulados pelos espelhismos do apoio militar dos Estados Unidos, pelo fortalecimento e pela reengenharia do Exército, da inteligência militar e pelos avanços rápidos helitransportados. No fundo, tomam os seus sonhos pela realidade. Seus sonhos verdadeiros resumem-se na resistência às mudanças socio-políticas necessárias e, seguramente, inevitáveis. A prédica de reclamar à elite governante que demonstrasse "vontade política" de mudar, de fazer concessões para concertar a paz, foi infrutífera.

Continuará a ser inútil enquanto a "sociedade civil" ligada à maioria do povo, empobrecida, discriminada e descontente não se converter numa força poderosa e mobilizada, disposta a contribuir para impor as transformações necessárias para a paz com justiça social.

O rompimento do processo de paz ensinou-nos outra coisa. A busca da paz não pode estar desligada da política. Se em 1998 a eleição presidencial foi resolvida pela promessa da paz, o presidente que assumiu tal promessa não chegou a cumpri-la. A desilusão e o desengano frente a um pacto não efectivo influíram agora, na eleição de um presidente ligado à legitimação da guerra como política permanente do Estado. Reflictamos. Temos todo o direito de pensar que também não será efectiva a promessa da guerra com todos os seus horrores, com todos os seus cultos, com a maior militarização e paramilitarização da sociedade.

Até agora vimos como possível a solução política unicamente pela via do diálogo e da negociação do governo com a insurreição. Esta via nunca poderá desaparecer do horizonte das possibilidades. Em todas as circunstâncias a saída exigirá diálogo, negociação e acordo com a insurreição, ou seja, seu reconhecimento como um factor componente do novo país.

Também é pensável uma mudança política e um governo com forte apoio popular disposto a realizar reformas profundas na estrutura socio-económica, com um programa próximo ou compatível com os objectivos proclamados pelos movimentos guerrilheiros quando à reforma agrária, a reforma política e social, uma nova política económica afastada do dogma neoliberal, uma perspectiva social sobre os direitos fundamentais à saúde e à educação, sobre os serviços públicos, uma atitude soberana frente aos recursos naturais, uma política ambiental, uma aproximação à integração latino-americana, etc. Esta via pode parecer utópica hoje, após eleições com os resultados conhecidos.

Contudo, esta proposta pode marcar um rumo. O objectivo de uma política de paz pode ser reduzido a deslegitimar a luta armada, porque seria uma tentativa inútil num país cuja história, para o bem ou para o mal, esteve marcada por esse fenómeno histórico com forte enraizamento em camadas significativas da Sociedade. Existe também o horizonte de desestimular a resistência às mudanças e de criar condições para atacar as causas profundas da desigualdade, a miséria, a exclusão e a ausência de liberdade política. Para avançar nesse caminho precisa-se ganhar consciência da necessidade de uma grande convergência social, política e cultural, com uma perspectiva de poder. O movimento pela paz pode fazer parte deste propósito, com suas propostas e projectos.

Outro objectivo teria que ser o da reafirmação da soberania para resolver entre compatriotas as graves confrontações que temos com a cooperação da Comunidade internacional e sem a intervenção militar dos Estados Unidos.

As ideias que o novo governo já pôs em circulação quanto a uma mediação devem ser vistas com um olhar crítico. Mediação de quem? Em relação a qual proposta de solução política? Se não existe, então talvez a mediação agora não seja mais válida que a procura de um acordo humanitário que facilite a libertação simultânea de retidos, sequestrados e presos políticos, como um gesto de aproximação.

Poderiam propor-se alguns passos destinados a passar da utopia à utopística, como baptiza Wallerstein essa prospecção de possibilidades tendentes à mudança necessária.

1) Gerar um amplo movimento pela mudança democrática para a paz com justiça social que contribua para criar a consciência quanto a este propósito juntamente com o apoio à busca do diálogo para a solução política;

2) Assumir como referência de trabalho o documento de recomendações da Comissão de Notáveis, além das agendas, propostas e documentos produzidos nos processos de diálogo;

3) Pensar num grande Encontro popular pró Constituinte que aprofunde os conteúdos de uma reforma política e social voltada para uma ampla abertura democrática e um governo pela paz;

4) Apoiar as iniciativas para o acordo humanitário com a contribuição dos bons ofícios de diversos sectores nacionais e internacionais tendentes a insistir na via da solução política pelo métodos dos compromissos, das concessões mútuas, do mútuo reconhecimento e da recuperação da confiança entre as parte dos conflito histórico que marcou o último meio século na Colômbia.

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[*] Jaime Caicedo Zurriago, Secretário-geral do Partido Comunista Colombiano e Professor Associado da Universidade Nacional.

O original deste artigo encontra-se em
http://www.anncol.com/julio2002/2307_PCC.htm

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

25/Jul/02