O balanço de Uribe é a guerra sem resultados!

Entrevista a Jorge Gómez,
secretário de Organização do Partido Comunista Colombiano

Entrevistador: German A. Silva Lozada

'McDonalds cree en Colombia' diz o cartaz por trás da tropa de choque. Foto de Ducroba. Fizemos esta entrevista com Jorge Gómez ao longo de conversas espontâneas e muitas vezes entrecortadas, salpicadas de anedotas. Ele nos falou com emoção da titânica luta que os comunistas colombianos travam, percorrendo nas suas fogosas respostas assuntos que vão desde a crise ideológica, política e organizativa da sociedade até ao Terrorismo de Estado e a sua Guerra Suja, que dificultam o desenvolvimento da política e da organização do Partido. O jovem secretário de Organização puxa os fios da complexa teia da crise nacional e no meio do assédio repressivo a sua alegre jovialidade não o abandona, intercalando frases precisas, com experiências das suas andanças pela agreste geografia colombiana. As suas respostas eram frequentemente interrompidas por chamadas de telemóveis, que o obrigavam a abandonar o escritório e nos forçavam a adiar a entrevista.

Visur - Qual é a visão dos comunistas relativamente ao governo de Uribe Velez no âmbito político, perante a encruzilhada em que se encontra o país e que propostas alternativas se debatem ?

J.Gómez: Este é um regime de continuidade da política da grande oligarquia colombiana. O seu traço essencial é a estreita dependência da embaixada e do governo norte-americano. Uribe chegou ao mais profundo cinismo e governa segundo o plano de regime gringo. O governo norte-americano já conduz todos os elementos da política económica, cultural, social e militar do país. Os Estados Unidos, na sua pretensão de ditador e juíz do mundo, manobrando o sofisma anti-terrorista, guia e comanda absolutamente todos os passos do governo de Uribe.

Este governo não toma nenhuma decisão, não desenvolve actividade alguma, sem consultar a Embaixada norte-americana, inclusivé com pressão e chantagem. Numa das suas viagens mensais, o presidente prometeu aos industriais ir falar de economia, mas chegou a pedir ao Pentágono um avião de espionagem militar, com tecnologia de ponta, que acabava de ser estreado no Iraque, para o utilizar no combate contra a guerrilha. Este e outros importantes prémios foram-lhe enviados por o Governo colombiano ter sido o único da América Latina que apoiou a invasão destinada a arrasar o Iraque.

Visur: Como se expressa este compromisso com o Norte face à América Latina em convulsão e com processos que confrontam o neoliberalismo, a guerra e a ALCA?

J.Gomez: Uribe Velez encabeça na actualidade a agressão contra as experiências e os processos democratizadores e populares que avançam à nossa volta. Por isso temos um governo que afronta agressivamente o processo emancipador do presidente Chavez na Venezuela, um governo que trabalha para ludibriar o governo equatoriano e desempenhar um papel de trânsfuga na posição do Brasil face à ALCA.

O segundo traço característico do Governo de Uribe é o seu fiel compromisso com o modelo neoliberal, mas com um aprofundamento dos elementos do capitalismo selvagem que está a trazer a fome, o desemprego e a miséria ao povo colombiano, que vai mais além na sua radical defesa dos Tratados de Livre Comércio, a ponto de assinar um acordo bilateral com o regime de Bush apesar da ALCA.

O mais grave e tenebroso é que Uribe Velez passará à história como o arauto da guerra. Uribe encarna no nosso país a mudança de estratégia da oligarquia colombiana na sua tresloucada ambição de exterminar o movimento revolucionário armado. A Colômbia atravessa a ampliação da mais aguda crise económica desde há uns sete anos, com recessão económica, aprofundada sob o modelo neoliberal de privatizações. Isto é acompanhado de uma desesperante crise social e política de governabilidade, que lança mão do poder militar para fazer a guerra, sendo estas as causas essenciais da luta armada no nosso país, como não ocorre em nenhuma outra parte da América Latina.

A estratégia para derrotar a insurgência desenvolve tanto a visão demagógica como a militarista. No governo de Pastraña, avançou a visão da grande burguesia colombiana de uma paz gratuita, sem uma negociação séria dos elementos fundamentais da crise. Em El Cagúan o governo investiu umas migalhas a enfeitar o cenário das conversações de paz, enredando-se na forma e negando as reformas de fundo, na ilusão da desmobilização das guerrilhas e sua entrega a troco de nada. Uma paz de cemitério e a impunidade sem remover as velhas pústulas, nem as trincheiras paramilitaristas da guerra suja, que liquidaram as conversações.

Diante do fracasso dessa visão, a Grande Burguesia muda de estratégia, mesmo sem mudar de presidente, pois esta mudança data do último ano do governo Pastraña. Nessa altura, a oligarquia apoiada nos gringos optou ostensivamente por tentar derrotar a luta armada e os trabalhadores, tendo a via militarista de repressão violenta e a guerra como estratégia para o conflito social e armado.

Visur- É essa a razão da ideia de Uribe começar a governar seis meses antes do término oficial do mandato de Pastrana?

J.Gómez: Sem dúvida. Este é um governo que no dia seguinte ao da sua eleição, estava a nomear ministros e a tomar decisões de Estado e de governo. Aí começa a estratégia militarista. Uribe é a peça movida na mudança de posição da grande oligarquia para pôr fim ao conflito social e armado por via militar. Este traço é a novidade. Aqui encontramos três elementos básicos do regime uribista. O primeiro é o Militarismo. Hoje em dia, assistimos ao aumento alarmante da força armada, paroxismo da tecnologia bélica que denominam por Reengenharia, protagonismo da Força aérea, “a aviação para a guerra”, em que se nota mais a presença da intervenção do sócio norte-americano em todos os níveis.

TRIUNFOS VIRTUAIS

A guerra aérea permite ao regime o triunfo real, ou seja os danos causados sobretudo à população civil, em vítimas e destruições (transportes, estradas, instalações, culturas , animais). Mas o regime procura algo mais importante com a guerra aérea: os triunfos virtuais. Os factos virtuais são hoje o perigo mais macabro das guerras. No nosso país é fácil que qualquer acção guerrilheira que se efectue às 11 ou 12 horas da manhã encontre nos grandes media da tarde a resposta do comandante do exército gabando-se de ter encontrado o acampamento central da guerrilha, “sendo bombardeados e abatidos mais de 200 guerrilheiros”! Nesse momento não pode haver quem o desminta, quem diga outra coisa, inclusive quem denuncie o massacre de civis pelo bombardeamento. Aquela é a versão válida e por isso estes regimes guerreiros privilegiam as encenações e os triunfos virtuais.

Vitórias contra o povo que o povo paga, como prova o exorbitante aumento do imposto sobre o património, com o fito de canalizar recursos para o frenesim militarista da guerra. Esta estratégia, bandeira principal do regime de Uribe, é ao mesmo tempo o seu calcanhar de Aquiles, a sua grande debilidade. Este novo agravamento tributário foi imposto pelo unanimismo de Uribe, a troco de resultados rápidos, que não se vêem. Por isso se explica agora o aparecimento do plano “incapacitação” ou “gatilho fácil”, que visa atentar, justiçar e eliminar um ou mais dos dirigentes ou comandantes da insurgência na Colômbia, sejam eles do Secretariado das FARC ou do comando central do ELN, que permitam mostrar serviço ao seu amo do norte.

Até agora nenhum governo se tinha atrevido à aventura de tentar resgatar a sangue e fogo os retidos pela insurgência. Muito divulgado foi o caso dos deputados del Valle retidos pela guerrilha do ELN e levados para os Farallones de Cali. Ali o coronel Canales pediu autorização ao presidente Pastraña para resgatar a sangue e fogo os deputados o que teria acabado num grande massacre. A pressão de familiares e dos democratas manietou o governo e o general Canales renunciou ao cargo com arrogância guerreira.

Em troca este governo militarista lançou-se, à frente do comando militar, numa das piores aventuras com o frustrado resgate a sangue e fogo do governador de Antioquia e do grupo de militares em Urrao, provocando a sua morte, com o repúdio da opinião democrática nacional e internacional. Estamos assim perante uma estratégia militarista aberta que amplia ainda mais o conflito.

Traço característico desta estratégia revanchista é a diplomacia para a guerra. O regime uribista dedica-se a inundar o mundo, através dos seus meios de comunicação e dos organismos imperialistas de espionagem, com a sua versão do suposto terrorismo das FARC e do ELN. Presiona assim a comunidade internacional a que apoie a guerra paramilitar que desencadeia contra a oposição política, o sindicalismo e a população civil, impondo de passagem reformas de tipo fascista. Conseguiram esse intento em alguns países e conglomerados financeiros, como o Grupo dos 8, e alguns passos no Grupo do Rio. Esta “diplomacia para a guerra” é extremamente perigosa. O presidente Chávez dizia: “Negamo-nos a declarar terrorista uma organização com a qual em algum momento da história o governo colombiano vai ter de sentar-se a dialogar”...

Visur: Com este discurso “terrorista” frente à guerrilha e a institucionalização do paramilitarismo e da militarização, resta algum espaço para o diálogo?

J. Gómez : Declarar terrorista a luta armada é cerrar as portas à mediação do grupo de amigos interessados na paz na Colômbia. A diplomacia para a guerra é a demonstração palpável de que o governo colombiano não tem uma política de paz, nem intenção de dialogar com a guerrilha. A paz com os paramilitares é a legalização destes grupos de assassinos, que tanta dor e sangue espalharam na nossa Pátria.

Finalmente a estratégia de guerra acelera a militarização total da vida e da sociedade colombiana. A Amnistia Internacional aceitou uma petição do Partido Comunista face ao tenebroso projecto para o município de Saravena, Arauca, denominado “Polícia por um dia”. Na TV mostra-se pateticamente como se leva um menino durante um dia inteiro a uma Base Militar a fim de que conheça e se familiarize com o ambiente perverso da guerra. Do mesmo modo, os ministros, congressistas, jornalistas, governadores ali metidos como “soldados por um dia”, indiciam o grau de militarização e de mentalização guerreira da sociedade e do conjunto da nação.

A ministra da guerra planeia introduzir o serviço militar obrigatório para as mulheres, o que num país em guerra terá graves consequências. Esta aventura da oligarquia é extremamente complexa e constitui o eixo da política de Uribe. Para continuar impondo o neoliberalismo selvagem e o seu avanço revanchista e paramilitar, implementa-se a repressão sob a capa da “Segurança democrática”. Engendram-se coisas como a Conmoción Interior , que não passa da instituição do estado de sítio com métodos ditatoriais e institucionaliza-se a repressão com o “código antiterrorista”, uma grosseira reforma da Constituição, que inclui interceptação e violação da correspondência, rusgas e detenções sem culpa formada e conferem-se poderes judiciais e todo o poder aos militares. O exército planeia e executa as operações, reprime, prende, tortura, mata, esconde os cadáveres e forja as provas para os tribunais!

O comando militar sempre ambicionou deter atribuições de Policía Judiciária. Este prémio de Uribe é uma honra para a cúpula militar. Outra medida ditatorial é a chamada Padronização (Empadronamiento) , que regulamenta a vida dos cidadãos em aspectos que vão desde o tipo de compras e mercado, controle de deslocações com fichagem e registo de veículos e pessoas, mantendo-os sob vigilância permanente. Ensaiados na Conmoción Interior , na zona de reabilitação do Arauca, cometeram-se os mais graves atropelos contra a população impondo um estado de repressão e clara violação de Direitos Humanos, que qualificamos como muito próximas do fascismo.

Tais traços configuram o perfil, a posição de classe do regime de Uribe Vélez como representante dos interesses da grande oligarquia financeira, dos latifundiários, dos grandes criadores de gado, à mistura com “os novos ricos” originados na afluência de grandes capitais do narcotráfico!

Em face de todas estas manifestações do regime, criam-se situações objectivas, que possibilitam o desenvolvimento do Partido Comunista. Como nunca antes, as nossas teses são plenamente válidas. As nossas convocatórias do movimento popular para acções urgentes contra o regime uribista, estão a ter uma grande aceitação. No primeiro ano de mandato, este governo viu-se a braços com uma forte contestação. O movimento popular enche de novo as ruas com mobilizações maciças, e apesar do unanimismo dos sectores despóticos da oligarquia, do militarismo e da Igreja, a resistência social e popular encontra mecanismos de organização, de modo a superar a dispersão originada pela guerra suja governamental.

Visur- Assistimos a um discurso mediático enganador e provocador. Há um discurso unanimista que comprometeu a burguesia e os seus média na guerra ? Isto insere-se na estratégia transnacional de Bush e Uribe para a invasão ?

J.Gómez: Sem dúvida. No entanto, não foi Uribe quem comprometeu a oligarquia. Foi a grande oligarquia quem comprometeu Uribe. Este presidente está hipotecado à grande burguesia reaccionária ligada ao imperialismo. A ultra-direita notou o empenho deste obscuro personagem do governo de Antioquia na legalização dos grupos paramilitares através das mal denominadas “Convivir”, Descobriu nele a opção pela guerra, e conseguiu impô-lo por todos os meios. A campanha foi orquestrada sobre um falso desprestígio das conversações de paz, vendendo a falsa ideia da origem da agudização do conflito na zona desmilitarizada (zona de despeje) , com conversações que ficaram pelo caminho, dada a intransigência da classe dominante, mas que os grandes meios de comunicação manipularam, para fazer crer que a única responsável era a guerrilha porque “lhes tinha faltado ao respeito”

Quando o povo começou a debater os grandes problemas do país, como a crise económica, o modelo neoliberal, o desemprego, etc, os representantes do regime abandonaram a mesa, e os media lançaram-se a manipular as formas, os detalhes e circunstâncias privilegiando a estratégia de guerra de Uribe, com uma campanha, delineada de antemão pelos monopólios do grande capital. Neste ano temos estado submetidos a um discurso a favor da guerra, sob o unanimismo impulsionado pelos militares, os média, a Igreja, os conglomerados económicos e financeiros, caciques latifundiários e pecuaristas, em conjunto com as transnacionais.

O PRATINHO DIÁRIO

Como dizes, informações de espionagem e comunicados cozinhados pelo Alto Comando, as maneiras do presidente, as suas palhaçadas, são o pratinho diário da imprensa, em que se idolatra a estratégia de guerra como única alternativa. Mas essa avalanche, por colocar o discurso da guerra, encontra entraves. O mais importante deles é a falta de resultados. Uma oligarquia que não investe no social, nem no desenvolvimento nacional, retirou de circulação cerca de 5 mil milhões de pesos e elevou ao máximo o imposto patrimonial, no desejo virtual de que se lhes apresente numa bandeja de prata a cabeça de algum dos principais comandantes da luta armada no nosso país.

Mas não é essa a realidade, nem existem as condições para isso no futuro. Apesar de Uribe copiar alguns lances que se repetem na História, como o de Fujimori no Perú com suas patrulhas camponesas, na Colômbia é completamente diferente. Olhas para as andanças de Uribe e vês Fujimori, olhas para Fernando Londoño e vês Montesinos! Ali, o movimento popular lutava contra a corrupção, a repressão e a guerra suja, tudo o que tem de obscuro esse regime militarista. Mas na Colômbia isto mesmo está a ser legalizado, institucionalizando essa guerra suja, essa corrupção e o despotismo.

O original encontra-se em http://www.visur.net/vs200304/index.htm .
Tradução de Carlos Coutinho.


Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info .

27/Ago/03