"A guerrilha comunista assenta e
fortalece-se em zonas que tiveram nos anos trinta um papel de destaque na luta pela
recuperação da terra, situadas geograficamente no sul de Tolima e Sumapaz em
Cundinamarca. Nessa altura, pela força das coisas, os antigos dirigentes das
organizações camponesas converteram-se de imediato em dirigentes guerrilheiros
avançados. Eram grupos de guerrilha a liberal e a comunista de rosto
camponês no seu conjunto, com objectivos essencialmente agrários e uma visão militar
fragmentada que não ia além dos arrabaldes ou limites das suas zonas. Porém, apesar das
dificuldades, nunca foram derrotadas militarmente." FARC-EP: Esboço Histórico;
Cap. 1
Em 1953, enquanto os grupos da guerrilha liberal desfrutavam da amnistia
"concedida" pelo novo ditador Gustavo Rojas Pinilla e se integravam na política
legal para logo caírem crivados por balas assassinas, os grupos da guerrilha comunista,
nada ingénuos, em lugar de optarem pelo desarmamento e pela desmobilização, decidiram
continuar como braço armado para a defesa das suas comunidades rurais.
O grupo de guerrilha animado pelo Partido Comunista Colombiano, depois da relativa trégua
de 1953, foi o único decidido a prosseguir a luta de forma organizada. Operando de
imediato em condições excepcionalmente adversas, a maioria dos combatentes deste
disciplinado grupo teve de se deslocar em direcção ao sul. Em Tolima, guerrilheiros como
Manuel Marulanda Vélez, actual Comandante-em-Chefe das FARC-EP, e Isauro Yosa
desenvolveram as suas operações armadas de autodefesa camponesa na zona de Marquetalia.
Em 1964, assim que o governo da Frente Nacional (acordo oligárquico de liberais e
conservadores), presidido por Guillermo León Valencia, decretou como "repúblicas
independentes" e "focos de subversão comunista" as humildes mas
organizadas e aguerridas comunidades rurais de Marquetalia, Villarrica, Río Chiquito, El
Pato e El Guayabero, o exército colombiano lançou contra essas comunidades a maior
operação de extermínio. Foi a "Operação Soberania", também chamada
"Operação Marquetalia", enquadrada no Plano LASO (Latin American Security
Operation) de anti-insurreição do presidente norte-americano Johnson. Enquanto o
imperialismo norte-americano continuava a sua escalada na guerra de agressão contra o
povo vietnamita e se preparava para intervir directamente com o seu arsenal bélico na
Indochina, o Estado colombiano lançava 16.000 soldados contra 48 guerrilheiros(as) de
Marquetalia. O generalato e seus assessores do Pentágono calculavam que em três semanas
as suas divisões aero-transportadas em helicópteros nas cordilheiras andinas
conseguiriam a vitória militar absoluta. No entanto, a História deu uma volta
imprevisível. Os(as) 48 guerrilheiros comunistas dirigidos pelo Comandante Manuel
Marulanda Vélez conseguiram vencer o cerco inimigo e constituir-se em exército
guerrilheiro com um claro projecto nacional: a tomada do poder político pelas armas, para
todos os trabalhadores e trabalhadoras explorados da Colômbia.
Foi este o resultado da luta de classes na Colômbia. Paradoxalmente e para surpresa dos
exploradores de sempre, colombianos e norte-americanos, a agressão militar
oligárquico-imperialista contra as comunidades rurais colombianas favoreceu
significativamente a criação de um dos movimentos de guerrilha mais importantes da Nossa
América. Foi aqui, com a dialéctica da História como parteira, que nasceram, há 39
anos, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo (FARC-EP), em
27 de Maio de 1964.
"No meio do fragor da luta de Marquetalia, em 20 de Julho de 1964,
uma assembleia-geral de guerrilheiros proclamou o Programa Agrário dos Guerrilheiros,
actualizado pelas oito Conferências Nacionais (das FARC-EP), que tem sido, desde então,
o estandarte da luta do movimento revolucionário e particularmente da guerrilha
revolucionária, na qual os combatentes de Marquetalia deixam de ter uma visão de luta
camponesa e passam a ter uma visão mais ampla, com a palavra de ordem de combate pelo
poder político para todo o povo". Esboço Histórico das FARC-EP; Cap. 1.
"Os planos do Governo não só visavam Marquetalia, como tinham por objectivo
continuar em Ríochiquito, El Pato, El Guayabero, Sumapaz, Los Llanos Orientales,
Antioquia e, mais tarde, atacar as organizações sindicais a fim de acabar com o
descontentamento que se manifestava relativamente aos partidos tradicionais e à cúpula,
que impedia a acção de outras correntes distintas da Frente Nacional, tais como o
Partido Comunista, etc. Além de uma série de medidas de carácter económico que
dificultaram o desenvolvimento da sociedade.[...] A movimentação foi boa nestes dias, no
meio de uma situação de crise, porque a acção do inimigo era implacável mas a
mobilidade permitiu-nos atacar sem sermos atacados. Depois de uma série de conversações
entre os dirigentes, resolvemos convocar a Conferência Constitutiva das FARC...". Ibid.Cap.2.
No domínio político-programático das FARC-EP, assume especial relevância desde a sua
fundação o Programa Agrário dos Guerrilheiros, principal estandarte da luta desta
organização político-militar. É no Programa Agrário dos Guerrilheiros, o Programa de
Governo dos Guerrilheiros documento aprovado em 20 de Julho de 1964 em plena gesta
heróica de Marquetalia, estudado e actualizado nas oito Conferências Nacionais da
organização e convertido em guia principal de educação, propaganda e organização
para a acção política e militar , que as FARC-EP definem com clareza a sua
concepção ideológica e política quanto aos seus objectivos a médio e longo prazos,
até à conquista do poder político absoluto pelas massas trabalhadoras, que construirão
a sociedade socialista na Colômbia.
[...] Lutamos por uma política agrária que entregue a terra dos
latifúndios aos camponeses; assim, a partir de hoje, 20 de Julho de 1964, somos um
exército guerrilheiro que luta pelo seguinte Programa Agrário* :
PRIMEIRO: À política agrária de mentiras da oligarquia, opomos uma política
agrária revolucionária e eficaz, que transforme de raiz a estrutura social das zonas
rurais colombianas, entregando de forma completamente gratuita a terra aos camponeses que
a trabalham ou queiram trabalhar, através da confiscação da propriedade latifundiária
em benefício de todo o povo trabalhador.
A política agrária revolucionária fornecerá aos camponeses que dela desfrutem a ajuda
técnica e as infra-estruturas, ferramentas e animais de labor necessários para a devida
exploração económica da terra. A política agrária revolucionária é condição
indispensável para elevar verticalmente o nível de vida material e cultural de todo o
campesinato; livrá-lo do desemprego, da fome, do analfabetismo e das enfermidades
endémicas que limitam a sua capacidade de trabalho; liquidar as peias do sistema
latifundiário e fomentar o desenvolvimento da produção agro-pecuária e industrial do
país. A política agrária revolucionária confiscará as terras ocupadas por empresas
imperialistas norte-americanas seja a que título for e seja qual for a actividade a que
se dediquem.
SEGUNDO: [...] Serão suprimidos todo o tipo de exploração antiquada da terra, os
sistemas de parceria, o arrendamento em troca de espécies ou dinheiro.[...] Serão
anuladas todas as dívidas dos camponeses para com os usurários, os especuladores e as
instituições oficiais e semi-oficiais de crédito.
TERCEIRO: [...] As grandes explorações agro-pecuárias, que por razões de ordem social
e económica devam ser conservadas, destinar-se-ão ao desenvolvimento planificado de todo
o povo.
QUARTO: [...] Serão organizados serviços suficientes de saneamento, a fim de atender a
todos os problemas de saúde pública nos campos. Será dada atenção ao problema da
educação dos camponeses e à total erradicação do analfabetismo [...]. Será
desenvolvido um vasto plano de habitação rural, e serão construídas vias de
comunicação entre os centros rurais produtivos e os centros de consumo.
QUINTO: Serão garantidos preços básicos remunerativos e de apoio para os produtos
agro-pecuários.
SEXTO: As comunidades indígenas serão protegidas, sendo-lhes concedidas terras
suficientes para o seu desenvolvimento e sendo-lhes devolvidas as terras que os
latifundiários lhes tenham usurpado, [...]. Será estabilizada a organização autónoma
das comunidades, respeitando os seus Cabildos (conselhos de vizinhos), a sua vida, a sua
cultura, a sua língua própria e a sua organização interna.
SÉTIMO: A realização deste Programa Agrário Revolucionário dependerá
da aliança operária-camponesa e da frente unida de todos os colombianos na luta pela
mudança de regime, única garantia para a destruição da velha estrutura latifundiária
da Colômbia. A realização desta política apoiar-se-á nas mais amplas massas
camponesas, as quais contribuirão decididamente para a destruição do latifúndio. Para
o efeito, organizar-se-ão poderosas uniões camponesas de luta, sindicatos fortes,
comités de utentes e juntas comunais.
OITAVO: As FARC-EP promulgarão, no devido momento, a primeira lei da política agrária
revolucionária. Assim, convidamos os camponeses, operários, empregados, estudantes,
artesãos, pequenos industriais e comerciantes, assim como a burguesia nacional que esteja
disposta a combater contra o imperialismo,[...] para a grande luta revolucionária e
patriótica por uma Colômbia para os colombianos, pelo triunfo da revolução e por um
governo democrático de libertação nacional.
* Fragmentos retomados do Programa Agrário Revolucionário dos Guerrilheiros das
FARC-EP
Enquanto organização revolucionária autêntica, as FARC-EP que hoje criaram o
Partido Comunista Clandestino da Colômbia e o Movimento Bolivariano por uma Nova
Colômbia , além dos seus 39 anos de aguerrida existência, mantêm e guardam
zelosamente entre as suas grandes virtudes, nestes tempos de lamentáveis deserções e de
desmoralizantes traições ideológicas em todo o mundo, a sua fidelidade a toda a prova
aos princípios que deram origem à sua fundação.
"Somos uma organização marxista-leninista que se cruza também com o pensamento
bolivariano e nunca o negámos [...] Propomos um governo de reconciliação e
reconstrução nacional. Trata-se de um projecto em que todos devemos participar.
Obviamente, para além da reconciliação nacional, e como objectivo fundamental, está a
construção do socialismo na Colômbia." Entrevista ao Comandante Ricardo,
Membro do Estado-Maior das FARC-EP. Revista Tricontinental; v.148; 2001.
"Ao longo dos 36 anos da vida política das FARC-EP, ingressaram nas suas fileiras
mulheres e homens dos mais diversos sectores sociais. Ingressam voluntariamente e por
tempo indefinido; ninguém ganha qualquer salário. O nosso compromisso é lutar pelos
direitos do povo à vida, ao trabalho, à educação, à saúde, à habitação; pelos
direitos políticos, pela conquista da igualdade entre mulheres e homens, e em benefício
dos interesses gerais de todos os desapropriados, marginalizados e excluídos; em resumo,
pela construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados, marginalizados ou
excluídos .[...] Cada combatente das FARC-EP faz a luta de classes em aberto confronto
político-militar com as políticas de exploração e de violência sem piedade da
burguesia, mediante a correcta conjugação de todas as formas de luta revolucionária de
massas, a fim de melhorar as condições de vida do povo". Somos um Exército do
Povo; Documento das FARC-EP; Maio/2000.
Ao longo de toda a sua vida e a partir da sua constituição em 27 de Maio
de 1964, este excepcional movimento de guerrilha, com alguns pontos altos e baixos na sua
história, lutando contra todos os planos de extermínio ditados pelo imperialismo e
executados pelo Estado oligárquico planos de guerra contra-insurreição no
âmbito da Doutrina de Segurança Hemisférica, "Guerra Anti-droga", Plano
Colômbia, "Guerra Anti-terrorismo" regista, no balanço de 39 heróicos
anos, uma notável ascensão, engrossa constantemente as suas fileiras, aumenta e
reorganiza os seus efectivos, comandos e estruturas, melhora o seu arsenal, alarga a sua
influência geográfica, multiplica exponencialmente as suas frentes de guerrilha, penetra
nas cidades, organiza as suas milícias urbanas e, numa incessante construção e
fortalecimento, organiza o Partido Comunista Clandestino da Colômbia e o Movimento
Bolivariano para uma Nova Colômbia; por último, derrotando implacavelmente todos os
planos oligárquico-imperialistas contra-insurreição, e como exemplo para os povos da
Nossa América que hoje despertam para a luta revolucionária, as FARC-EP, nunca
derrotadas, reestruturam-se, crescem, aumentam o seu poder de fogo e constituem cada vez
mais uma alternativa real de poder para os(as) explorados(as) e oprimidos(as) da pátria
do comandante Manuel Marulanda e dos imortais camaradas marquetalianos Jacobo Arenas,
Isauro Yosa e J. Guaraca.
Desde Julho de 2000, o imperialismo norte-americano pretende com o Plano Colômbia
destruir a revolta colombiana e suas organizações de guerrilha, com o grosseiro pretexto
de combater o tráfico de estupefacientes. Hoje, o Plano Colômbia, rebaptizado
pelo fanfarrão presidente George Bush com o nome de Iniciativa Regional Andina,
intensifica a escalada militarista dos EUA nas Caraíbas e na América Latina, ameaçando
como nunca antes com a guerra os povos da região.
Esta instalação massiva de tropas, sem precedentes na região
ainda com a recente expulsão (1 de Maio de 2003) da prepotente armada norte-americana da
ilha porto-riquenha de Vieques e alargada desde o 11 de Setembro de 2001 com a
actual guerra anti-terrorismo de G. Bush bases e concentração de efectivos,
assessores militares, material bélico, aviões de combate, bombardeiros, helicópteros e
instalações de espionagem electrónica na Colômbia (Três Esquinas, Palenquero, Apiay,
Barranquilla e San Andrés), no Equador (Manta e El Coca), no Panamá (El Darién), no
Peru (Iquitos), em Curaçao, em Aruba, nas Honduras (Palmerola e El Aguacate), em El
Salvador (Comalapa) e na Nicarágua (Manágua) é efectivamente o braço armado com
o qual a burguesia imperialista estadunidense pretende, a sangue e fogo, garantir o êxito
da sua estratégica Área de Libre Comércio das Américas (ALCA) e o seu corolário,
Plano Puebla-Panamá (PPP), em consonância com o Documento de Santa Fé IV.
"... Pela sua natureza de contra-insurreição, o Plano Colômbia dirige-se
principalmente contra a população civil da Colômbia e tem por fim imediato destruir ou
neutralizar a resistência de qualquer cidadão que se oponha ao projecto de
reestruturação neo-liberal da economia colombiana e latino-americana[...]. O Plano
Colômbia é, na realidade, um plano militar que congrega os países da região
através da chamada Iniciativa Andina e os implica de diversas formas na
intervenção, e que tem por objectivo, sem qualquer dúvida, o controlo do Vale
Amazónico, afectando a soberania dos países que o integram[...]."
Convocatória para o Primeiro Encontro de Solidariedade e pela Paz na Colômbia,
América Latina e Caraíbas/ São Salvador; Julho de 2001.
Para justificar a sua intervenção na Colômbia, o governo dos EUA acusa os movimentos de
guerrilha colombianas de "narco-terroristas". Que têm as FARC-EP a dizer sobre
este assunto?
"Não temos ligações e muito menos negócios com nenhum cartel da droga. As
FARC-EP recusam o tráfico de estupefacientes por princípio e ética. Em matéria
financeira, prosseguiremos a nossa política de cobrar o imposto para a Nova Colômbia às
pessoas, singulares ou colectivas, inimigas da democracia, cujo património seja superior
a mil milhões de pesos, porque a nossa luta é contra um Estado injusto e contra os ricos
que o sustentam e dele desfrutam. Se dão dinheiro ao Estado para que desenvolva a guerra
contra o povo, também têm de o dar ao povo para que este se defenda da agressão. Tudo o
mais é desinformação". Mensagem ao Povo Colombiano no 31°
Aniversário das FARC-EP / Manuel Marulanda Velez.
"[...] O governo norte-americano já tinha elevado a questão do tráfico de
estupefacientes a doutrina de segurança nacional. Quando desapareceu o perigo do
comunismo, iniciaram uma nova cruzada mundial, e essa nova cruzada tinha de ser um
fenómeno que afectasse a Humanidade, tal como o tráfico de droga, que nós, nas FARC-EP,
condenamos por princípio e por convicção [...]". Ao utilizar o termo
narcoguerrilla, prepararam o povo dos Estados Unidos e a comunidade
internacional, através de uma campanha psicológica, para o que viria depois. Recorde-se
que com esse mesmo pretexto invadiram militarmente o Panamá para procurar Noriega". Entrevista
ao Comandante Ricardo das FARC-EP. Revista Tricontinental; v.148/ 2001.
Em todos os documentos em que as FARC-EP se exprimem sobre o tema do tráfico de droga, o
comércio de drogas ilícitas é considerado como um grave flagelo para a Colômbia e para
o mundo; problema de que as FARC-EP estão conscientes e para cuja resolução definitiva
se vêem moralmente obrigadas a utilizar toda a vontade revolucionária. Na proposta para
um governo de reconstrução e reconciliação nacional, as FARC-EP dedicam um ponto a
este tema, declarando o seguinte:
"Solução do fenómeno de produção, comercialização e consumo
de narcóticos e alucinógenos, considerado um grave problema social que não pode ser
resolvido pela via militar, que exige acordos com a participação da comunidade das
nações e a comunidade internacional, e o compromisso das grandes potências como
principais fontes da procura mundial de estupefacientes".
Sobre este assunto, assume particular relevo pela sua actualidade e
pelo facto de apresentar uma síntese da posição das FARC-EP sobre o tráfico de droga,
o documento Militarismo, tráfico de estupefacientes e neo-liberalismo, de Raúl
Reyes, Comandante do Secretariado do Estado-Maior Central das FARC-EP, de Julho de 1997:
"[...] É necessário repetir que as FARC-EP não participam, não negoceiam, não
têm quaisquer relações com o tráfico de droga e que o recusam por uma questão de
princípios éticos, porque é incompatível com a democracia e a convivência cidadã e
porque gera corrupção, impunidade, criminalidade, decomposição social, entre outras
coisas, afectando principalmente os jovens do mundo. As afirmações contrárias fazem
parte, na maioria dos casos, do coro de calúnias destinadas a tirar legitimidade à nossa
justa luta e, noutros casos, embora menos, da grande desinformação, produto da
manipulação da informação por parte dos grandes meios de comunicação impulsionadores
dessa campanha, em defesa lógica dos interesses dos seus proprietários. O que os
incomoda é o facto de não servirmos de polícias rurais em defesa da sua falsa e
hipócrita política anti-droga e de não atropelarmos os cultivadores de produtos
ilícitos, acabando com eles e com os seus escassos bens. Não alinhamos no jogo duplo de,
a pretexto da luta anti-droga, reprimir os sectores populares e criminalizar os seus
protestos, lucrando simultaneamente com os imensos benefícios desse negócio, financiando
campanhas eleitorais e promovendo as indústrias e centros financeiros.
Especial preocupação e interesse merece o tema dos jovens, que são os mais afectados,
não só pela possibilidade de consumo e toxicodependência, como também pelas
frustrações de várias gerações, cujos valores se alteraram: impõe-se o objectivo de
fazer dinheiro rápido e por qualquer meio, fomenta-se o consumismo a qualquer preço,
apresenta-se como antiquada a preocupação pelos problemas sociais e políticos dos
povos, acentua-se o individualismo e o egoísmo próprios do capitalismo, e a
solidariedade é um anacronismo, do mesmo modo que a luta pelos direitos fundamentais.
Estamos absolutamente dispostos a travar batalha contra o tráfico de
droga e suas consequências, com base em propostas viáveis que beneficiem as maiorias
nacionais e os sectores populares, pondo a tónica nos aspectos sociais, económicos e
políticos, e não na repressão dirigida a estas maiorias e a estes sectores populares,
que estão longe de serem traficantes de droga e que apenas subsistem de actividades
relacionadas com as drogas, obrigados pelas circunstâncias, pois não podem fazer de
outro modo, enquanto que os verdadeiros traficantes, os que obtêm lucros imensos, estão
tranquilos porque desenvolveram a poder de dinheiro e corrupção as suas redes de
protecção.
Esta vontade parte da convicção do mal provocado à humanidade pela droga, não só
pelos prejuízos que causa à saúde dos que a consomem, mas também pelas possibilidades
de corrupção que apresenta para a manipulação dos destinos dos povos, do ponto de
vista dos aspectos económicos, políticos e sociais; estamos certos de que, com grandes
transformações neste domínios, quando se apresentar aos nossos povos a possibilidade de
viver dignamente do seu trabalho, em condições de verdadeira democracia e soberania,
será possível solucionar o problema das drogas e do tráfico com elas relacionado.
Intimamente ligada ao fenómeno do tráfico de estupefacientes está a
concentração de milhares de hectares de terra que passam para a posse dos novos ricos;
na Colômbia, 70 % das terras aráveis que se conhecem estão actualmente nas mãos dos
traficantes de droga e seus testas de ferro, não só como fruto do seu negócio, mas
também devido às perdas sofridas por numerosos proprietários com a aplicação das
políticas neo-liberais. A consequência não se fez esperar: a Colômbia é agora o
primeiro produtor de folha de coca, porque os camponeses deslocados por esta
contra-reforma agrária se dirigem para as zonas de colonização para semear a única
coisa que lhes permite subsistir coca, papoila e marijuana , em zonas onde
não há vias de comunicação, não há possibilidades nem políticas de mercado, não
há assistência técnica e, ainda menos, assistência financeira; é a solução
encontrada pelos camponeses para não morrerem de fome.
Os camponeses organizaram-se em defesa das suas vidas, não em defesa da coca. A solução
colocada aos governos, em especial no caso colombiano em que o consumo ancestral
ligado às culturas indígenas é irrelevante , é a substituição de culturas e a
possibilidade de explorar outros produtos agrícolas, com verdadeiras garantias
políticas, económicas e de comercialização para produzir nas suas regiões bens de
consumo diversificados, provenientes do sector agrícola, passando obrigatoriamente pela
criação das infra-estruturas necessárias, que não são extraordinárias, mas que são
indispensáveis para a vida de um povo.
O tráfico de estupefacientes, como tal, é realizado por aqueles que
obtêm os maiores lucros deste comércio enviando a cocaína para os centros de consumo,
para os países desenvolvidos e, em especial, para os EUA, e que constituem os verdadeiros
cartéis da droga; o seu enriquecimento é exorbitante e está demonstrada a sua ligação
aos partidos políticos tradicionais, às cúpulas dominantes dos países, sabendo-se que
estendem o seu poder de corrupção a todas as actividades da economia, da política, da
sociedade e até da cultura e dos lazeres.
Os distribuidores nesses centros de consumo (com a participação de cidadãos das
metrópoles, nunca denunciados e muito menos perseguidos), que são os segundos na lista
dos que mais lucram, manejam também a distribuição do dinheiro, entre o que enviam como
paga aos traficantes e o que fica como lucro próprio, ambos os lucros movimentados pela
Banca internacional.
Por sua vez, a legalização ou branqueamento de capitais, feito nas
instituições bancárias desses países, constitui o terceiro grande lucro e o mais
substancial, que na circulação bancária se converte em capital financeiro, suporte
fundamental do neo-liberalismo e mecanismo de dominação actual. Nesta etapa há também
algumas ramificações ou escalas, desde grandes distribuidores até simples camponeses.
Não há verdadeiro interesse em resolver este problema, trata-se de uma questão
económica e política. Economicamente, permite obter grandes dividendos só nos
EUA, país com uma das maiores dívidas externas, são reciclados cerca de 80 % do meio
milhão de milhões de dólares proveniente do tráfico de droga anualmente; esta economia
tira efectivamente benefícios destes capitais, mas não é a única. Nos países onde
estes dinheiros são branqueados através de investimentos, são mostradas cifras
macro-económicas positivas, mas enganosas, porque não se reflectem na economia nacional
nem nos níveis de vida da maioria da população. Perguntamo-nos qual é a relação
destes dinheiros do tráfico de droga, que circulam vertiginosamente nas respeitáveis
instituições bancárias algumas das quais não conseguem explicar as suas
relações e negócios com o fascismo italiano e alemão, desde a Segunda Guerra Mundial
, com o desmesurado incremento do capital financeiro, pai, mãe e sustento do
monstruoso modelo neo-liberal responsável pelo aumento da miséria dos povos do mundo.
Nem sequer os povos dos países desenvolvidos escapam a esta situação, embora se tente
escondê-la, procurando e atribuindo-a a outras causas. Politicamente, esta questão é
manipulada pelos EUA e pelos diferentes governos. No caso colombiano, todo aquele que não
está de acordo com as políticas oficiais é declarado objectivo militar com o rótulo de
terrorista e/ou traficante de droga.
É com o narcotráfico que se justificam as intervenções abertas e descaradas,
retrocedendo a formas coloniais supostamente ultrapassadas, que vão desde invasões
caso do Panamá até negociações da soberania, através de tratados no
domínio da luta contra o tráfico de droga, como os assinados por vários países das
Caraíbas, que cedem o seu mar territorial para que os EUA o patrulhe. A Colômbia também
assinou um acordo semelhante, passando pelas imposições feitas pelo Império em matéria
de políticas internas até à chantagem, não só a alguns dos mandatários de certos
países, mas também aos candidatos à presidência. Na sua conhecida actuação
hipocritamente moralista, cabem também as incursões no negócio da droga para lucro e
fornecimento de narcóticos aos soldados do seu exército no Vietname e o
escândalo chamado de 'Iran Gate'.
A luta contra o tráfico de droga como flagelo da humanidade, que
beneficia económica e politicamente o Império, é uma luta anti-imperialista pela
soberania e pela autodeterminação dos povos, mas é também uma luta contra as cúpulas
dominantes nacionais em benefício das maiorias nacionais, e é um ponto fundamental da
agenda de problemas a resolver para garantir aos nossos povos uma vida com justiça
social, digna em paz, com democracia e soberania."
Militarismo, tráfico de droga e neo-liberalismo. Comandante Raúl Reyes, do
Secretariado do Estado- Maior Central, FARC-EP/ Julho de 1997.
Numa entrevista publicada no nº 7 da Revista Resistencia das FARC-EP, o comandante
Raúl Reyes exprime-se ainda mais amplamente sobre os vínculos estreitos entre
capitalismo e tráfico de estupefacientes, relações estas que só acabarão com o fim do
capitalismo.
" O fenómeno do tráfico de droga é consubstancial ao sistema capitalista. Nasce
das suas entranhas e é parte inseparável da corrupção, do militarismo e da imoralidade
que com a impunidade escoram as políticas imperiais e o modelo neo-liberal.(...)
No que se refere às FARC-EP, não fazem tráfico de droga por uma questão de
princípio. Não é verdade que comercializem e muito menos que transportem ou semeiem,
nem vendam favores aos traficantes, porque isso é contrário à sua linha política
e ideológica. Apesar destas realidades demonstráveis, os adversários políticos
prosseguem uma campanha deliberada de calúnias, enquadrada na conhecida estratégia de
contra-insurreição, que tem cada vez menos credibilidade, de tal modo que o próprio
embaixador norte-americano Miles Frechette disse reiteradamente que o seu governo não tem
informações de que a guerrilha colombiana trafique droga, nem que seja um cartel
de traficantes.
(...) É um facto que a administração norte-americana afecta à Colômbia cerca de
metade dos recursos militares destinados ao hemisfério, porque com a lenda da chamada
luta contra o tráfico de droga equipam-se as forças militares para a luta contra a
guerrilha. O seu inimigo é a oposição política armada encarnada na guerrilha, que
combate ao lado do povo pelo poder, para construir a sociedade socialista, onde não pode
haver exploradores nem explorados.(...) Os trabalhadores decidem levantar-se em luta
contra o mau governo, escolhendo o caminho digno da luta revolucionária, por uma
Colômbia para todos com igualdade de direitos, em combate aberto contra o sistema
capitalista. Os militares colombianos torturam, ameaçam, massacram, fazem desaparecer e
assassinam indiscriminadamente o povo desarmado; por vezes fazem-no vestindo o uniforme
dos agentes de segurança do Estado, outras sob a capa do paramilitarismo.(...)Podemos
dizer que uma boa parte, a mais corrupta, descarada e criminosa, das forças de segurança
do Estado estão de conluio com o narco-paramilitarismo, que financia também a indústria
do crime com os negócios chorudos do tráfico de droga. (Entrevista ao Comandante
Raúl Reyes. Revista Resistencia. Nº 7. Julho de 1997)
Neste glorioso aniversário das FARC-EP e perante a sangrenta e genocida escalada da
guerra imperialista e oligárquica na Colômbia (com o nefasto binómio fascista
Bush-Uribe à cabeça), que anuncia graves calamidades para todos os povos da Nossa
América, a solidariedade de todos(as) os(as) revolucionários(as) com o povo colombiano
em luta torna-se urgente. A ameaça compele-nos, por nós e por todos os povos do
continente e do mundo, a actuar em conformidade com a nossa consciência solidária. É
uma tarefa prioritária neutralizar e combater a crescente campanha que, através dos
grandes meios de comunicação social internacionais ao serviço do imperialismo, pretende
rotular as forças insurrectas de narcoguerrilha (ou narcoterroristas) e
que, no meio da actual era de vorazes guerras imperialistas, tenta criar uma atmosfera
favorável a uma próxima invasão dos EUA sem precedentes na Colômbia e no coração dos
povos andinos.