"Não desistimos da luta pela paz com dignidade"
Numa entrevista exclusiva concedida ao jornal VOZ, o comandante Raúl
Reyes, principal porta-voz das FARC-EP nas negociações de paz de
Caguán, fala sobre a paz, o governo de Álvaro Uribe e sobre o
papel dos Estados Unidos.
Após muitas idas e vindas e mensagens enviadas por um e outro lado,
conseguimos que o comandante Raúl Reyes, principal porta-voz das FARC-EP
nos diálogos de Caguán, nas condições criadas
após a ruptura do processo de paz e da agudização dos
confrontos armados, nos respondesse a uma série de questões de
grande actualidade, algures nas montanhas da Colômbia.
- Especula-se muito sobre o que agora fazem as FARC, quais os planos que tem e
a que obedece essa espécie de calma podre. A que se
dedicam as FARC-EP neste momento?
-Sobre essa questão devo insistir no que temos dito, sempre que
há uma oportunidade. As FARC-EP dedicam todos os seus esforços,
capacidade política, de organização e de prestígio
entre as classes baixa e média da população colombiana, a
lutar em defesa dos seus principais interesses e necessidades. As FARC
estão dispostas a empregar todo o tempo e recursos necessários
para dar uma resposta política armada às políticas de
desemprego, subemprego, baixos salários, altos impostos, aumentos na
gasolina e nos produtos de consumo popular promulgadas pelo Estado e seu regime
de governo. Estas medidas impopulares afectam 95 por cento da
população colombiana. A luta continuará até que
prevaleça a paz com justiça social e desapareçam a
repressão, a miséria, o atraso e a entrega da nossa soberania
pátria ao império gringo e às multinacionais do grande
capital monopolista de Estado.
- As FARC-EP mantêm erguida a bandeira da paz?
-As FARC-EP mantêm-se firmes erguendo a bandeira da paz com
justiça social, pela independência e soberania da pátria,
dado o seu carácter de organização política armada
do povo. Todavia, afirmo que nada nem ninguém conseguirá que as
FARC desistam da sua luta pela paz com dignidade, pela construção
de um novo Estado e Governo que sejam garantes dos direitos e das liberdades
fundamentais da população excluída e explorada pela actual
casta governante.
O ACORDO HUMANITÁRIO
- Há poucos dias vocês emitiram um comunicado em que negam
contactos com o Governo Nacional sobre a troca de prisioneiros e um acordo
humanitário. Qual a proposta das FARC-EP para um eventual acordo
humanitário?
-Com respeito a essa questão, antes de mais quero reafirmar o interesse
das FARC-EP em contribuir para dar uma solução
satisfatória a esse justo pedido dos familiares dos prisioneiros de
guerra que foram privados da liberdade contra a sua vontade pelo Governo e
pelas FARC-EP. As pessoas privadas da sua liberdade estão a viver essa
situação em consequência da confrontação
política, social e armada que afecta a Colômbia há mais de
50 anos, por causa das políticas repressivas do Estado, exercidas pelos
sucessivos governos do bipartidarismo liberal-conservador.
-No que respeita às FARC, exige-se do Governo a libertação
de todas as guerrilheiras e guerrilheiros aprisionados nos cárceres do
sistema, para deixarmos em liberdade as pessoas do aparelho de Estado detidas
pela organização guerrilheira para efeito de troca, como a
totalidade dos deputados do Valle, o governador de Antioquia, congressistas,
ex-ministros de Estado e a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt.
-Por outro lado, as FARC exigem que o Governo inicie na Colômbia os
contactos com vista a acordos sobre troca de prisioneiros, que serão
feitas entre colombianos devidamente autorizados pelas duas partes: Governo e
FARC-EP. Sobre este importante tema de interesse político nacional
insistimos novamente em que não existe até agora qualquer
intercâmbio entre porta-vozes do Governo e das FARC, quer na
Colômbia quer no exterior. Dizer o contrário é uma grande
mentira e um despropósito para enganar as famílias e amigos dos
prisioneiros, bem com as pessoas interessadas numa solução
rápida e concertada desse assunto de tanto interesse.
- Qual a opinião que tem do Governo de Álvaro Uribe Vélez?
-O Governo de Uribe representa os interesses mais retrógrados da
oligarquia liberal-conservadora da Colômbia. Neste Governo confluem os
sectores responsáveis pela exploração, pela pobreza, pelo
atraso e pelo terrorismo de Estado contra a população civil
desarmada. Cada uma das medidas que este Governo pretende impor através
da força mostra o seu carácter impositivo, abertamente ditatorial
e ao serviço das políticas do FMI e dos grupos financeiros
nacionais e estrangeiros.
- O chamado referendo, a reforma tributária e a
flexibilização laboral não passam de uma cortina de fumo
para limpar a má imagem de uma parte considerável dos
desprestigiados e eternos congressistas a serviço da politiquice da
velha máquina política liberal-conservadora e para desviar a
atenção de amplos sectores sociais e das massas populares
enquanto o seu governo prepara melhores condições para uma
confrontação de maiores proporções.
-Por outro lado, com as suas medidas, o senhor Uribe atinge cada vez mais a
população pobre com mais impostos, enquanto, por outro, assalta
os trabalhadores ao roubar-lhes benefícios que já tinham
graças às lutas centenárias do povo colombiano e das suas
organizações revolucionárias.
Essa é a guerra total sem diálogo do Estado e do seu Governo
contra a população indefesa e despojada com o propósito de
reduzir ainda mais as suas liberdades e direitos afectados pela política
neoliberal estatal ao serviço das multinacionais e da oligarquia
colombiana.
A INTERVENÇÃO IANQUE
- As FARC pensam que os Estados Unidos intervirão militarmente no caso
de considerarem fracassada a capacidade militar das Forças Armadas
colombianas?
-Há que informar o povo colombiano que os Estados Unidos intervêm
descaradamente no conflito interno colombiano há mais de 38 anos e de
diversas formas. Desde 1964, quando as FARC surgiram como
organização política armada contra o Estado colombiano e
seu regime governante, o governo dos Estados Unidos aplica cifras
milionárias em dólares em aviões e helicópteros de
guerra dotados de sofisticados sistemas técnicos e com assessores
militares especialistas em espionagem e em monstruosas montagens para
intimidar, caluniar e assassinar membros e líderes das
organizações de esquerda, como ocorreu com o recente
genocídio de que foi alvo a Unión Patriótica, com o
assassinato de destacados dirigentes do Partido Comunista, do movimento
sindical e popular colombiano.
-Além de toda esta grotesca intervenção gringa, os
militares colombianos são, na prática e na teoria, formados na
Escola das Américas, para combater o que eles definem como seu inimigo
interno. Os governos dos Estados Unidos e da Colômbia receberam dos
assessores gringos, ao longo dos últimos anos, os catálogos
conhecidos como documentos de Santa Fé 1, 2, 3 e 4, com as ordens e
instruções que estão obrigados a cumprir irrestritamente
em cada uma das suas considerações geopolíticas em
benefício dos interesses da política de segurança do
império.
- Por outro lado, os embaixadores dos Estados Unidos na Colômbia gozam de
privilégios conferidos pela classe governante colombiana como a
permissão de participarem no debate político sobre todos os temas
da política interna e externa. Enquanto isso, os restantes embaixadores
de outros países estão excluídos desse privilégio
especial e se alguém tenta fazer algo parecido ao que os gringos fazem
é admoestado e os meios de comunicação armam um enorme
escândalo que pode pôr em causa as relações do seu
governo com o da Colômbia. Essa é a melhor evidência do
servilismo, da falta de dignidade e da entrega incondicional da nossa soberania.
-As FARC-EP já sublinharam por formas distintas que não
são inimigas do povo dos Estados Unidos. Pelo contrário,
admiram-no e respeitam-no, mas sem nunca renunciarem à
obrigação e ao direito de denunciar e de defender a nossa
Pátria da grosseira intromissão do Estado e do Governo dos
Estados Unidos no conflito interno dos colombianos. As FARC também sabem
que os governantes gringos não têm amigos mas apenas interesses.
Só lhes interessam as imensas riquezas do nosso país, em
particular as energéticas, como o petróleo e seus derivados.
[*]
Do jornal "Voz", semanário do PCC.
O original desta nota encontra-se em
http://www.anncol.com/november_eng/Noviembre2002/0911_no_desistimos.htm
. Tradução de João Ogando.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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