Comandante das FARC responde a jornalista espanhol
por Alfonso Cano
- São a guerrilha mais antiga do mundo. Continuam actuais os motivos
pelos quais começou a luta armada ou eles mudaram com o tempo?
AC: Nestes 47 anos, desencadeou-se uma vertiginosa transformação
na ciência e na tecnologia, aumentaram as taxas de crescimento
económico em muitos países, entrou em colapso o modelo
soviético de construção socialista e a explosão
incontida da República da China, no entanto, apesar de tudo isto e
muitos outras novidades transcendentes, a fome cresceu no mundo, a
injustiça, a desigualdade social e os conflitos persistiram e cresceram,
enquanto cerca de 10 mil indivíduos, terrivelmente ricos, decidem o
destino de milhares de milhões de pessoas. As FARC nasceram resistindo
à violência oligárquica que rotineiramente utiliza o crime
político para liquidar a oposição democrática e
revolucionária; também como resposta popular à
agressão dos latifundiários e proprietários, que inundou
de sangue o campo colombiano ao invadir terras de camponeses e colonos, e
nascemos também como rejeição, digna e beligerante
à intervenção do governo dos Estados Unidos no confronto
militar e na política interna do nosso país. Três
razões principais que desenvolveram as FARC, conforme descrito no
Programa Agrário de Marquetalia elaborado e divulgado em 1964. Um olhar
superficial sobre a situação na Colômbia, em Maio de 2011,
mostra que, apesar do contexto internacional descrito acima, esses três
factores germinais persistem e aumentam até hoje.
- Acha que é possível abrir um processo de
negociação
com o presidente Juan Manuel Santos?
AC: Com os esforços conjuntos de muitos sectores progressistas e
democráticos interessados numa solução sem sangue para o
conflito, é sempre possível construir cenários e iniciar
conversações directas com qualquer governo, incluindo o presente,
apesar de que este, no começo do seu mandato, reduziu as possibilidades
ao impor uma lei que fecha as portas ao diálogo dentro do país.
Mas estamos optimistas sobre a possibilidade de fazê-lo.
- Na recusa do Governo em aceitar trocas de reféns por guerrilheiros
presos, quais são seus planos para os reféns ainda mantidos pelas
FARC?
AC: Penso que você se está referindo aos prisioneiros de guerra
em nosso poder, porque uma abordagem imparcial, rigorosa e objectiva do assunto
num confronto político, social e militar de 47 anos, em que se enfrentam
dois adversários, deve referir-se aos prisioneiros de guerra capturados
pelas partes no confronto, certo? A recusa do governo actual para a troca
não tem de fazer recuar o desejo de ter connosco, livres os camaradas
actualmente
prisioneiros, e fazer voltar para suas casas os soldados e policias capturados
em combate, que temos em nosso poder, cujas famílias também
esperam tê-los de volta. Acima da indiferença do Estado sobre os
seus próprios soldados, vamos perseverar. Sabe-se que enquanto um
confronto perdurar haverá prisioneiros mantidos pelas partes.
- O Comité Internacional da Cruz Vermelha é uma entidade neutra
responsável por assegurar o cumprimento do direito internacional
humanitário. No seu último relatório indica que
"enquanto as partes em conflito actuam em frentes de combate em
áreas rurais, a população que vive nestas áreas
vive em constante perigo e exposta a violações dos Direitos
Humanos, como assassinatos e / ou ataques a pessoas protegidas pelo DIH,
desaparecimentos forçados, violência sexual, sequestros,
recrutamento forçado, maus tratos físicos e/ou
psicológicos, e deslocamento forçado. A falta de respeito pelo
princípio da distinção entre combatentes e civis, as
pressões para colaborar gerando represálias directas contra
civis, a ocupação de bens públicos ou privados e a
contaminação por armas são outros factores agravantes que
afectam a vida das comunidades". Quais dessas violações
são cometidas pelas FARC?
AC: Para ser objectivo teria de referir um por um os casos relatados pelo CICV
e como este não é o espaço certo, posso comentar que, para
nós, o mais importante da nossa luta é a população,
não só por razões de princípios políticos e
ideológicos, mas práticos, da guerra. Apenas na medida em como
respondemos às necessidades objectivas da população em
cada área, nós podemos resistir, crescer e avançar. Caso
contrário é impossível.
Anos atrás, e dada a intensidade dos combates, difundimos normas de
comportamento para que os civis não permitissem o seu uso como escudo
pelas forças de segurança que construíram quartéis
no meio de aldeias, usam o transporte público para os seus movimentos,
intercalam comboios militares no meio de transporte civil para viagens por
estrada, pernoitam em escolas e colégios, e assim por diante,
práticas que a força pública utiliza, criando riscos para
a população.
Eventualmente, as nossas unidades podem violar regras, mas como somos
governados por leis, normas e regulamentos de um rigoroso regime disciplinar,
fundamentados numa concepção revolucionária da vida, que
harmonizam as relações entre combatentes e também das
nossas com a população civil garantindo um profundo
relacionamento sincero, harmonioso e forte, nós tomamos as medidas
correctivas que indicam os nossos documentos.
Com respeito aos direitos individuais, DIH e seus protocolos adicionais,
mantemos algumas reservas porque, às vezes em certas
situações dificultam a aproximação, dado que foi
concebido e projectada para conflitos entre nações e, apesar de
os protocolos adicionais, nem sempre proporciona o justo equilíbrio. Por
exemplo, qualificar como "execuções extrajudiciais" a
assassina, criminosa e sistemática prática das Forças
Armadas oficiais da Colômbia nos últimos 63 anos, matando civis,
vestidos com roupas militares e colocar armas nos seus cadáveres para
fazer passá-los por guerrilheiros, baixas em combate, num
país que se ufana de ser um Estado de direito e cuja
legislação não contempla a pena de morte, permitiu um
tratamento benigno aos criminosos, que tem escamoteado uma
condenação drástica, vertical, clara e oportuna do terror
desenvolvido pelo Estado colombiano há mais de 47 anos.
A regra sobre o uso de armas não convencionais, é uma
regulamentação para a guerra entre as nações que
não pode abarcar a movimentos populares como o nosso, que foi montada
desde o início com paus e facões para se defender contra a
agressão urdida e executado pelo Estado com a
contribuição militar, financeira e tecnológica da Casa
Branca. Equivale a repreender o David bíblico porque usou pedras para se
defender contra a agressão do gigante Golias.
Seria útil trabalhar um cenário internacional para analisar, a
partir de perspectivas diferentes, estas situações e outras do
mesmo teor e trocar ideias sobre a "neutralidade" que, acima de
qualquer consideração, devem manter aqueles que se afirmam os
seus garantes.
- As FARC fazem uso de minas anti-pessoal, entre outras coisas contra as
operações de erradicação manual de cultivos de
coca. Por que continuar a usar uma arma proibida pelo direito
humanitário e todos concordaram em 1998 em erradicar através do
Tratado de Ottawa ou da Convenção sobre a proibição
de minas terrestres?
AC: Reitero que no armamento utilizado pela guerrilha na sua luta de
resistência, na irregularidade da sua táctica e, como
consequência da assimetria que caracteriza um confronto como o
colombiano, será necessário que num cenário internacional
amplamente representativo, é claro que com a presença de
guerrilha revolucionária, nos preocupemos em resolver esta
questão objectivamente, sem mentiras, procurando conclusões
realistas que todos possamos acatar rigorosamente, incluindo os governos.
É ridículo, para o qualificar de alguma maneira, que quando o
governo colombiano lança operacionais contra insurgentes numa
proporção de 100 soldados para cada guerrilheiro, com
bombardeamentos da guerrilha com milhares de toneladas de pentolite, realizados
por uma aviação equipada com foguetes de todos os tipos,
metralhados por centenas de helicópteros gringos e russos da ultima
tecnologia, bombardeados com morteiros de 120 mm, em seguida, venham logo os
comandos militares queixar-se e denunciar, que muitas de suas unidades
caíram em campos minados num teatro de operações
tão desigual. Ou, como acontece, é criminoso forçar civis
a servir como guias com consequências muitas vezes infelizes para aqueles
que são forçados. Ou, como em outras ocasiões, é
perversamente fariseu dar dinheiro a civis para actuar como informadores, que
à procura de informações, são muitas vezes
vítimas do confronto.
Certamente ninguém pode poupar esforços para separar a
população civil do conflito. Este deve privilegiar cada um dos
eventos cometidos como parte do conflito, mas como entender isso no caso da
Colômbia, onde o governo nacional desencadeou uma intensa campanha para
recrutar civis como informadores, em troca de dinheiro, integrando-os num
dispositivo chamado Rede de Cooperantes? Estarão aderindo às
regras do direito internacional humanitário? Ou há uma
contradição entre seu discurso maniqueísta em
relação aos padrões internacionais e as políticas
que desenvolve? São muitas as questões a serem actualizadas numa
reunião de actualização do DIH, na qual seria vital a
participação dos Estados Unidos da América para
também analisar a síntese entre as exigências que faz ao
resto do mundo com respeito aos direitos humanos e a sua prática
diária e universal.
- As FARC têm futuro, se se mantiverem à margem do comércio
de drogas? Que relações têm agora com o cultivo e
tráfico de drogas? É hoje a sua principal fonte de financiamento?
Qual a receita anual?
AC: A nossa luta para ficar fora do tráfico de drogas não tem
sido fácil, porque nos últimos 30 anos, a Colômbia tem sido
permeada e contaminada, dos pés à cabeça, pelos dinheiros
da droga: as instituições do Estado, sem excepção,
a indústria, a bancária, o comércio, a política, o
desporto, a agricultura, o entretenimento, as forças militares e
policiais, a Igreja e, em geral, o conjunto do tecido social.
A guerra contra as drogas ordenada pela Casa Branca tem sido um fracasso,
especialmente na Colômbia, pois deixou um rastro de sangue enorme,
desintegração social e perda de valores substantivos da
ética e da moralidade, enquanto a área plantada com coca oscila
pendularmente entre os 90 mil e 180 mil hectares e o país continua a
liderar o tráfego mundial, de acordo com relatórios de
várias organizações internacionais.
Desde há muito tempo que temos manifestado a nossa concordância
com a legalização ou despenalização que desde os
tempos do Nobel americano laureado Milton Friedman, até à data,
incluindo quatro ex-presidentes latino-americanos e muitos indivíduos e
organizações em todo o mundo, é promovida como uma
saída realista para liquidar os enormes lucros deste tráfego,
gerir o seu uso crescente como um problema de saúde pública e
desenvolver estratégias de prevenção com a certeza da sua
superação definitiva.
Na época do Caguán, em sessão especial para embaixadores e
representantes de vários países e organizações
multilaterais, apresentamos um plano detalhado para experimentar numa
área delimitada uma estratégia de substituição de
cultivos para desencorajar os produtores de coca e isso iria contribuir para a
criação de certas alternativas económicas. Muitos
traficantes de drogas e líderes políticos dos partidos do governo
chumbaram a proposta e frustraram-na.
O tráfico de drogas não é um problema das FARC. É
um fenómeno nacional, da América Latina e do mundo, o qual se tem
que enfrentar com uma estratégia racional e convergente liderada pelos
primeiros responsáveis e também as principais vítimas
deste tipo de câncer: os países desenvolvidos.
Eu queria ser taxativo nisto: nenhuma unidade fariana, de acordo com os
documentos e decisões que nos regem pode plantar, processar, trocar,
vender ou consumir substâncias alucinogeneas ou psicotrópicas.
Tudo o resto que se diga é propaganda.
- Fora do tráfico de drogas, como são financiadas as FARC?
AC: As FARC-EP têm três fontes básicas de financiamento: as
contribuições de amigos e apoiantes que acreditam sinceramente no
compromisso revolucionário das FARC e na causa pela qual lutamos;
impostos que cobramos aos ricos através da Lei 002 e as rendas geradas
por investimentos que mantemos.
- As FARC sofreram os seus mais duros golpes durante o governo Uribe, como a
Operação Jaque, a Operação Fénix, a
Operação Camaleão. Em que situação se
encontra a guerrilha? Quais são os seus efectivos e que
território controla?
AC: Para ser honesto o golpe mais sério e mais substancial que
recebemos foi após a segunda conferência da guerrilha
realizada em 1966, no departamento de Quindío, onde perdemos uma grande
quantidade de combatentes e 70% das armas. Só após a quinta
conferência, muitos anos depois, o comandante Marulanda poderia dizer:
"Finalmente recuperámos do mal que quase nos liquidou."
Operativos como Jaque, desenvolvido a partir da traição do chefe
da unidade de guerrilha que vendeu os prisioneiros de guerra sob sua
custódia, não possuem as conotações propagandeadas
pelo governo. Temos resgatado inúmeras vezes os nossos prisioneiros das
prisões do Estado. São acções de guerra que obrigam
as partes a tomarem novas medidas de segurança. Não modificam a
concepção nem os desenhos operacionais, e muito menos a
estratégia operacional de nossas forças.
Nos últimos nove anos, e, como resultado da maior ingerência
militares dos EUA nos assuntos internos da Colômbia, a guerra
intensificou-se. Temos sofrido golpes. As mortes de Raúl, de Jorge, de
Ivan Ríos e de muitos camaradas, doem-nos e geram a dor
revolucionária que desencadeia, imparável, maior compromisso com
os nossos ideais do socialismo. Já a assimilamos. Com o legado e o
exemplo de nossos heróis e mártires, as novas
gerações tomam o seu lugar na trincheira, novas
gerações de revolucionários dispostos, como os mais
velhos, a dar tudo, até a vida, pelos objectivos da Nova Colômbia.
Mas sabemos que em toda a guerra existem mortes, em ambos os lados,
e a Colômbia não é excepção.
Também estes nove anos, têm mostrado a dimensão e a
qualidade do compromisso das FARC com os nossos ideais de mudança e
transformação revolucionária. Como é evidente
também temos atingido as forças militares e paramilitares do
Estado, as institucionais e as para-institucionais, todas, incluindo aquelas
que atiram a pedra e escondem a mão, que cinicamente dizem desconhecer a
estratégia dos "falsos positivos", que negam nos media a sua
conivência com o narcoparamilitarismo, mas lhe abrem na escuridão
da noite as portas secretas de seus palácios, mansões e fazendas
para conspirar contra a convivência, a democracia e contra o povo.
As FARC mantêm a sua influência, sólida influência,
nas áreas onde existem, em todos os cantos do território
nacional, nascida e enraizada na correcção da nossa abordagem
política, no nosso trabalho e apoio permanente às comunidades, no
respeito por todas e pela nossa autoridade, decorrente do compromisso sincero
de quem não pretende nada em troca do seu esforço, excepto a
satisfação de trazer a esperança ao povo na sua
própria capacidade de mobilização,
organização, luta e seu futuro bem-estar.
Não posso comentar sobre quantas unidades compõem as FARC-EP,
porque somos uma organização irregular. Mas, temos
acções, trabalhamos e lutamos em todo o país.
- O que há de verdade sobre o suposto conteúdo do computador de
Raúl Reyes?
AC: Os elementos que poderiam ter continuado a trabalhar após o
bombardeamento do camarada Raul e sua guarda, foram manipulados pelo governo.
Nem a própria INTERPOL quis comprometer-se com a truculência de
Alvaro Uribe e declarou publicamente após uma análise detalhada,
que havia sido quebrada a cadeia de segurança, o que significa, em
linguagem simples, que depois da morte de Raul o conteúdo do disco
rígido "sobrevivente" foi manipulado, se é que existia
ainda depois de tal inferno de explosivos. Tratava-se de inventar e torcer
eventos para chantagear as FARC e muitos amigos da paz na Colômbia com
esse estilo particular que caracteriza o Sr. Alvaro Uribe e que impôs ao
seu governo. Esta semana, a Suprema Corte declarou ilegal qualquer prova
levantada sobre os computadores de Raul Reyes precisamente porque eles
manipularam os materiais supostamente encontrados e desvirtuaram-se os
procedimentos judiciários.
Curiosamente, não foi divulgado nenhum relatório, que o
comandante devia conservar, por exemplo, sobre pagamentos a oficiais superiores
da polícia, os generais de hoje, que fez o traficante Wilber Varela e
que comentou pessoalmente e com detalhes a um dos nossos comandantes no Valle
del Cauca coronel Danilo Gonzalez, o qual ainda na actividade, procurou as FARC
pretendendo a libertação de alguns suspeitos, que tínhamos
retido; nem se mencionaram relatórios precisos sobre o uso pleno da DAS
pelos paramilitares, com pleno consentimento do então Presidente, ou de
reuniões, de uísque na mão, em Bogotá, de chefes
paramilitares com altas personalidades para planejar ataques à esquerda,
nem outras que tornariam muito extensa esta entrevista e que, certamente,
não incluíram nas cópias que foram dando a alguns de seus
governos amigos, à CIA, ao MI5 e ao MI6 britânicos, à
Mossad israelense e outras histórias improváveis que continuam
publicitando através das suas organizações de bolso.
- Você acha que o processo de desmobilização paramilitar
impulsionado pela lei de Justiça e Paz tem sido bem sucedido? Qual
é a sua opinião sobre este processo?
AC: Esse processo foi planeado e executado como uma farsa para branquear os
verdadeiros líderes do paramilitarismo logo que Alvaro Uribe, um deles,
ganhou as eleições presidenciais em 2002.
Como cobertura, eles usaram narcotraficantes e pistoleiros como líderes
da contra-insurgência, a quem prometeram estatuto político e
respeito por suas incalculáveis fortunas. Logo os descartaram numa
história que se repete, onde a aristocracia e alguns infractores
procuram o poder e riqueza utilizando criminosos e bandidos, que são
posteriormente condenados, presos ou enviados para assassinar, num repetido
espectáculo de escárnio público.
O país sabe que o paramilitarismo é uma estratégia do
estado para assassinar sistematicamente adversários, procurando esconder
o sangue que mancha as principais instituições públicas,
por trás de bandos de sicários e criminosos da aparência
civil.
A oligarquia colombiana, impotente na luta contra o progresso da
acção revolucionária, entregou-se à prática
paramilitar, à qual, no final da década de 70, articulou com o
nascente narcotráfico, dando origem ao narcoparamilitarismo, elogiado e
consentido socialmente pelos poderosos durante largos anos, que agora
estão lutando para escapar do estigma e lavar as suas próprias
porcarias.
Traficantes que acreditaram em suas palavras foram exibidos e promovidos como
grandes líderes contra revolucionários e logo de seguida
extraditados para os Estados Unidos, a fim de silenciá-los. Mais tarde,
quando desde lá e sob a pressão das vítimas chegaram a
confessar a sua vilania, a mencionar os seus amigos, parceiros, contactos,
padrinhos políticos e militares, a oligarquia usou os seus meios de
comunicação para semear a dúvida: como acreditar num
criminoso e não num aristocrata, num político tradicional ou num
prestigioso general das Forças Armadas?
A lei de justiça e paz, tem sido uma grande farsa, que passou pela venda
de títulos como "comandantes paramilitares" para assassinos
narcotraficantes, também passou pelas fotos de
"desmobilizações" de desempregados e bandidos
contratados para a ocasião, com espingardas e armas compradas para a
fotografia, e terminará com a absolvição de Alvaro Uribe,
na comissão de acusações da Câmara dos
representantes do Parlamento colombiano, excepto se os milhões de
afectados por esta estratégia criminosa imprimirem uma maior
dinâmica aos seus esforços e lutas e receberem uma maior
solidariedade global. Somente desta forma, na Colômbia, como sucedeu na
Argentina e outros países também se poderão condenar os
autores e mandantes da noite negra e sangrenta em que mergulhou o país.
- Por que faz sentido a luta armada das FARC e não a defesa
através de meios democráticos dos ideais políticos e das
transformações económicas que consideram
necessárias?
AC: Porque na Colômbia a oposição democrática e
revolucionária é assassinada pela oligarquia. O massacre da
União Patriótica é a nossa demonstração.
Qualquer líder ou qualquer organização não
oligárquica que ameace os poderes oligárquicos é
assassinado ou massacrada, como parte de uma estratégia oficial de
Segurança Interna. Os poderosos instituíram-na como
característica da sua cultura política e agora incorporaram-na na
concepção do Estado.
Longas passagens da história nacional que remontam a Setembro de 1828
quando facções
pró-gringas
colombianas de então atentaram contra o Libertador Simon
Bolívar, até anos recentes, passando pelo assassinato do Grande
Marechal de Ayacucho António José de Sucre, o líder
liberal Rafael Uribe Uribe, de Jorge Eliecer Gaitán, de Jaime Pardo
Leal, de Luis Carlos Galan, e Bernardo Jaramillo Ossa, de Manuel Cepeda Vargas
e centenas de outros líderes, parecem ratificar uma
afirmação popular: a oligarquia colombiana não entende
senão a linguagem dos tiros.
Aqui nas FARC pensamos que, apesar da histórica agressão contra o
povo que caracteriza o futuro da nação, é realista e
urgente trabalhar na construção de espaços de
convergência, onde, entre todos os colombianos construamos os acordos que
sustentem a vida democrática. O comandante Jacobo Arenas insistiu em que
o destino da Colômbia não poderia ser a guerra civil, portanto,
nós temos lutado e lutamos de novo, para encontrar a
solução com diferentes governos, a saída política
para o conflito colombiano. Não foi alcançado porque a oligarquia
pensa em rendições e nós em mudanças de fundo,
democráticas da vida institucional e das regras de convivência,
mas nem por isso deixaremos de combater por uma solução sem
derramamento de sangue como essência da nossa concepção de
apoio revolucionária e sustentada de uma Nova Colômbia.
- Que lições tiraram da criação do partido
União Patriótica?
AC: Foi uma experiência tanto cheia de riqueza como dolorosa, que devemos
analisar e referir constantemente. De entre as suas muitas lições
poderia citar algumas como o difícil que é avançar num
processo de resolução política, quando a oligarquia
colombiana mantém sua estratégia de paz dos cemitérios e
Pax Romana, pois contra este projecto mostrou a sua mesquinhez e foi
essencialmente sanguinária e cruel. Preferiu o assassinato de cerca de
5.000 dirigentes democráticos e revolucionários numa razia de
recorte hitleriano, do que abrir espaços para todas as vertentes da
esquerda, o que, se tivesse acontecido, teria gerado uma nova dinâmica no
confronto político e tornado possível a realização
integral dos Acordos de La Uribe há 25 anos.
Com o extermínio da UP não só se perdeu uma
geração quase completa de líderes revolucionários,
a maioria deles de grande dimensão política e ética, cuja
ausência, hoje, é evidente na cena pública, tanto da
nação como do continente, como também frustrou por muitos
anos, a possibilidade de assinar um acordo de convivência.
A experiência da UP ensinou-nos que qualquer progresso em
direcção da paz que surja de acordos exige transparência,
que cada dificuldade deve ser esclarecida antes de empreender uma nova etapa.
Os Acordos de La Uribe, a origem da UP, foram sabotados pelo Comando militares
desde o primeiro momento, apesar do que, lutámos como Quixotes, para
fazer avançar todos estes acordos,.
Mas alcançar a assinatura dos acordos de paz em La Uribe em 1984 e
assegurar o seu cumprimento integral até ao fim foi impossível.
Os colombianos empreenderam com grande optimismo e maior entusiasmo uma
histórica jornada para a convivência, mas perderam essa batalha
civilizada contra a "inimigos agachados da paz ", que hoje já
não se escondem tanto.
Um processo de paz bem sucedido, tem como premissa inevitável o apoio,
completo, determinado, claro e activo, da maioria da população.
Não tenho a menos dúvida de que as novas gerações
de colombianos, num futuro próximo, irão homenagear e reconhecer
os mártires da União Patriótica que "de peito
descoberto" lutaram por um país melhor para seus filhos, pela
democracia e a convivência, com uma generosidade, um desprendimento e uma
valentia exemplares.
- Destacados líderes da esquerda colombiana disseram ao Público
que acreditam que a existência como guerrilha das FARC é
responsável pela "direitização extrema" da
sociedade colombiana, já que "esquerda" se associa a
guerrilha. Você concorda?
AC: Digamos genericamente, que se está à esquerda, se for dada
prioridade ao social, à democracia popular e às mudanças
revolucionárias, em oposição aqueles que privilegiam o
lucro económico, a hegemonia burguesa e a defesa do status quo.
Não se trata apenas de estar do lado esquerdo da direita, mas de
defender integralmente os interesses de classe, populares. Plenamente.
Faço um parêntesis para lhe dizer que não ouvi nenhum
líder proeminente, de esquerda, dizer o que você menciona na sua
pergunta.
Na Colômbia há muitos, muito importantes e muito consequentes, que
com enorme responsabilidade discordam da luta armada revolucionária, se
afastam dela, mas compreendendo as suas circunstâncias históricas,
trabalhando para encontrar os caminhos de uma solução
política, respeitando o compromisso dos que lutam na guerrilha e
priorizando os seus debates contra a oligarquia e contra o neo-colonialismo
imperial, verdadeiros geradores da violência na Colômbia.
Por certo há aqueles que fizeram campanha do lado da esquerda e
já não defendem suas posições originais, mas as do
regime, como em muitas partes do mundo. Há que respeitar as suas novas
posições, mas sem os registar como defensores dos interesses do
povo ou colocá-los à esquerda no xadrez político.
Também pode dar-se o caso dos que procuram esconder os seus
próprios fracassos, atrás dos esforços dos outros.
A nossa luta desde Marquetalia é pela democracia, pela possibilidade de
desenvolver uma acção de massas, aberta, pelas mudanças
revolucionárias e pelo socialismo. E esta opção, é
a que tem sido sabotada a tiro pela oligarquia colombiana.
Jorge Eliécer Gaitán foi assassinado, legislaram com o
anti-comunismo como suporte durante a ditadura militar, criaram a Frente
Nacional bipartidária para excluir e perseguir os
revolucionários, e aprovaram uma constituição em 1991, com
elementos positivos na sua concepção e texto, mas deixando
intacto o conceito de segurança nacional do inimigo interno que se
mantém desde há pouco mais de 47 anos no nosso país, a
mesma dos paramilitares e dos falsos positivos.
A direita na Colômbia e no mundo, faz propaganda e espalha os seus
pretextos, reais ou fictícios, para confundir, atacar e desvirtuar as
lutas dos povos pelo bem-estar e o progresso social. E usa uma variedade de
formas, incluindo muitos que foram militantes da esquerda.
Nos tempos que correm, com o desenvolvimento dos meios de
comunicação, não há confusão
possível. Aqueles que defendem a ordem existente, não o podem
esconder.
O confronto na Colômbia prolongou-se muito. Lutar e clamar pela paz
é uma expressão de um sentimento profundamente popular e
revolucionário.
- As FARC assinaram um pacto de não agressão com a guerrilha do
ELN, em Dezembro de 2009. Que obstáculos têm havido na sua
implementação?
AC: Tanto o Comando Central do ELN como o Secretariado do Estado-Maior Central
das FARC-EP, temos reconhecido com sentido de autocrítica, o erro que
significou não parar drástica, nítida e oportunamente as
fricções que estavam ocorrendo em várias áreas do
país entre combatentes das duas forças.
Agora trabalhamos com grande convicção revolucionária em
todas estas áreas para superar definitivamente as asperezas, os
mal-entendidos, as emulações mal feitas e os confrontos. É
um processo complexo, dada a conjuntura actual, de intenso clima de confronto
político e militar com o Estado. Mas vamos avançando com solidez.
A auto-crítica é profunda e nós estamos a fazê-la.
Leva tempo, há muito terreno a percorrer, mas avançamos com
firmeza, com consciência, em todos os níveis das nossas
organizações, de que somos parte do mesmo contingente de luta
popular, revolucionária, bolivariano, anti-imperialista e socialista. E
este é o fundamento da maneira como nos relacionamos, as
convergências que devemos trabalhar e lutar para elevar a novos
níveis a necessária estratégia unificada dos
revolucionários colombianos.
Tomámos o legado de um grande revolucionário, o sacerdote Camilo
Torres Restrepo para enfatizar o que nos une. As diferenças devem ser
arejadas com mecanismos que estamos criando para isso.
Estamos obrigados a ser um exemplo de unidade. E maturidade. Assim
também contribuiremos para a unidade do povo colombiano, projectando na
realidade a prioridade "do bem comum" acima de qualquer interesse
particular.
Ainda temos um longo caminho, mas já o começámos. E isso
é o estratégico.
- De acordo com uma ordem do Supremo Tribunal dois testemunhos de ex-membros
das FARC envolvem o exército de Hugo Chávez nos cursos de
formação que a ETA deu aos guerrilheiros colombianos em
território venezuelano. Os relatos dos arrependidos fazem parte de um
relatório do Comissariado Geral de Informação da
Polícia. Na secção dedicada aos "factos"
descreve-se como em Agosto de 2007, dois supostos membros da ETA ministraram na
selva venezuelana dois cursos sobre manipulação de explosivos
à guerrilha das FARC. As FARC tiveram no passado relações
com a ETA? Mantêm relacionamento no presente e, em caso afirmativo, em
que consiste?
AC: A experiência das FARC em explosivos, tanto no seu fabrico, como no
seu armazenamento e utilização é longa e abundante, o que,
desde há muito tempo nos permite sustentar-nos sem recurso a qualquer
tipo de ajuda, simplesmente porque não temos necessidade. Temos os
nossos próprios instrutores. É simples. Isto para rejeitar as
afirmações sobre tais cursinhos com pessoal estrangeiro que
só visa prejudicar o governo bolivariano da Venezuela.
Na Colômbia, a partir do oferecimento de dinheiro, viagens para a Europa
e de considerável redução de sentenças, alguns
desertores, prestaram-se a testemunhar contra nós e a promover as
políticas nacionais e internacionais do governo de Alvaro Uribe. Mas
como a mentira não dura, as montagens que fabricaram a partir de
milhares de falsos testemunhos estão-se desmoronando. Todas caem como um
castelo de cartas.
Por exemplo: actualmente decorrem investigações criminais e
administrativas, do Procurador e da Procuradoria Geral da República
contra funcionários do governo Uribe e altos oficiais militares da
época, pelas comédias que montaram, farsas, falsas
deserções cheias de infames afirmações, como parte
da sua ofensiva contra as FARC.
O mundo está-se inteirando de como em Tolima foram recrutados bandidos e
desempregados, com quem "formaram" uma coluna de guerrilheiros,
vestidos com uniformes militares, alguns com velhas espingardas e outros com
armas de madeira. Chamados os jornalistas foram tiradas fotos, peroraram uma
diatribe, deram algum dinheiro aos farsantes, vilipendiaram muitos
cidadãos, que foram presos, e depois, felizes, incluindo o então
presidente, certificaram que o final do fim estava próximo.
Dissemos que esta era uma tendência geral do anterior governo colombiano:
tentando impor as suas políticas fascistas, levantou todo o tipo de
barreiras morais, legais, éticas para se conceder a licença para
difamar, caluniar, mentir e inventar. Valeria a pena a justiça espanhola
verificar e confrontar exaustivamente a informação que foi
fornecida no momento.
As nossas relações, neste momento, têm carácter
clandestino, com muitas organizações democráticas e
revolucionárias do mundo, civis e armadas, são regidas pelas
conclusões das Conferências da Guerrilha que, como eu disse,
orientam sobre o não desenvolvimento de acções militares
em outros países, respeitando a soberania de cada país e as lutas
de cada povo.
- É verdade que as FARC pediram apoio à ETA para atentar contra
várias pessoas, incluindo o presidente Alvaro Uribe, quando ele visitou
a Espanha ou a UE?
AC: Essa é a propaganda que fez o mesmo Uribe, na Colômbia e no
exterior, para projectar uma imagem de vítima.
- As forças de segurança espanholas prenderam Remedios Garcia
Albert, que consideram ligada às FARC. Têm as FARC
ligações com Remedios Garcia Albert? Se sim em que consistem?
AC: Não conheço vínculos de Remedios Garcia com as FARC. A
única referência é uma menção das autoridades
colombianas num jornal, durante o período de incontinência
propagandística que atacou o governo em volta do suposto computador do
comandante Raul Reyes. Nunca, nem antes nem depois ouvi o nome dela. Eu diria,
se para alguma coisa serve, que nos tempos de negociações de paz
em Caguán, grande quantidade de pessoas de todo o mundo, individualmente
ou como representantes de muitas organizações diversas ou
governos, estiveram presentes e compartilharam pontos de vista com os nossos
representantes sobre o processo que decorria. Eu não poderia acrescentar
mais nada sobre isso.
- Qual é a relação com os governos de Cuba, Venezuela e
Equador?
AC: Se me permite, preferia abster-me de responder acerca das nossas
relações com qualquer governo no mundo.
- Acham que a Espanha pode desempenhar um papel na resolução do
conflito colombiano? Qual?
AC: Nós sempre encaramos de forma positiva a participação
da comunidade internacional na resolução política do
conflito. Mas dadas as suas características actuais e as permanentes e
agressivas declarações oficiais, é necessário dar
tempo ao tempo.
- O que sabe dos falsos positivos? Por que as FARC não fizeram mais
revelações sobre este assunto?
AC: A matança sistemática de civis indefesos pelos militares e
policiais, e sua posterior apresentação como "guerrilheiros
mortos em combate" é uma prática institucional na
Colômbia desde 1948.
Não é nova. É parte de uma guerra suja feita pelo governo
colombiano contra o "inimigo interno", que também concebe e
implementa o assassinato selectivo de líderes políticos da
oposição, dirigentes sindicais comprometidos com os
trabalhadores, o desaparecimento de militantes revolucionários, a
tortura, o terror e massacres para intimidar e criar o medo, a paralisia, o
pânico e o deslocamento.
Tudo isto tem sido denunciado e continua a ser. Existem centenas de livros,
milhares de denúncias, milhares de evidências e de provas que
mostram a responsabilidade do estado da Colômbia no desenvolvimento desta
estratégia, só que até agora, a comunidade internacional
aceita a versão oficial que aponta como factos isolados sob a
responsabilidade de algumas maçãs podres, esta criminosa
prática institucional.
Há centenas de milhares de vítimas civis da guerra suja que o
regime levou a cabo, segundo afirma, "em defesa das
instituições e do Estado de Direito". Em meados dos anos
setenta, a estratégia de oligárquica de terror fundiu as suas
práticas paramilitares com o tráfico de drogas, sob a
direcção e liderança de empresários poderosos,
figuras proeminentes na política tradicional e os altos comandantes
militares, com o objectivo de reforçar os seus crimes e acumular
dinheiro proveniente do tráfico de drogas, mas escondendo seus
verdadeiros chefes e orientadores.
Hoje, muitas evidências começaram a surgir, a partir das farsas
das prisões atribuídas aos militares e políticos
responsáveis por crimes hediondos, passando por usurpações
maciça de terras por proprietários, militares, industriais e os
líderes de partidos tradicionais, acordos políticos encharcados
de sangue entre chefes e traficantes, o enriquecimento desmesurado e
inusitadamente rápido de um pequeno sector social ligado aos
vários governos destes anos, infiltrado quase sem excepção
por dinheiro mafioso e ao seu serviço. até ás
ligações do governo com esta estratégia, por enquanto
visualizada em duas das suas "eminentes" cabeças, o Sr.
Narvaez e Alvaro Uribe Velez.
E ainda que até hoje não haja militares condenados pelos chamados
"falsos positivos", a sociedade avança na luta para chegar ao
fundo do problema, avaliar cada situação com precisão,
para punir os autores materiais e os autores intelectuais e mandantes, o que
inevitavelmente, chegará aos regulamentos militares existentes,
inspirados, concebidos e desenhados a partir da perspectiva de Segurança
Interna apresentado por Washington desde os tempos da Guerra Fria, que foi um
dos assuntos tabu na Assembleia Constituinte de 1991 e causa subjacente dos
milhares e milhares de mortos todos estes anos. A Colômbia perdeu muito
tempo por esse veto imposto pela oligarquia nas discussões daqueles anos.
Tamanho erro não se pode repetir. As soluções que requer o
nosso país são estruturais, se queremos a
reconciliação na base certa e não cerzindo outro remendo
como o de 1991. Por isso, também é importante que, se
construirmos um novo cenário baseado na solução sem
derramamento de sangue em algum ponto se podem incluir representantes da
força publica, onde certamente muitos de seus membros, sem
responsabilidade na baixeza da guerra suja, também estarão
clamando pela reconciliação e reconstrução nacional.
- Depois da morte de Jorge Briceño num atentado em 22 de Setembro
[2010], o presidente Santos reiterou que agora estava à vista o fim das
FARC. O que acha disso?
AC: Desde 1964 que temos conhecimento de tal declaração oficial
da boca de vários presidentes e ministros de guerra, às vezes
ameaçadores, outras vezes na forma de promessas e outras como
ameaça, sempre com a intenção de esconder as raízes
do conflito que tornou necessária a existência das FARC.
Assim têm justificado a violência terrorista do Estado.
Assim, ano após ano, têm aumentado o orçamento militar e da
polícia, para deleite dos generais e senhores da guerra.
Assim, eles têm escondido durante muito tempo a sua própria
incompetência, intransigência e corrupção profunda
que corrói as instituições oficiais.
Assim pretendem cobrir a sua vergonhosa e humilhante postura de joelhos perante
o Pentágono e a Casa Branca.
Apesar de não nos dedicarmos seriamente, entre todos, à procura
das soluções para os problemas estruturais do país, a
confrontação será inevitável. Umas vezes mais
intensa, outros menos. Às vezes, com a iniciativa militar do Estado,
outras, com a iniciativa popular, numa trágica ciclotimia que devemos
superar, inteligentemente, com grandeza histórica.
Como o confronto continua, haverá mais mortes. Em ambos os lados. Mais
tragédias para o povo. E não haverá paz nem
convivência na Colômbia.
Não se trata da morte de um ou outro comandante guerrilheiro. O conflito
não é tão fácil ou simples. As circunstâncias
históricas do país são particulares. A existência de
guerra de guerrilha revolucionária na Colômbia não é
um resultado do voluntarismo de um punhado de valentes ou de aventureiros, de
"terroristas", ou "narco-terroristas". Tais adjectivos
podemos deixá-los para a propaganda oficial. A insurgência
colombiana reflecte a súmula de uma série de diferentes factores
estruturais que os governos não podem teimosamente e criminosamente,
continuar a ignorar.
A oligarquia colombiana formou umas forças armadas de mais de 500 mil
homens num país de cerca de 45 milhões de pessoas com enormes
necessidades e carências. Inaudito! Quase um quinto do orçamento
nacional do próximo ano é para gastos militares. Investiu-se
cerca de 10 mil milhões de dólares de ajuda dos EUA ao abrigo do
Plano Colômbia, para uma guerra fracassada. No entanto, o confronto
continua.
Quando eles bombardearam o acampamento do comandante Jorge Briceño, com
quase uma centena de aeronaves que deixaram cair milhares e milhares de
toneladas de explosivos durante muitos dias, num inferno dantesco, instalaram
na periferia do local tendas com espelhos e presentes, alimentos e roupas
novas, sapatos, Reebok e Nike convidando os guerrilheiros por meio de
alto-falantes durante semanas, à traição e
deserção.
Tudo o que obtiveram foi uma resposta militar da guerrilha heróica,
cheia de consciência moral e revolucionária, que produziu centenas
de baixas na força de ocupação e o afluxo maciço de
novos guerrilheiros à região e muitas outras zonas do país.
A aproximação à paz democrática, a
convivência e a justiça social não pode ser medida em
litros de sangue. Sabe-o o país e, claro, o presidente Santos.
- No seu último relatório, a ONG colombiana Nuevo Arco Iris, que
acompanha o desenvolvimento do conflito militar cruzando
informação oficial e de analistas, embora reconhecendo a
supremacia aérea do governo, disse que o combate em terra lhe é
reconhecidamente adverso. Quais são os resultados reais desse confronto?
AC: Gostaria de observar que todos os dias há combates e actos de guerra
entre a guerrilha e a força publica institucional na maior parte dos 32
departamentos do país, onde se obtêm vitórias e às
vezes se recebem golpes, num confronto que se prolongou no tempo e em que a
iniciativa militar se altera ao longo do tempo em diferentes áreas, mas
não de forma estratégica. Os relatórios militares que
trazemos a público, quantificam os efeitos da guerra no nosso
adversário e nas nossas próprias fileiras com números
irrefutáveis.
Gostaria de destacar que a ofensiva oficial lançada há mais de 11
anos a partir do chamado Plano Colômbia, projectado no Pentágono,
dirigido e financiado por eles e alimentado incansavelmente por armamento da
última geração a partir de Washington, fracassou. É
a operação de contra-revolução maior e mais
avançada e longa no continente e é também a maior
demonstração de que a solução do conflito na
Colômbia não passa pela Pax Romana.
- Quais as condições que exigem hoje para desmobilizar?
AC: Desmobilização é sinonimo de inércia, é
entrega covarde, é rendição e traição
à causa popular e às ideias revolucionárias que cultivamos
e lutamos pela transformação social, é uma indignidade que
tem implícita uma mensagem de desesperança para o povo que confia
no nosso compromisso e proposta bolivariana.
Não temos nenhuma hesitação, nenhuma dúvida sobre o
nosso dever de lutar constantemente e sem descanso, com convicção
e optimismo, pela solução política do conflito, sem
derramamento de sangue. Nós os colombianos, com a
contribuição de países amigos, devemos construir um
cenário de diálogo, onde haja adesão e trabalho em
conjunto num processo para celebrar acordos, cuja materialização
incida fortemente e de forma irreversível na liquidação
das causas que deram origem ao conflito armado e hoje o alimentam.
Uma vez erguido o cenário, num processo que também deve actuar na
reconstrução da confiança entre as partes, teremos de
falar sobre os prisioneiros de guerra, militares, policias e guerrilheiros
detidos pelas partes como um aspecto político e humanitário
prioritário. E em função de objectivos a longo prazo,
contamos como ponto de partida com uma ferramenta excepcional que é a
Agenda Comum para a Mudança para uma Nova Colômbia, assinado como
acordo entre o Estado colombiano e as FARC-EP, em El Caguán.
Claro que o importante é construir o cenário, com vontade e
decisão política, pensando no país e seu futuro,
abstraindo das mentiras inventadas pela propaganda oficial que afastam a
solução final, porque fazem pensar no estabelecimento com os seus
próprios desejos. E nestes processos é essencial manter os
pés no chão.
As tentativas dolorosamente frustrantes que tivemos desde La Uribe em 1984,
para encontrar maneiras civilizadas, são evidências das enormes
dificuldades envolvidas em encontrar o caminho certo, sem que isso implique
renúncia.
A Colômbia está passando por um momento crítico porque
acabou de terminar o período do governo mais violento e corrupto da
história nacional, aquele liderado por Álvaro Uribe. Dezenas de
congressistas e líderes políticos que participaram na sua
campanha presidencial e na sua gestão estão na cadeia condenados
como mandantes do narcoparamilitarismo, muitos outros enfrentam
investigação preliminar pelo Ministério Público e
do Supremo Tribunal, vários dos seus ministros também são
indiciados e são investigados, enquanto dezenas de quadros médios
dessa administração já estão presos, todos por
corrupção e/ou paramilitarismo.
O véu está prestes a cair. A capa de teflon construída
pelos amigos de Uribe permitindo o enriquecimento desmesurado desse
círculo mafioso, como resultado de uma incomensurável
corrupção administrativa, a contemporização
complacente de muitos com a estratégia e prática paramilitares
que era conhecida e a sua fascistóide rejeição visceral de
uma solução política do conflito, todos esse vergonhoso
véu, está prestes a cair, o que abrirá novas perspectivas
para uma verdadeira democracia.
Quando, para além da violência e da corrupção, a
natureza açoita o país com a chuva inclemente, está
pedindo aos seus dirigentes grandeza e estatura histórica para enfrentar
a difícil conjuntura e projectá-lo com força para o futuro.
Os ódios doentios espalhados pelo governo anterior, que polarizaram a
Colômbia, estão acabando o seu prazo. As licenças que se
arrogou para burlar a lei como rotina estão terminando através da
Procuradoria, dos Juízes e dos Tribunais. Ter recuado o DAS aos tempos
da tenebrosa POPOL, polícia política do regime nos anos 50,
não será um crime impune.
A insana insistência uribista em apontar as FARC como terrorista,
não ofusca a verdade nua e crua sobre a existência do conflito
armado na Colômbia contida no projecto da chamada Lei de vítimas,
se considerarmos que foi sobre a tese mentirosa da inexistência de
conflito, que Uribe edificou o seu palanque fascista.
Como revolucionários que temos dado tudo pelos nossos ideais e o
bem-estar do povo, persistimos na resolução política do
conflito.
Montanhas da Colômbia, 21 de Maio 2011
16/Junho/2011
O original encontra-se em
http://frentean.blogspot.com
. Tradução de Guilherme Coelho.
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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