Bananas sangrentas
Corporação multinacional da banana desloca comunidades
afro-colombianas
Desde o princípio de Dezembro, centenas de empreiteiros privados da
corporação multinacional da banana Banacol invadiram e ocuparam
ilegalmente comunidades de paz afro-colombianas na bacia do Rio
Curvaradó a fim de limpara a terra para o cultivo da banana. As suas
acções têm sido apoiadas e assistidas por paramilitares
locais, soldados do exército e governos municipais.
O território colectivo das comunidades de paz é protegido pela
Constituição da Colômbia e por medidas protectoras do
Tribunal Inter-Americano de Direitos Humanos.
Segundo
documentos
divulgados pela organização colombiana de direitos humanos,
Intereclesial Comisión de Justicia y Paz (Justicia y Paz), trabalhadores
da
Banacol
estão a deslocar comunidades de paz afro-colombianas, de modo a
permitir àquelas corporação ocupar secções
de terra comunal, rica em recursos. Isto viola a soberania de comunidades
centenárias e coloca-as em risco de completa deslocação do
seu território colectivo num país com quase 5 milhões de pessoas deslocadas internamente. Eles também estão a arrasar com
buldozzers as culturas de subsistência dos agricultores, a destruir
habitats naturais e a contaminar cursos de água.
Folhetos distribuídos em bairros e comunidades pobres em todo a parte
noroeste do país atraíam os sem-abrigo para o Curvaradó na
região Urabá do Chocó colombiano. Os folhetos asseguravam
três meses de despesas de manutenção pagas, títulos
para lotes de 2,5 hectares, materiais, o pagamento da construção
de instalações e um contrato com a Banacol Inc. para plantar
bananas.
Os folhetos não diziam que o território Curavaradó
já é habitado por comunidades de afro-descendentes, comprometidas
com a manutenção dos seus territórios colectivos, que lhes
é garantida pela Lei 70 da Colômbia (1993), a qual reconhece e
protege o direito de os afro-colombianos a possuírem e ocuparem
colectivamente o seu território ancestral.
Os "ocupantes de má fé", como os chamam os residentes
de Curvaradó, são constituídos principalmente por
indivíduos vulneráveis, alguns deles deslocados pela
violência de outras regiões do país, alguns agricultores
sem terra e outros desempregados recentemente pelas plantações de
óleo de palma ou banana. Infelizmente, as suas situações
vulneráveis colocam-nos em risco de serem aproveitados pela agenda
corporativa, prometendo-lhes "a boa vida" e portanto a arriscar-se a
empobrecer mais outras comunidades vulneráveis em seu próprio
proveito. Segundo os habitantes ancestrais, os invasores admitem que eles
possuem a terra colectivamente, mas competem para permanecer sobre os lotes
roubados porque é a sua única oportunidade de trabalho. A
Banacol, como muitas outras corporações multinacionais, tem
lançado estas populações vulneráveis umas contra as
outras, expondo-as a maior risco de opressão.
Os ocupantes dizem que esperam receber até 180 mil pesos (US$90) por
cada hectare limpo. Até agora, segundo Justicia y Paz, eles limparam
mais de 200 hectares e construíram mais de 122 choças e
acampamentos temporários. Os "ocupantes de má
fé" ainda estão a chegar às centenas. Embora
não identifiquem de quem está a vir o dinheiro, os contratos
prometidos pela Banacol implicam-na como instigadora e financiadora de uma
deslocação ilegal para lucro.
As comunidades de paz apresentaram uma queixa legal junto à
municipalidade de Carmen del Darién, mas até agora não
receberam qualquer resposta das autoridades locais. A polícia de Carmen
del Darién ordenou uma expulsão dos ocupantes ilegais, mas a
seguir disse que não tinha os recursos para executar uma
acção. A mais recente manifestação de apoio e
conivência do estado com a ocupação ilegal foi a
canalização de fundos de ajuda a vítimas de
inundações para os invasores ilegais pelo Gabinete dos Vereadores
de Carmen del Darién, segundo Justicia y Paz.
História
Estas comunidades afro-colombianas viveram na região durante
gerações, cultivando pacificamente a terra para
subsistência. Chocó era um departamento da Colômbia com
população relativamente baixa, com poucos conflitos até o
fim da década de 1990, quando irrompeu a violência dos
paramilitares a protegerem grandes latifundiários das guerrilhas.
Os paramilitares protegiam certas propriedades e atacavam outras, deslocando
milhares de indígenas, afro-colombianos e mestiços e menos de uma
década, em meio à presença de uma grande força
militar.
A seguir, paramilitares desmobilizados e muitos sobreviventes da
violência testemunharam a conivência completa dos militares com os
paramilitares que envolvia a partilha de informação, armas e
mesmo sobre o terreno, chegando ao extremos de os soldados da tropa trabalharem
para o exército durante o dia e para os paramilitares à noite.
Um exemplo da cooperação dos militares com os paramilitares
é a Operação Genesis, a maior operação de
contra-guerrilha em Urabá durante este período de violência
entre 1996-1997. A documentação desta ofensiva do estado mostra
que o exército colombiano bombardeou cultivos de subsistência de
comunidades ancestrais e imediatamente após os paramilitares entraram em
invasões do terreno, massacrando e queimando o remanescente. No total,
foram mortos 140 civis inocentes.
Desde aquelas violentas deslocações em massa, avançaram
sobre as terras vagas plantações de óleo de palma, ranchos
de pecuária extensiva e companhias bananeiras, protegidas ainda pelos
paramilitares.
Após dez anos de vidas deslocadas em condições
humilhantes, alguns daqueles deslocados da bacia do Rio Curavaradó
decidiram retornar à sua terra. O grupo inicial era constituído
principalmente por mães e crianças; com as mães
determinadas a morrer se necessário pela sua terra ancestral.
Na data de hoje, aproximadamente dez por cento das comunidades de agricultores
em pequena escala de Curavaradó organizaram-se e retornaram não
violentamente ao seu território com o acompanhamento e a advocacia de
organizações nacionais e internacionais de direitos humanos tais
como Justicia y Paz e Peace Brigades International.
Tendo o território como a sua história, a terra é o
único possível futuro digno. Porque o seu meio de vida
está ligado à terra, algumas comunidades retornadas procuram e
recebem medidas protectoras do Tribunal Inter-Americano de Direitos Humanos.
Com esta protecção, os lotes das comunidades são chamados
Zonas Humanitárias (espaços de vivência) e Zona de
Biodiversidade (reservas de fauna e flora nativas). Nenhuns actores armados, do
estado ou independentes, são permitidos dentro dos perímetros das
zonas, como meio de proteger a vida civil do conflito armado que a cerca.
Desde o seu estabelecimento, as comunidades têm enfrentado
repressão recorrente e desenfreada na forma de
intimidações, ameaças de morte, campanhas de
difamação políticas e nos media, e estratagemas judicias
em que são acusados de serem guerrilhas ou simpatizantes da guerrilha.
Em Outubro último Justicia y Paz recebeu a advertência de que um
promotor em Medellin emitiu cerca de vinte mandatos de prisão para
líderes da comunidade de afro-descendentes de Curvaradó. A fonte
anónima indicava que os mandatos baseavam-se na afirmação
de que as comunidades haviam estado a colaborar com as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia Exército do Povo
(FARC-EP) e que há planos para as forças armadas plantarem armas
e publicações da guerrilha na propriedade privada da comunidade a
fim de conseguir provas falsas para o caso. Não houve nenhuma
prisão por enquanto, mas os mandatos agora são uma ferramenta
disponível na campanha de difamação.
Consequências da ocupação
Esta invasão coloca as comunidades afro-colombianas em risco acrescido,
por duas razões. A primeira é que diminui grandemente a
capacidade das comunidades para cultivarem culturas de subsistência, tais
como milho, arroz, banana da terra e iúca, uma vez que os invasores
estão a limpar a vegetação da área e muitas das
suas culturas, juntamente com a flora nativa, está a ser eliminada. A
terra agrícola está fora das zonas humanitárias
estabelecidas devido a uma brecha legal nas disposições do
Tribunal Inter-Americano de Direitos Humanos, que protege apenas a vida, a
segurança e a capacidade para viverem no seu território ancestral
e só advoga a capacidade de subsistirem no seu território
ancestral. Este impedimento legal coloca a terra agrícola fora das
medidas de protecção, tornando mais difícil física
e legalmente proteger as culturas. Se as pessoas nada têm para comer,
elas não têm outras fontes imediatas de rendimento para
suplementar a sua dieta.
A segunda razão é que uma mudança tão
drástica na população local, com uma média de
cinquenta pessoas em cada zona humanitária, afecta muito
eleições, as quais em última análise decidem o
destino destas comunidades.
O artigo quatro da Lei 70 da Colômbia (1993) especificamente protege e
dá autoridade aos "Conselhos de Comunidade" como corpos
governantes de cada comunidade. O estabelecimento destes Conselho de Comunidade
torna a comunidade legalmente reconhecida e capaz de receber e ocupar o seu
território colectivo ancestral. Como declarado no artigo quatro,
"... outras funções dos Conselhos de Comunidade são:
defender a conservação e protecção dos direitos de
propriedade colectiva, a preservação da identidade cultural, a
utilização e conservação de recursos naturais;
identificar um representante legal da respectiva comunidade como sua entidade
legal e actuar como conciliadores amistosos em conflitos internos".
Devido a disputas contínuas acerca de quem é o real conselho
regional da comunidade em Curvaradó, foi ordenado um recenseamento para
estabelecer que está a viver e subsistir no território colectivo.
Depois de o recenseamento estar completo haverá eleições
regionais para o conselho regional da comunidade (de Curvaradó), para
confirmar que habitantes autênticos apoiam o actual conselho da
comunidade legalmente reconhecido.
Com todos o novos "habitantes" em Curvaradó, devido à
invasão de terra e ocupação, as eleições
poderiam ser substancialmente influenciada algum dos financiados pela Banacol.
Portanto, os habitantes ancestrais perderiam o seu poder sobre a sua
propriedade colectiva, assim como a identidade cultural, os recursos naturais e
a representação legal.
As bananas sangrentas da Banacol
A companhia colombiana de frutos tropicais Banacol comprou todas as
plantações de banana da Chiquita Brands Inc. em 2004, enquanto
subiam acusações de que a Chiquita estava a financiar o grupo
paramilitar AUC (Autodefensas Unidas de Colômbia). Esta compra tornou a
Banacol a maior produtora de banana da Colômbia. A Chiquita confessou-se
culpada do crime em 2007, "Envolver-se em transacções com um
especificamente designado terrorista global", admitindo ter canalizado
fundos para a AUC através da sua subsidiária Banadex Inc. (agora
Banacol), desde 1997 até 2004, num total de US$1,7 milhão.
Isto tudo teve lugar na mesma região de Urabá, onde se localiza
Curvaradó.
Segundo reportagem feita por
El Espectador,
um jornal colombiano, o gabinete do promotor colombiano descobriu que a
Chiquita Brands Inc. adquiriu duas companhias de cobertura para continuar o seu
relacionamento com a AUC: a Invesmar, por intermédio da Banacol Inc. e
da Olinsa Inc. O Ministério Público tem mesmo o testemunho de um
antigo membro da AUC, alegando que a Banacol Inc. pagou ao seu grupo três
milhões de pessoas. O Gabinete do Promotor Geral investigou a
afirmação através da revisão de registos
contabilísticos da Banacol Inc. e descobriu fundos dados a grupos
terroristas.
Natalia Springer, de
El Tiempo,
o mais importante jornal da Colômbia, informou que a Banacol pagou
tributos a um esquadrão da morte local para proteger as suas
plantações e os seus lucros, colhendo portanto os lucros
sangrentos da sua violência paramilitar comprada.
Através de entrevistas com ex-paramilitares e negociantes de bananas,
Springer descobriu que no fim de 1997, com alta violência paramilitar por
toda a Colômbia, corporações da banana que operavam no
país reuniram-se para traçar uma estratégia colectiva para
interagir com os poderosos e crescentes esquadrões da morte militares no
país. Segundo entrevistas de Springer com o antigo líder da AUC
Salvatore Mancuso, "a Chiquita Brands Inc., a Dole, Banacol, Uniban,
Proban e Del Monte entraram todas neste acordo. Eles pagavam-nos um centavo por
cada caixa de bananas que deixasse o país".
A Banacol e seus aliados paramilitares estão a ser assistidos pelo
governo colombiano apoiado pelos EUA para ocupar o território soberano
afro-colombiano, arrasar o habitat natural e deslocar pequenos agricultores a
fim de produzir e exportar bananas.
Quanto mais a comunidade internacional permitir que corporações
multinacionais explorem nossos irmãos e irmãs, e deste modo o
nosso ambiente, mais permitiremos que elas explorem todos nós.
Precisamos aplicar uma tremenda pressão internacional sobre a Banacol
Inc. através de denúncias públicas e boicote, e sobre o
governo colombiano por representantes dos EUA para manter as
corporações responsáveis perante a lei colombiana, de modo
que estas comunidades ancestrais afro-colombianas não sejam deslocadas e
dizimadas outra vez para o lucro da multinacional Banacol Inc.
02/Fevereiro/2011
[*]
Trabalhadora católica em Des Moines, Iowa, e activista internacional de
direitos humanos. Viajou recentemente à Colômbia, onde
já esteve três vez no seu trabalho em prol dos direitos humanos e
de investigação antropológica.
O original encontra-se em
http://upsidedownworld.org/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|