AS FARC-EP COMBATEM
PELA HUMANIDADE
por Miguel Urbano Rodrigues
[*]
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
FARC-EP demonstram com o seu combate que em determinadas
condições históricas, sociais, económicas
e num cenário geográfico adequado um movimento
revolucionário pode resistir pelas armas a todos os esforços
realizados para o destruir. A legendária guerrilha nascida em
Marquetalia há quase quatro décadas não somente
sobreviveu a todas as ofensivas contra ela lançadas por sucessivos
governos como se transformou num autentico exercito do povo que hoje actua em
mais de 60 frentes, praticamente em todo o pais.
A Casa Branca e o Pentágono identificam nessa realidade uma
ameaça ao funcionamento da estratégia de
dominação universal sobre a Terra que o sistema de poder dos EUA
vem desenvolvendo. A invencibilidade das FARC-EP afecta a imagem de poder
omnipotente do imperialismo como aliado e protector da oligarquia colombiana.
Daí uma campanha de calunias permanente e de dimensão mundial que
visa a desacreditar as FARC. O bombardeio desinformativo vulgarizou por
todo o planeta o rotulo de «guerrilha do narcotráfico» para
designá-las, acusando os companheiros de Manuel Marulanda de criminosos
e bandidos ligados ao submundo da droga.
Entretanto, a paz que durante mais de dois anos mudou a vida das
populações dos cinco municípios da Zona Desmilitarizada,
transformada pelas FARC numa área de tranquilidade social, contribuiu
para a desmontagem da calunia, tirando-lhe credibilidade.
De dezenas de países afluíram a San Vicente del Caguan
escritores, jornalistas, deputados, juristas , diplomatas, sacerdotes que
tiveram a oportunidade em Los Pozos e nos acampamentos de conviver com os
combatentes das FARC e os seus dirigentes. Esses visitantes puderam tirar
conclusões. Fui um entre muitos.
Enquanto essa precária paz durou numa região maior do que a
Bélgica, representantes das Nações Unidas e de outras
organizações internacionais, em conversações
mantidas com Manuel Marulanda e membros do Estado Maior Central das
FARCEP, identificaram neles interlocutores merecedores do seu respeito.
Documentários que correram pelo mundo mostraram o próprio
presidente Andares Pastraña em dialogo cortês com Marulanda,
interessado em conhecer a sua opinião sobre os grandes problemas do pais.
De repente o quadro mudou.
Quando o Governo, que desde o inicio sabotara o andamento da Agenda Comum por
ele aprovada, invadiu a Zona Desmilitarizada, um novo discurso
político foi o complemento das bombas que caiam do céu, no
Caquetá e no Meta, matando não guerrilheiros, mas velhos,
mulheres e crianças.
Agora, Pastraña, em vésperas de passar a Presidência a
Uribe Velez (7 de Agosto), injuria Marulanda, volta a chamar-lhe traficante e
bandoleiro e oferece dois milhões de dólares pela sua
cabeça e outro tanto pelas dos demais membros do secretariado das FARC.
Washington aprova. E metade dessa quantia é prometida como recompensa
a quem matar ou entregar um comandante de Frente ou de Bloco das FARC.
É a moral dessa gente...
Não se trata de um guião para fita de Hollywood. O discurso dos
governantes colombianos é transmitido para os quatro cantos do mundo,
acompanhado dos louvores recebidos de colaboradores íntimos do
presidente Bush. No momento em que escrevo, o subsecretário Otto Reich,
responsável pelos Assuntos Latino-americanos, anda em viagem por
países do Hemisfério em defesa do Plano Colômbia,
esforçando-se por ressuscitar o projecto norte-americano de uma
Força de Intervenção multinacional cuja tarefa seria dar
uma ajuda ao Exercito colombiano.
Segundo Reich, grande e comovedor seria o serviço prestado à
democracia e à liberdade se tropas do Brasil, do Peru, do Equador, da
Argentina e de outros países do sul do Continente entrassem em som de
guerra na Colômbia para combater as FARC e destruir essa guerrilha
demoníaca. Mas para desgosto de Bush, a missão do seu
representante morreu no berço. No Brasil os generais não querem
nem ouvir a conversa; no Peru, na Argentina e no Equador, a prioridade dos
presidentes, desprestigiados pelas políticas neoliberais impostas por
Washington, é a sua própria sobrevivência política.
A CARTA DOS INTELECTUAIS
Foi neste contexto nevoento que os tambores de uma nova campanha anti-FARC,
de âmbito mundial, começaram a ressoar. Contra o habitual,
não se fala agora de droga .
O ataque vem de personalidades colombianas que pretendem representar o mundo da
cultura. Vinte e dois intelectuais, quase todos professores
universitários, resolveram dirigir-se à opinião publica.
Nesse documento que teve ampla difusão internacional, sugerem que a
intelligentsia se associe à condenação da atitude
assumida pelas FARC ao exigirem a renuncia dos alcaides recentemente eleitos.
O texto do apelo tem algo de folhetinesco pelo estilo e conteúdo.
Não é sério. Os signatários declaram que «a
Colômbia contempla atónita como as FARC, em irresponsável
alarde de prepotência tem vindo a declarar objectivos militares alcaides
democraticamente eleitos. Nenhuma razão jurídica,
política, ética ou militar justifica afirmam a
estigmatização, a chantagem e a ameaça aos lideres
popularmente eleitos».
Longe da Colômbia o documento lembra uma charada. Porque, sem
esclarecerem aquilo que está em causa, os autores da chamada «Carta
dos intelectuais» não somente acusam as FARC de «pretender
substituir a democracia, com o pretexto das suas
imperfeições» como colocam a guerrilha de Marulanda no
nível do «fundamentalismo de extrema direita, personificado na
guerra total dos paramilitares».
Obviamente, não é possível substituir aquilo que
não existe. Na Colômbia a democracia é uma mera fachada
institucional. Um Estado cujo Exército criou os grupos paramilitares
que promovem as chacinas de aldeias inteiras é incompatível com
qualquer forma de democracia. É útil recordar que o general
Bedoya, que foi candidato á Presidência da Republica, não
hesita em elogiar publicamente o chefe dos paramilitares, Carlos
Castaño, um tarado que se vangloria de decepar com uma serra
eléctrica os membros dos seus prisioneiros antes de os jogar aos
crocodilos do Madalena.
AS FARC DIRIGEM-SE AO POVO
Qual o motivo, afinal, da ultima e ruidosa campanha desencadeada contra as
FARC, num momento difícil, quando Bush as define como
«organização terrorista», a cabeça dos seus
dirigentes é posta a prémio, as sedes que mantinha em diferentes
países são fechadas a pedido de Washington, e os agentes da
Interpol perseguem os seus representantes na Europa e na América Latina?
O secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP não perdeu tempo a
responder ao arrazoado da «Carta dos intelectuais». Decidiu que era
mais útil sintetizar num documento dirigido ao povo da Colômbia
os motivos pelos quais exigira a renuncia aos seus mandatos de todos os
alcaides e vereadores eleitos. Publicado pelos grandes jornais do
país, esse comunicado abre com um resumo da historia das FARC como
organização político-militar que se propõe a
destruir a oligarquia liberal-conservadora e conquistar o poder político
para o povo por ela oprimido. «Tudo começou recorda o
Secretariado quando o Estado colombiano com 16 mil homens desencadeou em
1964 a maior operação militar de extermínio contra 46
homens e mulheres», ou seja, o núcleo guerrilheiro de Marquetalia.
Que, afinal, numa saga épica, furou o cerco.
O comunicado evoca a assinatura dos Acordos de La Uribe e o cessar fogo de 84
que geraram em todo o pais uma grande esperança. Foi nessa atmosfera
que se formou no pais uma nova força política, a União
Patriótica, movimento político pluralista, criado para ser uma
alternativa democrática e progressista aos partidos da oligarquia.
A resposta do Estado colombiano é conhecida. Em poucos anos mais de
4500 dirigentes da União Patriótica foram assassinados numa
orgia de crimes que configurou o maior genocídio político da
historia latino-americana.
As FARC-EP recordam também o esforço por elas desenvolvido
durante a Presidência de Pastraña para que a
criação da Zona Desmilitarizada contribuísse para o
avanço do processo de paz. Tal não aconteceu e a guerrilha
de Marulanda atribui ao governo a responsabilidade do fracasso ao determinar
unilateralmente a ruptura definitiva das conversações e a
invasão (antes do prazo estabelecido ) da área .
O presidente eleito, Uribe Velez, não esconde a sua
intenção de aplicar integralmente a componente militar do Plano
Colômbia. Já pediu a Washington mais dinheiro para a guerra. Os
generais, em Bogotá , afiam espadas e, esquecendo as
lições do Vietname e da Argélia, declaram que o Exercito e
a Força Aérea estão preparados para destruir as FARC.
Acossadas, bombardeadas, caluniadas, indómitas, as FARC tomaram uma
decisão difícil, mas coerente com a sua linha
ideológica. Às medidas contra elas dirigidas, que configuram
uma fascistização progressiva do aparelho
político-militar do Estado, responderam com a exigência da
renuncia dos autarcas.
Não aceitam a argumentação da direita. A democracia na
Colômbia é ficcional, uma mera fachada. As ultimas
eleições locais foram, a todos os níveis, uma gigantesca
farsa. Segundo as FARC «foram vergonhosamente fraudulentas e viciadas
pela corrupção e a violência; nelas os grandes meios de
comunicação, como sempre, manipularam os eleitores. Tudo isso
torna ilegítimos os seus resultados». Em Maio repetiu-se a farsa
nas Legislativas. Que democraticidade pode existir numas
eleições que levaram a Câmara de Deputados uma chusma de
conhecidos paramilitares?
RENÚNCIAS EM MASSA
A gritaria que a inédita iniciativa das FARC levantou não
responde a uma questão essencial. O Governo e as Forças Armadas
deixam transparecer um grande embaraço e caem em
contradições quando se lhes pede uma explicação
para as renuncias em massa de autarcas nas últimas semanas.
Se as FARC se apresentam tão vulneráveis como afirma a
propaganda oficial, se o Exercito declara controlar a situação
em todo pais como explicar o êxito, no plano dos resultados
concretos, da exigência formulada pelo movimento guerrilheiro?
Segundo os últimos levantamentos, 225 alcaides e milhares de vereadores
apresentaram pedidos de renuncia aos cargos para que haviam sido eleitos nos
465 municípios dos 24 Departamentos depois de receberem o ultimato das
FARC. Claro que a distribuição é desigual, sendo as
renúncias muito mais numerosas em Departamentos de forte
implantação das FARC, como Meta, Caquetá, Antioquia,
Boyacá, os dois Santander, Huila, Arauco, Putumayo, Chocó.
A impotência do Estado colombiano perante uma situação
não imaginada torna-se mais transparente porque o balanço das
operações militares iniciadas com a reocupação da
Zona Desmilitarizada é muito negativo. O Exercito não conseguiu
nestes meses obter uma só vitoria significativa contra a guerrilha e
acumulou desaires.
O desespero que alastra entre os sectores mais radicais da oligarquia
encontra a sua expressão em apelos cada vez mais frequentes a uma
revisão da Constituição de 91. Não falta quem
sugira uma emenda que reintroduza na Lei Magna a velha figura do estado de
sitio, que deu cobertura institucional a matanças inesquecíveis.
Essas vozes deixam, afinal, transparecer um grande medo, nascido da certeza de
que Uribe Velez, apesar dos milhões do Plano Colômbia, apesar da
intervenção indirecta dos EUA no conflito, vai fracassar, como os
seus antecessores na sua luta contra as FARC-EP.
Todas as campanhas caluniosas desencadeadas contra o movimento de
libertação liderado por Manuel Marulanda não apagam a
realidade.
A Colômbia, no desenvolvimento da historia, em consequência de
factores e situações pouco previsíveis há poucos
anos, emerge hoje como polo de lutas que não são somente do seu
povo envolvem o combate mais amplo e decisivo que centenas de
milhões de homens e mulheres travam contra a ameaça à
civilização e à cultura configurada pela
estratégia de dominação imperial dos EUA.
Nas montanhas e nas selvas da Colômbia, a resistência das FARC-EP
transcende o quadro nacional e latino-americano. Os companheiros de Manuel
Marulanda combatem por toda a humanidade, o que os torna merecedores de uma
solidariedade ampliada.
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