Clima, energia e políticas públicas
Este artigo não tem como objetivo central analisar a
verosimilhança científica da correlação entre os
múltiplos fenómenos planetários tidos como expoentes das
alterações climáticas, e as emissões
antropogénicas de dióxido de carbono, consideradas como sua
determinante fundamental.
Contudo, este binómio, que tem servido como cânon para as
atuações políticas e económicas de um vasto
conjunto de governos, organismos internacionais e corporações
empresariais, deveria merecer, pela sua importância imediata e mediata
para a humanidade, um amplo debate técnico-científico.
No atual estadio político-social, caracterizado por um dogmatismo
radical de cunho populista, repetido
ad nauseum
nos media globais, seria quase estéril propor tal desiderato.
Sugestões, como a de Antero de Quental, produzida em finais do
século XIX, indicando que a relação entre a
"verdade científica"
e a
"verdade humana e social"
[1]
não deve ser tomada de forma direta e acrítica, seriam hoje
estigmatizados como negacionistas e o filósofo, quiçá,
ver-se-ia alcunhado de Trumpista.
Atente-se, aliás, no que aconteceu há poucas semanas aquando da
realização, na Universidade do Porto, de uma conferência
organizada pelo Independent Committee on Geoethics (ICG)
[2]
, um comité que visa analisar as alterações
climáticas numa perspetiva heterodoxa que desconstrói ou critica
algumas das ideias "oficiais" veiculadas pelo
petit comité
executivo do IPCC. Imediatamente, três dezenas de técnicos e
cientistas portugueses vieram à praça, com grande nojo e
estardalhaço, acusar a universidade de "promover a
desinformação"! Ou seja, os promotores do protesto, quase
todos ligados a organismos/organizações que ganham muitas
centenas de milhares de euros com estudos e relatórios centrados no
paradigma oficial, teriam, se pudessem decidir, impedido uma conferência
destinada a testar ideias! Impõe-se perguntar: De que terão
receio? A que distância estão, de facto, dos antigos mentores
inquisitoriais? Estamos a tratar de ciência, religião
[3]
ou de negócios?
Num tempo em que o desenvolvimento técnico-científico virou
espetáculo de feira e instrumento oportunista de marketing, como, por
exemplo, o grotesco lançamento de um automóvel elétrico
pendurado num foguetão, com um boneco-condutor dentro levando-o no
caminho dos amanhãs siderais, podemos esperar todo o tipo de patranhas.
Aliás, ainda há poucos dias se via e ouvia uma antiga ministra
das Finanças, agora comentadora permanente em jornais, rádios e
TV, arengando, qual cientista encartada, acerca do despropósito que
seria lutar-se contra as úberes plataformas porque, disse:
"muito em breve teremos veículos autónomos (sem condutor
humano)"
que poderão parar em qualquer rua ou beco para transportar os
embasbacados cidadãos! E, neste estilo, poderia muito bem ter
acrescentado não o fez por falta de tempo de antena que a
Geely já tem pronto para comercialização o seu carro
voador, o
Transition
, ou que o primeiro veículo voador português
estará pronto em 2022 para subir aos céus qual Passarola
pós-milénio.
Estamos já muito distantes do tempo dos futurólogos
clássicos, alguns deles esforçados e imaginosos autores de
estimulantes e rentáveis ficções. Até Júlio
Verne, que não desdenhou por os pés no chão da realidade
bolsista, coraria de vergonha se ouvisse o que por aí anda na "rede
global". E, Nostradamus, o herege, teria rapidamente que fazer um mestrado
que lhe atualizasse técnicas e saberes.
Hoje, na área que aqui se aborda, não se faz ficção
para estimular a curiosidade, o desejo de conhecer, mas, sim, para alienar e
formatar a mentalidade do consumidor-contribuinte aos interesses dos vendedores
focados no lucro. É, por essa razão, muito difícil ao
cidadão comum destrinçar o trigo do joio no caudal informativo
on-line. Os discursos produzidos por profetas/videntes/cartomantes travestidos
de "especialistas" têm sempre uma qualquer ponta de
"verdade". E o puro charlatanismo pseudo-científico é
acartado por lobistas ao serviço dos interesses financeiros
especulativos, que se insinuam sempre fardados com roupagens curriculares
pós-modernas e pomposos diplomas de centros sonantes do saber e da
consultoria mundiais. Como, por exemplo, aqueles que minaram o setor
elétrico português através de engenharias financeiras que
tinham tanto de sofisticação quanto de vigarice, pondo-o ao
serviço de monopólios privados através de rendas
oportunistas que oneram drasticamente os consumidores e a economia. E que, de
passagem, se empanturraram com as chorudas remunerações que,
posteriormente, como pagamento dos seus prévios serviços, lhes
foram propiciadas na sua qualidade de administradores e altos diretores.
Nas próprias universidades acontece, infelizmente, uma explosiva
proliferação de apressados formatadores de consciências: um
professor de Introdução à Ciência Política
dizia, há poucos dias, numa aula do segundo ano da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa, que a confrontação de interesses
interclassistas era uma coisa caduca e do passado, face à crescente
robotização da indústria.
O que está a dar é, portanto,
"mesclarem-se crenças com ensinamentos científicos"
[4]
.
Os cidadãos são levados a pensar-se profundos conhecedores de
quase tudo o que lhes é impingido em embalagens mediáticas que
escondem o essencial, em particular quanto a alguns dos reais problemas
planetários. Por isso, tanta gente sem resquícios de
formação científica debita vulgaridades sobre as causas
das alterações climáticas.
É importante notarmos que só uma pequena parte dos problemas que
assolam a humanidade são objeto deste mercado das ideias generosas,
voluntaristas e politicamente corretas. Mercado que está, atualmente,
concentrado no binómio clima-energia porque é o mais eficaz para
alavancar novos negócios e maiores lucros para os grandes
empórios financeiros e industriais. Muitos dos outros gigantescos
problemas concretos que afetam todos os dias centenas de milhões de
seres humanos são apenas objeto de piedosos discursos onde se transmudam
velhos conceitos através de novas palavras.
Nesta medida, os cidadãos reduzidos à condição de
consumidores acríticos, tornam-se fervorosos defensores de causas que
interessam, de facto, aqueles que já têm fórmulas
resolventes preparadas, que, em geral, não respondem de forma perene aos
problemas centrais, mas trazem enormes e imediatos lucros e mais-valias aos
empreendedores imaginosos.
Cumulativamente impregnam-se os consumidores-contribuintes com um profundo
sentimento de culpa: os gases com efeito de estufa seriam da sua
responsabilidade direta ou indireta e, portanto, têm o dever de lutar
para os exterminar rapidamente, ou, pelo menos, pagarem para que isso
aconteça. Ou seja, ficam preparadíssimos para suportar mais
impostos e preços mais altos por serviços vitais.
Um dos fulcros centrais do neoliberalismo vanguardista, sob o qual se acoita o
velho capitalismo, muito carente de reinvenção e sedento de novos
horizontes exploratórios que lhe permitam fôlego que o retire do
ciclo de crise, está ancorado no binómio clima-energia e nas
plataformas informacionais desmaterializadas. Nessa senda é utilizada
uma metodologia mista, que atua através de uma vertente escura e
aterrorizante espalhando o medo do cataclismo climático que
exterminará a humanidade dentro em breve, e, do outro lado,
através de uma face brilhante da "nova ciência" que
resgata os humanos às trevas do passado conservador e atrasado. Curioso
será notar que, no núcleo pensante deste pós ou
hipermoderno movimento, que, supostamente, libertaria a humanidade, estejam
indivíduos e organizações profundamente arreigados ao
conservadorismo socioeconómico, à exploração do
trabalho e às praticas predatórias dos recursos e do ambiente.
É certo que também lá estão pessoas, movimentos e
partidos com uma matriz referencial que justificava serem mais criteriosos na
escolha das companhias.
O atual presidente dos EUA, ao dizer que as alterações
climáticas são uma maquinação dos chineses para
tramarem a América, ou, mais exatamente, que são o produto de um
"embuste chinês"
[5]
, serve, de facto, os interesses dos modernaços empresários,
políticos e militantes que se servem do dióxido do diabo para
estimularem novos negócios e aumentarem lucros.
As tentativas para manipular a opinião pública já
vêm de muito longe no tempo. Só que, desde há cerca de duas
a três décadas o refinamento aumentou exponencialmente. E,
já agora, a falta de vergonha.
Em junho de 1971, em Paris, se reuniu o Congresso das Ciências e
Técnicas, tendo-se concluído, entre outros aspetos, que, no ano
2000 cerca de 75% de toda a energia útil produzida se destinaria
à purificação e/ou produção de água!
Pois, mas em 2018 ainda estamos muito longe dessa quota. Não quer isto
significar, obviamente, que o aprovisionamento de água não seja
um importante dossier na atualidade e no futuro.
Por esse tempo foram também divulgados alguns resultados a que chegara o
Clube de Roma e a equipa do MIT
[6]
que tinha elaborado um estudo da evolução do planeta.
No Congresso de Paris todos os congressistas se chocaram com o fatalismo das
conclusões, tendo outros participantes comentado com ironia
[7]
que, pouco tempo antes, o Hudson Institute e o seu diretor e fundador Herman
Kahn, destacado futurólogo, conservador e de direita, haviam prometido
que o "paraíso na terra" chegaria por volta do ano 2000 !
[8]
São conhecidos os impactos provocados por Alvin Toffler com o seu
"Choque do Futuro" dado á estampa em 1970 na versão
original (Future Shock, New York, Random House), pelo "Renascer da
América", de Charles Reich, (The greening of America, New York,
Random House, 1970) e, ainda, pela obra de Daniel Bell
et al.
Toward the year 2000: work in progress, Boston, Beacon, 1967. Textos com
relevantes impactos editoriais, é certo, mas que se esvaíram no
tempo perante a realidade diversa e incontornável da
evolução concreta das forças produtivas num mundo
contraditório e cada vez mais desigual.
O que interessa neste texto é, não tanto mergulhar na
polémica da confirmação ou infirmação das
teses veiculadas pelo IPCC e adoptadas pelos governos de uma larga maioria de
países, bem como por organizações de cariz mundial, mas,
de facto, fazer uma análise, necessariamente sintética, quanto
às consequências cristalizadas nas políticas
públicas nacionais e comunitárias, adoptadas como regras
referenciais para o estabelecimento das políticas energéticas, de
mobilidade e transportes e, ainda, de certas componentes da fiscalidade.
A título de exemplo, referir três linhas de atuação
muito visíveis nas políticas governamentais europeias e nas
decisões estratégicas das grandes corporações
empresariais:
- I -
Com o argumento da urgente
necessidade de se diminuírem radicalmente as emissões de CO2 dos
centros de produção/transformação energética
que utilizam carvão, gás natural ou derivados do petróleo,
e num referencial ideológico contrário à
ampliação do parque electronuclear, enveredou-se por uma intensa
e voluntarista política de apoio ao investimento nas
produções de eletricidade em pequenas e médias unidades
baseadas na energia eólica, hídrica e, ainda, no fotovoltaico.
Esta política, num enquadramento de forte
market enablement,
foi centrada na subsidiação aos produtores privados
através de várias metodologias, entre elas as designadas FIT
Feed-in-Tarifs. Ou seja, a eletricidade em regime especial
(eólica, fotovoltaica, etc) passou a ser paga aos
investidores/produtores, a partir do final dos anos 90 do século
transato, muito acima do custo médio da que era produzida através
do portfólio clássico (centrais a carvão + centrais de
ciclo combinado a gás + grandes e médias centrais
hidroelétricas + centrais electronucleares). O diferencial, muito
significativo, foi e é completamente suportado pelos consumidores
[9]
, com destaque para os domésticos, revertendo a totalidade dos proveitos
para as grandes empresas privadas que, sem qualquer risco, apostam grandes
massas financeiras neste rendoso negócio. Por vezes ganham em duas
frentes: como produtores convencionais e como investidores nas energias
renováveis.
Esta política teve seis consequências maiores em Portugal:
1. Enorme subida do preço/tarifa de eletricidade
[10]
;
2. Grande dispersão territorial da rede e ocupação
extensiva de solos por vezes em sítios com criticidade ambiental;
3. Dada a volatilidade/incerteza das produções baseadas em fontes
renováveis (não se pode garantir o sol e vento em
permanência), houve que fazer investimentos redundantes em centrais a
gás natural e hidroelétricas com bombagem, exatamente para
garantir a segurança no fornecimento;
4. Ineficácia na redução da intensidade carbónica
porque, no essencial, o CO2 provém dos transportes, indústrias e,
em certos casos, edifícios; mas estas emissões só desceram
durante a crise dos anos da Troïka, tendo, entretanto, voltado a subir;
5. Manutenção, no essencial, do caráter monopolista do
setor elétrico (transporte, distribuição) e, portanto, das
grosseiras falhas de mercado;
6. A confirmação de que a regulação foi frouxa no
plano da intervenção objetiva institucional, designadamente
quanto à defesa dos consumidores, embora muito elaborada no plano
técnico; ficou, de forma crescente, claro que a
privatização e liberalização no setor
elétrico pouco ou nada resolveram na perspectiva dos interesses
públicos comuns.
- II -
Com o objetivo repetidamente anunciado de reduzir as emissões de CO2,
ou seja, de "
descarbonizar a economia e a sociedade
", e tendo em conta que o setor dos transportes tem um papel fundamental
neste contexto, iniciaram-se, principalmente na União Europeia, mas,
também na China, grandes campanhas para antecipar e intensificar a
substituição do parque de viaturas de transporte de passageiros,
até aqui alimentadas com derivados do petróleo, por
veículos com propulsão elétrica. É a campanha do
"tudo elétrico".
Assim, temos assistido nos últimos anos a grandes campanhas
publicitárias, comerciais e institucionais, que têm conseguido
alguns crescimentos relativos nas vendas dos veículos híbridos
aqueles que só conseguem fazer curtíssimos percursos com
emissões zero (mobilidade exclusivamente elétrica)
[11]
e, também, nos últimos dois anos, de viaturas
exclusivamente
elétricas. Trata-se de veículos em geral significativamente mais
caros
[12]
do que os seus equivalentes convencionais (em tamanho, gama e potência),
não obstante a subsidiação estatal que, aliás,
é suportada através esforço fiscal indireto incidente nos
consumidores/contribuintes (a partir de receitas da taxação do
CO2).
Já hoje e, mais ainda no futuro, os custos de produção
equivalentes das viaturas elétricas são mais baixos do que os
convencionais. A taxa de lucro das grandes corporações
fabricantes aumenta, portanto.
A questão da autonomia está por resolver não obstante as
audaciosas promessas de grandes subidas nas quilometragens conseguidas entre
recargas. As viaturas elétricas individuais (TI) são funcionais e
rentáveis nos circuitos urbanos. Se, pelo caminho, não tiverem
problemas precoces com as baterias!
Há muita especulação e contra-informação
acerca da evolução das tecnologias de armazenamento
elétrico: por um lado, a velha tese do conluio das petrolíferas,
e de outros centros obscuros, que estariam a boicotar o desenvolvimento de
novas soluções; noutro sentido, há entidades e empresas
que evocam as novas e potentes baterias que, dizem, aí virão como
um Santo Graal propiciador de
motu continuum
que tudo resolveria.
A rede infra-estrutural para recargas (rápidas e/ou lentas) das baterias
existentes nas viaturas elétricas e, por outro lado, o preço a
que a eletricidade + serviços complementares que serão
disponibilizadas são questões cruciais que estão por
esclarecer e resolver (há muitas movimentações e impasses
corporativos e comerciais em torno deste aspeto).
As grandes empresas, tanto as elétricas, como as relacionadas com a
industria automóvel, ou, até, bancos e petrolíferas,
têm este filão sob permanente vigilância. Bastará
analisar a profusa publicidade paga que aparece em jornais de referência,
embora disfarçada de "noticias" e "crónicas".
Para além das numerosíssimas conferências, painéis e
cimeiras "científicas", onde se aborda a questão,
sempre sob o referencial da tão estafada sustentabilidade
[13]
e mobilidade inteligente. Sim, porque isto não é coisa para
estúpidos!
Mesmo que se confirmasse a possibilidade de recarregar em poucos minutos
(fala-se em 15-20 minutos) 80% da capacidade de um pack de baterias, o que
aconteceria no futuro, quando centenas de milhares de veículos
elétricos tivessem que parar e abastecerem-se ao longo das rodovias e
ruas portuguesas? Que logística e rede de infra-estruturas suportaria
tal complexidade operativa? Quem a garantiria? Com que custos?
Calha perguntar nesta fase da análise se o objetivo central das
políticas públicas passa por alavancar a
substituição maciça do parque convencional por novos
automóveis (TI) elétricos? Pelo que se lê, vê e ouve,
parece poder-se concluir que sim, que é nesse sentido a marcha
forçada. Ou seja, os nossos esclarecidos dirigentes preparam-se para
fazer substituir, não o paradigma de mobilidade, mas apenas o tipo das
viaturas: assim, nos circuitos de acesso às metrópoles, cidades e
vilas, não se veriam escapes nem sentiriam gases, é certo,
mas... as filas e engarrafamentos perdurariam!
Finalmente, referir de passagem um aspeto que, apesar de pouco abordado,
é significativo: o dos custos ocultos das viaturas elétricas,
designadamente no plano do impacto ambiental e climático. As viaturas
elétricas têm um "
longo tubo de escape
" que debita as emissões em locais distantes, ou seja, não
são, de facto, "emissões zero"
[14]
. Notar que no futuro fabrico dos veículos elétricos
poder-se-ão vir a utilizar cerca de 250 kg de Al/unidade, muito acima do
que atualmente é prática nos carros convencionais, e que o
alumínio exige muita eletricidade no ciclo de produção.
O mínimo que se poderá concluir aponta para uma conjuntura que
aconselharia grande prudência, nomeadamente quando se trata de definir
políticas públicas que envolvem dinheiro coletivo.
- III -
Os preços/tarifas da eletricidade têm, como já foi
referido antes, subido brutalmente nos últimos dez anos.
Esta realidade muito penalizadora já foi analisada noutro texto
[15]
estando demonstrado que afeta todos, e, em particular, as pequenas empresas e
as famílias que não têm poder para negociar e estabelecer
contratos bilaterais mais favoráveis.
Mais grave, são as perspectivas apontadas pela evolução do
mercado grossista de eletricidade que, nos últimos meses, aponta para
valores atuais e futuros muitíssimo mais elevados
[16]
, que acabarão por se refletir nas tarifas/preços passados pelos
comercializadores aos consumidores.
Embora a situação tenha contornos complexos e, até,
nebulosos, argumenta-se que uma das razões seria o grande incremento do
"preço do CO2"! Estamos, portanto, no domínio da
chamada "fiscalidade verde".
A Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, veio aditar ao Código dos
Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º
73/2010, de 21 de junho, o artigo 92.º-A, que estabelece que alguns
produtos petrolíferos e energéticos estão sujeitos a um
adicionamento sobre as emissões de CO2 (vulgarmente conhecido como
«taxa de carbono»).
Através da Portaria n.º 384/2017, de 28 de dezembro, veio fixar-se
a "taxa do adicionamento sobre as emissões de CO2" (Artigo
2.º) em 6,85 euros/tonelada de CO2. Com o Fator de Adicionamento (Artigo
3º) os valores imputados à tonelada de CO2 emitido vão para
os 21,21/Ton no fuelóleo, 15,52 /Ton no caso do
carvão e ...0,38 /Ton no caso de ser gás natural o
combustível!
Ora, exatamente há dois anos, dizia Spencer Dale, principal economista
da multinacional BP, entrevistado por um semanário português:
"o custo
das energias mais poluentes deve aumentar para benefício da humanidade
daqui a 30 anos",
mas, acrescentou,
"são os políticos que têm a responsabilidade de aplicar
medidas nesse sentido".
Este "especialista" foi um dos principais consultores da
Reserva Federal dos EUA e diretor executivo do Banco de Inglaterra, com o
pelouro da
"estabilidade financeira".
Solicito, disse ainda que
"se for colocado um preço mínimo na tonelada de CO2, como
fizemos
no Reino Unido, de aproximadamente 18 libras, equivalente a 22 , essa
medida terá um impacto imediato nos produtores de energia
elétrica, que deixarão de utilizar o carvão. Vamos
assistir a um aumento significativo da queima de gás natural".
O homem, obviamente, estava interessado no incremento do consumo de
gás natural! E, por cá, parece que lhe satisfizeram os desejos.
Tudo quanto é produção elétrica baseada em
tecnologias que emitam CO2, no caso presente as produções em
centrais a carvão e, menos, a gás natural, é castigada com
este "imposto" que as empresas produtoras privadas repassam
integralmente para as tarifas. A coleta abastece um "fundo de
carbono" que serve para fazer multiplicar a política oficial que
aqui
vem sendo caracterizada. Ou seja, são os consumidores que acabam por
pagar o citado efeito climático do CO2 das centrais! Previamente, os
cidadãos em geral têm vindo a ser psicológica e eticamente
preparados para a "obrigação" de suportarem esta carga
fiscal.
Convém referir que também os veículos automóveis
são atualmente penalizados em função da sua
contribuição potencial para a emissão de CO2. E, em torno
disto, há muito gato que é comido como lebre.
Lembrar aqui que o dióxido de carbono é um produto natural da
respiração de animais e plantas, participante importante num
ciclo no qual, através da fotosíntese, as plantas, usando a
energia solar, restituem oxigénio à atmosfera. O CO2 não
é, portanto, um poluente no sentido vulgar do termo
[17]
.
O dióxido de carbono surge, ainda, a partir de variados tipos de
combustão, tanto naturais, como as de proveniência
antropogénica e contribui, de facto, para o designado efeito de estufa,
tal como o vapor de água (nuvens), o metano, etc. A partir da primeira
revolução industrial e, particularmente, na segunda parte do
século XX, as emissões subiram exponencialmente e, está
provado, as concentrações de CO2 na atmosfera subiram
significativamente.
A penalização fiscal do CO2 industrial, energético e dos
transportes faz parte da estratégia política internacional no
sentido de tentar atalhar abruptamente a subida de teores do dióxido de
carbono porque, sustenta-se, este gás estaria a determinar intensas e
perigosas alterações climáticas. Mas, nesta
correlação simplista há, parece, muito por esclarecer e
comprovar, como dizem e escrevem centenas de honrados cientistas que são
imediatamente encostados à parede mal tentam abrir a boca. Mesmo quando
apenas expressam dúvidas e aconselham maior prudência em decretar
políticas públicas que têm grande impacto nas economias
empresariais, no emprego e no bolso dos consumidores/contribuintes.
Deixam-se para reflexão os elementos e considerações acima
alinhados, e, a terminar, apenas o registo de uma questão:
Se, de facto, as alterações climáticas são
um problema tão terrível para o planeta e para a humanidade, e se
elas são devidas, de acordo com a teoria oficial, ao CO2 produzido pelas
atividades económicas do coletivo humano, por que razão,
há uns que suportam os custos das medidas erradicadoras ou mitigadoras
(a grande maioria dos consumidores/contribuintes), enquanto outros (uma minoria
de investidores/empresários) extraem fabulosos lucros com a
política voluntarista que norteia uma descarbonização da
sociedade e da economia feita em marcha acelerada?
Setembro 2018
Notas:
[1] Obras Completas, VII/CII; p. 919, citado por Norberto Cunha em
"Ciência, cientismo e metaciência em Antero de Quental",
Revista de Guimarães, n.º 102, 1992, pp. 209-245
[2] Designada por
"Basic Science of a Changing Climate: How Processes in the Sun, Atmosphere and Ocean Affect Weather and Climate"
;
estiveram presentes (previsão da organização), entre
outros, Nils-Axel Mörner, investigador e professor sueco, Maria da
Assunção Araújo Professora da FLUP,
Pamela Matlack-Klein, Michael Limburg, Francois Gervais, Christopher
Monckton, Ray Garnett, Madhav Khandekar, Edwin Berry, Karl
Zeller e Ned Nikolov, Thomas Wysmuller, Benoit Rittaud, Conor McMenemie, e,
ainda, o conhecido meteorologista e dono da WeatherAction, Piers Corbyn,
[3] Ver "Aquecimento Global: Ciência ou religião?",
Gustavo M. Baptista, Hinterlândia, SP, 2009
[4] GUERREIRO, Silas. A fé na Ciência: o ensino da
evolução e sua congruência aos sistemas de crenças.
XXII Reunião Brasileira de Antropologia, ABA, Fórum de pesquisa:
venturas e aventuras religiosas, Brasília, 15 a 19 de julho de 2000.
[5] Programa "60 minutos", CBS News, outubro de 2016
[6] The Limits to Growth, Meadows
et al
, também conhecido como relatório do MIT. O prestigiado
Massachussets Institute of Technology desenvolveu o trabalho por encomenda do
Clube de Roma, utilizando a metodologia proposta e desenvolvida por Forrester,
e por ele aplicada, entre outras, à dinâmica do crescimento urbano
e às oscilações de preços de alguns produtos
agrícolas (ver ENERGIA e AMBIENTE, Textos de Apoio, Domingos,
José J. Delgado, 1995, IST)
[7] ENERGIA e AMBIENTE, Textos de Apoio, Domingos, José J. Delgado, 1995,
IST
[8] Trata-se de um Think Tank americano, com adeptos lusos proeminentes, que
também fez estudos para Portugal encomendados por um dos grandes grupos
económicos nacionais. Tais estudos nunca foram divulgados.
[9] Na China, embora existindo apoios na fase inicial em que as tecnologias
baseadas nas energias renováveis ainda não estavam maduras, eles
não são, no fundamental, projetados nos consumidores. Por outro
lado, as empresas que usufruem destes apoios não têm as sedes
situadas fora do alcance fiscal estatal. Acrescentar que, dada a
dimensão chinesa, quaisquer meio por cento dá lugar a volumosas
estatísticas que soam esmagadoras à nossa escala, mas, no
fundamental, a produção energética e mobilidade são
e continuarão a ser baseadas nos referenciais clássicos
modernizados.
[10] Subida de 30% só na última década, segundo a ERSE.
Estes Preços/tarifas são acrescidas por diversos outros
"favores" aos interesses privados, feitos através de
metodologias pouco transparentes (CAE, CMEC, atribuição de
concessões sem concursos públicos, etc), que estão,
aliás, a ser alvo de investigações na Assembleia da
República e no Sistema Judicial.
[11] Os híbridos tipo Plug-in conseguem fazer percursos um pouco mais
extensos, mas, normalmente, têm preços mais elevados.
[12] No caso das gamas media/alta os preços chegam a ser 50 a 60 % mais
elevados. No sentido de amortecer este efeito têm-se vindo a adotar um
esquema no qual as baterias são disponibilizadas através de
leasings.
[13] O conceito de Desenvolvimento Sustentável difundiu-se a partir
publicação do Relatório
"Our Common Future",
habitualmente conhecido como relatório Brundtland, em 1987, pela
WCED (World Commission on Environment and Development). Apesar de haver um
grande consenso em torno do conceito, necessário é referir as
utilizações capciosas e desviantes do conceito base, e que,
aliás, o seu sucesso se deveu muito à forma hábil como o
Relatório conseguiu iludir ou contornar algumas das
contradições entre o crescimento económico e o referencial
ambiental.
[14] Ver, entre outros, "The Hidden Cost Of Electric Cars",
Christopher Stakhovsky
[15] Já abordada, aliás, noutro texto aqui publicado
[16] Desde o início do ano os custos da energia no Mibel dispararam 60%,
e bateram máximos históricos na terceira semana de setembro,
superando os 75 euros por megawatt hora.
[17] Como são, por exemplo, as partículas sólidas, os SOx,
os NOX, etc.
[*]
deca50@netcabo.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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