Washington empurra a Índia e o Paquistão para a guerra
por Michel Chossudovsky
trad. de J. Figueiredo
A Índia e o Paquistão estão actualmente à beira da
guerra.
O conflito é apresentado pelos media como se se referisse ao estatuto de
Caxemira. Contudo, o papel da política externa dos EUA na
alimentação deste conflito é sistematicamente ignorado.
Desde o fim da guerra fria, Washington contribui deliberadamente
através de operações encobertas de inteligência
para atiçar o conflito indo-paquistanês. No rastro do 11
de Setembro, em meio a novos ataques terroristas e tumultos étnicos na
Índia, desenvolveram-se condições que favorecem o
desencadear da guerra entre os dois países.
O conflito indo-paquistanês também deve ser examinado num contexto
regional mais vasto. Os EUA estão actualmente envolvido em
vários teatros de guerra relacionados entre si, que se estendem desde o
Médio Oriente até a Ásia Central:
1) A guerra no Afeganistão é marcada pela
militarização de toda a região central asiática com
tropas dos EUA estacionadas em várias das antigas repúblicas
soviéticas.
2) A Administração Bush apoiou Israel na invasão da
Palestina
com um plano secreto denominado Operação Vingança
Justificada. Esta operação procurava destruir a Autoridade
Palestina.
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3) Washington anunciou sua intenção de travar uma guerra total
contra o Iraque, a qual poderia em princípio espraiar-se por toda a
região do Médio Oriente.
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O estalar de uma guerra entre a Índia e o Paquistão não
só levanta o espectro de um holocausto nuclear numa região que
abriga quase um quarto da população mundial como também
aumenta a possibilidade de uma guerra mais vasta e com potencial para
alastrar-se a uma região muito maior, com implicações de
extremo alcance para o futuro da humanidade.
Ambos os países têm armas nucleares e um refinado sistema de
mísseis para transportá-las. Esta semana, o Paquistão
confirmadamente experimentou os seus
mísseis Shahenn
,
que têm um alcance de 750 quilómetros.
3
O governo paquistanês declarou que o país exerceria sua
opção nuclear se sua sobrevivência estivesse em
causa.
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O presidente do Paquistão, General Pervez Musharraf,
avisou o governo dos Estados Unidos de que no caso de quaisquer
movimentos, o Paquistão usará todas as opções para
a segurança do território. Neste caso, será uma guerra
ilimitada.
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O arsenal nuclear da Índia também
está em alerta.
Os planejadores militares e de inteligência dos EUA certamente analisaram
as ligações entre estes vários teatros de guerra. As
operações de inteligência na região mais vasta
são cuidadosamente coordenadas. A evidência confirma que as
mesmas insurreições patrocinadas pela CIA utilizando o ISI
do Paquistão como intermediário em apoio de grupos
islâmicos são executadas num grande número de países.
Operações de inteligência patrocinadas pelos EUA no
sub-continente indiano
É importante entender os antecedentes do conflito indo-paquistanês
e a história das operações de inteligência
patrocinadas pelos EUA no sub-continente indiano, canalizadas através do
ISI, o serviço de inteligência militar do Paquistão.
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Com o patrocínio da CIA, desde a década de 1980 o ISI apoia a
várias insurreições secessionistas islâmicas na
Caxemira indiana. Embora oficialmente condenadas por Washington, estas
operações encobertas do ISI foram empreendidas com a
aprovação tácita do governo dos EUA.
Em simultâneo com o Acordo de Paz de Genebra de 1989 e com a retirada
soviética do Afeganistão, o ISI passou a desempenhar um papel
instrumental na criação da militante Jammu and Kashmir Hizbul
Mujahideen (JKHM).
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Os ataques terroristas de 2001 ao Parlamento indiano os quais
contribuíram para conduzir a Índia e o Paquistão à
beira da guerra foram executados por dois grupos rebeldes com base no
Paquistão, o Lashkar-e-Taiba ("Exército dos Puros") and
Jaish-e-Muhammad ("Exército de Maomé"), ambos apoiados
camufladamente pelo Inter-Services Intelligence (ISI) do Paquistão.
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O poderoso Council on Foreign Relations (CFR), que desempenha um papel nos
bastidores na formulação da política externa dos EUA,
confirma (num documento interno) que os grupos Lashkar e o Jaish são
apoiados pelo ISI: "por meio da sua agência Interservices
Intelligence (ISI), o Paquistão forneceu financiamento, armas,
instalações de treinamento e ajuda no cruzamento de fronteiras
para o Lashkar e o Jaish. Esta assistência uma tentativa de
replicar na Caxemira a brigada islâmica internacional de "guerra
santa" contra a União Soviética no Afeganistão
ajudou a introduzir o Islão radical no antigo conflito acerca do destino
da Caxemira...
"Receberam estes grupos financiamentos de outras fontes além do
governo paquistanês?
Sim. Membros das comunidades paquistanesas e caxemiras na Inglaterra enviaram
milhões de dólares por ano, e simpatizantes wahhabitas no Golfo
Pérsico também deram apoio.
Têm os terroristas islâmicos na Caxemira ligações com
a al-Qaeda?
Sim. Em 1998 o líder do Harakat, Farooq Kashmiri Khalil, assinou a
declaração de Osama bin Laden apelando a ataques aos americanos,
inclusive civis, e aos seus aliados. Suspeita-se que Bin Laden também
financia o Jaish, afirmam responsáveis dos EUA e da Índia. E
Maulana Masood Azhar, que financiou o Jaish, viajou ao Afeganistão por
diversas vezes a fim de encontrar-se com bin Laden.
Onde foram treinados estes militantes islâmicos?
A muitos foi dado treinamento ideológico nas mesmas madrassas
(seminários muçulmanos) onde ensinavam os combatentes
estrangeiros e talibans, no Afeganistão ou em aldeias na Caxemira
controladas pelo Paquistão. Grupos extremistas abriram recentemente
várias novas madrassas em Azad Kashmir.
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Aquilo que o CFR não menciona são as ligações entre
o ISI e a CIA. Como confirmam os textos de Zbigniew Brzezinski (que
também é membro do CFR) a "brigada islâmica
internacional" foi uma criação da CIA.
Ataque ao Parlamento indiano
O ataque de Dezembro de 2001 ao Parlamento indiano, seguido pelos ataques
terroristas e tumultos étnicos em Gujarat no princípio de 2002,
foram o culminar de um processo iniciado na década de 1980, financiado
pelo dinheiro da droga e instigado pela inteligência militar do
Paquistão. Estes ataques terroristas apoiados pelo ISI serviram os
interesses geopolíticos dos EUA. Eles não só
contribuíram para o enfraquecimento e fracturação da
União Indiana como também criaram condições que
favorecem o desencadeamento de uma guerra regional entre o Paquistão e a
Índia.
Entrelaçando alianças militares
Em fins de 1998 a Rússia assinou um "acordo de
cooperação militar a longo prazo" com a Índia, o qual
foi seguido no princípio de 1999 por um acordo de defesa entre a
Índia e a França. O acordo entre Delhi e Paris incluiu a
transferência de tecnologia militar francesa, bem como investimentos de
multinacionais francesas na indústria da defesa da Índia. Estes
incluem instalações para a produção de
mísseis balísticos e ogivas nucleares, em que as empresas
francesas têm perícia.
Este acordo franco-indiano tem uma influência directa nas
relações indo-paquistanesas. Ele também entra em choque
com os interesses estratégicos americanos na Ásia Central e do
Sul. Enquanto Washington tem estado a despejar ajuda militar dentro do
Paquistão, a Índia está a ser apoiada pela França e
pela Rússia.
Apenas uma poucas semanas após os bombardeamentos de 2001 contra o
Afeganistão, a França e a Índia efectuaram
exercícios militares conjuntos no Mar Arábico. Na
sequência imediata do 11 de Setembro a Índia também recebeu
grandes quantidades de armas russas no âmbito do acordo de
cooperação indo-russo.
Enquanto a França e os EUA parecem estar em lados opostos no conflito
indo-paquistanês, a França também fornece equipamento
militar ao Paquistão, em concorrência com os produtores de armas
dos EUA. De uma forma geral, este conflito significa milhares de
milhões de dólares de lucros para os fornecedores de armas da
Rússia e do Ocidente. Em relação a isto, a
política externa dos EUA é montada de forma a assegurar um
mercado para os produtores de armas dos Cinco Grandes, agora aliados com os
sistemas da British Aerospace, contra os seus concorrentes franceses e russos.
No princípio de Maio, a França incitou o seu ministro da defesa,
Michele Alliot-Marie a ir ao Paquistão a seguir a um ataque terrorista
que levou à morte de 11 franceses da Direction des Constructions Navales
(DCN) envolvidos na construção de três submarinos Agosta
para a Marinha do Paquistão. O ataque, que muito provavelmente foi
politicamente motivado, poderia conduzir à suspensão das entregas
de armas da França ao Paquistão. A suspensão serviria os
interesses dos produtores de armas dos EUA.
À beira da guerra
Esta semana o primeiro-ministro indiano, Vajpayee, declarou que a Índia
está preparada para ir à guerra em reposta aos ataques
terroristas. Delhi advertiu Islamabad quanto a uma "batalha
decisiva" contra o terrorismo e "conclamou os seus soldados postados
na tensa fronteira da Caxemira para estarem prontos para o
sacrifício". O Paquistão retorquiu "que qualquer
acção de cruzamento da fronteira pela Índia provocaria
retaliação", a qual poderia previsivelmente "disparar
um conflito mais vasto entre os vizinhos com armas nucleares".
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Enquanto isso, navios da Armada indiana posicionaram-se no Mar Arábico,
na proximidade da costa paquistanesa. Um relatório da Jane Defense
Weekly confirma que o Comando Estratégico Nuclear (CEN) da Índia
deverá estar pronto em Junho.
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O CEN será comandado pela
Força Aérea Indiana (IAF). Diz-se que a Índia tem 60
ogivas nucleares, ao passo que o Paquistão teria 25. O uso de armas
nucleares não pode ser posto de parte. Ambos os países activaram
suas forças de reserva.
O papel dos EUA
O general Pervez Musharraf é um fantoche dos EUA. Desde o começo
da campanha de bombardeamento do Afeganistão, a US Air Force contra o
espaço aéreo do Paquistão bem como várias
instalações militares no país. Os conselheiros militares
e de inteligência americanos estão a trabalhar de perto com os
paquistaneses:
Os Estados Unidos agora estão fortemente envolvidos na região.
Dispõem de pleno uso de duas bases aéreas militares paquistanesas
e desde o princípio da guerra tomaram o controlo de cerca de um
terço do espaço aéreo do Paquistão a fim de
facilitar suas operações militares no Afeganistão.
Mais de 35 mil soldados paquistaneses foram incumbidos de proteger as
forças americanas estacionadas dentro do Paquistão. Além
disso, 60 mil soldados paquistaneses foram despachado para a Linha Durand, os
1400 km da fronteira paquistanesa-afegã, a fim de capturar agentes da
al-Qaida, incluindo Osama bin Laden, que pode ser tentado a cruzá-la.
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Sob tais condições, na prática o Paquistão
não pode travar uma guerra sem o sinal verde de Washington. O sub
secretário de Estado Richard Armitage foi despachado por Washington para
aquela região para consultas com ambos os governos. Armitage foi um dos
principais arquitectos, durante a Administração Reagan, do apoio
encoberto ao Mujahedin e às "bases de militantes islâmicos,
tanto durante a guerra afegã-soviética como posteriormente. O
apoio encoberto dos EUA era financiado pelo comércio de droga do
Crescente Dourado. "Armitage, a quem foi negada em 1989 a
nomeação como secretário de Estado Assistente devido
às ligações Irão-Contra e outros escândalos,
serviu como secretário da Defesa Assistente para Assuntos de
Segurança Internacional nos anos Reagan. As condições do
governo americano no processo Oliver North nomeavam especificamente Armitage
como um dos responsáveis oficiais pelas transferências ilegais de
armas para o Irão e os Contras".
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Por outras palavras, estará Richard Armitage numa "missão de
paz" ou ele é parte de uma operação de
inteligência em andamento, a qual no final das contas consiste em
fomentar a instabilidade política atiçando um país contra
o outro?
O truque de Washington: Armar ambos os lados
Os EUA tem acordos de cooperação militar tanto com a Índia
como com o Paquistão. A América vende armas a ambos os
países (tal como a França). Ao mesmo tempo, Washington controla
os tipos de sistemas avançados disponibilizados para cada país.
Ironicamente, enquanto os EUA são o mais próximo aliado do
Paquistão, a cooperação militar indiano-americana deu um
passo em frente a partir do 11 de Setembro. Em Novembro, o secretário
da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, durante uma visita oficial à
Índia, declarou a necessidade de "fortalecer os laços
militares e de defesa entre nossos dois países" no contexto da
guerra ao terrorismo.
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Uma delegação indiana de defesa
dirigida pelo secretário da Defesa da Índia, Yogendra Narain,
estava no Pentágono esta semana para "discutir perspectivas de
cooperação militar, incluindo a expansão do seu
âmbito, dimensão e frequência de exercícios conjuntos
entre suas forças armadas".
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Enquanto isso Washington aumentava seu apoio militar ao
Paquistão. A Administração Bush, através da CIA,
também superintende as operações encobertas de
inteligência do ISI em apoio aos insurrectos islâmicos dentro da
Índia.
Num país após outro, estas insurreições são
utilizadas por Washington para desestabilizar sociedades nacionais. O
padrão subjacente é muito semelhante àquele usado
recentemente na Macedonia, onde as insurreições patrocinadas pelo
KLA estavam a ser apoiadas pela NATO e pela ajuda militar dos EUA. Ao mesmo
tempo, os EUA tinham um acordo de cooperação militar em andamento
com o ministro macedonio da Defesa no contexto do Partenariado para o Programa
de Paz.
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Enquanto Washington arma o Paquistão, tem também um acordo de
cooperação militar com a Índia, o qual foi concebido para
dissuadir uma agressão armada e defender o território indiano.
Além disso, nos bastidores utilizando o ISI do Paquistão
como um intermediário a CIA está canalizando apoio
(dinheiro e armas) para as forças separatistas de Caxemira. Numa ironia
cruel, Washigton está a armar e a aconselhar ambos os lados com base em
autorizações militares e de inteligência aprovadas pelo
Congresso dos EUA.
"Dividir e reinar": Aconselhar ambos os lados acerca da conduta de
guerra. Armar ambos os lados no conflito, alimentar o complexo
militar-industrial da América. Desenvolver cooperação
militar e de inteligência conjunta com ambos os países, capacitar
os EUA a fiscalizarem o teatro de uma guerra eventual. Fracturar e empobrecer
ambos os países. Restaurar o Império.
A agenda oculta é finalmente estender a esfera de influência
dos EUA não só no interior da Ásia Central como
também no sub-continente indiano.
Notas
1. Ver, por Ellis Shuman, Is Israel preparing to dismantle the Palestinian
Authority?
http://www.globalresearch.ca/articles/SHU204A.html
, Centre for Research on Globalisation (CRG),
www.globalresearch.ca
7 April 2002
2. Ver Ian Bruce,
Military planners at the Pentagon have drawn up a blueprint for a two-pronged invasion of Iraq,
CRG 1 February 2002)
.
3
India Daily,
21 May 2002.
4. Citado no
Hindustan Times,
23 May 2002
5.
India Daily,
22 May 2002
6. Michel Chossudovsky, Coverup and Complicity, The Role of Pakistan's Military
Intelligence, CRG,
http://www.globalresearch.ca/articles/CHO111A.html
, 2 November 2002.
7 See K. Subrahmanyam, Pakistan is Pursuing Asian Goals,
India Abroad,
3 November 1995.
8 Council on Foreign Relations, Terrorism: Questions and Answers, Harakat
ul-Mujahedeen, Lashkar-e-Taiba, Jaish-e-Muhammad,
http://www.terrorismanswers.com/groups/harakat2.htm
Washington 2002.
9.
Ibid.
10.
Dawn
, 22 May 2002
11
Jane Defence Weekly
citado no
India Daily
, 22 May 2002
12
The Independent,
29 December 2001
10 Ver Murali Ranganathan, Human Rights Report Draws Flak,
News India
, 16 September 1994.
13. Michael Ruppert,
Richard Armitage Quietly confirmed as Deputy Secretary of State,
From the Wilderness, 25 March 2001
14. The New York Times, 5 November 2001
15.
The Hindustan Times,
22 May 2002.
16. Para outros pormenores ver Michel Chossudovsky, NATO Invades Macedonia,
CRG,
http://www.globalresearch.ca/articles/CHO108C.html
, August 2001
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