Tratado de Comércio Livre entre os EUA e o Chile:

Gato por lebre

por Orlando Caputo Leiva [*]

Orlando Caputo Actualmente, para controlar a mente humana é habitual dar nomes atractivos ou neutros aos factos e processos. Isso permite ocultar e enganar a sociedade. É o que sucede com o Tratado de Comércio Livre (TCL) entre os Estados Unidos da América (EUA) e o Chile, em fase de discussão. O nome quer imprimir na consciência social que o mais importante da relação económica com os EUA é o comércio entre os dois países.

O título é um engano porque oculta dois factos fundamentais. Primeiro, que o mais importante das relações económicas internacionais são os investimentos directos das empresas norte-americanas no Chile. Segundo, que o capítulo mais importante do tratado é o do investimento, que outorga a mais ampla liberdade para as empresas norte-americanas no Chile.

Há múltiplos aspectos económicos que não são considerados nestas notas. Consideramos que o Chile está facilitando a política norte-americana a favor da ALCA e contra o MERCOSUR, porquanto não apenas está a negociar unilateralmente, como também está acordando um Tratado com o título de Comércio quando o conteúdo essencial reflecte os interesses do investimento das grandes empresas norte-americanas.

Com efeito, o quadro mostra que o investimento directo das empresas norte-americanas no Chile é de cerca de 15. 000 milhões de dólares, enquanto que as exportações dos EUA para o Chile são em redor dos 2 900 milhões de dólares.

Investimentos americanos e canadianos no Chile em 2001 [*]

un.: 10 9 US$
  Investimento Directo Exportações para o Chile Investimentos / Exportações
EUA 14930 2889 5,2
Canadá 6432 427 15,1
EUA+Canadá 21362 3316 6,4
Fonte: Banco Central do Chile
[*] Corresponde aos investimentos acumulados até Outubro de 2001

Como se pode ver no quadro e no gráfico, o investimento das empresas norte-americanas no Chile equivale a mais de 5 vezes o total de exportações das empresas norte-americanas feitas dos EUA para o Chile no ano de 2001.


Apesar da força dos factos, os EUA impõem o nome de Tratado e o Chile e os seus negociantes aceitam este nome enganador.

Assim sucedeu também com o Canadá, quando há alguns anos se discutiu e se aprovou sob o nome de Tratado de Comércio Livre o acordo económico com o dito país. O investimento directo canadiano no Chile é de 6. 400 milhões, as exportações canadianas para o Chile são apenas de 427 milhões, isto é, uma relação de 15/1.

Ao investimento directo ter-se-ia de agregar os créditos estrangeiros que em grande parte foram contratados pelas grandes empresas estrangeiras que operam no país. O total de investimento estrangeiro aproxima-se dos 50.000 milhões de dólares e a dívida externa do país que também cresceu enormemente aproxima-se dos 40.000 milhões de dólares.

A diferença entre o investimento estrangeiro em geral e o comércio exterior é abismal, conquanto aos tratados se lhes imprima, como dissemos, um nome enganador.

Este engano está apoiado no neoliberalismo e corresponde a uma das suas formulações ideológicas centrais. Esta corrente na ciência económica trasladou o objecto de estudo da nossa disciplina, da totalidade constituída pelas suas fases de produção, de distribuição, de mercado e de consumo, para o mercado e, particularmente, para o consumo apenas. O indivíduo e a liberdade de escolha está acima das empresas. Tratando-se de relações económicas internacionais afirma-se que a economia nacional e mundial é determinada pela soberania do consumidor nos diferentes países.

O carácter de falsa ideologia do neoliberalismo resulta muito mais evidente neste aspecto do que em outros. Não apenas é o investimento das empresas norte-americanas muito maior que o comércio exterior. A informação demonstra categoricamente que as empresas norte-americanas que investem no Chile controlam a maioria das importações que o Chile faz dos EUA e também controlam grande parte das exportações chilenas para os EUA.

A diminuição das tarifas alfandegárias nos EUA e no Chile, beneficiará as empresas nacionais dedicadas a exportar e também aquelas empresas nacionais que importam custos elevados. Mas sem dúvida que as mais beneficiadas são as empresas norte-americanas que têm filiais no Chile, já que se vêem favorecidas pela diminuição e eliminação dos impostos às importações provenientes dos EUA para o Chile e fundamentalmente a partir das suas casas mãe ou de outras filiais. Como também controlam grande parte das exportações chilenas para os EUA, a diminuição das tarifas nos EUA beneficia-as directamente.

Além disso, o mais significativo é que o investimento directo estrangeiro determina a estrutura exportadora da economia chilena. Como se sabe, são as exportações e o capital estrangeiro as bases dinâmicas da economia chilena nas últimas décadas. A falta de uma proposta estratégica de inserção desde o interior da economia chilena à economia mundial, levou a estruturar a economia desde fora e particularmente desde os EUA e do Canadá.

Portanto, a estrutura das exportações é fundamentalmente de produtos primários. Ficou fora de toda a discussão a fase exportadora, a segunda fase.

O aprofundamento da especialização de produtos primários faz parte de uma acentuação das localizações produtivas como parte da globalização da economia mundial actual. As filiais das empresas norte-americanas no Chile importam dos EUA produtos industriais, bens de alta tecnologia, serviços tecnológicos, etc, e exportam do Chile produtos primários, fundamentalmente.

A informação sobre a indústria do cobre é muito categórica neste sentido. Os EUA são um grande produtor de cobre, em 1990 partilhavam com o Chile a liderança da produção mundial de cobre. A partir de meados dos anos 90 a sua produção diminui de forma sistemática. Em 2001 a produção comparada com a de 1995 é menor em 30%, embora continue a ser o segundo produtor mundial. A produção chilena através dos grandes investimentos estrangeiros e particularmente dos EUA, cresce de forma extraordinária, chegando a produzir em 2001, 3 vezes mais ou 200% acima do que produzia em 1990.

Produção de cobre no Chile e nos EUA

(em milhares de toneladas de cobre fino)
  1990 1995 2001
Chile 1588 2489 4739
EUA 1587 1918 1336
Chile/EUA 1,0 1,3 3,5

Isto é apresentado pelo governo, pela maioria dos economistas e dos centros académicos, como o principal êxito do modelo e do neoliberalismo no Chile. O Chile que compartilhou com os EUA os mesmos níveis de produção de 1990, agora produz 3,5 vezes mais que os EUA.

Este “êxito” é a principal causa que explica a crise actual da economia chilena. Os preços do cobre nos últimos 5 anos são dos mais baixos do século. Os EUA abastecem-se actualmente de cobre barato e reservam a sua própria produção para o futuro. Anteriormente, o Chile conseguiu exportar a maior parte do cobre como cobre refinado. O crescimento da produção e das exportações de cobre nos últimos tempos é fundamentalmente sob a forma de concentrado. No Chile produziu-se uma involução em direcção a uma situação duplamente primária de exportação.

Actualmente, no que respeita ao cobre, o Chile encontra-se com a corda no pescoço. O que reflecte a predominância do capital estrangeiro sobre o comércio exterior, o que se aprofundou nas condições da globalização da economia mundial.

Não se deu a conhecer o capítulo sobre investimento estrangeiro neste tratado. Contudo, pensamos que deve ser similar ao Acordo Multilateral de Investimentos (MAI), que por fim não foi aprovado entre os países desenvolvidos, e ao capítulo de investimento do Tratado de Comércio Livre Chile - Canadá.

Em relação ao Acordo Multilateral de Investimentos, o Parlamento Europeu recusou-o porque entre outras coisas assinalou que: ... “entregará o governo dos países às empresas transnacionais”.

Os EUA que eram o seu principal impulsionador rejeitou por fim aprovar o acordo. Charlene Barshesky representante do Departamento de Comércio da América do Norte disse que: ... “o MAI não é 'equilibrado' e é prejudicial aos interesses norte-americanos”.

O capítulo de investimento no Tratado Chile-Canadá que, com toda a segurança se reproduz e se aperfeiçoa no Tratado de Comércio Livre com os EUA, é um texto tão favorável às empresas estrangeiras que, juntando-se ao tratamento de nação mais favorecida, assinala também os mais variados aspectos sobre os quais o Chile não pode fazer nenhuma exigência, como por exemplo: emprego, nível de produção, percentagem de exportação, conteúdo nacional das exportações, etc.

Numa “separata” especial o Chile compromete-se a entregar o máximo de protecção e de segurança. A definição de investimento estrangeiro é tão ampla que inclui, o que é mais grave para o Chile, que as concessões mineiras constituem um activo de propriedade das empresas estrangeiras e portanto, elevam os montantes globais do investimento estrangeiro.

As empresas estrangeiras ao explorar a jaziga podem granjear a depreciação anual pelo desgaste da jaziga. Podem arrendar a jaziga a outra empresa e também podem vendê-la como fez recentemente a Exxon ao vender a Disputada de Las Condes. As concessões mineiras que entregam como propriedade privada as jazidas às empresas são anticonstitucionais.

A negociação e a situação actual do TCL com os EUA foi duramente criticada nos últimos dias por parte de dirigentes políticos. Os economistas neoliberais calaram-se. Sem embargo, as críticas se bem que justas, concentraram-se apenas ao nível do comércio.

É necessário abrir uma ampla discussão de todos os capítulos do Tratado e particularmente do capítulo de investimento. Este Tratado em muitos sentidos é diferente do firmado com a União Europeia.

A assinatura do Tratado do Chile com os EUA poderia formalizar e aprofundar as tendências que levaram ao esgotamento relativo do modelo e dar carácter internacional à entrega das jazidas e dos recursos naturais como propriedade privada das empresas estrangeiras. Como dissemos tais concessões são anticonstitucionais.

A possibilidade de propriedade privada das jazidas levou a que as empresas estrangeiras fizessem grandes investimentos no Chile. O grande incremento da produção a partir do Chile baseada neste subsídio distorceu o mercado mundial da principal riqueza básica do nosso país.

As exigências norte-americanas para a livre circulação e máxima segurança para o investimento das suas empresas no Chile, são tão elevadas que cabe reproduzir o que disse Lori M. Wallach sobre o Acordo Multilateral de Investimentos:

“...É preciso regressar aos tratados coloniais mais leoninos para encontrar mostras de tamanha arrogância e desejos de dominação, como é o caso do Acordo Multilateral de Investimentos. Os direitos imprescritíveis do mais forte — aqui, as empresas transnacionais — e as obrigações draconianas impostas aos povos”.


[*] Economista chileno. Colaborador de CETES , CLACSO e REDEM. Autor de vários livros, dentre eles: "Desarrollismo y Capital Extranjero: Las Nuevas Formas del Capital Extranjero en Chile", Universidad Técnica del Estado, Chile, 1970 e "Imperialismo, Dependencia y Relaciones Económicas Internacionales", CESO, Universidad de Chile, 1971. O original deste artigo encontra-se em http://www.elmostrador.cl .    Tradução de Alexandre Maurício.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

19/Dez/02