Armas não-convencionais e estratégias de guerra dos EUA/NATOO caso do urânio empobrecido
por Jorge Cadima
[*]
As armas com urânio empobrecido são
armas não convencionais, de efeitos indiscriminados no espaço e
no tempo
, e tal facto é conhecido há já muitos anos pelas FFAA dos
EUA (vejam-se, entre outros, os
Anexos 1, 2, 3, 4, 5 e 6
). Se não
existem mais estudos públicos sobre os efeitos destas armas é
porque
o Pentágono e as autoridades britânicas há anos que se
recusam a efectuá-los
, tendo durante muito tempo negado a própria existência de
qualquer problema associado aos veteranos da Guerra do Golfo (Relatório
do National Gulf War Resource Center:
Baixas não contabilizadas: o padecimento dos veteranos americanos da
Guerra do Golfo
, de 17 de Janeiro de 2001, disponível em
http://www.ngwrc.org
).
A própria utilização de armas com urânio empobrecido
foi mantida secreta
durante longo tempo. No caso dos Balcãs, a sua utilização
apenas foi admitida em Março de 2000, um ano após a guerra
(Anexo 7)
. As autoridades norte-americanas e britânicas continuam hoje a ser o
principal obstáculo à realização de qualquer estudo
médico generalizado e aprofundado aos milhares de soldados
vítimas dos Sindromas, como afirma Doug Rokke, cientista e ex-militar
norte-americano numa declaração proferida perante a Câmara
dos Comuns britânica em 16.12.99 (disponível, em versão
actualizada, em
http://www.stopnato.org.uk
). Doug Rokke chefiou uma equipa de
15 militares norte-americanos que foram dos primeiros a entrar em
território iraquiano no final da Guerra do Golfo, com a missão de
descontaminar o terreno dos efeitos de urânio empobrecido. Afirma Rokke
ao jornal italiano
Liberazione
(14.1.01):
Vários cientistas e médicos pagaram com as suas carreiras a
ousadia de pretender levar a cabo tais investigações. O mesmo
jornal italiano publica uma entrevista com o professor Asaf Durakovic, um
cientista norte-americano licenciado em Medicina, Física e Biologia
molecular e doutorado em Veterinária e Oncologia. Durakovic trabalhou
para o Pentágono, tendo chegado a chefiar alguns centros de
investigação, mas de acordo com o jornal, «em 1995 foi
despedido sumariamente do Pentágono [...] por ter defendido que o
urânio empobrecido provoca câncros». Durakovic não
regateia palavras:
Os efeitos da utilização em larga escala de armas com
urânio empobrecido na Guerra do Golfo, e em menor medida nos
Balcãs, já foram objecto de denúncia pelas autoridades dos
países em questão
(Anexos 8 e 9)
. Mas também por
numerosos dirigentes políticos (veja-se, por exemplo, o
Anexo 10
),
cidadãos
(Anexo 11)
e cientistas, como por exemplo o médico
austríaco Siegwart-Horst Guenther, que trabalhou durante vários
meses no Iraque, ou Ashraf El-Bayoumi, chefe da Unidade de
Observação do Programa Alimentar Mundial da ONU no Iraque, entre
Março de 1997 e Maio 1998. Os testemunhos destes últimos
encontram-se, juntamente com muito outro material de interesse, no
magnífico livro
Depleted Uranium - Metal of Dishonor
, publicado pela organização norte-americana International Action
Center (IAC). O IAC, organização fundada pelo ex-ministro da
Justiça dos EUA, Ramsey Clark, tem tido um trabalho pioneiro na
denúncia das armas de urânio empobrecido e seus efeitos.
Informações sobre o livro e sobre o IAC podem-se encontrar em
http://www.iacenter.org
. (Veja-se também o
Anexo 12
). A própria
legalidade das armas com urânio empobrecido é contestada em
numerosos quadrantes
(Anexos 13, 14 e 15)
.
Na agressão à Jugoslávia, a NATO atacou deliberada e
sistematicamente a infraestrutura civil (pontes, combóios, vias de
comunicação, sistemas de abastecimento de electricidade e
água à população civil, hospitais, escolas), zonas
residenciais e colunas e centros de refugiados, e a infraestrutura industrial e
económica (com destaque para a destruição deliberada do
grande complexo industrial de Pancevo que libertou para a atmosfera, solos e
águas, enormes quantidades de produtos tóxicos). Além de
armas com urânio, utilizou outras armas não-convencionais como as
bombas de grafite e as
cluster bombs
. Tratou-se duma estratégia deliberada de vergar um país
através do sofrimento e terror da sua população civil.
Como foi confessado abertamente, ainda a guerra não havia terminado,
pelo General Michael Short, comandante aéreo das forças da NATO:
«Se acordarem de manhã e não tiverem electricidade em casa,
nem gás no fogão, e se a ponte que vos leva para o trabalho tiver
sido abatida e ficar a flutuar no Danúbio durante os próximos 20
anos, penso que irão começar a perguntar: 'Oh, Slobo, o que se
passa, afinal? E quanto mais disto é que vamos ter que suportar?'»
(
International Herald Tribune
, 18.5.99).
Repare-se, mais uma vez, na referência explícita à
utilização de civis como reféns de guerra. Pressionados
por Churchill, os militares britânicos prepararam uma lista de cidades
alemãs que poderiam vir a ser alvo de ataques com gás mostarda,
lista essa que incluía todas as cidades com mais de 100 mil habitantes.
Mas os arianos cidadãos alemães teriam melhor sorte que os
asiáticos habitantes de Hiroxima e Nagasaqui, pois os mesmos meios
militares informaram Churchill que «não consideramos que o facto de
desencadearmos uma guerra química e biológica possa ter um efeito
decisivo sobre o resultado ou a duração da guerra contra a
Alemanha». Churchill cedeu, vencido, mas não convencido:
«não estou absolutamente nada convencido por este relatório
negativo» (
The Guardian
, 2.11.98).
Num
Apelo à Consciência Americana
, dizia ainda Bertrand Russell:
Napalm
foi também utilizado pelo regime fascista português na sua guerra
contra os povos das então colonias africanas. Essa guerra e esse regime
contaram sempre com o apoio militar e político, discreto ou declarado,
dos países da NATO (basta pensar em quem forneceu o
napalm
). Aliás, a ditadura fascista de Salazar foi membro fundador da NATO em
1949.
A História mostra-nos assim que, não apenas a
utilização de armas criminosas é prática corrente
do imperialismo norte-americano: também o encobrimento dos seus efeitos
durante longos anos o é. «Os ex-combatentes do Vietname precisaram
de 22 anos para fazer vir à tona a questão do Agente Laranja. [O
urânio empobrecido] é o Agente Laranja dos anos 90, para os
ex-combatentes do Golfo Pérsico» (Picou, C.H.
Living with Gulf War Syndrome
, em
Depleted Uranium Metal of Dishonor
, p.43; Carol Picou foi enfermeira nas Forças Armadas dos EUA, e foi das
primeiras a entrar no Kuwait e Iraque. É uma dos milhares de
vítimas do Sindroma do Golfo, abandonada pelas FFAA que serviu durante
anos).
1 - Consequências para a saúde e o ambiente do uso do urânio empobrecido pelo Exército dos Estados Unidos, Army Environment Policy Institute USA, Junho 1994. 2 - O governo britânico emite Advertência sobre urânio empobrecido , British National Radiological Protection Board NRPB, 5 Julho 1999 ( http://www.nrpb.org.uk/D-uran.htm ) 3 - O Exército americano avisou dos perigos em 1993 , Kim Sengupta, The Independent 13 Janeiro 2001. 4 - As previsões sobre os efeitos do urânio empobrecido da Atomic Energy Authority , New Scientist 5 Junho 1999. 5 - O urânio empobrecido usado na Somália e na Alemanha , Der Spiegel 23 Janeiro 2001. 6 - Impacto e efeitos ambientais a longo prazo do urânio empobrecido , UNEP/UNCHS Balkans Task Force (BTF), Apêndice 6 do Relatório «Efeitos potenciais na saúde humana e no ambiente resultantes do possível uso de urânio empobrecido durante o conflito do Kosovo de 1999» Outubro 1999. 7 - A NATO confirma à ONU o uso de urânio empobrecido durante o conflito do Kosovo , Comunicado de imprensa da UNEP 21 Março 2000. 8 - Efeitos de radiação, Comunicado da missão permanente do Iraque à 43ª Conferência Geral da Agência Internacional de Energia Atómica IAEA 28 Setembro 1999. 9 - Factos e consequências do uso do urânio empobrecido na agressão da NATO contra a República Federal da Jugoslávia em 1999 , Ministério Federal das Relações Externas da R.F. da Jugoslávia, Belgrado Agosto 2000. 10 - Carta do ministro do Ambiente da Finlândia aos seus colegas da União Europeia , Satu Hassi, extraída da referência anterior. 11 - Guerra Nuclear de baixa intensidade , Michel Chossudovsky, Universidade de Otawa http://emperor-clothes.com/articles/choss/dep.htm 12 - Desafios legais, publicidade e mobilização de massas para deter as armas de DU , John Catalinotto e Sara Flounders, organizadores do Projecto de Educação sobre urânio empobrecido, International Action Center http://www.iacenter.org . 13 - Munições de urânio empobrecido: o uso de armas radiológicas como violação dos direitos humanos , Catherine Euler e Karen Parker, Intervenção apresentada na Subcomissão para a Promoção e a Protecção dos Direitos Humanos, 51ª sessão, 1999. 14 - As armas de DU perante o direito internacional , Bernice Boermans, Relatório apresentado na Conferência sobre o Urânio Empobrecido, Gijon 25-26 Novembro 2000. 15 - Resolução da Comissão de Direitos Humanos da ONU apela à proibição do DU , Genebra, Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e a Protecção de Minorias, Resolução 1996/16. ________________ [*] Professor universitário. Capítulo do livro "Armas de urânio: Destruição sem regresso", Colecção Problemas do Mundo Contemporâneo, Edições Avante!, Lisboa, Novembro 2001. Este artigo encontra-se em http://resistir.info |