O fascismo é a verdadeira face do capitalismo
A verdade deve ser dita tendo em vista os resultados que produzirá na
esfera da ação. Como exemplo de uma verdade da qual nenhum
resultado, ou o errado, se segue, podemos citar a visão generalizada de
que prevalecem más condições em vários
países como resultado da barbárie. Nessa visão, o fascismo
é uma onda de barbárie que desceu sobre alguns países com
a força elementar de um fenómeno natural.
De acordo com essa visão, o fascismo é um terceiro poder novo ao
lado (e acima) do capitalismo e do socialismo; não apenas o movimento
socialista, mas também o capitalismo teriam sobrevivido sem a
intervenção do fascismo. E assim por diante. Esta é,
obviamente, uma reivindicação fascista; aderir a isso é
uma capitulação ao fascismo.
O fascismo é uma fase histórica do capitalismo; neste sentido,
é algo novo e ao mesmo tempo antigo. Nos países fascistas, o
capitalismo continua a existir, mas apenas na forma de fascismo; e
o
fascismo apenas pode ser combatido como capitalismo, como a forma de
capitalismo mais nua, sem vergonha, mais opressiva e mais traiçoeira.
Mas como pode alguém dizer a verdade sobre o fascismo, a menos que
esteja disposto a falar contra o capitalismo, que o traz à tona? Quais
serão os resultados práticos de tal verdade?
Aqueles que são contra o fascismo sem serem contra o capitalismo, que
lamentam a barbárie que sai da barbárie, são como pessoas
que desejam comer carne de vitela sem matar o bezerro. Eles estão
dispostos a comer o bezerro, mas não gostam da visão de sangue.
Eles ficam satisfeitos com facilidade se o açougueiro lavar as
mãos antes de pesar a carne. Eles não são contra as
relações de propriedade que geram a barbárie; eles
são apenas contra a própria barbárie. Eles levantam as
suas vozes contra a barbárie e fazem-no em países onde prevalecem
exatamente as mesmas relações de propriedade, mas onde os
açougueiros lavam as mãos antes de pesar a carne.
Os protestos contra medidas bárbaras podem parecer eficazes desde que os
ouvintes acreditem que tais medidas estão fora de questão nos
seus próprios países. Certos países ainda são
capazes de manter as suas relações de propriedade por
métodos que parecem menos violentos do que os usados em outros
países.
A democracia ainda serve nesses países para alcançar resultados
para os quais a violência é necessária noutros, ou seja,
garantir a propriedade privada dos meios de produção.
O monopólio privado de fábricas, minas e terras
cria condições bárbaras em todos os lugares, mas em alguns
lugares essas condições não atingem os olhos de maneira
tão violenta. A barbárie só chama a atenção
quando o monopólio apenas pode ser protegido pela violência aberta.
Alguns países, que ainda não consideram necessário
defender os seus bárbaros monopólios, permitem as garantias
formais de um estado constitucional, bem como facilidades na arte, filosofia e
literatura e estão particularmente desejosos de ouvir visitantes de
países em que essas facilidades são negadas. Eles escutam-nos com
prazer porque esperam deduzir daquilo que ouvem vantagens em guerras futuras.
Deveríamos então dizer que eles reconheceram a verdade quando,
por exemplo, exigem em voz alta uma luta incansável contra a Alemanha
"porque esse país é agora o verdadeiro lar do mal em nossos
dias, o parceiro do inferno, a morada do anticristo"? Devemos dizer que
essas são pessoas loucas e perigosas. Para que uma conclusão se
pudesse tirar deste disparate sem sentido, uma vez que o gás venenoso e
as bombas não eliminam os culpados, a Alemanha deve teria de ser
exterminada o país inteiro e todo o seu povo.
O homem não conhece a verdade se a expressa em termos arrogantes, gerais
e imprecisos. Ele grita sobre "o" alemão, reclama do mal em
geral, e quem o ouve não consegue decidir o que fazer. Deve ele decidir
não ser alemão? O inferno desaparecerá se ele
próprio for bom? A conversa idiota sobre a barbárie que surge da
barbárie também é desse tipo. A fonte da barbárie
seria a barbárie, combatida pela cultura, que vem da
educação. Tudo isso é colocado em termos gerais;
não pretende ser um guia de ação e, na realidade,
não é dirigido a ninguém.
Essas descrições vagas apontam para apenas alguns elos da cadeia
de causas. O obscurantismo oculta as forças reais que causam desastres.
Se luz é lançada sobre o assunto, aparece prontamente que os
desastres são causados por certos homens. Pois vivemos em uma
época em que o destino dos seres humanos é determinado pelos
seres humanos.
O fascismo não é um desastre natural que pode ser entendido
simplesmente em termos de "natureza humana". Mas mesmo quando estamos
lidando com catástrofes naturais, há maneiras de
retratá-las que são dignas dos seres humanos porque elas apelam
ao espírito de luta humano. Depois de um grande terremoto que destruiu
Yokohama, muitas revistas americanas publicaram fotografias mostrando um monte
de ruínas. As legendas diziam: O aço permaneceu. E, com certeza,
apesar de podermos ver apenas ruínas à primeira vista, o olhar
rapidamente percebeu, depois de notar a legenda, que alguns prédios
altos haviam permanecido de pé. Entre as inúmeras
descrições que podem ser dadas de um terremoto, as elaboradas
pelos engenheiros de construção sobre as mudanças no solo,
a força das tensões, os melhores projetos, etc, são da
maior importância, pois levam a que futuras construções
suportarão terremotos.
Se alguém deseja descrever o fascismo e a guerra, grandes desastres que
não são catástrofes naturais, deve fazê-lo em termos
de uma verdade prática. Devemos mostrar que esses desastres são
lançados pelas classes possuidoras para controlar o grande número
de trabalhadores que não possuem os meios de produção. Se
alguém deseja escrever com êxito a verdade sobre más
condições, deve escrevê-la para que as suas causas
evitáveis possam ser identificadas. Se as causas evitáveis
puderem ser identificadas, as más condições poderão
ser combatidas.
1935
Brecht em resistir.info:
As cinco dificuldades para escrever a verdade
Se os tubarões fossem homens
O manifesto
Poemas y canciones
[*]
Texto de 1935, conforme a tradução de Richard Winston para a
revista
Twice a Year.
Textos escolhidos de
Twice a Year,
1938-48. Syracuse University Press, 1964.
A versão em inglês encontra-se em
www.informationclearinghouse.info/52530.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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