Brasil: Os quadros econômico e eleitoral

por Adriano Benayon [*]

Com tais candidatos à presidência, o Brasil segue pelo desastroso caminho argentino O quadro é cada vez mais claro. Como tenho mostrado em centenas de artigos, o sistema de poder telecomandado aprofunda, cada vez mais, a ruína do País. O drama da Argentina é o trailer de nosso próprio filme. Na medida em que haja lucidez e coragem para perceber a realidade, se verá que existe uma só esperança. A reconstrução do Estado nacional, caminho que exige romper com o sistema financeiro "internacional" e, sobretudo, fazer com que brasileiros assumam o controle da produção.

A nitidez do quadro real só se compara, em sua completude, com a espessa bruma da confusão reinante. A mídia aponta casos de corrupção, mas o faz seletivamente, além de omitir os de maior dimensão, os das propinas pagas diretamente no exterior. Esses não são detectáveis, de pouco valendo para eles a transparência prescrita na Constituição. Ainda assim, o noticiário confirma nossas análises sobre as privatizações. Sempre as definimos como negociatas, ao examinar as próprias transações. Transferências de patrimônio de valor incalculável, como o da Vale Rio Doce, trilhões de dólares, por dois ou três bilhões de reais. De fato, nem isso: preço negativo, computados os favores oficiais atrelados ao "negócio". Não há prova de corrupção mais irrefutável do que essa. Imaginar outra coisa seria classificar todos os envolvidos como débeis mentais. Os do lado governamental, é claro.

Diante do quadro real, que significa a disputa pela presidência da República? Ela não passa de uma mistura de promessas vãs, distorções, contradições e guerrilha de dossiers. Há quatro candidatos em exposição, permitidos pela máquina do dinheiro, do horário na TV, das "pesquisas" manipuladas etc. Sinceramente ou não, apenas Ciro Gomes fala em renegociar a dívida, o que quer dizer pouco. Ademais, preservado o poder econômico e informacional estrangeiro dentro do País, nenhum mandatário teria condições de se sustentar, se adotasse postura firme em relação aos chamados credores, ao FMI, etc. Dos outros três, o paulista representa a continuidade da desgraça, o do Rio algo provavelmente pior.

O primeiro nas pesquisas não fica atrás. E é o que mais contribui para tornar o debate estéril e enganoso.

Lula esmera-se em agradar o sistema de poder real, como se a falta de entendimento das reais questões nacionais não fosse sua marca registrada, desde que foi inventado ao final do chamado regime militar. De resto sempre cumulou de elogios as empresas transnacionais. Ele imagina, ou finge, que poderá fazer alguma distribuição de renda sem tocar no poder imperial. Os economistas do PT, liderados por um tal Mantega, propõem uma política de vaselina. Dizem até que a dívida externa não é problema. Classificam de burrice (sic) a posição do candidato que propõe renegociação. Ora, sem mencionar a colossal dimensão da dívida interna, mais grave do que esta e a externa, juntas, é a estrutura econômica dominada pelas transnacionais. Ela não só gera o endividamento externo, que, sim, é problema, mas, mais que isso, determina transferências, para o exterior, de recursos muito mais vultosos do que os relativos somente aos juros da dívida externa.

Com Lula bem à frente nas "pesquisas", bancos estrangeiros avaliam ter crescido o risco de deter títulos brasileiros, o que faz aumentar o serviço da dívida externa. Divergem as interpretações dessa avaliação. Decorreria da piora nos fundamentos da economia (não atribuída pelos "analistas" às suas verdadeiras causas)? Ou teria refletido o temor do "mercado" em face da dianteira de Lula? A segunda hipótese merece pouco crédito, embora a possível vitória desse candidato deva acelerar a derrocada. Para cumprir antigas promessas, um governo petista esfolaria ainda mais a mediana e a alta classe média. É o que faz o atual governo. Para ele, como para o PT, os ganhos dos concentradores são intocáveis. A diferença para pior é que, com maior demanda social, e fontes de recursos secando, a mordida na classe média tende a ser mais profunda.

Pode ser que até os analistas dos bancos percebam que isso agravaria a crise. Estaria assim reforçada a terceira hipótese, aventada por alguns comentaristas, de que se trataria de jogada para possibilitar a continuação do Executivo atual, estuprando mais uma vez a Constituição. De fato, conquanto o programa do PT também seja agradável aos estrangeiros que controlam a política econômica, muitos deles certamente são avessos a mudanças, mesmo que só aparentes.


|*) Adriano Benayon , Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha. Autor de "Globalização versus Desenvolvimento".

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

27/Jun/02