Brasil: Os quadros econômico e eleitoral
O quadro é cada vez mais claro. Como tenho mostrado em centenas de
artigos, o sistema de poder telecomandado aprofunda, cada vez mais, a
ruína do País. O drama da Argentina é o trailer de nosso
próprio filme. Na medida em que haja lucidez e coragem para perceber a
realidade, se verá que existe uma só esperança. A
reconstrução do Estado nacional, caminho que exige romper com o
sistema financeiro "internacional" e, sobretudo, fazer com que
brasileiros assumam o controle da produção.
A nitidez do quadro real só se compara, em sua completude, com a espessa
bruma da confusão reinante. A mídia aponta casos de
corrupção, mas o faz seletivamente, além de omitir os de
maior dimensão, os das propinas pagas diretamente no exterior. Esses
não são detectáveis, de pouco valendo para eles a
transparência prescrita na Constituição. Ainda assim, o
noticiário confirma nossas análises sobre as
privatizações. Sempre as definimos como negociatas, ao examinar
as próprias transações. Transferências de
patrimônio de valor incalculável, como o da Vale Rio Doce,
trilhões de dólares, por dois ou três bilhões de
reais. De fato, nem isso: preço negativo, computados os favores oficiais
atrelados ao "negócio". Não há prova de
corrupção mais irrefutável do que essa. Imaginar outra
coisa seria classificar todos os envolvidos como débeis mentais. Os do
lado governamental, é claro.
Diante do quadro real, que significa a disputa pela presidência da
República? Ela não passa de uma mistura de promessas vãs,
distorções, contradições e guerrilha de dossiers.
Há quatro candidatos em exposição, permitidos pela
máquina do dinheiro, do horário na TV, das "pesquisas"
manipuladas etc. Sinceramente ou não, apenas Ciro Gomes fala em
renegociar a dívida, o que quer dizer pouco. Ademais, preservado o poder
econômico e informacional estrangeiro dentro do País, nenhum
mandatário teria condições de se sustentar, se adotasse
postura firme em relação aos chamados credores, ao FMI, etc. Dos
outros três, o paulista representa a continuidade da desgraça, o
do Rio algo provavelmente pior.
O primeiro nas pesquisas não fica atrás. E é o que mais
contribui para tornar o debate estéril e enganoso.
Lula esmera-se em agradar o sistema de poder real, como se a falta de
entendimento das reais questões nacionais não fosse sua marca
registrada, desde que foi inventado ao final do chamado regime militar. De
resto sempre cumulou de elogios as empresas transnacionais. Ele imagina, ou
finge, que poderá fazer alguma distribuição de renda sem
tocar no poder imperial. Os economistas do PT, liderados por um tal Mantega,
propõem uma política de vaselina. Dizem até que a
dívida externa não é problema. Classificam de burrice
(sic) a posição do candidato que propõe
renegociação. Ora, sem mencionar a colossal dimensão da
dívida interna, mais grave do que esta e a externa, juntas, é a
estrutura econômica dominada pelas transnacionais. Ela não
só gera o endividamento externo, que, sim, é problema, mas, mais
que isso, determina transferências, para o exterior, de recursos muito
mais vultosos do que os relativos somente aos juros da dívida externa.
Com Lula bem à frente nas "pesquisas", bancos estrangeiros
avaliam ter crescido o risco de deter títulos brasileiros, o que faz
aumentar o serviço da dívida externa. Divergem as
interpretações dessa avaliação. Decorreria da piora
nos fundamentos da economia (não atribuída pelos
"analistas" às suas verdadeiras causas)? Ou teria refletido o
temor do "mercado" em face da dianteira de Lula? A segunda
hipótese merece pouco crédito, embora a possível
vitória desse candidato deva acelerar a derrocada. Para cumprir antigas
promessas, um governo petista esfolaria ainda mais a mediana e a alta classe
média. É o que faz o atual governo. Para ele, como para o PT, os
ganhos dos concentradores são intocáveis. A diferença para
pior é que, com maior demanda social, e fontes de recursos secando, a
mordida na classe média tende a ser mais profunda.
Pode ser que até os analistas dos bancos percebam que isso agravaria a
crise. Estaria assim reforçada a terceira hipótese, aventada por
alguns comentaristas, de que se trataria de jogada para possibilitar a
continuação do Executivo atual, estuprando mais uma vez a
Constituição. De fato, conquanto o programa do PT também
seja agradável aos estrangeiros que controlam a política
econômica, muitos deles certamente são avessos a mudanças,
mesmo que só aparentes.
|*)
Adriano Benayon
,
Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha.
Autor de "Globalização versus Desenvolvimento".
Este artigo encontra-se em
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