Brasil: Governo intensifica perseguição política ao MST
e tenta acuar os movimentos sociais


Logo do MST O Movimento dos Sem Terra (MST), do Brasil, é um dos mais importantes movimentos sociais da América Latina. É também um dos movimentos mais ferozmente perseguidos pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Nesta entrevista, João Pedro Stédile, membro da coordenação nacional do MST, analisa as motivações reais porque se intensificam agora as tentativas para criminalizá-lo, num ano eleitoral. A entrevista foi concedida a Rodrigo Valente, do semanário Correio da Cidadania (edição 1-8/Jun/02).

Qual a sua avaliação sobre o avanço, nos últimos dias, da perseguição política ao MST?
João Pedro Stédile:
Há dois factores que se conjugaram nesse conjuntura. O primeiro é que, no último mandato, o governo FHC abandonou completamente a reforma agrária, mesmo como um programa de assistência social. Passou a adoptar a táctica de tentar derrotar politicamente o MST. Para isso, usou intensivamente os meios de comunicação, o Poder Judiciário, a Polícia Federal, o corte de recursos e um ministro falastrão. E agora, ao aproximar-se das eleições, a classe dominante sempre procura perseguir os movimentos sociais para mantê-los acuados e evitar que cresça a mobilização. Isto porque a luta social, em época de eleição, sempre resulta em votos para a oposição.
O companheiro Rainha e toda direcção regional do MST lá no Pontal do Paranapanema estão sendo vítimas de uma perseguição, resultante de uma conjuntura que uniu, os interesses dos fazendeiros locais e de algumas autoridades judiciais, que estão extrapolando seus poderes para fazer perseguição. E se aproveitam justamente da inércia do governo estadual, que em período eleitoral fica lento, para agir com violência e arbitrariedade. Os últimos mandatos de prisão são uma vergonha. O delegado pediu a prisão preventiva, de lideranças de um acampamento, por um conflito social entre famílias acampadas, que é comum, em várias regiões a onde há disputa sobre quem vai ser assentado. Em 24 horas, o promotor ampliou o pedido incluindo toda direcção regional do MST. E nas mesmas 24 horas o juiz, em sigilo, concedeu. Não há crime, não há flagrante, há uma denúncia espúria de que MST é formação de quadrilha, tese já derrubada no Supremo Tribunal de Justiça, ao classificar como justo o movimento social que luta pela reforma agrária, precisamente num processo que veio do Pontal. Essa perseguição é uma afronta aos movimentos sociais e fere gravemente a imagem do Poder Judiciário. Esperamos que o Tribunal de Justiça de São Paulo, recomponha a ordem. O Juiz de Teodoro é campeão nacional de autoritarismo e arbitrariedades.

Qual a sua visão sobre as sessões já realizadas do julgamento do massacre de Eldorado de Carajás?
JPS: Infelizmente para nós foi um tragédia que tirou a vida de 21 companheiros e deixou 64 feridos com sequelas para o resto da vida. O próprio massacre foi premeditado, aos soldados saírem sem identificação na farda e nas armas, e ao anunciarem, antes no quartel, que naquele dia os sem-terra comeriam bala! E depois ao longo do processo houve irregularidades que impediram que todos os responsáveis fossem condenados. Mesmo entre os réus, alguns estão sendo absolvidos. E o mais grave é que mesmo os condenados podem recorrer em liberdade. Esperamos que os julgamentos sejam novamente anulados, e que no futuro o processo seja julgado pela Justiça Federal, como está previsto na nova lei que o próprio governo federal encaminhou ao Congresso. A lei já passou pela Câmara em duas votações e agora aguarda no Senado.

Qual é o balanço do MST no que se refere à actuação do governo FHC na área da reforma agrária depois desses 8 anos de mandato?
JPS: O governo FHC foi uma tragédia para os trabalhadores rurais em geral, para os médios e pequenos agricultores. Os únicos que enriqueceram foram os fazendeiros vinculados às exportações. O governo está implementando um novo modelo agrícola, o chamado modelo norte-americano, que entregou comércio agrícola para empresas multinacionais, desnacionalizou a agroindústria, estimulou apenas as grandes fazendas do centro-oeste e inviabilizou a pequena agricultura. Nesse cenário não há espaço para a democratização da propriedade da terra porque ela deve vir necessariamente casada com uma agricultura voltada para o mercado interno, com o fortalecimento da agricultura familiar e com uma política de distribuição de renda na cidade. Portanto, o governo FHC será lembrado como um desastre para os sem-terra e para os pequenos agricultores do Brasil.

Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info

09/Jun/02