Vinho velho em pipa nova

por Mário Maestri [*]

A pipa é nova, mas o vinho pode não ser Em 4 de outubro, quase 94 dos mais de 115 milhões de eleitores registraram digitalmente nas urnas suas opções quanto à presidência da República, ao senado, à assembléia legislativa nacional e aos governos e assembléias regionais.

Com atraso em relação ao prometido, os resultados desse pleito inteiramente eletrônico revelaram que o presidente Fernando Henrique Cardoso, no seu segundo mandato, e os partidos de direita conheceram retrocesso ainda mais estrondoso do que o esperado.

Praticamente 77% dos eleitores votaram em candidatos presidencias que criticavam diretamente o governo. Inácio Lula da Silva, candidato da Frente Popular, obteve 46,6% dos sufrágios, duas vezes mais que o candidato governista José Serra. Mais alguns poucos pontos e teria vencido no primeiro turno.

O forte recuo da direita no governo foi geral. O PFL perdeu 14 deputados federais e o PMDB, 13. O PSDB, agremiação política de FHC e de José Serra, conheceu o mais forte enxugamento – 23 deputados a menos.

Maré Vermelha

O PT foi o grande privilegiado dessas eleições. Ao passar de 58 para 91 deputados, tornou-se o primeiro partido na assembléia legislativa brasileira [513 membros], cabendo-lhe regimentalmente a sua presidência. Na substituição parcial do senado, elegeu dez senadores.

Nas eleições aos governos estaduais, o PT venceu no primeiro turno no Acre e no Piauí, estados de escassa importância. Porém, disputa, em 27 de outubro, no segundo turno, o governo de sete estados e do Distrito Federal.

A grande surpresa foi a chegada à segunda volta eleitoral de José Genuíno, o candidato petista ao governo de São Paulo, coração industrial e financeiro do Brasil. Apesar de forte nas regiões metropolitanas, o PT jamais se implantara profundamente no interior paulista.

Foi também inesperada surpresa a maré de votos de Aluizio Mercadante, candidato ao senado por São Paulo – mais de dez milhões de sufrágios! O economista e dirigente petista tem sido crítico incessante de Pedro Malan, o pretencioso e prepotente ministro da Fazenda, homem forte de FHC e do grande capital no Brasil.

A hora petista

As primeira sondagens para o segundo turno apontam o franco favoritismo da Frente Popular. Situação que tende a se consolidar com o apoio dos dois ex-candidatos presidenciais – Garotinho e Ciro – e com a maré de adesões de políticos, empresários, intelectuais, etc., das mais diversas orientações político-ideológicas.

Em 27 de outubro, salvo inesperados acidentes de percurso, Luís Inácio Lula da Silva chegará à presidência do Brasil, após três tentativas fracassadas. Uma eventual maré de votos em Lula terá repercussão positiva nos pleitos majoritários estaduais em curso, em geral, e em São Paulo e Rio Grande do Sul, em particular.

O sentido objetivo e simbólico da vitória presidencial parece claro. Nos seus 180 anos de nação independente, o Brasil foi governado por dois imperadores e uma caterva de presidentes e ditadores. Esses generais, advogados e médicos, etc. governaram o país segundo os interesses das elites que os pariram.

Assim, por primeira vez na sua história, em radical subversão da normalidade, o Brasil pode ter como presidente um ex-metalúrgico, de limitados estudos formais, que ainda jovem abandonou o miserável Nordeste rural para tentar a sorte no coração industrializado do país.

Um novo amanhã

Ou seja, por primeira vez, os extensos poderes presidenciais podem cair em mãos de um político que ingressou na política, por baixo, organizando o movimento operário paulista, durante a Ditadura Militar, em fins dos anos 1970, e fundando a Central Única de Trabalhadores e o Partido dos Trabalhadores, em inícios de 1980.

A eventual vitória de Lula não levará as forças populares à presidência da República. Por além das aparências, o avanço eleitoral petista concluiu o já longo processo de esfacelamento da esquerda, em geral, e da esquerda operária e marxista, em particular, no Brasil. A garrava de Romanée-Conti aberta por Lula e seu marqueteiro em celebração à vitória no primeiro turno é expressão simbólica dessa realidade.

A vitória de Collor de Mello, em 1990, inaugurou o processo de privatização e internacionalização extremadas da economia brasileira, profundamente empantanada em processo de estagnação e depressão tendenciais desde os inícios de 1980, quando da terceira crise geral cíclica da produção capitalista mundial.

A partir de 1994, FHC sustentou a retomada das receitas neo-liberais através das privatiações e supervalorização cambial, profundamente simpática às classes média e superiores. Após sua reeleição, em 1988, desvalorizou a moeda, sustentando os déficits crescentes externos e internos com a captação de recursos, a taxas estratosféricas, fazendo explodir a dívida pública.

De joelhos

Nos últimos anos, o governo FHC limitou-se a seguir as receitas draconianas do FMI, ao qual recorreu, por três vezes, a fim de produzir superavits primários capazes de financiarem o pagamento da dívida internacional e nacional e garantir as crescentes e incessantes remessas de lucros produzidas por economia que se internacionaliza sem cessar.

Com a queda dos investimentos produtivos públicos e privados, as infra-estruturas nacionais prosseguiram degradando-se. A capa asfáltica das estradas, em geral de apenas duas pistas, esfarelam-se. Privatizado, o sistema de distribuição de energia elétrica foi submetido ao racionamento. E assim por diante.

As condições médias de existência da população caíram em picada – habitação, lazer, medicina, saúde, trabalho, etc. As grandes cidades brasileiras tornaram-se campos de batalha, onde o medo de perder a vida é apenas menor do que o temor de perder o trabalho.

País caracterizado pelas desigualdades sociais, jamais o Brasil conheceu diferenças tão abismais entre os poucos ricos e as multidões de pobres e miseráveis. Numa nação que prima pela não assistência pública ao cidadão, o salário de dezenas de milhões de brasileiros apenas ultrapassa os 50 euros, enquanto os preços dos gêneros de subsistência internacionalizam-se.

Apogeu e crise

Após a derrota histórica conhecida em inícios dos anos 1970, quando de ensaio de assalto armado ao poder por grupos da esquerda isolados da população, o movimento social e os partidos de esquerda iniciaram difícil processo de recomposição, em fins dos anos 1970, nos últimos anos da Ditadura Militar.

As grandes mobilizações dos trabalhadores metalúrgicos paulistas, capitaneada por Luís Inácio Lula da Silva, em 1976 e 1977, e a disseminação do movimento grevista no Brasil, em 1979, aceleraram o fim da Ditadura Militar e a formação, poucos anos depois, da CUT, do MST e do PT, inicialmente orientados num sentido classista e popular.

O PT nasceu da convergência de militantes do sindicalismo classistas; da esquerda católica; da esquerda marxista; de organizações militaristas dissolvidas, etc. A bandeira vermelha e a estrela de cinco pontas assinalavam orientação socialista geral jamais realmente discutida e pactuada.

Em fins de 1980, a vitória da contra-revolução liberal mundial deprimiu fortemente uma esquerda fragilizada pela longa estagnação e 'reestruturação' produtiva em curso que fez recuar as grandes empresas industriais e de serviços, debilitando o processo de reorganização sindical e político.

A essência e a consciência

O longo e profundo refluxo do movimento social dos anos 1990 terminou consolidando a hegemonia colaboracionista da CUT e eleitoreira do PT. Sob a proposta de rejeição de organização de inspiração marxista , institucionalizou-se organização partidária tradicional que dispensou a integração do afiliado a organismo de base.

o recuo crescente do militante petista, o PT foi rapidamente controlado por quadros direta ou indiretamente vinculados às posições crescentemente conquistadas na administração do Estado, primeiro municipal, a seguir estadual e, agora, possivelmente federal.

um quadro nacional de desemprego e subemprego endêmicos, multidões de militantes e ativistas sociais, integrados ao Estado, assumiram a defesa da governabilidade da administração, visto dependerem agora suas subsistências do controle de esferas do Estado.

Nesse processo, os programas de modificações sociais estruturais foram substituídos, inicialmente, pela defesa de melhorias parciais para, a seguir, transformar-se em simples compromisso com a gestão, com espírito social, de uma ordem capitalista que, nos fatos, sequer admite políticas estatais distributivas e assistencialista.

Esquerda do centro

Os partidos operários europeus converteram-se à social-democracia e, a seguir, ao social-liberalismo, em confronto intermitente com setores operários e populares detentores de forte organização e tradição de luta. No Brasil, esse processo deu-se em forma mais rápida e mais profunda, devido à frágil tradição sindical e operária nacional.

Da posição de centro-esquerda que ocupou nos últimos anos, o PT tem evoluído, sem maiores resistências externas e internas, para sua atual posição de esquerda do centro . Processo que tem facilitado seu domínio crescente do aparelho estatal, na medida em que a população descrê, mais e mais, das políticas de centro-direita e direita, abalada pela situação de existência que conhece.

Na prossecução desse processo, à medida que se aprofundava a crise econômica, social e governamental, a campanha presidencial petista limitou-se a uma ininterrupta renúncia das antigas posições programáticas, em prol da aceitação da candidatura da Frente Popular pelo grande capital nacional e internacional.

O fim de uma era

As tradicionais propostas programáticas petistas foram negadas: a luta anti-imperialista; o desenvolvimento da área produtiva estatal; a recuperação das privatizações; a liquidação do latifúndio; a auditoria soberana da dívida nacional e internacional, etc.

Na contramão dos compromissos passados, prometeu-se referendar os acordos com o FMI; manter a política de expropriação fiscal e salarial nacional; prosseguir o pagamento do grande capital financeiro nacional e internacional; respeitar o latifúndio, etc.

Há poucas semanas, o PT retirou-se de plebiscito nacional sobre a participação brasileira na ALCA e concessão de base militar em Alcântara aos norte-americanos, para não identificar-se com o anti-imperialismo. Nos últimos dias, tem proposto níveis de independência para o Banco Central; financiamento do mercado de ações com recursos dos trabalhadores – FGTS e FAT; estímulo a fundos de pensão privados; discussão consertada das leis trabalhista, etc.

Em país em que os vice-presidentes abiscoitam comumente a faixa presidencial, escolheu-se oportunística e irresponsavelmente José Alencar para candidato à vice-presidência. O grande empresário conservador representa, na Frente Popular, o Partido Liberal, legenda de aluguel da Igreja Universal do Reino de Deus, multinacional dedicada à exploração da desesperança popular!

Integralismo legitimado

Em grande parte devido à associação com o PT, os bispos evangélicos do PL elegeram 26 deputados federais. Aliados a deputados evangélicos de outras legendas, certamente utilizarão a nova força política para obterem vantagens econômicas e legislação fundamentalista – contra o laicismo estatal; contra o aborto; contra os direitos dos homossexuais, etc.

No primeiro turno, empurrada por crise semi-paroxímica, a campanha presidencial da Frente Popular desenvolveu-se no contexto de profunda e geral despolitização, com uma quase nula diferenciação das propostas dos candidatos concorrentes. O que permitiu a adesão precoce à candidatura Lula de políticos das velhas oligarquias, em dissidência com o governo.

Apenas dez dias após o fim do primeiro turno, para desespero de José Serra, candidato governista, a administração FHC aumentou a taxa básica do juro para 21 ao ano, a mais elevada do mundo – 2,5% na Inglaterra e nos USA –, tentando acalmar, com mais recessão, pressão inflacionária nascida da inarrestável desvalorização do real e conseqüente encarecimento dos meios de produção e dos insumos importados.

Apesar do abatimento programático e das vastas e gerais garantias dadas ao grande capital nacional e internacional, a eventual vitória da Frente Popular vem despertando importantes expectativas entre diversos segmentos da esquerda brasileira – católica, marxista, trotskista, etc.

Frente-populismo trotskista

No interior do PT, a corrente “O Trabalho” apoiou ativamente a candidatura da Frente Popular, apostando em desbordamento do programa liquidacionista motivado por mobilização da população galvanizada pela vitória de Lula. Esse grupo trotskista defende que com a vitória petista os trabalhadores se mobilizarão contra o pagamento da dívida, contra a adesão à Alca, pelo fim do latifúndio, etc.

Apesar de atacado duramente pela direção petista devido sua luta incessante contra o latifúndio, o próprio MST interrompeu a ocupação de terras para facilitar a vitória de Lula. Sobretudo nos últimos tempos, o MST tem-se mobilizado crescentemente pela vitória de proposta política que, há muito, nega na prática, em forma conseqüente.

Segmentos da esquerda católica, críticos do abandono petista do programa popular, sustaram sua passada dissidência, apoiando ativamente a candidatura da Frente Popular. Intelectuais de esquerda de origem marxista e católica têm chegado à semi-beatificação da candidatura e do candidato petista.

Afastada nos fatos do jogo eleitoral, a esquerda brasileira tem enfatizado o impulso político, social e organizativo que, acredita, nasceria inevitavelmente da eleição de Luís Inácio Lula da Silva. Nesse sentido, esquece que, provavelmente, a eventual vitória presidencial da Frente Popular apenas repetirá, no Brasil, os processos determinados, regionalmente, pela vitória, em 1998, de Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul.

Dejà vu

A gestão da Frente Popular do Rio Grande, em 1999-2002, constitui possível antecipação tendencial do governo petista do Brasil. Sede dos Fóruns Sociais Mundiais, com a capital Porto Alegra controlada há 14 anos pela esquerda, o Rio Grande possui o mais organizado, conseqüente e sólido PT do Brasil.

Em 1988, em acirrado segundo turno, Olívio Dutra, sindicalista classista e fundador do PT e da CUT, de grande prestígio nacional e regional, dobrou a tentativa de reeleição de Antônio Britto, que implementara o desmonte neo-liberal da relativamente desenvolvida economia e sociedade sulina.

O novo governo despertou grandes expectativas. Em verdade, a população pedia pouco. Queria avanços na educação, saúde, emprego, reforma agrária, qualidade de vida. Queria as estradas estaduais desprivatizadas; o fim da indústria das multas automobilísticas; aumento para o funcionalismo. Alguns sonhavam com o início da recuperação do privatizado e na fundação de sólida universidade estadual.

O governo Olívio Dutra pretendia ser a vitrine do PT no Brasil. Para satisfazer as reivindicações populares, era necessário deslocar recursos tradicionalmente alocados às elites regionais. Impunha-se sobretudo a interrupção do pagamento da dívida estadual , que abocanha a maior parte da poupança regional. Para tal, era necessário enfrentar a FHC, o preposto do grande capital.

Tudo como antes

Sob o argumento da defesa da "governabilidade", a Frente Popular sulina optou pelo caminho mais fácil. Respeitou as privatizações. Pagou religiosamente a dívida. Arrochou o salário dos funcionários. Prosseguiu o financiamento público dos interesses privados. Apoiou tibiamente a reforma agrária. Pouco investiu na área social. Implantou fantasma de universidade estadual.

Tão melancólico foi o final da gestão que o PT preferiu concorrer com Tarso Genro, com maior apoio entre os segmentos sociais altos e médios-altos, e não reapresentar à reeleição Olívio Dutra, o mais expressivo representante das lutas sindicais sul-rio-grandenses nos anos 1970 e 1980.

A campanha da Frente Popular no Rio Grande baseou-se na proposta do menor mal. Ou seja, denunciou incessantemente o perigo de maior retrocesso no caso da eleição de Antônio Britto. Candidato pelo PPS, o antigo PCB convertido à legenda de aluguel, Antônio Britto jurou diante da mídia que pusera fim a sua fase liberal-privatista.

Aproveitando o hiato existente entre a rejeição aos governos de Antônio Britto e de Olívio Dutra, Germano Rigotto, candidato azarão do PMDB e ex-líder de FHC na Câmara, arrancou da terceira posição, terminando o primeiro turno com 41,2% dos sufrágios, contra 37,3% de Tarso. Somada, a votação da direita supera os 60% dos votos. Portanto, em 2002, a votação da esquerda recuou em relação a 1994 e 1998!

Difícil conjuntura

O Rio Grande do Sul possui economia diversificada, centrada na pequena e média indústria, em geral ligadas ao setor primário agro-pastoril. A desvalorização cambial do início da segunda gestão FHC favoreceu relativamente a economia sulina, permitindo crescimento industrial e sobretudo agrícola nada espetaculares, mas superiores à média nacional.

Os cenários nacional e internacional sugerem que a Frente Popular não conhecerá na presidência a mesma bonança. Estima-se para 2003 desenvolvimento do PIB brasileiro abaixo de 2%. Caso não rompa os compromissos com o grande capital nacional e internacional, a Frente Popular terá necessariamente que prosseguir e, eventualmente, aprofundar as medidas neo-liberais em aplicação.

A chegada do PT ao governo do Rio Grande não motivou maior organização social. Ao contrário, garantiu quatro anos de relativa “paz social”, através da pacificação de movimento popular fragilizado e, em boa parte, dirigido pelos partidos no poder. A vitória presidencial da Frente Popular integrará ao Estado dezenas e dezenas de milhares de militantes sociais.

Em 10 de outubro, referindo-se ao já consolidado processo de cooptação de quadros de esquerda pelo Estado, o jornalista Sérgio Gobetti, do conservador diário Estado de São Paulo, lembrou ironicamente que o “convite para que [petistas] ´radicais´ integrem o governo Lula não é um perigo, mas – talvez – uma solução”.

Banqueiro Vermelho

Sérgio Gobetti lembrou que, no Rio Grande, Arno Augustin, secretário da Fazenda, representante da tendência Democracia Socialista, ligada à IV Internacional, manteve os cofres públicos trancados aos investimentos e gastos públicos, assegurando o pagamento da dívida e o financiamento de investimentos privados. Augustin tem sido elogiado por organismos patronais e internacionais.

Em 1970, no Chile, a eleição de Salvador Allende despertou imensa mobilização social, porque a vitória presidencial expressava já ascensão de movimento popular fortemente organizado e combativo, embalado por programa tendencialmente anti-imperialista, anti-latifundiária e anti-capitalista da Unidade Popular.

A recente eleição do socialista Lagos, no mesmo Chile, com programa claramente derrotista, não assegurou sequer recuperação parcial dos direitos políticos e sociais perdidos quando da Ditadura Militar. A substituição de Menen, o FHC argentino, por De La Rua, resultou no desastre que ainda submerge a população argentina, diante de sua negativa de romper com o FMI e o grande capital.

A quase inexistência de uma esquerda classista fora do PT aumenta dois riscos. Primeiro, que o governo da Frente Popular faça retroceder, e não avançar, a organização e a autonomia do movimento social. Segundo, que medidas anti-populares inevitáveis no caso de uma não ruptura com o grande capital abatam a confiança da população nas soluções sociais da crise brasileira.

Criticos Petistas

O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, de orientação trotskista, principal organização nacional de esquerda revolucionária fora da Frente Popular, participou das eleições com candidato próprio, o ex-metalúrgico José Maria, deixando claro seu apoio ao PT no segundo turno.

Apesar de ter bordejado o um milhão de votos, o PSTU terminou ingloriamente recebendo pouco mais de 400 mil sufrágios – 0,47 % –. Um terço dos votos obtidos por Eneas, candidato tresloucado de extrema direita à câmara federal por São Paulo, que também dispunha de mini-tempo de propaganda gratuita rádio-televisiva.

O PSTU não elegeu sequer um deputado estadual ou federal. Seu candidata ao governo do politizado Estado no Rio Grande do Sul, em pleito em que o voto útil não desempenhou papel maior, obteve menos de sete mil votos, insuficientes para eleger um vereador em Porto Alegre!

O minúsculo Partido da Causa Operária, também trotskista, lançou Rui Pimenta à presidência, obtendo 38,5 mil votos – 0,05% – em todo o Brasil. Em forma geral, os demais partidos e movimento de esquerda encontram-se aninhados no interior do PT ou associados a ele na Frente Popular, sem jamais conseguirem – ou tentarem – diferenciar-se das políticas colaboracionistas hegemônicas. Nesse quadro geral, a constituição de pólo classista de esquerda encontra-se quase inteiramente nas mãos do próprio movimento social.

Eleição virtual

A partida eleitoral presidencial ainda não se encontra definida. Mesmo que o apoio crescente de políticos da direita tradicional assinalem o deslocamento de importantes setores das elites proprietárias em direção à candidatura petista, José Serra continua candidato preferencial do grande capital nacional e internacional.

Nos últimos meses, o velho líder populista Leonel Brizolla tentou inutilmente mobilizar os candidatos, em geral, e a Frente Popular, em particular, para que exigissem maior transparência quanto a uma eleição eletrônica realizada sob o comando do não confiável presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Nélson Jobim é reconhecido amigo pessoal e político de José Serra.

Nos últimos dias, informáticos e analistas políticos assinalam a pouca fiabilidade do cômputo final do primeiro turno. Ainda mais que o somatório final de Lula do Tribunal Superior Eleitoral foi inferior aos levantamentos de boca de urna, além mesmo das estimativas de erro. A Frente Popular pode estar concorrendo, no segundo turno, eleição já ganha no primeiro.

Uma eventual manipulação dos resultados eleitorais exige que José Serra se aproxime de Luís Inácio Lula da Silva, o que não ocorreu até agora. Essa aproximação depende sobretudo da criação de situação artificial de pânico entre os eleitores. Alguns ensaios de movimentos são sentidos nesse sentido.

Caso ocorram essa aproximação e manipulação, a democracia representativa estaria pagando muito caro pela redemocratização conservadora pactuada em 1984. Não devemos esquecer que os jovens tenentes e capitães que sujaram de sangue as mãos na repressão anti-popular quando da Ditadura Militar são hoje coroneis, majores e generais da ativa, prontos para o que for necessário. [17.10.2002]

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[*] Historiador brasileiro. Email: maestri@via-rs.net

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

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