Momento decisivo para Lula
A crise mundial atual, persistente, é caracterizada por um quadro de
constante preparação guerreira, da parte do imperialismo
norte-americano, e de tendência recessiva nos países centrais,
sobretudo nos Estados Unidos. Os acontecimentos sugerem a
evolução de uma crise do hegemonismo estadunidense,
crescentemente contestado. Na Conferência "Rio+10", realizada
em Joanesburgo, Colin Powel, representando o presidente George W. Bush, foi
aparteado por vaias sucessivas dos presentes. O repúdio ao assalto
sobre o Iraque se amplia por toda parte.
Os últimos dias têm sido sacudidos pela preparação
política e militar do ataque norte-americano ao Iraque.
Bush está decidido a derrubar o governo iraquiano por meio da
intervenção militar, seguindo sua linha traçada desde o 11
de setembro do ano passado. Depois de vencida a Guerra Fria, um novo conceito
de segurança nacional é introduzido pelos EUA: o de "guerra
preventiva". Este consiste na definição de uma
política hegemonista expressa no unilateralismo e na força bruta,
em desrespeito ao Direito Internacional, superando na prática o papel
decisório dos fóruns internacionais e negando o princípio
da soberania nacional.
Mas, é importante salientar, o contexto mundial atual, marcado pela
crescente agressividade do imperialismo norte-americano, revela o crescimento
das contradições entre este e as outras potências e o
isolamento no âmbito internacional do governo Bush. Rússia, China,
França, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a
Alemanha são contrários a essa investida guerreira imperialista.
Nova crítica à política externa estadunidense surgiu pela
pretensão de imunidade para seus militares nos processos movidos por
crimes de guerra nos países signatários do Tribunal Penal
Internacional. Essas contradições interpotências
capitalistas fazem parte também de um sistema que abrange a realidade
econômica e financeira vincada por um processo recessivo de longa
duração no Japão, podendo acontecer agora o mesmo com os
Estados Unidos, condicionando uma situação de
semi-recessão na Europa. A situação presente está
envolta pela instabilidade e tensão permanentes. Um conflito
bélico no Oriente Médio vai agravar os riscos econômicos
atuais. O preço do petróleo pode ultrapassar os US$ 40,00 por
barril, imediatamente.
Delicada conjuntura brasileira
Esse contexto mundial de preparação guerreira e
semi-recessão tem maior impacto num país dependente e com uma
economia muito vulnerável como o Brasil. A dívida pública
passou da casa dos 60% do PIB. O dólar não recua do patamar dos
R$ 3,00. Elevam-se os preços internos. A taxa de crescimento
está sendo revista sempre para baixo (a previsão do governo
é de 1,5% do PIB). A crise financeira e cambial torna-se crônica.
A governabilidade interna subordina-se mais ainda ao FMI. Os últimos
acontecimentos vão descobrindo detalhes do terceiro acordo celebrado
pelo governo FHC e este Fundo, revelando com toda inteireza o seu
caráter profundamente lesivo ao país. Os novos detalhes
confirmam que o governo fez trapaça. Não abriu inteiramente o
jogo. O superávit primário fiscal vai além dos 3,75%
anunciados, chegando a quase 3,90% (adicional de R$ 1,7 mil milhões),
além de vir à tona exigências impostas de venda dos bancos
estatais do Ceará, Piauí, Santa Catarina e Maranhão. O
FMI ordena que se crie um fundo privado de pensão para os
funcionários públicos e se retire o efeito cascata sobre o
PIS/PASEP. Há interferência direta nas políticas
públicas do país e exigência de esforço extra no
caso de "trajetórias desfavoráveis", implicando na
necessidade de "superávit primário mais elevado" para
estabilizar a relação dívida/PIB em 2003. São
estabelecidos critérios de desempenho (CDs) e parâmetros
estruturais (PEs), que visam "ditar" em quais reformas o governo
brasileiro deve se empenhar, ampliando mais ainda a ingerência do Fundo
nas políticas internas do país.
Torna-se evidente que esse novo acordo impõe mais pesados
sacrifícios ao povo brasileiro, ao contrário do que propalavam
Malan e o candidato do governo, José Serra, afirmando não existir
"nenhum esforço adicional". Esse pacote vai impor maior
recessão, em função da sua linha contracionista, distinta
das políticas expansionistas seguidas pelos países centrais que,
diante da recessão, assumem uma orientação de realizar
mais despesas, baixar os juros e estabelecer maior facilidade de
crédito. Trata-se de uma situação completamente injusta,
em que os grandes países capitalistas procuram pôr de joelhos uma
nação dependente, refletindo nitidamente a lei de desenvolvimento
desigual do mundo dito globalizado. Ademais, esse imenso sacrifício
não reverteu o quadro de descrédito na economia do Brasil. Os
grandes bancos estrangeiros continuam negando créditos às
empresas brasileiras e o denominado "risco-país" não
cede do seu elevado patamar.
Fica claro que o encontro dos presidenciáveis com Fernando Henrique foi
mesmo uma encenação. Malan e FHC contaram pela metade a dura
verdade, procurando ganhar os candidatos, para dizer ao FMI que os mesmos
não se oporiam ao acordo. O objetivo central desse acordo é
comprometer o futuro governo com a continuidade da política
econômica e a aceitação dos compromissos já
assumidos com os grandes credores e bancos norte-americanos. Tal acordo se
estende para além de 2002, impondo ao próximo governante o regime
de extrema contenção fiscal, tendo o mesmo que cortar, segundo
previsão atual, mais de R$ 13 bilhões em 2003. Sem o cumprimento
desta meta, os R$ 24 mil milhões acordados, que garantiriam a
estabilidade, estarão ameaçados.
A crise persiste, e grave. O governo propala que a situação se
atenua, porque o déficit em conta corrente diminui (cai para US$ 18 mil
milhões) bem dito, à custa da estagnação
econômica. Mas o problema central reside na conta de capital do
balanço de pagamentos amortizações da dívida
e investimentos , que soma mais de US$ 32 mil milhões em 2002. As
empresas devedoras vêm sendo obrigadas a resgatar dívidas que
não mais são roladas, com a "evaporação"
dos créditos externos. A fuga de capitais de curto prazo,
através da conta CC5, alcançou em agosto US$ 1,633 mil
milhão, valor cinco vezes maior que o do mesmo mês do ano passado.
O Banco Central lança mão das parcas reservas para cobrir o
buraco.
Por isso, o risco de insolvência se mantém. A
situação é mais grave em decorrência do quadro de
crise mundial preparativos bélicos e tendência recessiva
, tudo isso condicionando na esfera política uma
evolução oscilante da campanha eleitoral presidencial deste ano,
de resultado imprevisível.
Definições na marcha eleitoral
A partir deste momento, uma tendência mais definida da marcha eleitoral
pode começar a se explicitar. Ainda não se pode concluir que o
pleito se fará em dois turnos ou quem serão precisamente seus
dois contendores. Os problemas tratados na campanha presidencial e estadual
refletem a dimensão da crise vivida pelo país, apesar de
não exprimir o grau de gravidade da situação em curso e de
ganhar relevo muitas vezes questões marginais ou relativas ao
comportamento dos candidatos.
Costuma-se dizer que o povo é "apegado ao retalho". Mas
é no chamado retalho, afinal, que a vida do povo é afetada,
expressando aí a gravidade da situação mundial e nacional.
A questão é como relacionar a parte com o todo, os efeitos com
suas causas verdadeiras. Na batalha eleitoral majoritária, numa escala
nacional, como a presidencial, trata-se de ganhar a maioria do povo, envolvendo
todas as regiões do país e as classes sociais de cima,
intermediária e de baixo os chamados segmentos A, B, C e D.
Não é como disputar uma eleição proporcional, onde
basta atingir um setor ou parte da população para alcançar
o êxito. Ademais, é preciso frisar que hoje a vasta maioria da
população assimila que o Brasil é interdependente no
mundo, tanto do ponto de vista econômico como político, conforme
apontam pesquisas qualitativas recentemente realizadas.
O nível da batalha atual compreende, portanto, mensagem para todo o
povo, baseada no programa comum celebrado na Coligação Lula
Presidente, com o PT e demais partidos, e mensagens próprias do PCdoB,
preservada a relação de unidade no âmbito de frente
política, através dos seus instrumentos de propaganda e dos seus
candidatos às eleições proporcionais e
majoritárias. Por exemplo, o Partido não pode se omitir sobre a
dimensão da gravidade do quadro mundial e brasileiro, acerca da
formalização do acordo com o FMI, a respeito dos preparativos
guerreiros dos Estados Unidos contra o Iraque, sobre a ameaça que pesa
sobre o Brasil com o acordo da Alca, etc.
A campanha presidencial tem se caracterizado pela oscilação
retratada nas pesquisas de opinião. A menos de 30 dias do pleito, Lula
mantém-se na frente e distante dos demais, Ciro cai de forma constante,
Serra sustenta um crescimento lento, podendo ainda ter avanço nos
segmentos que apóiam Fernando Henrique (FHC tem 25% de ótimo e
bom junto à opinião pública). Cresce o número de
indecisos. Lula ganharia de Ciro e Serra nas projeções de segundo
turno. As rejeições entre os candidatos se igualam.
O governo, os setores dominantes mais interessados na continuidade e a maior
parte da mídia fizeram uma ofensiva contra Ciro. Com a queda deste
último, agora fazem um "fogo de barragem" em
proteção a FHC e seu candidato, Serra, e preparam um "fogo
de ataque" concentrado sobre Lula. Não se pode subestimar o poder
nocivo e destrutivo dessa gente, que tudo fará para impor seus
interesses e privilégios.
Vitória no primeiro turno
O quadro atual da campanha demonstra que Lula tem condições
potenciais de ganhar ainda no primeiro turno das eleições. Ele
pode atrair parcela dos indecisos e dos candidatos em descenso. Lula se
encontra na frente em quase todos os estados e em todos os segmentos. Seu
discurso tem sido o necessário ao nível da batalha em curso,
guardadas as diferenças de posição entre o PCdoB e o PT.
As iniciativas de ampliar os palanques estaduais por parte do comando do PT
têm sido ativas e crescentes, apesar das incompreensões e
resistências petistas locais e do jogo de cinismo político da
mídia em tentar colocar o PT na defensiva.
Quais os temas ou as marcas da campanha presidencial de Lula, que o diferenciam
dos demais candidatos diante do grande público? Na nossa
opinião, são: emprego, defesa do país e capacidade de
realizar a união necessária para o Brasil voltar a crescer. Esse
parecer foi expresso no artigo "Só Lula é capaz de unir o
Brasil", publicado no Portal
Vermelho
. É possível, trabalhando esse diferencial, ampliar a
votação de Lula e garantir sua vitória ainda no primeiro
turno.
[*]
Presidente do Partido Comunista do Brasil. Intervenção realizada
na 7ª
reunião da Comissão Política do Partido, em 09/09/02
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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