Momento decisivo para Lula

por Renato Rabelo [*]

Luís Inácio da Silva, 'Lula' A crise mundial atual, persistente, é caracterizada por um quadro de constante preparação guerreira, da parte do imperialismo norte-americano, e de tendência recessiva nos países centrais, sobretudo nos Estados Unidos. Os acontecimentos sugerem a evolução de uma crise do hegemonismo estadunidense, crescentemente contestado. Na Conferência "Rio+10", realizada em Joanesburgo, Colin Powel, representando o presidente George W. Bush, foi aparteado por vaias sucessivas dos presentes. O repúdio ao assalto sobre o Iraque se amplia por toda parte.

Os últimos dias têm sido sacudidos pela preparação — política e militar — do ataque norte-americano ao Iraque. Bush está decidido a derrubar o governo iraquiano por meio da intervenção militar, seguindo sua linha traçada desde o 11 de setembro do ano passado. Depois de vencida a Guerra Fria, um novo conceito de segurança nacional é introduzido pelos EUA: o de "guerra preventiva". Este consiste na definição de uma política hegemonista expressa no unilateralismo e na força bruta, em desrespeito ao Direito Internacional, superando na prática o papel decisório dos fóruns internacionais e negando o princípio da soberania nacional.

Mas, é importante salientar, o contexto mundial atual, marcado pela crescente agressividade do imperialismo norte-americano, revela o crescimento das contradições entre este e as outras potências e o isolamento no âmbito internacional do governo Bush. Rússia, China, França, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha são contrários a essa investida guerreira imperialista.

Nova crítica à política externa estadunidense surgiu pela pretensão de imunidade para seus militares nos processos movidos por crimes de guerra nos países signatários do Tribunal Penal Internacional. Essas contradições interpotências capitalistas fazem parte também de um sistema que abrange a realidade econômica e financeira vincada por um processo recessivo de longa duração no Japão, podendo acontecer agora o mesmo com os Estados Unidos, condicionando uma situação de semi-recessão na Europa. A situação presente está envolta pela instabilidade e tensão permanentes. Um conflito bélico no Oriente Médio vai agravar os riscos econômicos atuais. O preço do petróleo pode ultrapassar os US$ 40,00 por barril, imediatamente.

Delicada conjuntura brasileira

Esse contexto mundial de preparação guerreira e semi-recessão tem maior impacto num país dependente e com uma economia muito vulnerável como o Brasil. A dívida pública passou da casa dos 60% do PIB. O dólar não recua do patamar dos R$ 3,00. Elevam-se os preços internos. A taxa de crescimento está sendo revista sempre para baixo (a previsão do governo é de 1,5% do PIB). A crise financeira e cambial torna-se crônica. A governabilidade interna subordina-se mais ainda ao FMI. Os últimos acontecimentos vão descobrindo detalhes do terceiro acordo celebrado pelo governo FHC e este Fundo, revelando com toda inteireza o seu caráter profundamente lesivo ao país. Os novos detalhes confirmam que o governo fez trapaça. Não abriu inteiramente o jogo. O superávit primário fiscal vai além dos 3,75% anunciados, chegando a quase 3,90% (adicional de R$ 1,7 mil milhões), além de vir à tona exigências impostas de venda dos bancos estatais do Ceará, Piauí, Santa Catarina e Maranhão. O FMI ordena que se crie um fundo privado de pensão para os funcionários públicos e se retire o efeito cascata sobre o PIS/PASEP. Há interferência direta nas políticas públicas do país e exigência de esforço extra no caso de "trajetórias desfavoráveis", implicando na necessidade de "superávit primário mais elevado" para estabilizar a relação dívida/PIB em 2003. São estabelecidos critérios de desempenho (CDs) e parâmetros estruturais (PEs), que visam "ditar" em quais reformas o governo brasileiro deve se empenhar, ampliando mais ainda a ingerência do Fundo nas políticas internas do país.

Torna-se evidente que esse novo acordo impõe mais pesados sacrifícios ao povo brasileiro, ao contrário do que propalavam Malan e o candidato do governo, José Serra, afirmando não existir "nenhum esforço adicional". Esse pacote vai impor maior recessão, em função da sua linha contracionista, distinta das políticas expansionistas seguidas pelos países centrais que, diante da recessão, assumem uma orientação de realizar mais despesas, baixar os juros e estabelecer maior facilidade de crédito. Trata-se de uma situação completamente injusta, em que os grandes países capitalistas procuram pôr de joelhos uma nação dependente, refletindo nitidamente a lei de desenvolvimento desigual do mundo dito globalizado. Ademais, esse imenso sacrifício não reverteu o quadro de descrédito na economia do Brasil. Os grandes bancos estrangeiros continuam negando créditos às empresas brasileiras e o denominado "risco-país" não cede do seu elevado patamar.

Fica claro que o encontro dos presidenciáveis com Fernando Henrique foi mesmo uma encenação. Malan e FHC contaram pela metade a dura verdade, procurando ganhar os candidatos, para dizer ao FMI que os mesmos não se oporiam ao acordo. O objetivo central desse acordo é comprometer o futuro governo com a continuidade da política econômica e a aceitação dos compromissos já assumidos com os grandes credores e bancos norte-americanos. Tal acordo se estende para além de 2002, impondo ao próximo governante o regime de extrema contenção fiscal, tendo o mesmo que cortar, segundo previsão atual, mais de R$ 13 bilhões em 2003. Sem o cumprimento desta meta, os R$ 24 mil milhões acordados, que garantiriam a estabilidade, estarão ameaçados.

A crise persiste, e grave. O governo propala que a situação se atenua, porque o déficit em conta corrente diminui (cai para US$ 18 mil milhões) — bem dito, à custa da estagnação econômica. Mas o problema central reside na conta de capital do balanço de pagamentos — amortizações da dívida e investimentos —, que soma mais de US$ 32 mil milhões em 2002. As empresas devedoras vêm sendo obrigadas a resgatar dívidas que não mais são roladas, com a "evaporação" dos créditos externos. A fuga de capitais de curto prazo, através da conta CC5, alcançou em agosto US$ 1,633 mil milhão, valor cinco vezes maior que o do mesmo mês do ano passado. O Banco Central lança mão das parcas reservas para cobrir o buraco.

Por isso, o risco de insolvência se mantém. A situação é mais grave em decorrência do quadro de crise mundial — preparativos bélicos e tendência recessiva —, tudo isso condicionando na esfera política uma evolução oscilante da campanha eleitoral presidencial deste ano, de resultado imprevisível.
Definições na marcha eleitoral
A partir deste momento, uma tendência mais definida da marcha eleitoral pode começar a se explicitar. Ainda não se pode concluir que o pleito se fará em dois turnos ou quem serão precisamente seus dois contendores. Os problemas tratados na campanha presidencial e estadual refletem a dimensão da crise vivida pelo país, apesar de não exprimir o grau de gravidade da situação em curso e de ganhar relevo muitas vezes questões marginais ou relativas ao comportamento dos candidatos.

Costuma-se dizer que o povo é "apegado ao retalho". Mas é no chamado retalho, afinal, que a vida do povo é afetada, expressando aí a gravidade da situação mundial e nacional. A questão é como relacionar a parte com o todo, os efeitos com suas causas verdadeiras. Na batalha eleitoral majoritária, numa escala nacional, como a presidencial, trata-se de ganhar a maioria do povo, envolvendo todas as regiões do país e as classes sociais de cima, intermediária e de baixo — os chamados segmentos A, B, C e D.

Não é como disputar uma eleição proporcional, onde basta atingir um setor ou parte da população para alcançar o êxito. Ademais, é preciso frisar que hoje a vasta maioria da população assimila que o Brasil é interdependente no mundo, tanto do ponto de vista econômico como político, conforme apontam pesquisas qualitativas recentemente realizadas.

O nível da batalha atual compreende, portanto, mensagem para todo o povo, baseada no programa comum celebrado na Coligação Lula Presidente, com o PT e demais partidos, e mensagens próprias do PCdoB, preservada a relação de unidade no âmbito de frente política, através dos seus instrumentos de propaganda e dos seus candidatos às eleições proporcionais e majoritárias. Por exemplo, o Partido não pode se omitir sobre a dimensão da gravidade do quadro mundial e brasileiro, acerca da formalização do acordo com o FMI, a respeito dos preparativos guerreiros dos Estados Unidos contra o Iraque, sobre a ameaça que pesa sobre o Brasil com o acordo da Alca, etc.

A campanha presidencial tem se caracterizado pela oscilação retratada nas pesquisas de opinião. A menos de 30 dias do pleito, Lula mantém-se na frente e distante dos demais, Ciro cai de forma constante, Serra sustenta um crescimento lento, podendo ainda ter avanço nos segmentos que apóiam Fernando Henrique (FHC tem 25% de ótimo e bom junto à opinião pública). Cresce o número de indecisos. Lula ganharia de Ciro e Serra nas projeções de segundo turno. As rejeições entre os candidatos se igualam.

O governo, os setores dominantes mais interessados na continuidade e a maior parte da mídia fizeram uma ofensiva contra Ciro. Com a queda deste último, agora fazem um "fogo de barragem" em proteção a FHC e seu candidato, Serra, e preparam um "fogo de ataque" concentrado sobre Lula. Não se pode subestimar o poder nocivo e destrutivo dessa gente, que tudo fará para impor seus interesses e privilégios.

Vitória no primeiro turno

O quadro atual da campanha demonstra que Lula tem condições potenciais de ganhar ainda no primeiro turno das eleições. Ele pode atrair parcela dos indecisos e dos candidatos em descenso. Lula se encontra na frente em quase todos os estados e em todos os segmentos. Seu discurso tem sido o necessário ao nível da batalha em curso, guardadas as diferenças de posição entre o PCdoB e o PT. As iniciativas de ampliar os palanques estaduais por parte do comando do PT têm sido ativas e crescentes, apesar das incompreensões e resistências petistas locais e do jogo de cinismo político da mídia em tentar colocar o PT na defensiva.

Quais os temas ou as marcas da campanha presidencial de Lula, que o diferenciam dos demais candidatos diante do grande público? Na nossa opinião, são: emprego, defesa do país e capacidade de realizar a união necessária para o Brasil voltar a crescer. Esse parecer foi expresso no artigo "Só Lula é capaz de unir o Brasil", publicado no Portal Vermelho . É possível, trabalhando esse diferencial, ampliar a votação de Lula e garantir sua vitória ainda no primeiro turno.

[*] Presidente do Partido Comunista do Brasil. Intervenção realizada na 7ª reunião da Comissão Política do Partido, em 09/09/02

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

25/Set/02