Manifesto de economistas brasileiros:
"Por uma alternativa de prosperidade"

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O Brasil está sendo levado a um beco sem saída de estagnação e desemprego por uma política econômica que capitulou à insensatez do totalitarismo de “mercado”. Desde os anos 90, o debate sobre alternativas de desenvolvimento foi virtualmente interditado com o recurso ao dogma de que o “mercado”, sábio e virtuoso, se deixado a si mesmo promoverá a prosperidade coletiva. Passado mais de um decênio em que o experimento neoliberal vem sendo praticado no Brasil, é hora de um balanço e de um questionamento: até quando o crescimento com redistribuição de renda será negado à sociedade brasileira?

A interdição do debate econômico nos últimos anos pretendeu desqualificar como anacrônica toda crítica a qualquer aspecto da política econômica. Hoje, repetindo o que aconteceu na última década, a sociedade vem sendo privada de participar ou acompanhar um debate genuíno sobre medidas alinhadas com a verdade do príncipe, num peculiar movimento contraditório pelo qual toda a força do Estado foi colocada a serviço dos que querem privar o Estado de qualquer força.

O “mercado” não debate, apenas ameaça. E aqueles que deveriam debater em seu nome tomam a ameaça de suas reações como suficientes para cancelar o próprio debate. Os pontos-chave da política econômica são encapsulados numa cadeia de tabus porque a simples menção de discuti- los é descartada em face do risco da especulação do “mercado”, pelo que o “mercado” obtém uma franquia para continuar atuando lucrativa e livremente, sem contestação, à sombra da proteção do Estado.

Basta. Queremos abrir a agenda da economia política brasileira e expor a caixa preta da política econômica ao debate aberto. É um imperativo moral que reconheçamos o alto desemprego, sem precedentes em nossa história, como o mais grave problema social brasileiro, resultante diretamente das políticas monetária e fiscal restritivas, assim como da abertura comercial sem restrições. É um imperativo político, em face dos direitos de cidadania e tendo em vista a preservação da democracia, que se promova uma política de pleno emprego para garantir a retomada do desenvolvimento com justiça social e estabilidade.

Há alternativa. Ela não passa por mudanças tópicas em um ou alguns dos aspectos da “coerente” política neoliberal em curso, mas pela inversão de toda a matriz da política econômica. Isso significa reforçar a interferência do Estado no domínio econômico, a exemplo do que ocorreu historicamente em situação similar com o New Deal, nos Estados Unidos, para corrigir as distorções provocadas pelo “livre mercado”, sobretudo o alto desemprego, que compromete a estabilidade social e política do país. Em linhas gerais, implicaria, enquanto perdurar o alto desemprego, um conjunto simultâneo de medidas do tipo:

1. controle de capitais externos e controle do câmbio em nível real favorável às exportações; condição necessária para:

2. enquanto perdurar o alto desemprego, redução do superávit primário até sua eventual eliminação pelo aumento responsável do dispêndio público, a fim de ampliar a demanda efetiva agregada induzindo a retomada do desenvolvimento e do emprego;

3. ampliação, em consequência, dos gastos públicos nos três níveis da administração, com prioridade para dispêndio com ampliação dos serviços de educação, saúde, segurança, assistência e habitação, grandes geradores de empregos, e de competência também dos estados e municípios — o que implica a restauração da saúde financeira da Federação, inclusive mediante renegociação das dívidas de Estados e municípios;

4. redução significativa da taxa básica de juros, como complemento indispensável da política fiscal de estímulo à retomada dos investimentos privados;

5. promoção de investimentos públicos e privados em saneamento e infra- estrutura (logística e energia), para assegurar a melhoria da competitividade sistêmica da economia; incentivo a investimentos imediatos em setores privados próximos da plena capacidade;

6. manutenção e ampliação da política de incentivo às exportações;

7. política de rendas pactuada para controle da inflação.

Sustentamos que o Brasil tem diante de si uma alternativa de política econômica de prosperidade. O atual governo, que foi eleito em função de expectativas de mudança, tem diante de si a responsabilidade de evitar que a crise social herdada se transforme numa crise política de proporções imprevisíveis, a exemplo do que tem ocorrido em outros países da América do Sul contemporaneamente, e do que ocorreu historicamente na Europa, nos anos 20 e 30.

Colocamos o foco na promoção do pleno emprego porque se trata de uma política estruturante da solução de outros problemas sociais e econômicos — miséria, subemprego, marginalidade, iníqua distribuição de renda, violência, insegurança —, assim como da crise fiscal do setor público — neste caso pela previsível aumento de receitas (sem aumento de carga tributária) e queda de algumas despesas sociais na medida em que o desemprego se reduza. Contudo, este não é um projeto estritamente econômico, nem um projeto fechado. É uma contribuição de economistas à busca de um novo destino nacional, base do resgate da cidadania e condição para uma sociedade solidária.

Nenhuma das medidas propostas, ou o seu conjunto, são um anátema à luz da história econômica real dos países que experimentaram algum êxito econômico e social. Desafiamos os que se escondem nas sombras, por trás da onipotência do deus “mercado”, que sustentem à luz da discussão pública seu receituário de fórmulas abstratas que, uma vez testadas na prática, têm resultado em destruição permanente do tecido social, da atividade econômica e da soberania nacional. Queremos o debate já. Queremos o exercício democrático da controvérsia. Chega de interdição.

Rio de Janeiro, junho de 2003.

1. Ademir Figueiredo
2. Adhemar Mineiro
3. Alexandre Porciúncula Gomes Pereira
4. Aloísio Teixeira
5. Antônio Saraiva
6. Benício Viero Schmidt
7. Carlos Eduardo Gouveia
8. Carlos Medeiros
9. Carlos Pinkusfeld
10. Ceci Vieira Juruá
11. César Caldeira
12. César Benjamim
13. Cláudio Salm
14. Dércio Garcia Munhoz
15. Eriksom Teixeira Lima
16. Fábio Freitas
17. Fernando Cardim
18. Franklin Serrano
19. Guilherme A. V. Dias
20. João Manoel Cardoso de Mello
21. João Paulo de Almeida Magalhães
22. João Machado
23. João Saboia
24. José Carlos de Assis
25. Luiz Gonzaga Belluzzo
26. Marcos Costa de Oliveira
27. Mariana Carlota Amorim Machado
28. Maurício Dias David
29. Mércio P. Gomes
30. Mônica Esteves de Carvalho
31. Odilon Guedes
32. Pierre Salama
33. Plínio de Arruda Sampaio Filho
34. Reinaldo Gonçalves
35. Ricardo Carneiro
36. Theotônio dos Santos
37. Walsey de Assis Magalhães
38. Wilson Cano
39. William Pinto Machado
40- Marta Skinner

O original encontra-se em
http://www.vermelho.org.br/diario/2003/0612/0612_manifesto-economistas.asp e em
http://www.correiocidadania.com.br/


Este manifesto encontra-se em http://resistir.info .

19/Jun/03