Luta de Classes e Agressão Imperialista na América Latina (*)

  1. Há cerca de uma década e meia, a primeira-ministra britânica, Margareth Tatcher, referindo-se à dívida externa dos países pobres, sugeriu que estes vendessem seu parque industrial. Na ocasião, muitos não levaram a sério as palavras de Tatcher. Na recente campanha presidencial norte-americana, o candidato republicano, George W. Bush, sugeriu que os países pobres entregassem suas florestas tropicais em pagamento de suas dívidas externas. Assim como as palavras de Tatcher, as de Bush não foram consideradas em toda a sua gravidade. E, como há 15 anos, o projeto imperialista ameaçava apoderar-se, como de fato se apoderou das riquezas nacionais dos países pobres, hoje volta-se para a ocupação militar, além da econômica, de vastas áreas dos territórios desses países. Na América Latina, ela se materializa no chamado Plano Colômbia.

  2. Através deste plano, o governo norte-americano planeja intervir na Colômbia com o objetivo de derrotar militarmente um movimento guerrilheiro que ao longo dos últimos 36 anos construiu junto às massas populares sua legitimidade. As FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo), operando em todo o território colombiano, têm colocado em xeque as forças armadas do estado burguês e vinham ao longo dos últimos meses, mantendo um diálogo com o governo de Andrés Pastrana, no sentido de afirmar a posição da luta por uma Nova Colômbia. A intervenção norte-americana prepara uma guerra de conseqüências imprevisíveis: o deputado republicano Thomas Campbell, membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara Federal dos EUA declarou que, uma vez iniciadas as ações do Plano Colômbia, a vietnamização da região será questão de meses.

  3. O interesse do imperialismo em derrotar militarmente a guerrilha colombiana faz parte de um projeto geo-estratégico de dominação na América Latina, que exige também, num primeiro momento, a liquidação dos movimentos de resistência que vem acirrando a luta de classes na região, como os dos indígenas e camponeses que derrubaram um presidente no Equador, os dos operários e camponeses em luta permanente na Bolívia, os dos trabalhadores rurais em luta pela terra no Brasil, os “piqueteiros” que ocupam cidades e bloqueiam estradas na Argentina, o zapatismo no México, etc., assim como a da qualquer governo nacionalista como o de Chavez na Venezuela. Este projeto militar, que se inicia com a criação de uma região conflagrada, envolvendo outros países em uma guerra que não lhes interessa, deverá ter continuidade com a dolarização generalizada e a ALCA.

  4. A rapinagem imperialista almeja muito mais: criar uma área internacional na Amazônia. Embora afirmem não pretender atingir a soberania dos países amazônicos (Brasil, Venezuela, Colômbia, Peru,.Bolívia, Equador e Guianas), tanto os fatos atuais como a história não permitem dar o menor crédito aos EUA: país campeão de intervenções em todo mundo, e particularmente na América Latina, nada detém os norte-americanos na defesa de seus interesses. A própria Colômbia já sentiu a sanha norte americana, quando no início deste século, ao recusar-se a ratificar o acordo que permitiria a construção do canal ligando os oceanos Atlântico e Pacífico, os norte-americanos impuseram a emancipação do Panamá, até então uma província colombiana, estabelecendo um governo dócil às pretensões imperialistas.

  5. A existência de riquezas na região amazônica que interessam ao imperialismo é fato incontestável: com enorme potencial hídrico e farta riqueza mineral, inclusive petróleo, possui ainda a região uma bio-diversidade que, segundo os especialistas, pode constituir a base de amplo processo de desenvolvimento científico, que colocará nas mãos dos que o controlarem uma enorme quantidade de força e conhecimento.

  6. Como sempre faz antes de intervir militarmente, o imperialismo procura justificar perante a opinião pública mundial sua ação. Assim, criou uma peça de propaganda, a “narcoguerrilha” colombiana, uma mentira que procura ligar os movimentos guerrilheiros ao narcotráfico. Na verdade, não há uma narcoguerrilha, mas vários narcoestados, nos quais governantes, comandantes militares e grupos de assassinos de extrema-direita são responsáveis pela proteção às atividades ilegais dos traficantes. A droga é mais uma mercadoria e o narcotráfico representa hoje um dos maiores negócios do capital em nível mundial. Mesmo o ex-embaixador norte-americano em Bogotá, Thomas McNamar, reconhece que o combate ao tráfico deve ocorrer nos EUA, responsável por 75% dos produtos químicos utilizados na produção da cocaína e principal consumidor (cerca de 80%) desta droga, o que revela que o alvo dos EUA não são, nem nunca foram os traficantes, mas o exército popular que luta pelo socialismo na Colômbia, o atual governo nacionalista venezuelano e as riquezas amazônicas.

  7. A propaganda imperialista insiste na importância de se preservar a Amazônia como um patrimônio da humanidade, mas as fumigações com desfolhantes, tal como fizeram no Vietnã para desabrigar as forças guerrilheiras, e a ameaça de uma guerra biológica com a utilização de fungos como o Fusarium Oxysporum tem conseqüências devastadoras para a fauna e flora amazônicas.

  8. O governo brasileiro, sempre submisso aos EUA, tem proclamado a sua posição em defesa da soberania colombiana, ao mesmo tempo que promove, através da chamada Operação Cobra, o cerco da fronteira entre os dois países para impedir que guerrilheiros e camponeses possam fugir aos ataques que se desenham. Além disso, o governo brasileiro sediou em Manaus, capital do estado do Amazonas, a reunião dos ministérios da defesa dos países americanos de onde saiu a Carta de Manaus. No 14 o . ponto desta Carta fala-se claramente na composição de uma força multinacional para intervir em países em que os movimentos revolucionários ameacem os interesses das classes dominantes. Da mesma forma, mariners vem realizando treinamento conjunto com os exércitos da Bolívia e Paraguai.

  9. A posição do governo de Fernando Henrique Cardoso não causa surpresa: afinal foi este governo o responsável pela entrega das empresas estatais brasileiras ao capital internacional e é este mesmo governo que insiste em perseguir sem tréguas e criminalizar movimentos reivindicatórios legítimos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e que impõe aos trabalhadores uma política de multiplicação do desemprego, da fome e da miséria. O comportamento do governo brasileiro reproduz a prática comum dos governos latino-americanos, que sob a fachada de democracias liberais, ocultam o aprofundamento da exploração de seus povos pelo capital internacional e pelas burguesias locais, ao mesmo tempo em que acentuam sua política repressiva, denunciando os limites democráticos desses regimes.

  10. Na base da devastação social da América Latina encontra-se o furacão econômico da globalização capitalista, como um desdobramento das inevitáveis crises cíclicas e periódicas de superprodução do capital. Tratam-se de crises cada vez mais potentes que se originam nas economias dominantes mas que se manifestam primeiramente nas economias dominadas. Do mesmo modo que a expansão do mercado mundial ocorre de maneira desigual e combinada - como uma perfeita combinação de valorização sob a forma de mais valia relativa nas economias dominantes e de mais valia absoluta nas economias dominadas - também os períodos de desaceleração e crise se manifestam em tempos e áreas diferentes: primeiro nas economias dominadas, onde a desvalorização e destruição do capital instalado é uma forma de compensar e aliviar a superprodução nas economias dominantes. O imperialismo nasce dessa base material, em que uma depressão global só pode ser evitada se as crises periódicas criadas pela própria expansão do mercado mundial ficarem localizadas, circunscritas nas suas áreas dominadas. O capital global se defende da crise devastando preventivamente e de forma cada vez mais pesada as forças produtivas - quer dizer, a população trabalhadora e a natureza - localizadas nas economias dominadas da América Latina, Ásia, Leste Europeu e África.

  11. Neste momento, aumentam nas economias dominantes as pressões de mais um período de crise de superprodução, particularmente na economia de ponta do sistema, os Estados Unidos. O resultado é um aprofundamento, um nível mais elevado de devastação e destruição das condições econômicas latino-americanas. A América do Sul - com sua enorme população trabalhadora e abundantes riquezas naturais que se sobressaem no mercado mundial - está sendo particularmente atingida no presente ciclo econômico. O tamanho desta crise que está sendo exportada para a América do Sul pelo imperialismo dos Estados Unidos, União Européia e Japão, é proporcional às necessidades de compensação de mais uma crise geral que se abre e que poderá finalmente atingir o coração do sistema, quer dizer, transformar-se numa depressão capitalista global. Mas, se o eixo desta nova crise econômica mundial se desloca com particular violência para a América do Sul, neste momento, isso também quer dizer também que começa a se deslocar para cá o eixo de grandes crises sociais e possíveis revoluções.

  12. Assim, a luta de classes na América Latina entra em uma etapa decisiva. A tragédia econômica e social desatada pelas políticas impostas pelo imperialismo, por um lado e a resistência popular pelo outro lado, criam uma situação de instabilidade que ameaça os interesses do capital internacional na região: o mesmo Bush declarou, em campanha, que os EUA deviam se preocupar com o petróleo do Oriente Médio, mas que deveria antes cuidar do petróleo venezuelano.

  13. Nesse continente, a luta de classes assume suas formas mais claras e definidas. Ultrapassa os limites da simples contestação, da busca de uma cidadania imaginária, que nunca se fez presente em qualquer momento de nossa história.

  14. A opção revolucionária é colocada pela própria realidade, uma vez que a mais simples manifestação pela vida é reprimida com a morte dos que se manifestam. Aqui não se apresenta uma alternativa intermediária. As únicas opções são o socialismo ou a barbárie .

  15. Os trabalhadores latinoamericanos necessitam da retomada do caráter internacional da luta, precisam da solidariedade dos povos do mundo. É necessário que o mundo tome consciência do morticínio que se aprofunda na América Latina. É preciso que manifestações internacionais massivas como as de Seatle ou Praga, se repitam para impedir que o Plano Colômbia vá adiante. É urgente denunciar que nos vilarejos da Colômbia crianças, mulheres e velhos são diariamente assassinados por supostos envolvimentos com a guerrilha; que no Brasil, líderes rurais são assassinados sem que se tome qualquer providência contra os assassinos; que por toda a América Latina cresce um sentimento de revolta que os EUA e as burguesias locais não hesitam em calar pela força das armas.

  16. A luta dos povos latinos americanos está a exigir ações concretas, mobilizações e enfrentamentos. O tempo é curto. O silencio é cúmplice de mais este grande crime que o imperialismo perpetra contra a humanidade .



(*) Apresentado no encontro internacional "Para uma construção cidadã do mundo: Um ano após Seattle" (Paris, 30/Nov-02/Dez/00), organizado por Actuel Marx, Attac, La Cimade, Fondation Copernic, Espaces Marx, Fondation Jean Jaurès, Les amis de l'Humanité, Les amis du Monde Diplomatique, Ligue de l'Enseignement, Observatoire de la Mondialisation, Témoignage Chrétien. Trabalho conjunto do Espaço Marx de São Paulo e Espaço Marx de Maringá (Brasil).

12/Maio/02