Lula X FHC
O combate do progresso contra o atraso
Fernando Henrique Cardoso tem insistido na tecla de que houve
"avanços" em seu governo, e que é preciso derrotar o
"atraso" na eleição de 6 de outubro. Mais recentemente,
deu indicações do que entende por "atraso", insinuando
que a oposição particularmente a Frente Lula Presidente
restaura idéias da década de 1950.
É preciso reconhecer que, de atraso, Fernando Henrique Cardoso e sua
equipe entendem. Afinal, o programa imposto ao país por seu governo foi
a mesma rendição aos interesses da oligarquia financeira
internacional e brasileira que caracteriza as forças conservadoras
brasileiras desde o início da República (a rigor, elas predominam
desde a Independência do país). Um sinal desta adesão: no
começo de seu longo período de governo, FHC fez freqüentes
referências a Campos Sales, que fora presidente há exatos cem anos
antes dele (de 1898 a 1902), e cujo programa de "saneamento"
financeiro não deve nada ao implantado pela equipe econômica
dirigida por Pedro Malan. Aliás, a primeira providência tomada por
Campos Sales, após sua eleição, foi tomar um navio para
Londres, para encontrar-se com os Rothschilds, os banqueiros que, na
época, dominavam as finanças mundiais. Com eles, assinou um
acordo para a rolagem da dívida (o famoso
funding-loan
de 1898) que empenhou, aos credores, as receitas da alfândega do Rio de
Janeiro, como garantia para os empréstimos.
Um dos principais conflitos que opôs os lutadores pelo progresso social
contra as forças do atraso, ao longo da República brasileira, foi
a disputa entre dois programas principais: a oligarquia financeira
internacional e seus representantes no Brasil, a oligarquia agro-mercantil
exportadora, sempre defenderam a subordinação do país aos
interesses externos e a manutenção de estruturas sociais
sobreviventes do passado colonial, principalmente o monopólio da posse
da terra.
Contra esse programa atrasado, as forças progressistas da sociedade
brasileira defenderam o fortalecimento da soberania nacional e o
desenvolvimento autônomo do país, voltado para o atendimento das
necessidades de nosso povo e de nossa economia um programa que remonta
às idéias defendidas por José Bonifácio na
época da Independência, e que nunca se conseguiu colocar em
prática.
Fernando Henrique tem razão quando diz que a oposição
mira-se em idéias da década de 1950. Aquele foi o período
de maior florescimento daquele projeto de desenvolvimento autônomo do
país. Ao lado destas propostas políticas e econômicas, e
que fizeram parte da "Era Vargas" execrada por Fernando Henrique e
pelas forças que o apoiam, foi também um período de
florescimento cultural e ideológico sem precedentes.
Amadureceram então as obras privilegiadas de Caio Prado Junior, Nelson
Werneck Sodré, José Leite Lopes, César Lates, Mário
Schemberg, Josué de Castro, Álvaro Vieira Pinto, Guerreiro Ramos,
Anísio Teixeira, João Cruz Costa, Darcy Ribeiro, Roland
Corbisier, Celso Furtado, Raymundo Faoro, Florestan Fernandes, o Centro Popular
de Cultura (CPC), o teatro de Arena e o Oficina, o cinema novo... O
próprio reconhecimento que a obra de Fernando Henrique Cardoso
alcançou decorre das inquietações daquela época, e
de sua participação no debate que envolvia a sociedade brasileira
na busca de soluções para os graves problemas que enfrentava.
E que ainda enfrenta. O nacional reformismo típico daqueles anos tinha
fortes limitações. Afetou os próprios comunistas, cuja
corrente majoritária diluiu suas propostas e sua ação
naquela proposta que deixava o socialismo e a luta de classes em segundo plano
e enfatizava a ação democrática e progressista de setores
da burguesia brasileira e seus aliados nas classes dominantes. A luta de
classes amadurecia e se aprofundava no país, condicionando uma tomada de
posição mais clara para as várias forças sociais em
conflito. Ela repercutiu no próprio Partido Comunista do Brasil,
acelerando a diferenciação entre os reformistas e os
revolucionários, cujo clímax foi a reorganização do
Partido de 1962.
Entretanto, mesmo limitado, o programa nacional reformista preconizava um
desenvolvimento autônomo para o país, expresso nas famosas
"reformas de base" do governo de João Goulart (entre elas, as
reformas agrária, fiscal, bancária, administrativa, etc), cuja
mera menção era suficiente para exaltar os ânimos
conservadores e reacionários da oligarquia agro-mercantil e dos
representantes do capital estrangeiro e do imperialismo.
É ilusório supor como fazem Fernando Henrique Cardoso e
seus sequazes que aquele programa tenha sido alguma vez posto em
prática no Brasil de forma completa e conseqüente, mesmo que os
governos de Getúlio Vargas e de João Goulart tenham adotado
alguns aspectos desse programa. É também ilusório,
senão de má fé, supor que hoje alguém pretenda
aplicá-lo ao pé da letra: o que é preciso é adotar
o ponto de vista expresso naqueles anos tão vilipendiados pelos
conservadores, o ponto de vista da soberania nacional e do desenvolvimento
autônomo do país.
Mas a verdade histórica é que aquele programa foi sucessivamente
derrotado pelas forças do atraso. No período mais recente, a
maior derrota foi a que ocorreu em 1964, quando o golpe militar depôs o
governo de João Goulart e impôs ao país a ditadura militar.
O próprio período militar foi marcado pela
oscilação entre o programa do atraso e da rendição
às imposições do imperialismo, e a busca de autonomia para
o país, mesmo que muito limitada. A luta contra a ditadura impôs
severas derrotas políticas contra as forças do atraso. O
resultado da campanha das diretas-já, de 1984, levou à
implosão da ditadura e sua derrota no Colégio Eleitoral; as
conquistas sociais, econômicas e políticas da
Constituição de 1988 foram outras derrotas contra aquelas
forças que, entretanto, voltaram a controlar a presidência da
República e a impor seu programa anti-nacional, anti-democrático
e anti-popular sob Collor de Mello. Cujo governo não chegou ao fim, como
se sabe: o presidente neoliberal foi varrido de Brasília pelo Fora
Collor, em 1992, levando à lona, com ele, os oligarcas campeões
da entrega do país aos interesses do imperialismo. Ao se aliarem ao PFL
e às forças dos grotões, Fernando Henrique Cardoso e o
PSDB tiraram a oligarquia daquela enrascada, levando-a outra vez ao comando do
governo e do Estado brasileiro, onde fizeram o estrago que compõe a
herança nefasta que FHC deixa a seu sucessor.
A previsível vitória de Lula e das forças progressistas,
democráticas e avançadas da Frente Lula Presidente será
mais um capítulo nesse combate entre o atraso e o progresso social. A
eleição de Lula e a derrota das forças políticas e
sociais que prevaleceram durante a ditadura militar e os governos de Collor e
de FHC representam, para os trabalhadores e o povo brasileiro, o fim da
transição para a democracia. E a abertura de uma possibilidade
concreta de realização das mudanças que, colocando o
país num novo rumo, levem de fato à modernização
que a sociedade brasileira precisa e reclama: a superação de suas
anacrônicas estruturas sociais, econômicas e políticas.
04/Out/02
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José Carlos Ruy é jornalista, da Comissão Editorial da
revista
Princípios
, diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e membro do
Comitê Central do PCdoB
Este artigo encontra-se em
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