Lula: Compromissos internacionais do Brasil serão mantidos

por Jorge Gestoso, da CNN


Credores internacionais do Brasil poderão ficar tranquilos Em entrevista exclusiva a Jorge Gestoso, da CNN em Espanhol, após vencer as eleições presidenciais por maioria esmagadora, Luiz Inácio Lula da Silva reiterou seu propósito de manter os compromissos internacionais do país e de combater a inflação.

Lula ressaltou que o PT, o Partido dos Trabalhadores, não irá governar sozinho e que pretende inaugurar um hábito novo em Brasília de consulta à sociedade para a definição dos rumos do país

O presidente eleito observou que não se envergonhava de dizer que o PT é um partido de esquerda, ressaltando que a esquerda, na América Latina, com a exceção da Colômbia, está atualmente voltada para o exercício da democracia.

A seguir, a íntegra da entrevista.


CNN: Intimamente, como o senhor se sente, sendo um homem que chega à Presidência de um país como o Brasil após quatro tentativas?

Luiz Inácio Lula da Silva: Olhe, nós buscamos esta vitória durante praticamente 14 anos. Construímos cada passo desta vitória e ela chega em um momento de amadurecimento da sociedade brasileira. Acredito que tenha sido a festa democrática mais importante do nosso país.

Eu ainda não acordei da festa porque busquei isso tão intensamente, lutei tanto para chegar a presidente da República que, de vez em quando, ainda parece que foi um sonho. Mas, ao poucos, estou fazendo as reuniões que tenho que fazer e já estou percebendo que fui eleito presidente da República do país mais importante da América Latina e, agora, precisamos começar a governar.

CNN: Hoje, vários analistas dos mercados internacionais disseram temer a interrupção de pagamentos da dívida externa do Brasil durante seu Governo. Qual a sua mensagem para os mercados?

Lula: Primeiro, vamos fazer um governo tentando unificar todos os segmentos da sociedade. Durante o processo eleitoral, eu conversei muito com empresários, com os trabalhadores, com o mercado financeiro, com os trabalhadores sem-terra, com os proprietários de terra, e acredito que o governo seja capaz de construir um pacto social no Brasil.

Estou tranqüilo que os analistas estrangeiros compreenderão que o Brasil vai ter uma democracia mais sólida, mais participativa, e acredito que o país está preparado, pronto para voltar a crescer, gerar riquezas e gerar empregos para seu povo.

CNN: O pacto social é um componente estratégico de seu projeto de governo e um pacto que implica concessões recíprocas. Levando em conta que os setores populares do Brasil têm pouco ou nada para oferecer, o que o senhor vai pedir aos setores economicamente mais poderosos que cedam?

Lula: Estou certo de que o Brasil tem uma grande quantidade de empresários de setores mais ricos da sociedade que estão descontentes com a situação econômica que permite que 43 milhões de brasileiros não tenham o suficiente para comer. Acredito que grande parte da sociedade brasileira, a parte mais rica da sociedade, também não se conforma com o alto índice de criminalidade no país, a violência, o narcotráfico, o crime organizado.

Tudo isso nós só iremos resolver se existir um acordo entre os mais diferentes segmentos da sociedade. Um pacto social não é apenas dar e receber; um pacto social também é acordar procedimentos porque um mandato tem quatro anos de duração e nós não podemos quer resolver todos os problemas em um mês ou em um ano. Queremos resolvê-los nos quatro anos de mandato e vamos começar a trabalhar, primeiro, para que tenhamos um pacto para controlar a inflação no nosso país; segundo, para que tenhamos um pacto para a redução da taxa de juro; terceiro, um pacto para a volta do crescimento econômico do nosso país. Isso pode ser acordado entre trabalhadores, empresários e outros setores da sociedade.

Faz muito tempo no Brasil que a sociedade não é convidada para participar do processo democrático e eu quero envolver não apenas a sociedade civil, mas também os governadores de Estado, os prefeitos de capitais e os partidos políticos que ficaram sempre marginalizados do processo de decisão. Na verdade, nós vamos começar um novo hábito de fazer política no Brasil.

CNN: O senhor. afirma que não gosta de definições ideológicas. No entanto, a imprensa internacional insiste em afirmar que o Brasil "deu uma guinada à esquerda". Concorda com essa definição?

Lula: Eu não tenho vergonha de dizer que o PT é um partido de esquerda. Entretanto, nós ganhamos as eleições com um leque de alianças mais amplo do que o PT e sabemos que a sociedade brasileira tem uma amplitude muito maior do que o PT.

Nós temos um plano de governo que foi aprovado pelo eleitorado brasileiro e nos vamos governar tentando juntar todos os homens e todas as mulheres de bem do nosso país, no sentido de fazer com que o Brasil volte a crescer. Há pouco tempo, o Brasil era a oitava economia mundial; hoje, é a décima primeira.

O Brasil vem perdendo espaço no mundo globalizado; o Brasil tem potencial para recuperar esse espaço e nós queremos juntar toda a sociedade. Não haverá preconceito; não haverá marginalização contra quem quer que seja. Nós queremos juntar todos os que queiram reconstruir o Brasil para o bem do próprio Brasil.

CNN: Hoje, o senhor. recebeu um telefonema do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Como foi essa conversa e como acredita que serão suas relações com os Estados Unidos?

Lula: Primeiro, nós queremos manter relações com todos os países do mundo e sabemos que os Estados Unidos são um parceiro preferencial do Brasil e o mais importante parceiro comercial, individual. Ou seja, 25 por cento de tudo que nós vendemos é para os Estados Unidos e 26 por cento vai para a Europa.

Portanto, nós queremos estreitar e aperfeiçoar a nossa relação com os Estados Unidos e a nossa relação com a União Européia; queremos aprofundar a nossa relação na América do Sul e, na América Latina, queremos abrir novos espaços, aprofundar nossas relações com a China, com a Índia e com todo o mundo asiático.

O Brasil tem um espaço a ser perseguido e acho que precisamos ser ousados, ser mais entusiastas de uma grande política de comércio exterior. Sabemos da importância dos Estados Unidos para o mundo e para o Brasil e nós queremos manter uma relação muito boa com esse país.

A conversa com o presidente Bush foi boa, ele foi muito simpático; hoje, eu conversei com vários outros chefes de Estado e espero que, no momento oportuno, possa fazer uma viagem tanto para a União Européia como para os Estados Unidos. Quero começar a viajar pela Argentina porque quero contribuir para consolidar o Mercosul. Acho que isso é muito importante para nós, brasileiros, para argentinos, uruguaios e paraguaios e também para o nosso continente.

CNN: O senhor acredita que a América Latina está dando uma guinada à esquerda?

Lula: Eu quero acreditar que vários setores da esquerda na América Latina aprenderam a fazer um jogo democrático. Há mais ou menos 20 anos, quase toda a esquerda na América Latina, com exceção do Brasil, estava tentando uma saída via luta armada. Hoje, toda a América Latina, com exceção da Colômbia, está encontrando uma saída via democrática, via processo eleitoral.

O que aconteceu no Brasil é um estímulo para que, em outros países da América Latina, os setores populares se organizem e acreditem que podem fazer o que nos fizemos aqui no Brasil, porque somente a democracia é capaz de garantir a todo conjunto da sociedade o direito de participação, e nós precisamos aprender a viver democraticamente na diversidade.

Acho que a vitória do PT é um estímulo, é um alento e espero que nosso exemplo seja seguido por outros países da América Latina.

CNN: O senhor. afirmou diversas vezes que não aceitará o Acordo de Livre Comércio para as Américas (Alca) como proposto até agora. Para o senhor, quais deveriam ser as bases de um acordo de livre comércio para o hemisfério?

Lula: Os Estados Unidos, efetivamente, têm um poder tecnológico muito grande e praticamente representa, 70 por cento de todo o PIB (produto interno bruto) do continente. Nós vamos sentar para negociar e vamos conversar da forma mais madura, defendendo os interesses nacionais, da indústria brasileira, da agricultura brasileira.

O que nos queremos é organizar o Mercosul para que possamos negociar o Acordo de Livre Comércio para as Américas (Alca) em bloco porque, caso contrário, uma economia forte como a economia norte-americana pode sufocar as economias dos países considerados emergentes. Por isso é que vamos trabalhar com muito carinho, com muito cuidado, para que, nessa mesa de negociação façamos um acordo que seja bom para todos os países e não bom apenas para um país.

CNN: Quais são as bases políticas específicas de sua presidência?

Lula: A base específica do nosso modelo econômico é o desenvolvimento industrial e o desenvolvimento agrícola. Nós ganhamos as eleições assumindo o compromisso com o povo brasileiro que iríamos fazer a economia voltar a crescer porque somente a economia brasileira voltando a crescer é que nos vamos exportar mais, vamos fortalecer o mercado interno e vamos poder distribuir riqueza no nosso pais.

Nós vamos ter uma política de forma prioritária para o setor produtivo; vamos fazer uma grande reforma tributária no Brasil para que possamos promover as exportações e a produção; vamos incentivar as micro, pequenas e médias indústrias, sobretudo as indústrias de bem de consumo popular.

Vamos incentivar a criação de fundos de pensões nas categorias organizadas; vamos incentivar a criação de cooperativas de crédito pelo Brasil inteiro para que possamos ter mais poder de competitividade tanto no mundo globalizado quanto fazer aumentar o mercado interno brasileiro.

O Brasil, volto a repetir, tem um potencial excepcional. Ao longo dos últimos 50 anos, o Brasil provou que tem um potencial de crescimento invejável; o que precisa é o governo explorar esse potencial e investir cada recurso que tiver na perspectiva de gerar um posto de trabalho para um adolescente, para um homem ou para uma mulher.

CNN: O orçamento de 2003 foi elaborado pelo atual Governo. Qual será a possibilidade de a sua administração concretizar seu projeto de que o social seja o principal de sua política governamental?

Lula: O orçamento ainda não foi aprovado e vai ter que ser votado no Congresso até o dia 15 de dezembro. Amanhã (terça-feira), estarei conversando com o presidente Fernando Henrique Cardoso; estarei apresentando a ele o coordenador da transição.

Vamos montar uma equipe de parlamentares para que possamos discutir com mais precisão a proposta de orçamento que está no Congresso Nacional. Vamos discutir com o presidente algumas reformas, algum remanejamento para que possamos ter dinheiro para fazer política social nos primeiros meses de governo.

O presidente Fernando Henrique Cardoso tem se mostrado muito amável no sentido de que já existe uma equipe de transição para facilitar todo o processo. Portanto, a partir de amanhã, espero que consigamos fazer esse acordo com o presidente e começar a discutir o orçamento brasileiro de acordo com os nossos interesses e não apenas de acordo com a proposta que está no Congresso Nacional.

CNN: Senhor Lula, boa sorte e muito obrigado!

Lula: Sorte eu vou precisar de muita e eu é que quero agradecer a gentileza da entrevista. ¡Gracias compañero!

28/Out/02


O original desta entrevista encontra-se em
http://cnn.com.br/2002/brasil/10/28/lula.cnn/index.html

Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info
30/Out/02