Lula coopera com Bush

por José Arbex Jr. [*]

Nova capitulação do governo Lula. Sucedem-se os actos de subserviência e vassalagem ao imperialismo. O governo Lula "coopera" com os EUA no combate à guerrilha na Amazônia, passo que nem FHC deu!

Um leitor de "Caros Amigos", cujo nome prefiro não revelar por não ter solicitado autorização para tanto, chama a atenção, por email, para pequenas notas recentemente publicadas na mídia, sem qualquer destaque:

Nota 1: "Pela primeira vez, o Comando Militar da Amazônia afirmou, ontem, que haverá ações contra guerrilheiros numa operação combinada entre as Forças Armadas na região amazônica. A Operação Timbó buscará coibir, a partir da próxima semana, a ação de grupos guerrilheiros na fronteira com a Colômbia e o Peru. Antes, o Comando informava que o objetivo das ações era combater refluxos do tráfico de drogas. A Operação Timbó é uma simulação de guerra na selva cuja área de atuação fica entre os municípios de Japurá, Amazonas, e Santa Rosa do Purus, Acre. Cerca de 4.600 quilômetros de fronteira serão vigiados" (Folha de S. Paulo, 21/Jun/03).

Nota 2: "Os Estados Unidos devem perseguir, no entanto, uma 'aproximação estratégica' com a região. O principal problema continua sendo a Colômbia, onde os americanos identificam os narcotraficantes ligados às Farc como terroristas. Os EUA já têm em andamento um grande plano de ajuda às forças oficiais colombianas. Além da Colômbia, os militares americanos se aproximaram muito da Argentina na década de 90, onde chegaram a fazer exercícios militares. Agora, com a nova configuração política na região, especialistas ouvidos pela Folha avaliam que o plano geral dos EUA para a América Latina seja mais no sentido de se aproximar estrategicamente dos comandos militares de cada país na busca de cooperação (Folha de S. Paulo, 22/Jun/03)."

Somando as notas, sugere o leitor, compomos um mosaico nada tranqüilizador: aparentemente, o governo Lula resolveu "cooperar" com os Estados Unidos no quadro do combate à guerrilha na Amazônia, passo que nem sequer o governo Fernando Henrique Cardoso ousou dar. Infelizmente, o leitor parece estar mais do que certo. Para reforçar a hipótese, basta ler a declaração conjunta assinada dia 20 de junho, por Lula e baby Bush, com juras de mútuo amor, incluindo o compromisso formal de criar a ALCA em 2005. O Brasil, claramente, manifesta a vontade de se submeter de corpo e alma à estratégia estadunidense para as Américas, reproduzindo uma nova versão do desejo explicitado pelo ex-presidente argentino Carlos Menem, de manter "relações carnais" com Washington.

Há, aqui e ali, sinais de alguma rebeldia do governo brasileiro: por exemplo, nas negociações sobre taxas de importação de suco de laranja, e na recusa (ainda) de assinar embaixo do isolamento de Cuba. São os pingos de desentendimento que tornam o casamento mais proveitoso. Aliás, o próprio Lula declarou ter "afinidades" com júnior (sic), e foi nisso correspondido: júnior disse a Lula que ambos são "incompreendidos" pelos intelectuais de seus respectivos países. A que ponto chegamos...

SOBERANIA AMEAÇADA

A eventual integração brasileira à estratégia estadunidense é repleta de grandes perigos para a soberania nacional. O primeiro deles, o mais imediato, diz respeito à ampliação do Plano Colômbia e à crescente presença militar dos Estados Unidos na Amazônia. Washington faz enorme pressão para que todos os países da região amazônica participem do plano. Durante uma reunião recente, realizada em Quito, os generais do Comando Sul do Exército estadunidense exigiram a participação direta de tropas do Equador no combate à guerrilha.

Em Manta, área litorânea, os Estados Unidos estão construindo a maior pista de pouso da América do Sul, com capacidade para receber aviões Galaxy, aqueles que podem transportar até tanques de guerra. O objetivo estratégico de Washington é criar uma situação de fato, na qual as forças armadas dos países amazônidas sejam colocadas sob a orientação direta dos generais estadunidenses. É claro que eles poderão criar um nome pomposo qualquer para um órgão "coordenador", algo como Comando Militar Unificado da Amazônia Internacional (fica, aqui, a sugestão para os negociadores de Lula: é a grande contribuição do Brasil). Mas todos sabemos quem teria a palavra final.

Uma das causas do ódio que Washington devota ao governo Chávez, aliás, reside no fato de que a "revolução bolivariana" venezuelana subtraiu um governo dócil aos esquemas do Big Brother e, no seu lugar, instituiu um novo discurso sobre a identidade dos povos da América Latina. Isso, é claro, criou novos obstáculos à crescente ocupação da Amazônia pelos Estados Unidos, que gostariam de contar com a "colaboração" das tropas da Venezuela, como hoje contam com o Comando Militar da Amazônia.

INFLEXÃO À DIREITA

O segundo perigo é de ordem política e ideológica. A guerrilha colombiana, ao contrário do que dizem os propagandistas de baby Bush, não constitui um grupo de narcotraficantes, não são aventureiros nem terroristas. Existe há cinco décadas e conta com o apoio de camponeses e indígenas. Se não fosse por eles apoiada, aliás, já teria sido dizimada pelo Exército regular colombiano e pelo narcotráfico. A disposição demonstrada pelo Comando Militar da Amazônia de combater uma força guerrilheira legítima, para acatar as ordens do patrão de Washington, marca uma inflexão importante à direita, que — nunca é demais repetir — nem sequer foi ensaiada por FHC.

O terceiro perigo é de ordem cultural, no sentido mais amplo que o conceito admite. A subserviência militar combina-se com a entrega das reservas e riquezas nacionais, por intermédio da adesão à ALCA. Não se trata apenas de comércio. A ALCA implica a renúncia a qualquer projeto autônomo nacional, pois significa a submissão do Estado às determinações das transnacionais. Não é necessário nenhum grande tratado para mostrar isso: basta assinalar que qualquer conflito entre os interesses das transnacionais e a legislação de determinado país membro será julgado em tribunal internacional obviamente neutro, situado em uma cidade mais neutra ainda: Nova York. Isto é: os interesses privados passam a disputar as determinações da legislação pública.

A proposta de autonomia do Banco Central, ferrenhamente defendida por Antônio Palocci e pelo neocompanheiro Henrique Meirelles, caminha exatamente nesse sentido. Trata-se de colocar de lado o Poder Executivo, eleito soberanamente pelo povo, para permitir que a política monetária de um país seja dirigida por um banqueiro que ninguém elegeu e integralmente comprometido com as "leis de mercado". Aliás, o conjunto das reformas preconizadas pelo governo federal, incluindo a manutenção das taxas de juros e as metas de superávit primário, é condizente com o que exige o Fundo Monetário Internacional.

Há, portanto, uma linha de coerência entre as notícias que tanto preocuparam o leitor, as juras de amor entre Lula e 'Júnior' e a condução das finanças do Brasil. Essa linha de coerência tem um nome: capitulação ao império. Não poderia ser diferente, já que a guerra e o livre-comércio obedecem à mesma lógica: impor à força os desejos da nova Roma.

[*] Jornalista, brasileiro.

A URL do original é http://carosamigos.terra.com.br/.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

30/Jul/03