Lula será o 19º presidente da República?
por Luiz Carlos Antero
[*]
Nesses quatro dias que antecedem as eleições, o grande capital
joga suas cartas e parte da oposição trabalha pela grande
união em torno de Lula. O ambíguo FHC, em queda com seu
candidato, também se movimenta para proteger seu passado e o seu futuro.
Na dúvida, sabe-se que armações podem vir.
Serra não sai do lugar e não consegue compartilhar sequer a parca
popularidade de seu padrinho; o espólio eleitoral de Ciro Gomes se
pulveriza, enquanto o candidato do PPS corre atrás dos prejuízos
causados pelo seu destempero verbal (traduzidos em preconceito racial e de
gênero, arrogância, machismo, descrédito das
instituições); Garotinho tenta correr atrás de Serra numa
desesperada ação de tentar chegar a um segundo turno que se
distancia. E o apoio a Lula cresce como se nenhum ataque fosse capaz de conter
sua vitória ainda neste primeiro turno. Parte do eleitorado age como se
os erros de 1989, 94 e 98, que apontaram escolhas presidenciais desastrosas
para o Brasil, devessem ser corrigidos agora, desprezando e reagindo as
críticas ao candidato da Frente Lula Presidente. Tal é o ambiente
desenhado pelas controvertidas pesquisas.
Nesse momento, o último levantamento do Instituto Sensus, sob encomenda
da CNT, diz que 64,3% dos eleitores já definiram seu voto, sem
mudança. Outros 32,3% ainda podem mudar de candidato a presidente. Entre
os definidos, 49% votarão em Lula; 20,2% em José Serra; 14,6% em
Garotinho; e 12,1% em Ciro Gomes. Mesmo com essa liderança, Lula ainda
pode crescer substancialmente entre os indecisos. Entre esses, 25,7% indicam
que podem votar nele; em Serra (16,9%); Garotinho (16,1%); e Ciro (12,8%). Mas
58,6% afirmam que o voto somente será decidido no dia da
eleição, enquanto 14,5% se definem nos próximos dias e 14%
esperam o final da propaganda eleitoral. Influirão na escolha os debates
entre os candidatos (31,2%); as entrevistas à imprensa (15,4%); os
programas da TV (14,3%); o contato direto com o candidato (12,5%);
notícias nos rádios, TVs e jornais (7,9%); e comícios
(6,6%).
A pesquisa não admite, mas um fato qualitativo tem que ser considerado:
o volume de campanha nas ruas é o fator essencial para assegurar a
vitória ainda no primeiro turno.
FHC cai mais
Entretanto, a pesquisa aponta queda na avaliação de FHC: 50,9%
desaprovam sua gestão. Os que o classificam como ótimo/bom,
caíram de 27,6% em agosto para 25,2% em setembro. Os que o vêem
como ruim/péssimo subiram de 29,6% para 33,8%. Entre os pesquisados,
53,7% não votariam no candidato indicado ou apoiado por FHC, 33,0%
afirmam que poderiam votar, e apenas 7,6% consideram esse o único
candidato em que votariam. Lula aparece com 40,6%; seguido de Serra, com 18,8%;
Anthony Garotinho (15,1%) e Ciro (12,7%). Na pesquisa anterior, Lula tinha
37,7%; Serra (17,1%), estava tecnicamente empatado com Ciro (18,3%), e com
Garotinho (13,3%).
Ciro foi o único candidato que apresentou alteração
significativa, caindo quase cinco pontos. Considerados apenas os votos
válidos, Lula tem 46,2%; Serra aparece com 21,4%; Garotinho, com 17,2%,
e Ciro com 14,5%. Contudo, é elevada a margem dos que consideram que
Lula pode vencer no primeiro turno: 59,4% - dez pontos a mais do que na outra
pesquisa.
Noutra "fotografia", Ciro recuou dois pontos percentuais para 11% na
mais recente pesquisa Datafolha, enquanto Garotinho manteve os 15%, e Serra
permaneceu parado na mesma estação dos 19%. Lula cresceu de 44%
para 45%, aproximando-se da vitória no primeiro turno. Uma pesquisa Vox
Populi feita para o "Correio Braziliense" mostra crescimento de Lula
(41% para 43%) e Garotinho (de 14% para 15%) e queda de Serra (de 19% para 18%)
e Ciro (de 14% para 13%).
Desintegração inexorável
A solidariedade dos eleitores trata os ataques de Serra e Ciro a Lula como
desvarios de derrotados. Assim, enquanto Serra exibe uma
estagnação abaixo dos 20%, as montagens que o programa eleitoral
de Ciro improvisa para indicar que o PT não tem condições
de enfrentar o desemprego caem no vazio e fazem desmontar ainda mais a base de
sustentação da sua candidatura. Para esse eleitorado, a
política que gera desemprego, miséria e pobreza é a do
atual governo ou a de quem, como é o caso de Ciro, ataca Lula. E, como
dizíamos na coluna de 17/ 09/2002, a única saída para Ciro
é apoiar Lula, retirando do monstro do continuísmo neoliberal
parte essencial do oxigênio que mantém viva sua candidatura.
Mas a desintegração da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB) é
inexorável e pressiona Ciro a abandonar a sucessão presidencial
ainda antes da realização do primeiro turno. Ciro agrava mais sua
situação e sua trajetória política com uma atitude
agressiva que isola crescentemente e estigmatiza mais seu perfil e sua
insistência de chegar ao segundo turno.
Serra x Garotinho sobre Ciro
A briga pelo segundo lugar, agora entre Serra e Garotinho, é o
capítulo em pauta da autofagia eleitoral. Os dois se atacam mutuamente
na disputa do espólio de Ciro e do voto dos indecisos. No último
episódio, Garotinho queria que o TSE proibisse as
inserções de Serra que terminavam dizendo "não
dá para acreditar no que o Garotinho promete", ao abordar o
número de casas edificadas durante o período em que ele foi
governador e sobre a tolerância do uso de celulares por
presidiários do Rio de Janeiro.
Garotinho pede aos eleitores da Frente Trabalhista seu apoio "para poder
impedir que o candidato do governo, esse homem que só tem maldade, que
só tem procurado atacar seus concorrentes, chegue ao segundo turno"
para persuadi-los, diz que apoiaria Ciro, caso ele fosse para o segundo turno,
mas sem "alguns aliados" como o ex-senador baiano Antônio
Carlos Magalhães.
Brizola: grande frente de oposição
O presidente nacional do PDT, Leonel Brizola, limita-se a dizer que "a
Frente Trabalhista está em um momento de reflexão" sobre a
campanha, mas já se sabe que estabelece conversações com o
PT e tende a seguir formalmente o rumo tomado por Roberto Mangabeira Unger
economista e principal responsável pelas idéias contidas
no programa de Ciro , que se evadiu do lançamento. "Se o
Lula, o José Dirceu (presidente do PT) e o PT vierem a nós nos
explicarem uma situação que precisam de nós para vencer no
primeiro turno, essa reflexão para nós adquire um outro peso de
responsabilidade. Nós vamos pensar não uma vez, mas duas vezes o
que fazer". Nesse caso, promete reunir as lideranças da FT para
estudar a decisão de dissolver a candidatura de Ciro Gomes.
Os defensores de uma ampla frente de oposição para garantir a
vitória de Lula no primeiro turno temem que alguma manobra
política possa provocar a sua derrota no segundo turno. Os temores
incluem as fraudes, e Brizola continua alertando para esse risco na
votação eletrônica.
Outros, preocupados com a própria sorte eleitoral e impossibilitados de
abandonar o barco como é o caso do líder da bancada
federal do PTB e candidato à reeleição como deputado
federal, Roberto Jefferson mostram-se radicalmente contrários
à renúncia de Ciro. Mas, do mesmo modo que Mangabeira e o PDT de
Minas Gerais - que já apóia Lula -, o presidente do PTB,
José Carlos Martinez, defende a renúncia e a adesão dos
partidos da Frente Trabalhista à campanha de Lula. Aliás, o
País deverá contemplar uma grande revoada até domingo. Em
todos os matizes e em céu de brigadeiro.
Lula na história republicana
Lula terá que crescer mais e pode seguir à
propulsão do desejo de mudança para estar melhor situado
que FHC, o segundo presidente mais votado em termos proporcionais nas
eleições brasileiras, graças ao estelionato eleitoral do
Plano Real - o maior da nossa História. Considerando-se os vícios
e fraudes do processo eleitoral no Brasil, FHC ficou com quase 34,4
milhões de votos (54,3% dos válidos), em 1994, atrás
apenas do general Eurico Gaspar Dutra, eleito em dezembro de 1945 com 55,3% dos
votos válidos.
Eleito, Lula entrará para a História como o primeiro presidente
estranho às elites. E também entrará na trajetória
de uma instável (e quase sempre casuística) vida republicana. FHC
foi o primeiro presidente a ser eleito para dois mandatos seguidos; antes dele,
Rodrigues Alves ganhou uma segunda eleição, em 1918, mas morreu
antes de tomar posse. Getúlio Vargas, que chegou à
Presidência em 1930, num golpe de Estado, voltou ao posto em 1951 pelo
voto direto.
Até 1998, foram eleitos 18 presidentes pelo voto direto na
instável vida republicana brasileira. O primeiro foi Prudente de Moraes,
em 1894. Depois da Segunda Guerra, somente três presidentes eleitos -
Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek e FHC - completaram seus mandatos.
Dez presidentes não chegaram ao final: Deodoro da Fonseca, Jânio
Quadros e Fernando Collor renunciaram (este para evitar o impeachment); Affonso
Penna, Getúlio Vargas e Costa e Silva morreram outros quatro foram
depostos.
A chantagem do "calote" em pauta
O peso da preocupação dos beneficiários do vigente
padrão de acumulação vem na dose certa e indica o que o
futuro reserva ao novo governo. A união ainda no primeiro turno tem como
pano de fundo outras ameaças, desconhecidas na história
republicana quanto ao porte dos interesses envolvidos. As "forças
ocultas" referidas por Getúlio Vargas mais pareceriam fantasminhas
diante do que vem por aí. O mega-especulador George Soros acena para uma
iminente "falência" da economia brasileira, que abalaria
seriamente indústrias americanas e mercados financeiros mundiais. Numa
entrevista à TV americana ABC, Soros declarou que, com o risco Brasil
próximo aos 2.500 pontos e a provável eleição de
Lula, o governo deverá ser obrigado a dar um calote em sua dívida
pública.
"Temos um problema no Brasil. O Brasil está perto de ter
eleições. Será eleito um presidente que não
é apreciado pelos mercados financeiros. As taxas de juros
(risco-país) vão chegar a 25%. A essa altura, o Brasil
estará falido". Soros afirmou que o colapso da dívida
brasileira não pode ser evitado porque o FMI, os EUA e os países
europeus estão passivos. A dúvida está no rumo que Lula
seguirá: se o do respeito aos contratos firmados, da responsabilidade
fiscal, do combate à inflação; ou da
tentação do crescimento a qualquer preço, com o retorno da
inflação alta e da desordem financeira - que, no entanto,
alegrará uma parcela da classe dominante, aquela que considera
inadmissível uma experiência da esquerda no poder.
Transição incerta
Outra versão menos catastrófica, mas ainda carregada
está num editorial do "Financial Times" deste final de
semana. "O Brasil merece contar com o benefício da
dúvida" levou o "olho" que dizia "Possibilidade de
vitória de Lula gera uma angústia injustificada entre os
investidores". Considera "o perigo" de que "os investidores
internacionais que injetaram mais de US$ 150 mil milhões (cerca de R$
581 mil milhões) no país na última década estejam
reagindo exageradamente ao fato" de Lula se tornar o novo presidente do
Brasil. Diz:
"Não haveria sentido em se subestimar os riscos que o Brasil
enfrentará caso Lula se torne presidente. A conversão do
líder Partido dos Trabalhadores (PT) à política
social-democrata no estilo europeu e o seu compromisso em manter os fundamentos
da estabilidade econômica, tais como as metas da inflação e
a taxa flutuante de câmbio, são fenômenos recentes.
Além do mais, interesses importantes ligados ao PT, tais como o
movimento sindical do funcionalismo público e o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), não estão convencidos com os
compromissos assumidos por Lula. Durante a sua campanha, Lula também
demonstrou pouco entusiasmo para lidar com o sistema brasileiro de
previdência social, que é caro, ineficiente e socialmente
injusto".
Prossegue, pleno de dúvidas: "Além disso, o líder
brasileiro não assume a presidência até o início do
próximo ano, fazendo com que o país se depare com uma
transição incerta. Quando chegar o momento de Lula assumir, o
perfil da dívida brasileira poderá ter se deteriorado ainda mais.
Cerca de metade da dívida pública está na forma de
dólares ou vinculada à moeda norte-americana. Portanto, a
desvalorização do real aumentou os custos do serviço da
dívida. Isso, por sua vez, vai fazer com que seja mais difícil
para o Brasil atingir as metas fiscais estabelecidas junto ao Fundo
Monetário Internacional, quando o país conseguiu junto à
instituição, no mês passado, um pacote de US$ 30 mil
milhões (cerca de R$ 116,2 mil milhões)".
"Uma chance ao Brasil e a Lula"?
E pondera o editorial do FT: "No entanto, Lula pode vir a demonstrar ser
mais eficiente do que muitos esperam. Os governos do PT em várias
cidades e estados exibiram administrações pragmáticas,
eficazes e transparentes. Lula, de forma equivocada, descartou convidar o
competente Armínio Fraga para continuar no seu posto de diretor do Banco
Central. Mas, de maneira sábia, ele está preparado para convidar
figuras importantes da política brasileira e do setor privado para que
façam parte do seu governo. É improvável que o seu partido
conquiste mais de 20% das cadeiras no Congresso. Isso faria com que o seu
governo dependesse de alianças, incluindo, possivelmente, e
ironicamente, o PSDB, do presidente Fernando Henrique Cardoso. E é claro
que a vitória de Lula não é inevitável. Ele pode
ter que enfrentar um segundo turno, no qual José Serra, o candidato do
governo, teria a chance de relançar a sua campanha, até agora sem
expressão".
O FT conclui, otimista, em sua ótica: "Em várias frentes, a
economia brasileira está melhorando. O real mais fraco pode levar a uma
melhora do déficit, que poderia cair para US$ 10 mil milhões
(cerca de R$ 38,75 mil milhões) no ano que vem, contra US$ 23 mil
milhões (cerca de R$ 89 mil milhões) do ano passado. O real
desvalorizado poderia se recuperar. Isso, por sua vez, faria com que a
dívida assumisse um caráter bem mais saudável. Contra este
pano de fundo, a queda do real e da bolsa de valores, ocorrida na semana
passada, pareceu uma reação exagerada à provável
vitória do PT. Ao especularem com um colapso brasileiro, os investidores
dos mercados financeiros acabam fazendo com que tal colapso seja mais
provável. Eles deveriam dar uma chance ao Brasil e a Lula".
Uma corda para os afogados
Nas circunstâncias da densa sucessão, FHC age de modo
ambíguo e ainda tenta ajudar Serra, agindo com dois indicativos: (1)
tenta transferir parte de sua impopularidade para Lula e (2), em caso de
insucesso, buscaria neutralizar futuras iniciativas de julgá-lo por seus
crimes contra o povo e contra a soberania nacional. Os media (Folha de
São Paulo, 30/09/ 2002) sugerem que "nos bastidores, FHC
mantém relações com lideranças do PT" e que
"na reta final da eleição, o presidente Fernando Henrique
Cardoso tem trocado telefonemas com o presidente do PT, o deputado federal
José Dirceu (SP). Os dois, porém, combinaram negar para
não melindrar José Serra, o presidenciável tucano".
A notícia diz que "caso Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
vença a eleição, FHC quer a garantia de que não
será perseguido, com reabertura de investigações sobre
atos em seus dois governos (...) "Além disso, o presidente negocia
com o PT a aprovação do foro privilegiado para ex- autoridades,
regra que o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou em 1999. Hoje, FHC responde
penalmente perante o STF. Só o procurador- geral da República,
Geraldo Brindeiro, pode dar início a um pedido de processo penal contra
o presidente. No campo civil, FHC responde perante a primeira instância
da Justiça Federal. Procuradores da República, por exemplo, podem
propor ações de improbidade administrativa. Sem o foro
privilegiado, FHC poderá ser processado penal e civilmente em qualquer
comarca do país. Ou seja, estaria sujeito à ação de
juizes e promotores de primeira instância".
A FSP diz ainda que FHC levou em conta o crescimento de Serra num certo
momento. Mas depois da notícia publicada no argentino
"Clarín", segundo a qual admitia previamente a vitória
de Lula, pode-se esperar qualquer coisa. Junto com Serra, formam uma dupla de
afogados. Quem, sinceramente, há de estender-lhes uma corda? Com a
mão, dizia Lula outro dia, é muito arriscado.
Afinal, por que o Rio de Janeiro anda, nesses dias, mais estressado do que
nunca?
[*]
Jornalista brasileiro, assessor do PC do B na Câmara dos Deputados.
O original deste artigo encontra-se em
http://www.vermelho.org.br/diario/1001/antero_1001.asp
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