Nenhuma ilusão com o recuo de Bolsonaro

– Não nos iludamos com o aparente recuo de Bolsonaro
– Muito menos com as manifestações do dia 12!

Ivan Pinheiro[*]

Cartoon Hitler.

No início da noite de ontem (09/09), tornou-se pública a vergonhosa e cínica "Declaração à Nação", através da qual Bolsonaro recua de suas ameaças feitas no 7 de setembro, dizendo agora que não teve “intenção de agredir quaisquer poderes” e que suas palavras “por vezes contundentes, decorreram do calor do momento”.

Não há dúvidas de que o falso valentão fascista foi momentaneamente enquadrado pelo “comitê central da burguesia”, ao qual servem em tarefas operativas os comandos das forças armadas, do judiciário e do parlamento.

Com a hegemonia absoluta de que desfrutam em nosso país, ainda mais com o predomínio do sindicalismo pelego e do reformismo na chamada esquerda, nesta quadra as classes dominantes não precisam de golpes, ditaduras e muito menos do fascismo, armas a que recorrem para manter seus interesses, diante do ascenso de lutas populares, de riscos de insurreições e até mesmo de modestas reformas progressistas.

Mas mesmo Bolsonaro tendendo a partir de agora a perder em entusiasmo entre a parte mais radicalizada de seus apoiadores que foram às ruas respaldar a farsa da ameaça de golpe, o germe do fascismo restará em nossa sociedade como herança maldita da ofensiva reacionária, a partir de 2013, contra o reformismo cosmético e conciliador dos governos petistas, que não ousaram sequer tocar de leve nos fundamentos estruturais do capitalismo.

Essa ofensiva, insuflada pela mídia burguesa e operada por muitos atores e instituições que hoje se vestem de democratas, pavimentou o impedimento de Dilma e o caminho de Bolsonaro à Presidência, com o objetivo de avançar a pauta de contrarreformas que o petismo tinha dificuldade de oferecer com a pressa e a intensidade exigidas pelo capital. Curiosamente, por agora atrapalhá-las, Bolsonaro pode vir a ter o mesmo destino.

Mas não é hora de fazer prognósticos. A partir de agora, tudo pode acontecer, inclusive o presidente da Câmara rasgar ou desengavetar os pedidos de impeachment ou ainda a costura de um pacto no andar de cima, em que Bolsonaro siga como figura decorativa, a troco de uma garantia de não punição a ele e seus zeros filhos.

Não podemos descartar inclusive um novo surto golpista do inacreditável presidente, por pressão dos que hoje lhe cobram, com razão, o sacrifício com que se entregaram para militar a favor do “momento histórico” que imaginavam protagonizar e dos riscos que correram como soldados do alucinado capitão de bravata. O problema é que, independente de Bolsonaro, consolidou-se uma direita fascista orgânica e articulada, como se depreende da invasão da Esplanada dos Ministérios, na noite do 6 de setembro, e no posterior bloqueio de rodovias. Muita água vai rolar ainda debaixo desta ponte.

Mas não posso deixar de registrar minhas preocupações com a posição de algumas forças tidas como “de esquerda”, em face das anunciadas manifestações deste domingo, 12 de setembro. Em análise de conjuntura que expus no programa que o canal O Poder Popular transmitiu neste 7 de setembro, defendi que as forças anticapitalistas e anti-imperialistas não poderiam descartar, de forma doutrinarista, a disputa política de manifestações antibolsonaristas, com independência e unidade, ainda que elas se ampliem com a adesão de setores liberais e conservadores. Esta é uma questão de natureza tática, não de princípio.

Mas este definitivamente não é o caso das manifestações convocadas para este 12 de setembro. Não se trata de iniciativa para se somar às lutas em curso, mas de um atalho para desviar seus rumos.

Citei como exemplo o acerto de termos participado de lutas unitárias, como aquelas por eleições diretas (1984), mesmo quando – por conta de uma correlação de forças desfavorável, para a qual contribuiu o reformismo e a falta de independência de classe do PCB – elas foram aparelhadas por setores das classes dominantes, que trataram de conduzi-las para soluções que correspondiam a seus interesses. O mesmo ocorreu mais tarde no “Fora Collor”.

A insistência do PCB na política de frente ampla, equivocada desde o início dos anos 1980, contribuiu para o pacto de elites que resultou na eleição indireta de Tancredo e Sarney e na chamada “transição democrática”, na verdade a substituição “lenta, segura e gradual” da forma ditadura militar de exercício da hegemonia das classes dominantes para legitimá-la sob o manto da ditadura disfarçada de democracia burguesa.

Quando expus estas opiniões, não havia ainda tido notícia da absurda decisão de figuras da esquerda parlamentar (do PDT, PSOL e PCdoB) de adesão às manifestações capitaneadas pelo MBL, movimento de direita liberal que impulsionou o golpe que levou ao impedimento de Dilma Rousseff e à eleição de Bolsonaro, apoiada por estes golpistas.

Ao contrário dos grandes atos de massa no auge da campanha “Diretas Já!”, convocados por praticamente todas as vertentes da oposição à ditadura, a manifestação deste domingo é uma iniciativa assinada pelos setores de centro e de direita, com uma pauta estritamente institucional, com vistas às próximas eleições.

Trata-se de uma manobra, insisto, para tomar o protagonismo da esquerda nas manifestações e desviá-las para um novo pacto burguês, com vistas a fortalecer a hoje desidratada “terceira via” ou, se isso não for possível, render-se ao favoritismo de Lula, para rebaixar mais ainda o nível de conciliação e “união nacional” que ele se dispõe a oferecer ao capital. O PT e outros setores da esquerda socialdemocrata que tendem a apoiar Lula no primeiro turno podem até ser atraídos por esta iniciativa, de olho nesta segunda hipótese.

Como a campanha eleitoral de 2022 na prática já começou, este é um sinal de que as manifestações antibolsonaristas poderão bifurcar-se a partir de agora, o que não ocorreu em 1984, porque não havia eleições marcadas, mas a luta por elas, que só vieram acontecer em 1989.

Esta manobra da centro-direita é mais uma nova e importante razão para que as organizações políticas e populares de orientação anticapitalista e anti-imperialista abram um diálogo entre si, na perspectiva da unidade de ação nas próximas lutas, sejam quais forem os campos desta batalha, com o objetivo de construir um bloco político com total independência, não só em relação à centro-direita burguesa, como também aos socialdemocratas que sempre apostam tudo nas eleições seguintes, iludindo os trabalhadores com a falácia da administração “progressista” do capitalismo.

Esta unidade de ação não pode ser apenas tática, restrita às lutas conjunturais e institucionais. Não cumprirá seu potencial estratégico se não a ligarmos às bandeiras pelos direitos e necessidades imediatas do proletariado e à agitação e propaganda da luta pelo socialismo.

A luta contra os governos burgueses de plantão não pode ser dissociada do combate ao capitalismo.

10/Setembro/2021


Transcrevo a seguir recente comunicado do PCB:

NÃO PARTICIPAREMOS DOS ATOS CONVOCADOS PARA O DIA 12 DE SETEMBRO

   A Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), reunida nesta quarta, dia 08/09, comunica à militância, aos amigos e simpatizantes do PCB a decisão de que o PCB e seus coletivos partidários não irão participar dos atos que estão sendo convocados para o próximo domingo, dia 12 de setembro, manifestações estas convocadas pelo MBL e pelas forças da direita.
   Seguiremos participando das articulações nacionais da Campanha Fora Bolsonaro, das frentes dos movimentos populares, do Fórum Sindical, Popular e de Juventudes e das plenárias de lutas em defesa das liberdades democráticas e dos direitos da classe trabalhadora, para a construção de um novo calendário de lutas e mobilizações, com vistas a ampliar as manifestações de rua contra Bolsonaro e a burguesia que o sustenta e avançar na construção da greve geral, para barrar o golpismo, os ataques do capital e o governo genocida.
   Comissão Política Nacional do PCB

[*] Membro do CC do PCB

O original encontra-se em pcb.org.br/...

Este artigo encontra-se em resistir.info

14/Set/21