Globalização ou neocolonialismo?
O FMI e a Armadilha do Ajuste
Ruy Braga
(*)
Este artigo pretende, partindo de considerações a respeito da
integração da sociedade brasileira ao processo de mundialização do
capital - efeitos econômicos, sociais e políticos -, apreender os eixos
centrais através dos quais o imperialismo reorganiza suas estratégias
restauracionistas.
“Uma reunião dessa
amplitude tem um efeito político óbvio. Estamos construindo um mundo
multipolar. Nesse mundo, os EUA têm predomínio militar, tecnológico. Não
queremos criar um polo contra, mas outros pólos a favor”.
FHC em sua avaliação final da cúpula do Rio;
Folha de S. Paulo
,
30/06/99.
|
APRESENTAÇÃO.
História conhecida, o final da
década de 60 marcou a crise mundial do imperialismo. Os povos do Terceiro
Mundo, liderados por populistas-nacionalistas como Nasser, ou comunistas como
Ho-Chi-Mhin; lutaram, por vezes de maneira desesperada e heróica contra
agressões selvagens do império
norte-americano.
Conquistando
sua independência nacional ou o controle sobre suas riquezas, o fato é que, no
seu conjunto, tais lutas contribuíram decisivamente com a montagem de uma
renovada correlação de forças em nível mundial, mais afinada com as aspirações
dos povos oprimidos. Paralelamente, o núcleo duro da estrutura imperialista, os
EUA, assim como seus aliados europeus, sofrem com o transtorno causado pelo
acirramento das lutas de classes, no interior de seus próprios territórios.
O
Maio de 68, a luta dos negros, o “Outono Quente”, a luta das feministas, dos
imigrantes...; o movimento operário rejuvenecido pela aliança com o movimento
estudantil; formas mais ou menos tradicionais da guerra entre as classes
emergem e se difundem, questionando o Estado, a economia, as convenções sociais
mais arraigadas – como a família patriarcal, por exemplo -, o lixo cultural
imposto pela sociedade de consumo, a religião e outros.
O controle sobre as decisões
centrais – incluídas aí, as decisões sobre o governo da economia – escapavam
das mão da burguesia. O imperialismo, acuado, vê seus lucros despencarem, seus
modelos econômicos ruirem, seu poder político reduzir-se.
Ao longo da década de 70, contudo, o império
rearticulou suas forças, preparando o contra-ataque. A reação monetarista –
mais conhecida por neoliberalismo -
unificou, decididamente, as bandeiras monopólicas sob a ditadura da
dinâmica dos ajustes estruturais – as reformas do FMI e do Banco Mundial.
A ARMADILHA DO AJUSTE: NEOCOLONIALISMO E PODER
TRANSNACIONAL
O
neoliberalismo, sob o pretexto de controlar a inflação, construiu sociedades
radicalmente desiguais a partir da crença em que os elevados recursos que
seriam concentrados nas mãos dos ricos pudessem dar origem a uma autêntica
elevação dos níveis de investimentos.
Essa estratégia, ancorada em políticas de “exclusão social”, pode não
ter servido para a retomada do investimento produtivo (foi a especulação
financeira
a maior beneficiada por esse
processo) contudo, facilitou, em muito, o aumento da subordinação das
economias
nacionais aos ditames dos
Fundos Internacionais.
De fato, no Terceiro Mundo, neoliberalismo tornou-se sinônimo de:
“aplicar o que dita a ortodoxia
econômica
do Banco Mundial e do FMI”.
Nos dias atuais, não existe, na América Latina, qualquer ministro de Estado que
possa tomar uma decisão macroeconômica importante, sem o consentimento da
tecnoburocracia mundial do FMI; e, aparentemente, a situação não muda muito em
relação aos países do Leste Europeu.
A financeirização do capital, ou seja, o domínio do capital financeiro sobre o
conjunto das atividades produtivas, redefiniu as grandes estratégias do
sistema. Os ajustes estruturais das economias dependentes e a reestruturação
produtiva correspondem às duas faces da mesma moeda: o neocolonialismo.
Uma
após a outra, as economias dos países subalternos, caem diante da força desta
nova
etapa da internacionalização do capital. As burguesias nacionais capitulam
vergonhosamente e passam, num rápido intervalo, de defensoras de um projeto
nacional-desenvolvimentista relativamente autônomo, a “correias de transmissão”
dos mercados financeiros transnacionais.
Apesar
da crise do neoliberalismo, a lógica da recolonização permanece inalterada. O
México, em dezembro de 1994; o Sudeste Asiático, em 1997; a Rússia, em 1998; ou
o Brasil, em 1999; não foram suficientes. A ofensiva dos fundos parece ignorar
a crescente instabilidade internacional. Aumentam o arroxo e intensificam a
rapina, como o caso do novo acordo do Brasil com o FMI parece ilustrar. Mesmo
propostas conservadoras como a “taxa Tobin” não ganham terreno no debate
econômico dos Fundos.
O Plano Real representa a tentativa
brasileira de integrar, tardiamente, este momento renovado do imperialismo. As
características gerais seguem o padrão imposto pela nova estratégia dos
“fundos” – FMI, BM ... – para as “economias emergentes”: desregulamentação dos
direitos sociais, ajustes fiscais, privatizações, “reformas” estruturais e
políticas...
O
endividamento internacional, por sua vez, aumenta, tendo em vista a necessidade
da manutenção das conversões dolar-real, do financiamento dos investimentos,
mas, sobretudo, do financiamento das importações.
[1]
O
governo remunera criminosamente os capitais transnacionais, na sua maioria
especulativos, elevando brutalmente a taxa de juros – a maior do planeta – o
que acarreta o aumento sem precedentes das dívidas externa e interna.
[2]
Segundo dados da grande imprensa, somente em maio deste ano, a União – junto
com Estados e municípios – gastou R$ 10 mil milhões com juros sobre sua dívida.
[3]
Levando-se
em consideração que a arrecadação de impostos do governo federal, por mês, gira
em torno de R$ 13 mil milhões, é possível perceber que os gastos com juros,
praticamente, consomem toda a arrecadação do Estado.
O
FMI, por sua vez, apoia a política do governo no intuito de adiar a quebradeira
inevitável e garantir que o governo FHC complete a desnacionalização total da
economia brasileira. A desnacionalização aumenta a dívida externa. Com a
economia nas mãos das grandes transnacionais, cria-se uma verdadeira sangria
permanente de despesas com dólar.
Por
um lado, o consumo de dólares com as importações aumenta – as filiais compram
praticamente tudo fora do país; por outro, elevam-se as remessas de lucros e
dividendos para o exterior. Por falta de expressão mais adequada, chamaremos
este processo de
armadilha do ajuste
estrutural
.
Evidentemente,
os meios de comunicação de massa e a esmagadora maioria dos intelectuais
burgueses buscam, a todo custo, minimizar o efeito devastador imposto às
classes trabalhadoras brasileiras por este quadro. A responsabilidade pela
crise passa por “erros” do governo federal, “acidentes” de percurso na condução
da política econômica, contingências de toda ordem.
Afirmam
os acólitos que a “globalização dos mercados” implica certos transtornos no que
diz respeito à condução da abertura econômica e retomada do crescimento,
contudo, em breve, feitas as “lições de casa” – as reformas estruturais -, o
país tem tudo para debutar no campo das nações “que deram certo”.
Evidentemente,
o discurso do governo corresponde ao revivificado esforço do poder em ocultar a
exploração e a dominação classista. Procuram dissimular, através da retórica
“globalizante”, a violência do atual processo de recolonização em escala
mundial.
[4]
De
fato, a hipótese segundo a qual o crescimento econômico dos países do norte
desenvolvido não mais se encontraria atrelado à condição subalterna do sul
subdesenvolvido, tornou-se moeda corrente no debate teórico e político em
geral.
[5]
Tal
hipótese reproduz e sustenta o dogma alardeado ininterruptamente pelos meios de
comunicação de massa: o mundo atravessa um período de ruptura radical com o
passado no qual não mais teriam vigência as relações de opressão e exploração
características do período imperialista.
[6]
Contudo,
apesar de todo os esforços ideológicos da mídia e dos intelectuais burgueses,
cada dia mais as estruturas transnacionais de poder desempenham um papel
determinante na guerra de posição da burguesia contra os povos oprimidos de
todo o mundo. Tentaremos tratar desse problema através da discussão a respeito
das estratégias de
ajuste estrutural
impostas pelos Fundos Internacionais ao conjunto dos países capitalistas
subalternos.
Obviamente,
tal ênfase da análise não esgota a questão. Todavia, fornece-nos importantes
elementos para enfrentarmos a ideologia burguesa, leia-se globalização, que, de
uma maneira ou de outra, afirma o declínio das estruturas de domínio
capitalistas.
Para
os intelectuais burgueses, o fim do domínio imperialista é tão certo quanto a
necessidade do país trilhar os caminhos inevitáveis impostos pela “globalização
dos mercados”. Contudo, as certezas desse debate volatilizam-se quando
confrontadas a certos indicadores básicos de distribuição e concentração de
riquezas, já de domínio público. Por exemplo, o abismo existente entre os
países imperialistas
e os países subalternos
aumenta dia após dia.
[7]
O
faturamento das cinco maiores empresas do mundo, por exemplo – algo em torno de
US$ 526,1 mil milhões -, é maior que o PIB de todos os países do Oriente Médio
e da
África do Norte juntos – aproximadamente US$ 454,5 mil milhões. As transações
entre
estas cinco firmas representam um terço do comércio mundial e seus
investimentos diretos no exterior chegam a US$ 2 trilhões. A riqueza, por sua
vez, concentra-se cada vez mais.
[8]
Os bens dos 358 maiores multimilionários do planeta são maiores do que o total
da renda anual de 45% da população mundial.
[9]
As
chamadas economias centrais, por outro lado, que representam 15% da população
mundial controlam perto de 80% da renda global, enquanto os capitalismos
subalternizados contando com 58% da população do planeta receberam, em 1991,
aproximadamente 4,9% da renda mundial. Enquanto resultado dessa brutal
concentração de riquezas, estimativas apontam para o número de 25 milhões de
crianças do Terceiro Mundo vitimadas pela fome e falta de medicamentos.
[10]
A
atualidade da problemática sobre o imperialismo exige, também, um esforço de
indicar as alterações, características da atualidade, operadas desde a época de
Lenin.
[11]
Em contraste com um passado não muito distante, as classes dominantes dos países
subalternos, nos dias atuais, encontram-se ativamente associadas ao sistema de
dominação, tendo feito do pagamento da dívida e do ajuste estrutural, o eixo
central de suas políticas. Na verdade, é preciso examinar quais conceitos são
hoje requeridos para entendermos um processo que, sob nossos olhos, recoloca-se
em condições tecnológicas, econômicas e geopolíticas profundamente renovadas.
Durante
toda a década de 80 com a difusão do processo de homogeneização da base técnica
do capital e, particularmente, após a derrocada dos países do Leste Europeu e o
fim da União Soviética, podemos constatar uma universalização geográfica e
estrutural, sem precedentes históricos, do modo de produção capitalista. Com o
“apagamento” da experiência soviética, o domínio do capital financeiro
transnacional parece já não mais encontrar limites ou obstáculos.
Mediante
a ação de instâncias de poder como o Banco Mundial, o FMI, a Organização
Mundial do Comércio, assim como a intervenção militar norte-americana
respaldada pela bandeira da ONU – Guerra do Golfo, Guerra dos Balcãs... -, o
imperialismo dispõe nos dias de hoje, de um inédito sistema mundial de poder.
Graças à chantagem da dívida ou ao poderio militar norte-americano, o
imperialismo exerce sobre os países do Terceiro Mundo uma ditadura muito mais
poderosa e implacável que no passado.
Através
desse mecanismos - o ajuste estrutural, por exemplo - o imperialismo recompõe a
subalternidade social e material das classes e Estados, integrando-os a um
amplo e articulado quadro de dominação mundial: austeridade salarial, cortes
orçamentários na educação e saúde, privatização de empresas públicas, produção
para exportação em prejuízo do mercado interno...
O
imperialismo enquanto teoria
totalizante
que busca apreender a multiplicidade contraditória de aspectos encerrados no
processo de reprodução das bases sociais e materiais da economia mundial,
segundo um dado estado de desenvolvimento do capitalismo, sempre foi uma
questão central para o marxismo revolucionário.
Dada
a correlação de forças entre as classes, o brutal influxo do projeto socialista
e a luta ideológica em curso, é necessário restabelecer as relações com tal
problemática a partir dos traços mais marcantes que constituem o imperialismo
contemporâneo.
Nesse
espírito, é necessário apontar para a necessidade de analisarmos a organização
da economia capitalista partindo de transformações relativamente endógenas
–
reativas e auto-acomodativas –, que
marcaram profundamente o modo de reprodução do capital nos países imperialistas
a partir da crise orgânica responsável pelo fim do período de crescimento do
pós-guerra.
A
constituição de uma mercado mundial de capital-moeda e a manutenção da taxa de
lucros reais num nível sem precedentes na história do capitalismo, constituem
meios através dos quais o imperialismo busca recompor os fundamentos de seu
domínio. Para Husson, tal processo, por muitos denominado de
financeirização
do capital, não pode ser compreendido sem levarmos em consideração o
estabelecimento de uma renovada estrutura de reprodução do capital:
“A realidade
deve, pois, ser analisada a partir da repartição do produto em três grandes
categorias de renda: os salários, as rendas financeiras e o lucro da empresa. A
repartição primária entre salário e mais-valia obedece, hoje em dia, a uma
lei tendencial bastante simples, segundo a qual o salário real não progride, de
tal modo que o essencial dos ganhos de produtividade são apropriados sob a
forma de mais-valia relativa. As taxas de lucros reais extremamente elevadas
correspondem a direitos de extração sobre essa mais-valia que tendem a captar
uma parte crescente da renda nacional e, portanto, marginalmente, uma proporção
importante dos ganhos de produtividade. O lucro das empresas não se
restabelece, pois, nas mesmas proporções
que o bloqueio dos salários permitiria realizar, se a parte das rendas
financeiras não viesse se interpor”.
[12]
|
A reorganização das bases do neocolonialismo encontra-se organicamente
articulada às diversas ofensivas neoliberais tanto no norte, quanto nas
economias subalternas do sul - e mais recentemente no Leste Europeu. Este
processo aponta para a predominância dos movimentos de investimento direto e
sua concentração nos países industrialmente desenvolvidos.
A interpenetração de capitais de diferentes nacionalidades
[13]
e a conseqüente centralização do capital (80% do comércio mundial é controlado
por não mais do que 500 grupos transnacionais) conduzem à constituição daquilo
que poderíamos designar de oligopólios mundiais:
“Essa
centralização do capital é contraditória e adota formas renovadas. Os grandes
grupos são rivais e, dessa perspectiva, a constituição de oligopólios não reduz
em nada o
atrito
dos efeitos da
concorrência, mas esses são amenizados a partir da introdução de acordos de
cooperação, notadamente no domínio dos gastos com
pesquisa. Os grandes grupos encerram, logo, interesses comuns que
resultam da necessidade de se defender tal espaço contra a entrada de novos
concorrentes”.
[14]
|
O
neocolonialismo resulta, exatamente, do conjunto das estratégias privadas de
grandes grupos industriais e financeiros. Desse modo, a renovada ofensiva
imperialista não pode estar desvinculada do avanço das políticas neoliberais,
assim como do conjunto das mutações teconológicas e organizacionais em curso.
A
orientação neoliberal da última década encontra-se igualmente articulada à
restauração das bases do domínio imperialista: abertura comercial,
privatizações, desregulamentação financeira, tudo, evidentemente, contribuindo
com a supressão dos instrumentos institucionais de intervenção nos mercados e
dos obstáculos à circulação do capital-moeda.
FMI, AUSTERIDADE E MERCADOS: ASPECTOS DA CONTRA-REVOLUÇÃO MUNDIAL
Temos,
pois, como traços constitutivos desse processo, por um lado, a dissolução
tendencial
(e que nunca será absoluta,
como querem alguns) da unidade constitutiva das economias periféricas; e, por
outro, uma crescente extra-territorialidade marcando as próprias mercadorias.
O
aparelho produtivo parece autonomizar-se mais e mais em relação aos mercados
nacionais sendo que, atualmente, uma proporção cada vez maior das trocas
externas de um dado país constituem, na verdade, trocas internas aos
oligopólios mundiais.
[15]
Através
dos programas de ajuste estrutural, elaborados com o objetivo de indicar aos
países endividados os meios para a obtenção dos recursos necessários ao
pagamento dos juros, o FMI e o Banco Mundial condicionam sistematicamente seu
“auxílio” financeiro à colocação em prática
dos planos elaborados e definidos por sua tecnoburocracia mundial.
Numerosos países endividados passam, desse modo, à tutela do sistema financeiro
internacional que, por sua vez, recoloniza o Terceiro Mundo.
O discurso oficial a respeito do ajuste das
economias nacionais, apresenta-se como o único possível, pois adaptado às
condições da economia mundializada. A prioridade total às exportações, política
integrada ao esforço de pagamento dos juros da dívida, desemboca numa
concorrência generalizada envolvendo os países do Terceiro Mundo e cujos
desdobramentos estratégicos auxiliam a consolidação do neocolonialismo.
[16]
De
fato, no decorrer dos anos 80 é possível verificar um brutal aumento das
disparidades existentes entre os países imperialistas e as nações
subalternizadas.
[17]
Em grande
parte, a responsabilidade pelo aumento do fosso que separa as economias “ricas”
das “pobres”, deve ser creditada às diversas reestruturações das economias
endividadas do Terceiro Mundo mediante o advento dos programas de ajuste
estrutural.
Essas
reestruturações orientadas pelo FMI e pelo Banco Mundial em direção à “economia
de mercado” encerram o claro objetivo de “terceiro-mundializar”, por exemplo. a
Europa do Leste e a ex-URSS, ao mesmo tempo em que concentra renda e bem-estar
social em determinados setores das economias de mercado “desenvolvidas”.
No
caso do Terceiro Mundo, o ajuste visa não somente cortar gastos sociais e
suprimir políticas compensatórias mas, sobretudo, engendrar uma hegemonia
restaurada do capital financeiro transnacional sobre os rumos dos diversos
governos regionais. Desse modo, os programas de ajuste estrutural preconizados
pelo FMI constituem um poderoso instrumento da contra-revolução em escala
global no sentido da recomposição das bases sociais e materiais da
subalternidade política das classes trabalhadoras.
Nestes termos, tais programas vinculam-se com
aquilo que poderíamos chamar de
processo
de empobrecimento global
.
[18]
A aplicação da cartilha econômica advogada pelo FMI conduz os diversos Estados
subalternizados a uma compressão de suas rendas reais e ao reforço da economia
de exportação orientada
por uma
força-de-trabalho barata.
Simplesmente
para ilustrarmos o alcance dessa estratégia de ajuste, a mesma receita de
“austeridade” orçamentária (ou seja, corte dos chamados gastos sociais com
saúde e educação, por exemplo), liberalização do comércio e privatizações é
aplicada simultaneamente em mais de 80 países endividados do Terceiro Mundo,
Leste Europeu e da ex-URSS.
Os
países endividados
perdem sua soberania
econômica e o controle das políticas econômicas e monetárias, os Bancos
Centrais e Ministérios das Finanças são reorganizados, as instituições estatais
são dissolvidas e a “tutela econômica” do FMI é instalada.
[19]
Assim,
os países do Terceiro Mundo e, mais tardiamente o Leste Europeu, são
tendencialmente impossibilitados de desenvolver sua economia nacional voltada
para o atendimento das demandas das massas trabalhadoras. A internacionalização
da política econômica transforma os países em territórios economicamente
abertos e as economias nacionais em reservas de força-de-trabalho barata e de
recursos naturais acessíveis.
Dado
o endividamento externo, o FMI e o Banco Mundial obrigam, tipo freqüente de
chantagem econômica, a reorientação mais “apropriada” da política econômica das
muitas nações subalternas, de acordo com o interesse dos grandes credores
internacionais. Um dos objetivos passíveis de análise é aquele que aponta para
a imposição dos serviços da dívida, de modo a impedir aos países devedores
esforços no sentido do estabelecimento de uma política econômica nacional
independente.
[20]
Outro
traço marcante do neocolonialismo - fundado, em grande medida, sobre a
internacionalização dos preços das mercadorias e a existência de um mercado
mundial integrado - encontra-se na separação estanque entre dois mercados de
trabalho distintos.
Tal sistema de mercado caracteriza-se por uma
dualidade na estrutura salarial e de custo do trabalho opondo países ricos e
pobres. Enquanto os preços são unificados e alinhados sobre a base mundial de
referência, os salários e custos do trabalho no Terceiro Mundo e Leste Europeu
são setenta vezes mais baixos que os verificados nos países da OCDE.
[21]
As
políticas de fomento às exportações elaboradas pelo sistema financeiro
internacional para os países subalternos contribuíram decisivamente para a
diminuição do preço das matérias primas e produtos manufaturados, beneficiando
o crescimento das potências centrais.
Sob a
influência das instituições baseadas em Washington, um número crescente de
nações é encorajado a transitar para o campo das exportações de produtos
semi-industrializados ou a desenvolver manufaturas que empreguem
força-de-trabalho barata. Esta política diminui o preço pago ao produtor
direto, aumentando a diferença entre o que se paga ao produtor e o preço de
venda final do produto.
[22]
Outro
aspecto interessante a ser realçado remete-se ao fato de que os empréstimos dos
Fundos aos países subalternos são financiados pelas próprias nações
pobres. Entre 1986 e 1990, a transferência
líquida de recursos do FMI para o Terceiro Mundo estava na ordem de 31,5
mil milhões de dólares. Esse montante representa aproximadamente 22% do total
líquido das transferências
partindo de
países subalternos em direção às potências imperialistas.
[23]
Invariavelmente,
reformas macro-econômicas substanciais são exigidas pelos Fundos como condição
para a aprovação de empréstimos aos países reféns da dívida. Dessa forma, os
governos das nações devedoras devem fornecer ao FMI a prova de que se encontram
engajados ativamente na realização das reformas melhor afinadas com as
imposições dos Fundos.
A
estabilização macro-econômica de curto prazo, compreendendo a desvalorização da
moeda, liberalização dos preços e austeridade fiscal, por sua vez, é seguida
pela colocação em prática de um certo número de reformas estruturais
“necessárias”.
A
primeira fase do ajuste, portanto, corresponde à redução do emprego no setor
público acompanhado por cortes drásticos nos programas de caráter social. Tais
medidas de austeridade objetivam alcançar todas as categorias das despesas
públicas. Eliminam-se subsídios aos produtos e serviços fundamentais, com um
imediato e evidente impacto sobre o nível salarial.
A
desregulamentação dos preços de produtos alimentícios de primeira necessidade,
como os cereais, por exemplo, e a liberalização das importações de reservas de
comida, traduzem-se em traços essenciais desse programa. A fixação do preço do
petróleo e derivados, e dos serviços públicos, por sua vez, é efetivada sob o
controle dos Estados mas sob rígida supervisão do Banco Mundial.
O
FMI, por sua vez, impõe a compressão salarial mediante a implementação da
escala móvel dos salários, ou seja, desindexação salarial acompanhada de
liberalização em relação ao mercado, eliminando qualquer cláusula de indexação
vinculada ao aumento do custo de vida.
[24]
À
estabilização macro-econômica, segue-se a aplicação “necessária” das reformas
estruturais. A liberalização do comércio a partir da supressão das tarifas
protetoras da produção para o mercado interno é acompanhada pela liberalização
do sistema bancário com a privatização de bancos estatais de desenvolvimento e
a desregulamentação do sistema bancário comercial.
[25]
Nesse
contexto, o Banco Central dos países submetidos ao ajuste perde completamente o
controle da política monetária. Conforme o conjunto de acordos assinados em
1993, os bancos comerciais estrangeiros estão autorizados a entrar livremente
nos setores bancários nacionais.
[26]
A
política de privatizações de empresas estatais encontra-se indissoluvelmente
articulada à renegociação da dívida externa do país e à venda de bens das
empresas públicas. O produto dessas vendas, após ser depositado nas reservas do
Tesouro Nacional, é transferido para os Clubes de Londres e Paris.
Os
credores internacionais obtém, desse modo, o controle sobre as empresas
estatais sem realizar nenhum tipo de investimento real. Na verdade, quando um
grande número de países vende ou, simplesmente, negocia suas empresas públicas
ao mesmo tempo, o preço dessas sociedades estatais despenca no mercado
internacional. Resumidamente:
“O encontro das
medidas de estabilização econômica produziu uma perturbação econômica
destruindo a possibilidade de um
processo de desenvolvimento econômico nacional endógeno
sob o controle dos
mandatários políticos nacionais. O encontro das medidas de reformas constitui
um programa coerente que provocou o desmoronamento econômico e social. As
medidas de austeridade conduzem ao desmoronamento do Estado, a economia
nacional é remodelada, a integração da produção nacional em uma economia de
trabalho
barato é remodelada pela redefinição das relações internas envolvendo a oferta
e o emprego. A produção para um mercado interno é destruída pela compressão dos
salários reais, a produção interna é reorientada em direção ao mercado mundial.
Por sua vez, a liberalização das importações combinadas às medidas de taxação e
às reformas de preços tem por conseqúência impedir os produtores nacionais de
aceder ao mercado interno.”
[27]
|
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
ajuste estrutural não somente tem por efeito elevar os níveis de miséria e
degradação social dos países do Terceiro Mundo e do Leste Europeu, mais
recentemente
[28]
; como
dificulta também a capacidade dos trabalhadores em se organizarem e resistirem
ao aumento brutal das taxas de exploração absoluta e relativa, assim como à
elevação do preço de serviços como saúde e educação, sujeitos que estão à
estratégia de recuperação da taxa de mais-valia.
Sem
sombra de dúvidas, a estratégia do ajuste estrutural cristaliza um programa
complexo e articulado de múltiplas ofensivas anti-operárias. Na verdade, tais
ofensivas integram a terapia do FMI na medida em que essa se encontra baseada
sobre a ativa “desefetivação” da força-de-trabalho nos processos produtivos.
Com a orientação de toda a economia nacional no sentido do mercado mundial, as
“fábricas
ineficientes” não são mais
necessárias, nem mesmo para a produção destinada ao mercado interno.
O
processo de rearticulação das várias sociedades nacionais e sua inserção num
mercado global de força-de-trabalho barata, tem por efeito comprimir os níveis
de vida nos países onde tal política é aplicada: difusão da miséria, baixos
salários, mão-de-obra abundante, declínio dos partidos socialistas, crise de
direção do pensamento crítico...
A
crise, a instabilidade e as inomináveis condições de vida impostas à classe
trabalhadora dos países que participam desse ajuste, consolidam o terreno para
os grandes confrontos classistas que devem eclodir num futuro próximo.
Contudo,
um novo período histórico marcado pelo acirramento das lutas de classes poderá
ser desperdiçado pelos trabalhadores, caso a classe não supere os entraves
subjetivos sustentados por suas direções reformistas.
[29]
Ou seja, não enfrente audaciosamente o
problema da crise de direção, rompendo com a lógica recolonizadora.
O
neocolonialismo, por tudo isso, deve ser entendido como uma resposta
determinada do capital a sua crise. Resposta esta somada a outras, como a
reestruturação produtiva em curso, e que se apresenta enquanto um movimento de
contra-ofensiva social e ideológica, em escala mundial, disposto a transformar
todo o mundo à sua imagem e semelhança: a barbárie social.
[1]
Os efeitos da política econômica do governo tornaram-se ainda mais
evidentes com o processo de estagnação econômica que culminou na crise do Real.
A renda “per capita” do Brasil em 98, por exemplo, caiu pela primeira vez desde
92, quando o país enfrentava a recessão provocada pelo Plano Collor: “Dados do
IBGE mostram que o valor passou de R$ 5.413, em 97, para R$ 5.334, um recuo de
1,45%. A queda foi acentuada pelo crescimento da população em contraste com a
estagnação da economia, segundo o instituto. No ano passado, o PIB do país teve
recuo de 0,12% em relação a 97, o pior desempenho desde 92. (...). Descontada a
inflação do período, a soma dos bens e serviços produzidos pelo Brasil em 98
atingiu cerca de R$ 863 mil milhões, contra R$ 864,1 mil milhões no ano
anterior” (FSP,
25/08/99).
[2]
A taxa de juros anuais - já descontada a inflação, em % - é de
25,9, no Brasil; de 21,1, na Indonésia; de 18,4, na Colômbia; de 15,1, na
Argentina; de 12,8, na África do Sul; de 12,6, na China; de 12,5, na Venezuela;
de 11,8, em Hong Kong; de 10,8, na Turquia; e de 10,7, na República Tcheca
(FSP, 1
º
/09/99).
[3]
A dívida externa dos países neocoloniais saltou, ao longo da década
de 80 de US$ 658 mil milhões, para US$ 1.539 mil milhões. Em 1994, a dívida já
somava
US$ 1.945 mil milhões – sendo que, desse montante, US$ 1.538 mil milhões
correspondiam
à parcela de longo prazo. Comparativamente, a utilização do crédito do FMI
subiu de US$ 12 mil milhões, no início dos 80, para US$ 35 mil milhões no fim da
década. Em 1994, o uso do crédito ficou na casa dos US$ 41 mil milhões. Cf.
World
Bank,
World Debt Tables
, várias
edições.
[4]
É bastante sintomático que, nos marcos da crise cambial que
catalisou o colapso do Real, muitos foram aqueles, dentro do governo, a
defender a tese da substituição da moeda nacional pelo dólar. É difícil
imaginar exemplo mais claro da sujeição de todo um país aos imperativos
norte-americanos.
[5]
O contraste em relação às
análises teóricas e políticas de décadas passadas é absolutamente
flagrante:
“Entre 1950 e 1975, as
relações de força tanto no plano teórico quanto no plano prático envolvendo o
que ainda se poderia chamar de Norte e Sul, desenvolveram-se sobre um terreno
comum grosseiramente, mas fortemente balisado por análises e conceitos
produzidos pelos marxistas da Segunda e Terceira Internacional. Foi a época em
que dominaram as teorias da troca desigual, da dependência, dos efeitos da
dominação do centro sobre a periferia, a crítica aos grupos multinacionais.
Brevemente,
foi a época do enfrentamento entre o imperialismo e o anti-imperialismo”. F.
Hincker,
"Imperialisme: Présentation I",
Actuel Marx
nº 18,
Presses Universitaires de France, Paris, 2º Semestre de 1995, pp. 14-5.
[6]
A problemática do imperialismo deve ser entendida, a nosso ver,
como uma questão clássica que retorna com singular atualidade. Seguindo a
formulação de Lenin, o imperialismo caracteriza-se pelos seguintes elementos:
Aumento da concentração e da produção. Passagem da pequena para a grande
indústria,
com o capital industrial e o bancário se “fundindo”, originando o capital
financeiro. Aumento colossal das exportações de capital financeiro. Divisão dos
mercados mundiais pelos monopólios internacionais. Divisão territorial do mundo
pela moderna colonização. Expansão do capital financeiro e da sociedade por
ações, criando a classe dos
rentiers.
A
colonização que, de início, garantia fontes supridoras de matérias-primas e de
mercados, altera seu caráter, com o surgimento de Estados nacionais,
incorporando
outros
interesses, concessões,
monopólios, “áreas de influência” etc.
[7]
“No relatório sobre o estado mundial da agricultura e da
alimentação, de 1997, a FAO constatou que ‘há uma diferença crescente entre os
países com alto nível de consumo de alimentos e os com baixo’. Em outras
palavras, os ricos estão engordando, e os muito pobres estão cada vez mais
famintos. Nos 20 países em pior situação, a média de fornecimento de energia
por alimento caiu de 1.941 kcal/dia por habitante para 1.853 kcal/dia – na
comparação entre o triênio de 1989 a 1991 e de 1993 a 1995. (...). Ao mesmo
tempo, a população dos 14 países que mais comem viu seu consumo de energia
alimentar subir de 3.135 kcal/dia para 3.243 kcal/dia”.
FSP
, 2/06/1999.
[8]
Com o
aumento, em escala mundial, da polarização social é possível verificar, nos
fatos, a plena vigência da
lei geral da
acumulação capitalista
enunciada por Marx n’
O Capital
: a acumulação de miséria corresponde à acumulação de
capital.
[9]
E. Neto, “Uma Estratégia Revolucionária para o Brasil”,
contribuição ao seminário:
Que Esquerda?
Para qual Estratégia?
mimeo, 1999.
[10]
Cf. dados citados por M. Löwy, “Imperialisme: Présentation II”,
Actuel Marx
,
nº 18, Presses Universitaires de France, Paris, 2º Semestre de
1995. Ou ainda: “As diferenças de renda e de nível de vida entre os ‘ricos’ e
os ‘pobres’ alcançaram proporções sem precedentes: uma família média da pequena
burguesia dos arredores de Paris sustenta uma renda mais de cem vezes superior
em relação a um casal de camponeses do sudeste asiático. Um camponês filipino
deve trabalhar durante dois anos para ganhar o que um advogado novaiorquino
ganha em uma hora”. M. Chossudovsky, “La Pauvreté des Nations”,
Actuel Marx,
no. 18, Ed. PUF, Paris, 2o. Semestre de 1995, p.35.
[11]
A propósito de uma síntese da discussão “clássica” sobre a
problemática do imperialismo, inscrita nos marcos teóricos de um esforço cujo
objetivo seria o de romper com as limitações do debate sobre a globalização,
ver, sobretudo, A. Lefebvre, “De la Mondialisation à la Mondialité”,
L’Homme
et la Société
, no. 113, Éditions L’Harmattan, Paris, 1994.
[12]
M. Husson, “Les Trois Dimensions du Néo-Impérialisme”,
Actuel Marx
no.18, Presses
Universitaires de France, Paris, 2o. Semestre 1995, p. 23. Husson indica, na
realidade, um esquema de reprodução relativamente coerente em seu princípio (e
oposto à “era de ouro” de crescimento com distribuição de renda do pós-guerra),
cuja regra fundamental é a não distribuição aos salários dos ganhos de
produtividade.
[13]
“(...) Assiste-se, em numerosos setores, à formação de um mercado
mundial realmente unificado que substitui a simples justaposição de mercados
nacionais. Esse mercado relativamente unificado tende a constituir o horizonte
estratégico natural das grandes firmas; o desmoronamento das sociedades
burocráticas de Estado não fazem mais que amplificar o movimento”. M. Husson,
op. cit.
1995, p.26.
[14]
M. Husson,
op. cit.
1995.
P. 27.
[15]
Cf. dados citados por F. Chesnais,
A Mundialização do Capital,
SP, Ed. Xamã, 1995. “Um divórcio
crescente pode aparecer entre a saúde das empresas e a dinâmica econômica de um
determinado país. A volatividade dos movimentos de capitais e sua sensibilidade
às considerações de curtíssimo prazo contribuem para o restabelecimento das
margens de manobra da política econômica engendrando crescentes atribuições no
que concerne ao ajuste salarial. A política econômica tende a se reduzir ao
emprego das condições gerais da ‘atratividade’ do espaço econômico nacional”.
M. Husson,
op. cit.
1995, p.28.
[16]
Graças à volatilidade dos capitais é possível manter uma pressão
constante sobre os salários cada vez mais baixos e que não podem aumentar sob
pena de perderem sua vantagem comparativa em relação aos vizinhos. A
competividade entra em flagrante contradição com a extensão do mercado interno.
Dessa maneira, são reproduzidas as relações capitalistas de dominação,
reforçadas ainda mais mediante o exercício do monopólio tecnológico pelos
oligopólios mundiais.
[17]
Cf., entre outros, dados citados por M. Chossudovsky,
op. cit.
1995; e J. Petras,
Ensaios contra a Ordem,
SP, Ed. Scritta,
1995; e
Armadilha Neoliberal,
SP, Ed,
Xamã, 1999.
[18]
Cf., a este respeito, M. Chossudovsky,
A Globalização da Pobreza: Impactos das Reformas do FMI e do Banco
Mundial,
SP, Ed. Moderna, 1999.
[19]
A estratégia dos fundos exige, além do sucateamento dos mecanismos
de Estado para as demandas sociais, um brutal reforço dos órgãos de segurança
interna, o exército e o aparato policial. A repressão política vem se somar à
repressão econômica. As diversas rebeliões contra os principais efeitos dos
programas de ajuste são, freqüentemente, debeladas sob forte repressão militar.
[20]
Evidentemente, os países que se recusam a aceitar as medidas da
política “corretiva” do FMI e do Banco Mundial, acabam, fatalmente, por
encontrar
enormes dificuldades para remodelar suas dívidas e obter novos créditos ao
desenvolvimento econômico. O FMI detém, dessa forma, o poder de desestabilizar
agudamente as economias nacionais através do bloqueio ao crédito de curto
prazo, o qual sustenta o comércio das mercadorias de consumo massificado.
[21]
Cf. dados citados por F. Hincker,
op. cit.
1995. Os países de renda escassa e média recebem 20%
da renda mundial, entretanto, respondem por
uma porcentagem incomparavelmente maior da produção mundial: “O fato é que para
cada dólar de produção e renda gerada no Terceiro Mundo, entre três e dez
dólares de ‘valor agregado’ são transferidos aos países ricos sem que exista
uma única atividade explicitamente ‘produtiva’ nos países desenvolvidos”. M.
Chossudovsky,
op. cit.
1995, p.42.
[22]
Levando-se em conta que as mercadorias produzidas nos países
subalternos são importadas por preços internacionais muito baixos, o “valor”
registrado das importações feitas pela OCDE destes países é relativamente
pequeno (isto é, em comparação com o total dos negócios, bem como em relação ao
valor da produção doméstica). Contudo, quando essas mercadorias entram nas
redes atacadistas e varejistas dos países imperialistas, seus preços são
multiplicados várias vezes. O preço do varejo das mercadorias produzidas no
Terceiro Mundo é, freqüentemente, até dez vezes maior que aquele pelo qual
foram importadas. Assim, um “valor agregado” é criado artificialmente nas
economias dos países imperialistas, sem que ocorra nenhum tipo de produção
material.
Em outras palavras, o grosso dos lucros dos produtores primários é apropriado
pela burguesia imperialista. Cf., entre outros, dados citados por M.
Chossudovsky,
op. cit.
1999, pp.
76-84.
[23]
Cf. dados citados por M. Chossudovsky,
op. cit.
1995, p. 50.
[24]
O FMI, por exemplo, insiste sobre a desindexação salarial,
apresentando-a como condição necessária à renegociação da dívida. No intuito
de obedecer a esse tipo de imperativo,
greves são duramente reprimidas e consideradas ilegais, assim como lideranças
dos movimentos sindical e popular são, sistematicamente, presas e barbaramente
assassinadas.
[25]
No caso brasileiro, apesar da privatização oficial não ter, ainda,
atingido o BNDES, por exemplo, é evidente que uma “privatização branca” já foi
realizada há bastante tempo. O recente escândalo do processo de privatização da
Telebrás, com o então presidente do BNDES, Pérsio Arida, favorecendo o Banco
Opportunity – de propriedade de seus dois filhos – no leilão das teles, não
deixa dúvidas a este respeito.
[26]
Nomes de confiança dos mercados internacionais e fiéis seguidores
da cartilha dos Fundos como Armínio Fraga, atual presidente do BC brasileiro,
ocupam os postos mais importantes dos vários governos terceiro-mundistas e do
Leste Europeu, submetidos à ditadura do ajuste.
[27]
M. Chossudovsky,
op. cit.
1995,
p. 61.
[28]
De fato, o programa do ajuste imposto pelos Fundos não se limita
aos países do Terceiro Mundo, mas se estende a numerosos países do outrora
chamado “campo socialista”, conduzindo esses, da mesma forma, a experimentarem
um empobrecimento generalizado de suas classes subalternas. Como exemplos,
podemos citar a Polônia, Hungria e Romênia que, mesmo antes da derrocada do
bloco soviético, já adotavam políticas de estabilização macro-econômica nos
moldes das preconizadas pelo FMI.
[29]
A esquerda brasileira – hegemonizada pela corrente majoritária que
dirige o PT – tem dado mostras sistemáticas de sua incapacidade de enfrentar os
desafios impostos por este novo período das lutas de classes. A maioria de seus
representantes, tendo a Articulação à frente, difundem agora uma “nova”
ideologia:
a inserção soberana do Brasil na globalização
. Além de incorporarem o mito da inexorabilidade da chamada
globalização, os intelectuais petistas esforçam-se para convencer as massas de
que é possível o país “dialogar soberanamente” com os mercados financeiros, as
multis, os países imperialistas e o exército norte-americano.
_____________
(*)
da Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil. Publicado originalmente em
Actuel Marx en Ligne
, n°4, 1/ 2/2001. Manteve-se a ortografia brasileira. A expressão "bilhões" foi
substituída por "mil milhões".
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