Brasil: "crescimento" econômico para quem? Em que
condições?
por Marco Antonio Villela dos Santos
[*]
Em seu discurso durante recente visita à China, em evento que reuniu os
principais expoentes das empresas chinesas, a presidente brasileira fez
questão de ressaltar qualidades ímpares do Brasil que vão
ao encontro da avidez capitalista por lucros: a estabilidade econômica e
a estabilidade política.
Nos discursos lá e cá, realmente, parece que o país
experimenta um período de crescimento e otimismo, e ainda "um
profundo sentimento de autoestima de nosso povo", completaria a
presidente. É este o Brasil em que vivemos? Este é o Brasil dos
trabalhadores brasileiros? Há motivos para esse tipo de otimismo? Para
quem o Brasil cresce? Em que direção se dá esse processo?
Em que contexto, sob que condições?
Iniciaremos a análise tratando do contexto internacional.
1. Conjuntura internacional
1.1 Crise do imperialismo
Em 2009, na avaliação dos desdobramentos da chamada "crise
do subprime", e com a queda do quarto maior banco de investimentos dos EUA
(Lehman Brother), em agosto de 2008, caracterizamos o atual estágio da
crise do capitalismo, do imperialismo como:
"Uma conjuntura em que a crise latente e prolongada (desde o início
da década de 1970) do imperialismo encontra-se em uma fase aberta, mais
aguda, (...)
com tendência a se aprofundar e se arrastar por longo período.
Não é uma crise localizada, do subprime, da esfera financeira,
como inicialmente trataram de alardear os arautos das classes dominantes.
É uma crise do processo de acumulação capitalista, de
sobreacumulação de capital e superprodução de
mercadorias.
Do ponto de vista do marxismo, as crises econômicas do capitalismo
são inevitáveis, são resultado das
contradições inerentes deste modo de produção, como
a tendência à queda da taxa média de lucro, o permanente
processo de concentração e centralização do
capital, a contradição entre a produção social e
apropriação privada, a concentração de riqueza em
um polo e miséria no outro."
[1]
Podemos afirmar hoje que a crise do capitalismo, do sistema imperialista,
continua se aprofundando, com "idas e vindas", com "altos e
baixos", arrastando-se, com
repercussões diferenciadas
em cada país, em cada formação econômico-social.
Na lógica do capitalismo, dos grandes monopólios, a
"saída da crise" é aprofundar a
intensificação da exploração do proletariado, em
especial a opressão e exploração dos povos (e riquezas
naturais) dos países dominados
[2]
. O ritmo, o grau desse processo e seu êxito ou fracasso são
determinados em última instância pela conjuntura da luta de
classes, pelo nível de resistência dos explorados e oprimidos em
nível internacional e nacional, de acordo com a inserção
de cada país no sistema imperialista.
1.2 Estágio da luta de classes
A conjuntura atual é marcada, por um lado, pela
ofensiva
do imperialismo, comandado pelos EUA e, por outro lado, pelo
recuo
do proletariado e do movimento revolucionário na luta de classes. O
imperialismo e os grandes monopólios respondem à crise em uma
conjuntura caracterizada por uma correlação de forças que
lhe é favorável na contradição fundamental mundial
entre burguesia e proletariado e na contradição entre
países imperialistas/dominantes e povos dos países dominados,
aprofundando todas as contradições do sistema e a barbárie.
A ofensiva do imperialismo se desdobra nos planos militar, econômico e
político-ideológico. No plano militar, destacamos a
ampliação de bases militares, como na Colômbia, a
intimidação a povos em luta e a governos não-alinhados, as
intervenções militares, como a da Líbia, a
manutenção das guerras no Iraque e no Afeganistão; no
plano econômico, o rebaixamento dos salários e
precarização do trabalho, os cortes de direitos trabalhistas e
sociais, de gastos públicos; no plano político-ideológico,
as campanhas de criminalização das lutas populares e do
comunismo, campanhas contra o "terrorismo" para tentar legitimar
guerras imperialistas, campanhas contra supostas violações de
direitos humanos em outros países, quando os EUA utilizam tortura,
detenções ilegais e violação de soberania como
políticas oficiais de Estado.
No processo geral de recuo do proletariado queremos ressaltar um fator que
consideramos decisivo: nas últimas décadas, a maioria dos
partidos comunistas abriu mão das posições
revolucionárias e renegou na prática os princípios do
marxismo-leninismo a questão do Estado, da tomada do poder e da
revolução, o caráter de classe da democracia, a
violência revolucionária das massas
[3]
, a luta ideológica e mesmo a luta de classes. Nesse processo, perderam
a ligação cotidiana e revolucionária com as massas
operárias e os trabalhadores de um modo geral
[4]
. E, como decorrência e parte do mesmo fenômeno, constatamos um
baixo nível de consciência e organização
de classe
do proletariado e demais setores oprimidos. Sem deixar de ressaltar e saudar
todo heroísmo e combatividade do proletariado e povos em vários
países que resistem e lutam
[5]
, avaliamos a ausência de partidos revolucionários na maioria dos
países como o
aspecto principal
do processo de
recuo
da resistência de classe.
Nesse sentido, a ausência na maioria dos países de partidos
revolucionários do proletariado, autênticos partidos comunistas
que tenham construído na luta uma linha
político-ideológica justa, que estejam enraizados e com
capacidade de dirigir a luta de classe do proletariado e das massas oprimidas
em uma perspectiva revolucionária deixa ao capitalismo o
"campo livre" (ou seja, frente a uma baixa resistência de
classe) para o seu processo inerente, histórico, de "sair da
crise" e se desenvolver, intensificando ao máximo a
exploração
[6]
, ampliando a taxa de mais-valia relativa e
absoluta, a fim de retomar a taxa de lucro na busca do lucro máximo.
A intensificação da exploração tende a agravar as
condições de vida e trabalho para as massas populares, com
aumento do desemprego, arrocho salarial, precarização do
trabalho, ataque aos direitos trabalhistas e sociais saúde,
educação, segurança social etc. conquistados pelo
proletariado, exacerbando a luta de classes.
1.3 Nova divisão internacional capitalista do trabalho
O agravamento da crise do capitalismo aprofunda o processo de
reconfiguração da economia mundial, do sistema imperialista. E,
entre uma série de características desse processo
[7]
,
destacamos o avanço da nova divisão internacional capitalista do
trabalho
e nele a transferência de indústrias dos países
imperialistas para regiões com baixíssimo preço da
força de trabalho, em particular, para a China (fenômeno que
é expressão da intensificação da
exploração da força de trabalho em nível mundial).
Esse agravamento (a chamada "crise do subprime" de 2007/2008)
resultou em todo mundo, de maneira generalizada, em enorme queima de capitais,
principalmente entre aqueles que se valorizavam na esfera financeira,
implicando em recessão econômica, queda no comércio
mundial, falta de crédito, desemprego de dezenas de milhões de
trabalhadores. Porém, assumiu uma forma diferenciada e específica
em cada país.
No caso da China, o PIB cresceu 9,2% em 2009 e atingiu 10,3% em 2010, puxado
pelo crescimento industrial. A China tornou-se o maior exportador e produtor
industrial-manufatureiro do mundo, (superando os EUA), e a segunda maior
economia mundial.
A China acelera a produção e a exportação de
produtos industrializados (intensivos em trabalho; com média e,
principalmente, alta intensidade tecnológica), a
importação de produtos primários (petróleo,
alimentos e matéria-prima para a produção industrial) e a
ampliação do investimento em infraestrutura e na
produção para o mercado interno chinês. Além disso,
amplia a exportação de capital, especialmente na forma de
investimentos que garantam o abastecimento de produtos primários para
sua indústria, assegurando a produção intensiva de
mais-valia e a acumulação de capital.
O aumento da demanda por produtos primários pela China e a
especulação na bolsa de mercadorias tem resultado no aumento dos
preços das
commodities.
E nesse contexto no caso do Brasil, na nova divisão internacional
do trabalho
a parte que nos coube
foi a especialização na produção intensiva e em
larga escala dessas commodities.
2. Conjuntura nacional
A reconfiguração da economia mundial condiciona as
transformações na formação econômico-social
brasileira, na estrutura econômica brasileira, que caracterizamos em 2006
como um
"processo de regressão a uma situação colonial de
novo tipo"
[8]
, iniciado em meados da década de 1980.
O deslocamento de parte significativa da produção industrial
imperialista para a Ásia/China criou uma forte procura por produtos
básicos, principalmente minérios, alimentos e petróleo e
norteou
a especialização do Brasil na produção de
commodities
para exportação.
Este tipo de produção vem se transformando no
setor dinâmico
da economia brasileira, processo que significou aprofundar a
condição do Brasil de país dominado no sistema
imperialista mundial.
Não podemos esquecer, entretanto, que são as
contradições internas que determinam a mudança dos
fenômenos. Os fatores externos atuam nos fenômenos nos limites das
suas contradições internas. E no desenvolvimento das sociedades
esses limites são, no fundamental, a luta de classes, o motor da
história.
Assim, buscamos destacar nesta análise que são as
contradições internas que determinam, no fundamental, o
"processo de regressão" e as manifestações
específicas da formação econômico-social brasileira
no atual contexto da crise. Essas
contradições internas
se expressam principalmente pelo estágio da luta de classes pela
correlação de forças na sociedade que, no Brasil,
se apresenta como:
1) recuo e defensiva do proletariado e demais classes dominadas com
características análogas àquelas apontadas na conjuntura
internacional. Ou seja, ausência do partido revolucionário do
proletariado com uma linha política justa, enraizado e com força
nas massas para dirigir suas lutas numa perspectiva revolucionária,
somado ao atual nível de consciência e organização,
de resistência da classe operária e demais classes dominadas
brasileiras frente aos ajustes impulsionados pela reconfiguração
da economia mundial.
2) ofensiva das classes dominantes brasileiras (em sua maioria esmagadora) e
seu profundo nível de
integração/subordinação aos ajustes
necessários à reconfiguração da economia mundial,
de acordo com os interesses das classes dominantes dos países
imperialistas e seus próprios interesses de classe, enquanto
sócios menores do imperialismo. Quem exerce o poder de Estado no Brasil
é o grande capital brasileiro, garantindo o processo de regressão.
Neste primeiro texto, vamos tratar em especial dos aspectos econômicos da
atual conjuntura nacional e, posteriormente, enfatizaremos os aspectos
políticos. Consideramos, no entanto, a necessidade de entender os dois
processos o econômico e o político de maneira
indissociável, dialética. A separação tem como
única finalidade facilitar a exposição.
2.1 O processo de "regressão"
O processo de "regressão a uma situação colonial de
novo tipo" e as mudanças na estrutura econômica brasileira se
apresentam como afirmamos em 2006 em quatro aspectos principais:
1 - na constituição de um setor agroindustrial e mineral voltado
à exportação. A especialização na
produção e exportação de commodities é a
principal característica do processo de regressão e se torna o
polo dinâmico da economia brasileira. [Em 2008, com a
comprovação da descoberta de petróleo na camada do
pré-sal brasileiro, com reservas estimadas em mais de 10 mil
milhões de barris, esta commodity tende a se transformar num dos
principais itens da pauta de exportação brasileira];
2 - na quebra de elos da cadeia produtiva em ramos importantes da atividade
industrial e fechamento de setores da produção, cujos produtos,
peças e componentes passam a ser importados;
3 - na organização de um novo setor industrial voltado para a
constituição de ilhas de produção e montagem de
mercadorias em empresas estrangeiras ou associadas, de média tecnologia,
para exportação [e, como se verificou posteriormente,
também para o mercado interno, artificialmente aquecido pela oferta de
crédito fácil, pelo estímulo ao endividamento e por
políticas compensatórias];
4 - na montagem de um sistema de valorização fictícia do
capital, remunerando com altos juros o capital que circula nas engrenagens da
especulação.
Os quatro aspectos acima levantados compõem um todo, e se relacionam, se
reforçam entre si. A "crise do subprime" (2007/2008), as
"medidas anticrise" de Lula em 2009 e 2010 e as iniciativas do
início do governo Dilma (2011) aprofundaram ainda mais esse processo de
regressão a uma situação colonial de novo tipo. Essa
é a forma como o Brasil se insere na nova divisão internacional
do trabalho, tendo em vista, principalmente, o novo lugar que a China ocupa na
economia mundial, na reprodução internacional do capital.
Diferentes estudos, artigos e matérias nos meios de
comunicação diuturnamente vêm levantando dados que
evidenciam a especificidade e a intensidade com que o Brasil tem se ajustado ao
atual estágio internacional de valorização e
concentração do capital.
Selecionamos uma pequena amostra do que se tem noticiado sobre o tema.
Neste primeiro gráfico, destacamos o significativo avanço (cerca
de 100%) do déficit na balança comercial de manufaturados de 2009
para 2010, de US$ 36,5 mil milhões para US$ 70,9 mil milhões.
É uma demonstração cabal que o ano de 2010, que registrou
o crescimento da economia brasileira de 7,5% do PIB, é também
aquele em que se aprofunda o processo de regressão, com crescimento
muito maior das importações de manufaturados, isto é, de
produtos com maior intensidade tecnológica (implicando em efeitos
já levantados: quebra de elos de cadeia produtiva, fechamento de setores
de produção, etc) e redução relativa de
exportações de manufaturados.
"A produção de matérias-primas é outra
vencedora neste cenário. Segundo o BNDES, os investimentos industriais
devem somar 614 mil milhões de reais entre 2011 e 2014. Só o
setor de óleo e gás deverá absorver 378 mil milhões
ou 61,5% do montante total. Em segundo lugar está o segmento de
extração mineral, que deverá investir 62 mil
milhões ou 10,2% do total previsto. Cada vez mais, portanto,
o investimento industrial é canalizado para a produção de
itens de baixo valor agregado
" (Carta Capital, de 20 de abril de 2011).
Através desse segundo gráfico, notamos que mesmo quando se fala
em aumento dos investimentos industriais, este se concentra em setores de baixo
valor agregado: 71% em petróleo e gás e setor extrativo mineral.
"A indústria, sob forte concorrência externa, encara um
cenário bem mais preocupante. No ano passado, as
importações de produtos manufaturados cresceram 45%, para mais de
150 mil milhões de dólares. As exportações do
segmento cresceram 18%, mas não chegaram a 80 mil milhões.
Resultado: um déficit de mais de 70 mil milhões de
dólares, quase duas vezes maior do que o registrado em 2009.
Dados da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (Fiesp) mostram que os produtos industrializados importados abocanharam
mais da metade (54%) da expansão do consumo entre 2008 e 2010. Em alguns
setores, o problema é ainda mais nítido. No segmento de
máquinas e equipamentos industriais, toda a expansão da demanda
nos últimos dois anos foi suprida por bens vindos de países como
a China, a Coreia do Sul e a Alemanha. Comportamento parecido tiveram a
siderurgia, os têxteis e os artigos de vestuário" (Carta
Capital, de 20 de abril de 2011).
O crescimento do mercado interno e do consumo de produtos industrializados
também alardeado nos últimos anos foi ocupado em
mais da metade (54%) por importados. No setor de bens de capital, que é
estratégico, 100% de sua expansão foi realizada com bens vindos
do exterior, nos dois últimos anos. Nesse sentido, o crescimento
econômico do "Brasil grande" esconde a real mudança
regressiva na estrutura econômica brasileira.
"Cerca de 80% das exportações brasileiras à China no
ano passado foram de produtos básicos, como commodities. De tudo o que
foi vendido àquele país, 66% foi apenas em minério de
ferro e soja triturada. (http://economia.terra.com.br - 8.4.2011)
"Nesta relação bilateral [Brasil-China], o
desequilíbrio nas trocas comercias é evidente, de acordo com o
levantamento do Derex [Departamento de Relações Internacionais e
Comércio Exterior da Fiesp].
Enquanto 97,5% das importações brasileiras da China foram de bens
manufaturados, apenas 5% das exportações brasileiras são
provenientes deste setor".
(http://www2.uol.com.br - 18.1.2011)
"O Brasil teve superávit comercial com a China em 2010, de US$5 mil
milhões, mas porque houve forte aumento do preço das
matérias-primas. Somente de minério de ferro foram US$13,3 mil
milhões de receita, ou 43% de tudo que vendemos aos chineses.
Nos dois primeiros meses deste ano, a participação do
minério foi ainda maior: 61,3%.
" (Coluna de Miriam Leitão,
O Globo
13/04/2011)
Esses três últimos trechos apontam as relações
comerciais Brasil-China como um aspecto fundamental para entender o lugar que o
Brasil ocupa na nova divisão internacional do trabalho (a
produção de
commodities
para exportação
) e o momento atual do processo mais geral da regressão"
[9]
.
No caso do Brasil, pela sua formação econômico-social
específica
, a produção de
commodities
para exportação leva a um
processo de especialização
nessa produção.
3 - Brasil-China no processo de "regressão"
A fim de continuar a análise desse processo, neste texto, vamos nos
apoiar em dados e informações levantados no "Comunicado do
IPEA
[10]
nº 85: "As relações bilaterais Brasil China: a
ascensão da China no sistema mundial e os desafios para o Brasil"
[11]
, de 8 de abril de 2011.
3.1 Brasil e China na nova divisão internacional do trabalho
"No âmbito produtivo, a mudança do modelo chinês pode
significar transformações estruturais na divisão
internacional do trabalho e das próprias plantas de
produção, em virtude da tendência de elevação
dos preços das
commodities
[12]
, bem como da pressão competitiva chinesa sobre os parques industriais
mais complexos, inclusive o brasileiro.
Nos fluxos de capitais, essa nova dinâmica pode significar uma
realocação dos Investimentos Diretos Externos (IDE),
destinando-se a setores voltados aos suprimentos de alimentos,
matérias-primas e energia para o mercado chinês. Além da
busca de fornecimento de commodities, o IDE chinês no mundo tem mais
recentemente se voltado para setores em que a indústria desenvolve
capacidade competitiva (automobilística, informática,
equipamentos de telecomunicações, eletrodomésticos e
eletroeletrônicos, entre outras)."(p.4)
Este início do "Comunicado" indica que a
especialização brasileira na produção de
commodities no contexto da nova divisão internacional de trabalho leva a
uma tendência forte ("pressão competitiva") de
fechamento de empresas no Brasil, quebra de elos de cadeia produtiva em alguns
ramos industriais e desnacionalização. Vale ressaltar que as
mudanças do "modelo chinês" (e suas
relações com o Brasil) não são decorrentes de uma
ação unilateral daquele país, mas estão integradas
e condicionadas às mudanças do sistema capitalista mundial.
Grandes monopólios dos países imperialistas se deslocaram para a
China em busca da valorização máxima de seus capitais na
produção, atraídos particularmente pelos baixos
salários, originando especialmente uma relação
simbiótica EUA-China, prenhe de novas contradições que, a
longo prazo, tendem a se agravar.
Esse Comunicado se destaca pelo esforço de sistematização
de um conjunto de indicadores que, mediante a perspectiva de que partimos,
permitem ilustrar o processo de regressão em curso apesar de as
conclusões dos autores apontarem em outra direção. Algumas
citações podem ser um tanto extensas, mas os dados que apresentam
são irrefutáveis e esclarecedores.
3.2 Intensificação do comércio bilateral Brasil-China
A China tornou-se o principal país de destino das
exportações brasileiras e o segundo na origem das
importações brasileiras. O Comunicado informa alguns dados sobre
a evolução nas relações comerciais China/Brasil:
"Entre 2000 e 2010, as exportações brasileiras para a China
elevaram-se de US$ 1,1 bilhão 2% do total das
exportações do Brasil para US$ 30,8 mil milhões
15% do total, ao passo que as importações brasileiras da
China cresceram de US$ 1,2 bilhão 2% do total para U$ 25,6
mil milhões 14% do total" (p.4).
"[...] a confirmação da China como maior destino das
exportações brasileiras posição
alcançada já em 2009 quando deslocou os Estados Unidos
absorvendo 15,2% do total exportado pelo Brasil." (p.5)
"[...] Espera-se que em 2011 a China assuma também a primeira
posição nas importações brasileiras." (p.6)
E apresenta os gráficos:
3.3 Nível tecnológico da importação e da
exportação
Os gráficos acima apontam somente o quantitativo do comércio
bilateral Brasil-China e a sua posição na balança
comercial brasileira. O "x" da questão, porém, é
o peso da China no processo de especialização brasileira na
produção de commodities e o processo de desmonte da
indústria de transformação brasileira, evidenciado pelo
nível de intensidade tecnológica das mercadorias.
O Brasil exporta produtos básicos
(produtos primários + manufaturas intensivas em recursos naturais: as
commodities)
e importa mercadorias com média e alta intensidade tecnológica.
Sobre esse aspecto, o Comunicado informa:
"Todavia, a pauta de exportações brasileiras [para a China]
vem se concentrando em produtos básicos. Entre 2000 e 2009, os produtos
básicos passaram de 68% para 83% da pauta.
Os produtos que apresentaram a maior participação das
exportações, em 2010, foram minérios (40%), oleaginosas
(23%) e combustíveis minerais (13%), que juntos responderam por 76% das
exportações brasileiras"
(p.6)
"A pauta de importação do Brasil com a China por intensidade
tecnológica mostra o seguinte comportamento: as
importações de produtos de alta tecnologia aumentaram
significantemente em termos de valores entre 2000 e 2010, saindo de US$ 487
milhões em 2000 para US$ 8 mil milhões em 2008 e quase US$ 10 mil
milhões em 2010 [Gráfico abaixo]. A participação
chinesa desses produtos no total importado brasileiro nunca foi menos que 36%,
atingindo em 2005 uma participação de mais de 50%. Nos dois
últimos anos essa participação tem caído
ligeiramente, mas com destaque para o aumento das importações de
produtos chineses de média intensidade tecnológica de 16% em 2000
para 44% em 2009. Justamente no segmento onde o Brasil tem mais dificuldade de
acessar o mercado chinês por meio das exportações"
(p.7)
3.4 Exportação de capital na relação China/Brasil
A exportação de capital chinês (os
"investimentos") para o Brasil avançou e de forma
acelerada. Os investimentos prioritários se deram no setor de
produção de commodities e no setor de infraestrutura
necessário para garantir a exportação das mesmas. Mais
recentemente e este é um ponto novo e importante houve um
crescimento da presença da China na produção interna
brasileira de manufaturados
, contribuindo também desta forma, diretamente, para o processo de
desmonte da indústria de transformação e
desnacionalização da economia brasileira. A
exportação de capital no setor financeiro também se fez
presente. Mas fique registrado que o grande crescimento dos investimentos
chineses se deu no ano de 2010 e com destaque para o setor de petróleo,
com a compra de duas empresas que operam no Brasil, no valor de US$ 10,17 mil
milhões, além de um empréstimo de US$ 10 mil
milhões de dólares para a Petrobras (IPEA 2011, p. 10).
Seguem alguns dados do Comunicado do IPEA que apontam essa tendência:
"As aquisições chinesas de empresas que operam no Brasil
entre 2009 e 2010 cresceram tanto em termos de operações (de 1
para 5) quanto em termo de valor (de US$ 0,4 bilhão para US$ 14,9 mil
milhões). Estas aquisições ocorreram, sobretudo, no setor
de petróleo (US$ 10,17 mil milhões) e na exploração
do pré-sal brasileiro. Os outros setores de atuação das
empresas chinesas foram: financeiro (US$ 1,8 bilhão),
mineração (US$ 1,22 bilhão) e energia elétrica (US$
1,72 bilhão) [Tabela abaixo]. Fica evidente a estratégia chinesa
de garantir o acesso às fontes de recursos naturais, bem como o de
tentar influenciar no preço desses setores." (p.9)
"As investidas do capital chinês no Brasil não ficaram
concentradas apenas em atividades ligadas à exploração de
petróleo e à siderurgia, mas também envolveram as empresas
chinesas atreladas ao agronegócio as quais têm comprado vastas
propriedades rurais agricultáveis. O avanço chinês na
compra de minas, áreas de exploração de petróleo e
de terras para agropecuária vêm provocando
preocupações tanto nos setores empresariais quanto
governamentais. (p.10)"
[13]
"Além desses setores, as empresas chinesas já atuam nos mais
diversos ramos no Brasil desde equipamentos de telecomunicações,
passando por setor financeiro e energia elétrica até
automóveis. No setor de telecomunicações e computadores,
as empresas chinesas Lenovo, ZTE e Huawei estão produzindo no Brasil,
sendo que esta última é a líder no mercado de banda larga
fixa e móvel. Quanto ao setor de energia elétrica, a China State
Grid Corp comprou sete concessionárias brasileiras de
transmissão." (p.10)
Por outro lado, a exportação de capital do Brasil para a China
é irrelevante:
"Por sua vez, a queda do fluxo de IDE brasileiro para a China, pelos dados
oficiais do Banco Central, reduziu ainda mais a pequena
participação da China como mercado de destino do investimento
direto brasileiro entre 2006 e 2010 (de 0,06% para 0,03%). A China em 2009 foi
o 30º principal país receptor de IDE brasileiro,
posição esta que se manteve estável em 2010."
3.5 O significado da relação Brasil-China no processo de
regressão
Através dos dados registrados pelo Comunicado do IPEA, podemos
identificar o papel das relações Brasil/China nas
transformações da estrutura produtiva brasileira.
O significado dessas mudanças, no entanto, precisa ser entendido no
sentido da regressão à situação colonial de novo
tipo
, como destacamos e comentamos a partir dos seguintes tópicos:
A) no que tange à "constituição de um setor
agroindustrial e mineral voltado à exportação de
commodities, que se torna o polo dinâmico da economia brasileira", o
Comunicado afirma:
"A concorrência entre a estrutura produtiva chinesa e a brasileira
pode afetar esse dinamismo do comércio e dos investimentos. [...] O
"efeito China" tem gerado (i)
a especialização regressiva da pauta exportadora entendida
como o aumento da participação relativa dos produtos
básicos para a exportação ;
(ii) um significativo déficit comercial para o Brasil no caso dos
produtos de mais alta intensidade tecnológica; (iii) uma perda na
participação das exportações brasileiras de maior
intensidade tecnológica em terceiros mercados (Europa, Estados Unidos e
América Latina) em virtude da expansão das
exportações chinesas." (p. 14)
B) o que analisamos como "fechamento de setores de produção,
quebra de elos na cadeia produtiva e constituição de ilhas de
produção e montagem de mercadorias", o Comunicado afirma:
"A ampliação da corrente do comércio entre a China e
o Brasil veio acompanhada de pressão competitiva das manufaturas
chinesas sobre o parque industrial brasileiro." (p.14)
"... A pressão competitiva das manufaturas chinesas tende a gerar
um processo de especialização regressiva da estrutura industrial (
desadensamento da cadeia produtiva doméstica
)." (p. 14)
C) em relação ao que analisamos como "aprofundamento da
dominação do imperialismo e a condição do Brasil de
país subordinado no sistema imperialista", o Comunicado afirma:
" [...] pode significar a perda do controle estratégico soberano do
Brasil sobre as fontes de energia (petróleo) e de recursos naturais
(terras e minas), sem que isso signifique uma maior transferência de
tecnologia para o país." (p. 14)
"vulnerabilidade externa estrutural [tende a agravar-se]"
(p. 14)
D) o que analisamos como o "processo de regressão a uma
situação colonial de novo tipo" (como tendência),
condicionado pela nova divisão internacional do trabalho, o Comunicado
afirma:
"Se não forem superados esses obstáculos e se
desperdiçadas as oportunidades, a vulnerabilidade externa estrutural
a especialização regressiva da pauta exportadora e da
estrutura industrial brasileira tende a agravar-se como um
fenômeno de longo prazo e aprofundar as assimetrias no padrão de
comércio, na eficiência do aparelho produtivo, na dinâmica
tecnológica e na solidez do sistema financeiro nacional." (p. 14 e
15)
O Comunicado do IPEA, como vimos, está repleto de
informações sobre o "processo de regressão" a
que nos referimos. O texto fornece dados que demonstram o
aprofundamento
desse processo principalmente nos últimos dois anos.
Mas do ponto de vista político, o documento do IPEA não percebe o
fenômeno que é de integração subordinada do
Brasil na nova divisão internacional do trabalho, de
aprofundamento da condição de país dominado no sistema
imperialista
como um processo de regressão a uma situação
colonial de novo tipo. Não se coloca contra ele, acaba por
relativizá-lo, bordejando o tema e ficando na superficialidade do
fenômeno.
Na verdade, considera a atual inserção do Brasil na nova
divisão internacional do trabalho como uma abertura de
"oportunidades... no curto e médio prazo" a serem
aproveitadas. Acaba propondo realizar ajustes ao que consideram os aspectos
negativos e regressivos da relação comercial e financeira
Brasil-China, que ameaçariam o Brasil "sobretudo no longo
prazo".
Esta posição fica explicitada no trecho abaixo:
"A ampliação das relações comerciais,
financeiras (especialmente IDE) e produtivas entre China e Brasil vem se
configurando num momento de significativas transformações
internacionais mudanças na divisão internacional do
trabalho, nos fluxos comerciais e financeiros e nas arenas políticas
internacionais , que alteram o status de determinados Estados nacionais
na hierarquia do sistema mundial. Retorno e emergência de atores nos
espaços de disputa econômica e política global, tais como o
Brasil, a Rússia, a Índia e, notadamente, a China.
Essa dinâmica traz consigo oportunidades para o Brasil no curto e
médio prazo, mas que se não forem bem aproveitadas poderão
representar ameaças, sobretudo, no longo prazo, como a perda de
participação das exportações brasileiras em
terceiros mercados para a China, desadensamento da estrutura produtiva
nacional, perda do controle estratégico sobre fontes de energia
petróleo e de recursos naturais terras e minas e
aumento da vulnerabilidade externa estrutural." (p. 12-13)
A expressão "longo prazo" colocada no documento do IPEA aponta
um risco futuro para o Brasil. Na verdade, a longo prazo a tendência
é aprofundar a regressão que, como fenômeno, já se
iniciou e tem graves efeitos imediatos para o Brasil do ponto de vista da
classe operária e demais classes oprimidas. E não serão
medidas pontuais, de política monetária e fiscal ou de uma
"boa" relação Brasil-China que irão reverter
essa tendência.
Aliás, de maneira bastante explícita, as classes dominantes
brasileiras, envolvidas ou não na produção de commodities,
têm se afinado com as tendências do processo, não têm
desperdiçado oportunidades, e vêm surfando com desenvoltura (umas
com mais, outras com menos) na "onda chinesa". O que se constata
é a concentração de riquezas, a
centralização do capital nas mãos dos grandes
monopólios que se associam e lucram tanto na esfera produtiva quanto na
financeira/especulativa.
O grau de unidade da maioria das classes dominantes brasileiras em torno desse
movimento regressivo de mudanças da formação
econômico-social brasileira e na sustentação aos governos
Lula e Dilma agrava os níveis de exploração e traz
implicações diretas nas condições de vida e de
trabalho do proletariado e do povo brasileiro. Os impressionantes níveis
de concentração e centralização de capitais e o
correspondente aumento do fosso da desigualdade de classe são uma marca
da conjuntura brasileira. O Brasil, a sexta economia do mundo, apresenta um dos
maiores índices de desigualdade social. Tais questões
serão tema em nosso próximo texto.
A realidade confirma o que Marx indicava: a concentração de
riqueza em um polo significa acumulação de pobreza em outro. A
reconfiguração do sistema imperialista em curso tem exacerbado
essa relação, e no Brasil não tem sido diferente.
Só o avanço da resistência e da luta de classe do
proletariado e dos povos oprimidos reverterá este quadro. É muito
atual a consigna:
Proletários de todos os países, uni-vos!
Notas
[1]
www.cecac.org.br/...
(boletim do CeCAC - junho-julho de 2009)
[2] Em seu artigo "Os super-ricos do mundo", James Petras deixa claro
o sentido das perdas nas crises: "As 'crises econômicas' de
2008-2009 infligiram apenas perdas temporárias a alguns
multimilionários (EUA-UE) e a outros não (asiáticos).
Graças às operações de salvamento de
trilhões de dólares/euros/ienes, a classe multimilionária
recuperou e alargou-se, apesar de os salários nos EUA e na Europa terem
estagnado e os 'padrões de vida' terem sido atingidos por cortes
maciços na saúde, na educação, no emprego e nos
serviços públicos".
(
www.cecac.org.br/MATERIAS/james.petra-Os_super-ricos_do_mundo10.5.11.htm
)
[3] Historicamente, a burguesia quando ameaçada sempre recorreu à
violência para continuar no poder como classe dominante e, como tal,
tentar perpetuar a exploração e dominação sobre o
proletariado e povos oprimidos.
[4] O fim da experiência de construção do socialismo na
URSS e no leste europeu e o processo de restauração do
capitalismo em uma série de países "socialistas"
são expressões marcantes desse processo e o aceleram.
[5] Como demonstram as recentes manifestações do povo
árabe; as mobilizações e greves contra os cortes de
orçamento e direitos trabalhistas e previdenciários ocorridas na
Europa, em especial na Grécia, Portugal, França e Inglaterra; os
inúmeros protestos e greves da classe operária na China contra os
baixos salários e péssimas condições de vida; e -
no Brasil - as greves envolvendo mais de 80.000 operários contra as
péssimas condições de trabalho, alimentação
e alojamento nos canteiros de obras do PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) do governo federal.
[6] Exemplo de intensificação da exploração do
trabalho foi recentemente relatado em matéria sobre a empresa chinesa
Foxconn, destacada no noticiário por ser um dos "trunfos" das
negociações da visita do governo brasileiro à China: a
empresa de Taiwan se propõe a produzir a "segunda
geração do tablet da Apple, o iPad2 no Brasil". A Foxconn
já tem uma fábrica em Jundiaí (SP) onde impõe um
ritmo acelerado de trabalho aos seus funcionários, "cadenciado
pelos gritos dos chefes de "vamos, vamos" e "acabou a moleza,
vamos, vamos", já sendo conhecida pelo desrespeito às leis
trabalhistas no Brasil. Segundo a matéria, "A Foxconn, que faturou
US 59 mil milhões em 2010, também foi alvo de denúncias de
más condições de trabalho na China. No ano passado, a
empresa ganhou fama no mundo depois que 18 funcionários em Shenzhen
tentaram o suicídio e 14 morreram. A solução da empresa
foi aumentar salários, colocar grades nas janelas e fazer os
funcionários assinarem contratos se comprometendo a não se
suicidar" (
O Globo,
24 de abril de 2011), (grifos nossos).
[7]
www.cecac.org.br/...
[8] "Formação econômico-social brasileira:
regressão a uma situação colonial de novo tipo"
(Boletim do CeCAC Março-Abril de 2006):
http://www.cecac.org.br/boletins/boletim_CeCAC_mar_abr2006.PDF
[9] Estamos analisando o processo geral, a tendência geral. Uma ou outra
questão, alguma ação do governo federal e de setores das
classes dominantes que vão em sentido contrário não
invalidam a tendência principal. Toda realidade é
contraditória. O que define o caráter do processo é o seu
aspecto principal, a tendência principal.
[10]. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República.
[11]. Vale à pena ler o conjunto do documento "As
relações bilaterais Brasil China: a ascensão da
China no sistema mundial e os desafios para o Brasil":
www.cecac.org.br/Docs/Comunicado_do_Ipea_85-08_abril_2011.pdf
[12]. Este e os demais grifos, nos trechos citados, são nossos.
[13]. Preocupações que podem ser consideradas
"lágrimas de crocodilo". O governo federal e as classes
dominantes brasileiras reforçam o lugar que o Brasil ocupa na nova
divisão internacional do trabalho e depois derramam lágrimas com
os efeitos regressivos desse processo.
22/maio/2011
[*]
Economista
O original encontra-se em
www.cecac.org.br/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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