Áustria, França e Brasil
por José Reinaldo Carvalho
[*]
Do centro da Europa chegam
sinais de ampla e intensa mobilização trabalhista e popular. Na
Áustria, país conservador, de nível de vida elevado, de
onde quase não chegam notícias sobre conflitos sociais, eclodiu
depois de 50 anos uma greve geral, em que trabalhadores de todas as categorias
paralisaram suas atividades e realizaram variados protestos, inclusive a
suspensão dos serviços de transporte ferroviário e o
bloqueio de postos fronteiriços. Cessada a parede geral, menos de uma
semana depois os professores das escolas primárias iniciaram novo
movimento grevista. Da velha França, onde as lutas trabalhistas
são freqüentes e sempre chamam a atenção pela
combatividade das ações, chegam alvissareiras notícias de
grande movimento grevista, que paralisou o país e levou às ruas
das principais cidades cerca de 2 milhões de pessoas. Uma razão
comum motivou as lutas dos trabalhadores austríacos e franceses o
anúncio por ambos os governos, por sinal de direita, de reformas no
sistema previdenciário, consideradas pelos movimentos sindicais da
Áustria e da França, assim como por variadas forças
políticas anticapitalistas e de esquerda, como socialmente regressivas.
Os fatos são
reveladores da existência de descontentamento e
inquietações sociais nos países do centro do sistema
capitalista europeu e de que, malgrado a hegemonia política de
forças de direita e centro-direita e em alguns casos de forças
ditas de esquerda, mas que governam com o programa da direita, e a despeito do
controle de correntes moderadas no movimento sindical, há um ambiente de
luta, que nenhum controle pode deter.
As
movimentações grevistas na Áustria e na França
constituem mais uma resposta dos trabalhadores em países do velho
continente às tentativas da burguesia conservadora de impor modelos
anti-sociais, um tema sem dúvida explosivo onde os trabalhadores
conquistaram benefícios em decorrência de vigorosas lutas ao longo
de décadas. Os anos 90 foram pontilhados de semelhantes tentativas de
reformar os sistemas previdenciários e também as
legislações laborais em vários países europeus.
Todas têm merecido resposta, seja em forma de greves, seja com
manifestações nas ruas, algumas assumindo caráter
político. Na mesma França, semelhante intento de reformar a
previdência às expensas dos direitos trabalhistas fez soar o dobre
de finados do governo direitista de Juppé em 1995. Durante 24 dias o
país ficou paralisado num memorável movimento grevista, jornada
de luta que reintroduziu os trabalhadores na cena da confrontação
política e social. Itália, Grécia, Portugal e Alemanha
também viveram semelhantes tentativas de reformas e em todos esses
países não tem sido fraca a reação dos
trabalhadores.
O denominador comum
a tentativa de impor reformas socialmente regressivas na previdência
social e nas legislações laborais numa
situação em que a característica principal é a
crescente instabilidade econômica e social e a incidência de crises
com inaudita freqüência, revela que aspecto essencial do programa
das classes dominantes no sistema capitalista tal como se afigura hoje é
a restrição de direitos econômicos e sociais (e
também políticos, mas isso é outra história), o que
se traduz numa brutal ofensiva contra o mundo do trabalho.
REFORMAS REGRESSIVAS DA PREVIDÊNCIA
Aqui no Brasil,
país assimétrico à Áustria e à França
quanto à realidade política e aos indicadores
sócio-econômicos, os trabalhadores também se confrontam com
a tentativa de reformar a previdência social, anunciando-se para breve
também uma alteração na legislação laboral.
No nosso caso, vivemos o paradoxo de que tais reformas estão em vias de
ser aprovadas por iniciativa do governo nucleado pelas forças de
centro-esquerda, recentemente consagrado pelas urnas em oposição
ao governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Não é o caso
de fazer aqui o exercício comparativo entre as legislações
e reformas dos países citados com as do Brasil. Mas não há
dúvida de que o traço comum é que também na reforma
proposta aqui, a lógica de alguns de seus aspectos é o corte de
direitos de quem trabalha, acoplado ao debilitamento do Estado nacional, no
marco da concepção fiscalista de reduzir a despesa pública.
No Brasil, as reformas
da previdência social e da legislação trabalhista e
sindical foram engendradas pelo Fundo Monetário Internacional, em
condomínio com o governo anterior. Em parte, foram aprovadas, em parte
rejeitadas, mercê da oposição do movimento dos
trabalhadores e dos partidos de esquerda. Constrangido por uma
situação econômica e financeira precaríssima,
herdada do governo anterior, que deixa o país vulnerável à
chantagem dos organismos financeiros internacionais, o novo governo se sente
impelido a concluir tais reformas, na crença de que completando a agenda
anterior, o país recobrará o fôlego para voltar a se
desenvolver, depois de duas décadas perdidas. Amplos setores do
movimento sindical se opõem ao corte de direitos. A Corrente Classista,
órgão de intervenção sindical dos comunistas
dirige-se construtivamente ao governo com uma pauta de
reivindicações que preserve os direitos dos trabalhadores na
pretendida reforma.
Num ambiente político
marcado pela expectativa popular na
concretização do programa democrático-popular das
forças que elegeram Lula, os trabalhadores levarão a efeito a boa
luta em defesa da previdência social e por conquistas trabalhistas, o que
estrategicamente favorece a consolidação do novo governo, pois
regressão social não é mister de forças
democráticas e populares.
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Jornalista. Vice-presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
O original encontra-se em
http://www.vermelho.org.br/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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