A perspectiva Lula

por Octavio Rodríguez Araujo [*]

O que significaria a vitória de Luís Inácio da Silva (Lula) no Brasil? Em primeiro lugar, uma derrota mais da tendência em direcção à direita nas recentes eleições de vários países latino-americanos e europeus. Em segundo lugar, a vitória de Lula seria mais significativa do que a de Schroeder na Alemanha porque o Brasil está localizado na zona de maior influência directa dos Estados Unidos e, apesar de não ser uma potência mundial, é certamente um país que pode mostrar aos povos da América Latina que as políticas neoliberais podem ser derrotadas ou, pelo menos, desviadas da sua rota.

        Critica-se Lula porque o seu discurso perdeu os contornos em relação ao de suas anteriores candidaturas à presidência do país (esta é a quarta). Algo semelhante ao que ocorreu com o Mitterrand das eleições de 1981 para as de 1988 na França. Mas parece esquecer-se que os partidos políticos, para triunfarem em eleições, têm que ganhar os votos do maior número possível de cidadãos e, neste caso — no do Partido dos Trabalhadores — não só os votos do proletariado. Devemos aprender a distinguir o papel de um partido eleitoral com possibilidades de vitória daqueles que desempenham os partidos não eleitorais ou as organizações que têm uma lógica diferente como é o caso, também no Brasil, do Movimento dos Sem Terra. Talvez seja tempo de abandonarmos as velhas formas de pensar que exigiam aos partidos eleitorais o mesmo que aos movimentos sociais. Suas possibilidades, perspectivas e objectivos são diferentes. Os partidos estão feitos para aspirar o poder, por qualquer via que seja, e os movimentos sociais, enquanto tais, para alcançar metas específicas independentemente de quem tenha o poder. Tal como distinguiu Jean Meynaud, há muitos anos, uns são partidos e outros são grupos de pressão. Não lhes peçamos o mesmo.

        Dir-se-á, também, que com a vitória de Lula não mudarão substancialmente as coisas porque, assim como estão e com as alianças do PT, suas políticas de governo terão que ser por força reformistas, do tipo das políticas dos partidos social-democratas que tiveram o poder. Pode ser. Mas ignorar-se-ia que a burguesia, como em qualquer outro país, não está unida e que os sectores tradicionais, os mais conservadores e os mais pro-norteamericanos seriam derrotados. O dato não é secundário, no México já sabemos o que significa um governo atento e submisso aos desejos de Washington e não aos do povo e aos interesses nacionais. Esta é a diferença, ou pelo menos uma das diferenças importantes na actual conjuntura mundial que, agrade-nos ou não, inclui o inquilino da Casa Branca e sua cruzada pelo domínio do planeta e pela criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que certamente Lula não apoia. Não se pode dizer, tão pouco, que para as massas populares sejam iguais a Lula os outros candidatos. José Serra e Ciro Gomes representam a continuidade dos oito anos de Fernando Henrique Cardoso (especialmente o primeiro), e esta continuidade é rechaçada pela principais forças sociais e não poucos empresários que também foram prejudicados pelas políticas do actual presidente — que não são senão as do Fundo Monetário Internacional e as do governo dos Estados Unidos.

        O povo brasileiro sabe das diferenças. Nos cinco estados em que governa o Partido dos Trabalhadores, além de várias capitais e de muitas outras cidades de nível intermédio, os níveis de vida da população melhoraram graças às políticas petistas em matéria de habitação, educação, saúde, segurança e participação do povo. Lula, em sua "Carta ao Povo Brasileiro" de uns poucos meses atrás, afirmou que "será necessária uma transição lúcida e sensata entre o que temos actualmente e aquilo que reivindica a sociedade. Aquilo que se destruiu ou que se deixou de fazer ao longo de oito anos não poderá ser compensado em oito dias". E acrescentou que o novo modelo que defende não poderá ser imposto por decisões unilaterais do governo, como acontece hoje em dia. Será o fruto de uma ampla negociação à escala nacional que deve conduzir a uma autêntica aliança para o país, a um novo contrato social, que assegurará uma etapa de crescimento com estabilidade. Isto e não mais que isto, por agora, é o que espera o povo brasileiro e, acho eu, é também o que desejaria o povo mexicano e os demais povos da América Latina. Será preciso ver, pois não é a mesma coisa prometer numa campanha e governar.

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[*] Colaborador do jornal mexicano La Jornada

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03/Out/02