O acordo com o FMI e o ano do vampiro
Desde a posse de Lula, já se passou quase um ano. Sem a
intenção de fazer um balanço deste período, vamos
apenas registrar que as negociações e propostas para
renovação do acordo com o FMI apontam para um momento importante,
simbólico e objetivo, de confirmação da atual
política econômica e social pró-imperialista -
neoliberal -- praticada pelo governo Lula. É a
amarração de Lula e do seu governo às
posições das classes dominantes, às posições
de aprofundamento da política do governo FHC de defesa dos interesses do
capital financeiro internacional e nacional. É mais uma vez uma
ação do governo federal para reforçar a confiança
do sistema financeiro internacional, ou seja, deixar claro que o Brasil
continuará pagando de juros somas fabulosas para remunerar o capital
financeiro.
Em breve, com a assinatura do acordo, vamos presenciar o casamento, de papel
passado, da nomenklatura do PT, do governo Lula com as classes
dominantes, com a sua fração hegemônica, o capital
financeiro. Como padrinhos principais os banqueiros internacionais, o FMI, o
Banco Mundial sob a benção, a proteção
divina do imperialismo norte-americano, guardião do deus
mercado.
Os aparelhos ideológicos de comunicação e difusão
trabalharam os discursos e declarações de Lula, Palocci e
Meirelles, divulgando que este novo acordo com FMI era diferente do anterior,
pois se tratava de um acordo para garantir o crescimento econômico.
Martelaram que o governo venceu a batalha contra a crise, que o risco
país e taxa de juros estão em queda, a inflação sob
controle, etc. Seria um acordo preventivo. Uma mentira
desmascarada pelo próprio o FMI e nas entrelinhas da grande imprensa
burguesa.
Thomas Dawson, porta-voz do FMI, afirmou que o novo acordo mantém
as mesmas políticas e Ficaríamos surpresos se o
acordo, ao contrário, contivesse mudanças radicais (Folha
de S. Paulo 07/11/03). O Departamento do Tesouro dos EUA, em nota oficial,
também comunicou que apoiará o novo acordo e, categórico,
que o desempenho do Brasil sob o programa do FMI tem sido exemplar
(Folha de S. Paulo, 06/11/03).
O novo acordo com o FMI é a continuação do anterior, um
novo atentado à soberania nacional: mantém o violento ajuste
fiscal e monetário, com uma meta de superávit primário de
4,25% do PIB para pagamento de juros. Em vez dos US$ 30 mil milhões de
empréstimo do acordo anterior, neste seriam apenas seis mil
milhões e haveria o compromisso do governo de não usar oito mil
milhões do acordo de 2002, que seriam transferidos para 2004.
Uma das novidades deste acordo, o quarto desde 1998, com o FMI
é uma peça de propaganda demagógica colocada como acertada
com o FMI. Cerca de R$ 2,9 mil milhões seriam investidos em saneamento
básico no próximo ano, dinheiro obtido com um superávit
primário superior à meta de 4,25% do PIB. Portanto, dinheiro que
o Governo já poderia ter gastado neste ano onde desejasse, sem
monitoramento do FMI. Outra novidade foi o alongamento dos prazos
de pagamento das dívidas do Brasil com o Fundo que, na verdade,
não necessitaria de um acordo para ser realizado.
O detalhamento deste acordo com o FMI, os novos sacrifícios que
serão impostos ao Brasil, ainda não estão claros. Como
indaga o economista Paulo Nogueira Batista Jr.: Que preço o Brasil
pagará por mais um ano de FMI? Não sabemos ao certo, pois a
íntegra do acordo não foi divulgada, apenas alguns dos principais
pontos. Além disso, esses entendimentos podem envolver aspectos
não escritos. Como será tratada, por exemplo, a polêmica
questão da autonomia do Banco Central?...(Agência Carta
Maior 11/11/03).
Sobre a tão propalada vitória contra a crise ou nas
palavras do ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da
República, Luiz Dulci: O grande sucesso do governo nesse
período foi a recuperação da estabilidade
econômica iremos transcrever uma pequena síntese do
jornalista Carlos Chagas (Tribuna da Imprensa, 8/11/03), para este
período de sucesso em que nada mudou, ou, se mudou,
foi para pior, com um único adendo: o crescimento avassalador do
desemprego no país.
Afirma ele: Os juros foram aumentados. Estabeleceram-se novas metas para
o superávit primário, até superiores às
exigências do Fundo Monetário Internacional, mas apenas para
remeter ao exterior. Contingenciaram, ou melhor, surrupiaram verbas de um
orçamento herdado do governo anterior, inviabilizando ainda mais
ações sociais de toda espécie. Permitiu-se o aumento
abusivo das tarifas públicas. Deu-se ao salário mínimo um
ridículo reajuste para R$ 240 e aos funcionários públicos
grotesco reajuste de 1%. Aos assalariados das empresas privadas, nem isso,
exceção a poucas categorias.
Impôs-se ao Congresso reforma previdenciária que tornará
mais difícil a aposentadoria de pequenos, com desconto para os inativos
do serviço público. E uma reforma tributária que
aumentará a monumental carga suportada pelas empresas nacionais e pelo
cidadão comum. Às multinacionais deram-se favores excepcionais,
a começar pelo perdão de US$ 600 milhões da dívida
daquela que havia comprado a Eletropaulo com dinheiro público. Chegaram
a proibir que se fume em locais públicos.
Tem muito mais coisa, mas, convenhamos, só com essas acima referidas o
ano de 2003, se continuar, arrisca-se a virar o Ano do Lobisomem. O Ano do
Vampiro, talvez.
Neste ano de 2003, ficaram explicitadas as posições
políticas, econômicas e ideológicas abraçadas pela
nomenklatura petista e o governo Lula, que reforçam a
condição do Brasil de país dominado no putrefato sistema
imperialista mundial. Só é possível analisar esta
conjuntura do ponto de vista do proletariado e apresentar alternativas dentro
de uma perspectiva popular, organizando e dirigindo a luta de classes, das
classes dominadas contra esta política de desemprego e miséria, e
denunciar os mil milhões de reais que são surrupiados
da educação, da saúde, do saneamento básico, das
demais áreas sociais e dos investimentos que geram emprego, para o
pagamento da dívida interna e externa. Este ano, está previsto
um total de RS$ 153 mil milhões para pagamento de juros, sendo R$ 68 mil
milhões em dinheiro vivo o superávit
primário e o restante na rolagem da dívida com
títulos públicos e novos empréstimos. Só o Banco
Itaú teve um lucro de R$ 2,4 mil milhões de janeiro a setembro
deste ano. Já para saúde, por exemplo, os gastos previstos
(cerca de R$ 26 mil milhões) não chegam a um quinto do que
é ofertado aos bancos.
Nos media já se percebe uma campanha articulada com o governo federal
para inflar o pequeno crescimento industrial que ocorre neste momento. Uma
bolha de crescimento que não se sustenta com o
aprofundamento da dependência econômica e total
subordinação do Brasil aos humores do mercado
financeiro internacional; sobre o assunto procuraremos nos debruçar no
próximo boletim.
Mais do que nunca, o momento é de resistir, organizar a luta do
proletariado e seus aliados por melhores condições de vida e
trabalho, estimulando-os a se forjar na luta, dentro de uma perspectiva
política justa, de acúmulo de forças para romper com a
dominação imperialista, e nesse processo reconstruir suas
organizações de luta econômica e seu partido
político fundamentais para a vitória de um novo poder a
serviço dos interesses do povo.
[*]
Centro Cultural Antonio Carlos Carvalho, do Rio de Janeiro. O original
encontra-se no boletim do CeCAC, nº 5, Nov/Dez 2003,
cecac@terra.com.br.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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