Mensagem da Comissão Política do PCB
por ocasião do seu 54º aniversário

Relator: Marcos Domich [*]

Marcos Domich. Ao celebrar o seu 54º Aniversário, o Partido Comunista da Bolívia saúda os trabalhadores do campo e da cidade, os homens e as mulheres que no nosso país realizam, em duras condições de vida e de trabalho um firme labor em pró da Pátria e, simultaneamente continuam a luta por um destino melhor para todos os bolivianos e bolivianas.

Saúda particularmente as mulheres e os/as jovens que, com a sua crescente e infatigável participação na luta, continuam a escrever páginas que enchem de orgulho todos os bolivianos. No entanto, não esquece os antigos lutadores e lutadoras que não baixaram as bandeiras e continuam dando exemplo de entrega e de coragem e transmitem o melhor da sua experiência e conhecimentos na luta social.

Saúda todo o valente povo boliviano que em Outubro do ano passado infligiu ao regime neoliberal, e com ele à oligarquia vende-patria e ao imperialismo ianque, uma derrota de dimensões históricas, uma derrota que lhe devolveu a confiança nas suas próprias forças e que demonstrou que os exploradores e opressores não são impunemente poderosos. Saúda a todos aqueles que, directa e efectivamente contribuíram para conseguir a vitória popular nas jornadas de Outubro. A luta foi de todo o povo boliviano; não há nenhum recanto da pátria que de uma forma ou de outra não tivesse contribuído para a queda do governo de Sánchez de Lozada; Não há lugar nem sector que não se tenha mobilizado de forma combativa e multitudinária. Mas, não podemos deixar de mencionar, num primeiro plano, os homens e mulheres que iniciaram a batalha! Na cidade de El Alto, na província Omasuyos, em Warisata, Ventilla, etc. Depois o combate entrou na sua fase decisiva em Patacamaya com milhares de manifestantes fortalecidos pelos destacamentos de mineiros de Huanuni, de Oruro. Em todos estes sítios se deram exemplos da decisão de pôr fim a um estado de coisas injusto e intolerável; fizeram-se grandes sacrifícios e derramou-se sangue generoso na defesa dos seus mais caros ideais.

O povo, praticamente inerme, deu mostras de uma extraordinária criatividade para enfrentar as forças especializadas, apetrechadas com armamento muito moderno e que respondiam a um comando alheio, solapado e financiado desde fora das nossas fronteiras.

A criatividade do povo na luta, tem que se dar ênfase a isto, não aparece do nada, nem é uma invenção de alguns que se atribuem méritos que radicam nas bases ou, mais exactamente, nas massas insurrectas. Há uma longa memória histórica que remonta aos levantamentos contra o jugo colonial espanhol e depois nos séculos XIX e XX aos levantamentos contra a opressão, na república, contra as nacionalidades originárias. Nas primeira lutas é visível o carácter predominantemente nacional-étnico da confrontação. Mas quando, na republica, aparecem as classes modernas, o conflito transforma-se numa luta de classes e é este o determinante do desenvolvimento histórico, sem que tivesse desaparecido o conflito entre oprimidos e opressores. Na Insurreição Popular de Outubro, foram os mineiros e outros sectores! De pobres, de proletários, no sentido lato do termo, aqueles que recuperando a sua própria memória histórica e com as suas armas tradicionais de mobilização e de combate, imprimiram um carácter de classe à confrontação social de Outubro.

Para os revolucionários não é uma disquisição ociosa determinar qual é a contradição fundamental e em que situação histórico-concreta operam as contradições. A ignorância destas situações pode conduzir a graves desvios e até a derrotas que danificariam não só as classes populares, mas também, o conjunto da república.

No êxito popular de Outubro há que assinalar também a actividade decisiva dos comunicadores. Muitos jornalistas, apresentadores e colunistas, abstraindo-se do controlo dos donos dos meios de comunicação, transmitiram informação objectiva e contribuíram para a mobilização das massas e até para que coordenassem os seus movimentos.

Os acontecimentos de Outubro não se deram no vazio nem brotaram da espontaneidade. São o resultado de uma longa acumulação de forças e da formação de uma consciência política que adquiriu clareza sobre a situação geral do país, dos efeitos deletérios do neoliberalismo, da situação calamitosa das classes populares e do aumento da dependência do imperialismo em todos os aspectos da vida social. A soma de factores objectivos e subjectivos traduziu-se na conformação de uma situação revolucionária cujo desenlace foi, felizmente, a vitória popular. No entanto, convém assinalar que nem todas as situações revolucionárias desembocam no êxito dos revolucionários, há situações revolucionárias que se frustram e que pelo contrário, dão lugar ao desencadeamento da reacção que cobra muito caro a “ousadia” de questionar o seu poder. Há também que sublinhar que a situação revolucionária não é um estado indefinido no tempo. Passada uma conjuntura e quando se tem consciência de que a solução foi parcial e não resolve os problemas de fundo, como sucede com o governo de Carlos Mesa, temos que nos pôr a trabalhar para recrear as condições objectivas e subjectivas, superando a dispersão organizativa, a carência de objectivos comuns, a falta de delineamentos coordenados, de programas, que sejam de emergência para enfrentar a crise e sobretudo uniformizar os ritmos com os quais, as forças e os sectores em luta entram na luta. A tomada de decisões sem examinar cuidadosamente a realidade e sem consultar as bases sócias e auscultar o ânimo das massas pode conduzir a graves rasteiras, depois dos quais é difícil e moroso recompor-se e estar convenientemente preparados para as novas batalhas. Um factor que temos que ter em séria consideração é a existência de disputas, francas ou surdas, entre diferentes dirigentes sociais, políticos e sindicais. Há aqueles que querem apresentar-se como os chefes e únicos representantes das reivindicações e dos interesses das massas e no fundo não são outra coisa senão figurões sem princípios, ansiosos pela notoriedade e egoístas que só pensam nos seus lucros pessoais. Com muita frequência fala-se da disposição para a unidade, mas imediatamente surgem distintos pretextos, diferenças ideológicas e de toda a índole para evitar a unidade. Não se pode ignorar que entre aqueles que impedem a unificação das forças populares há tanto infiltrados, sobretudo dos serviços de inteligência, como aventureiros, no fundo, funcionais para as necessidades do regime para desencadear a repressão. Sobram exemplos de personagens de Outubro que respondem a uma ou outra das caracterizações que fizemos. A tarefa consiste em localizá-los e isolá-los das organizações em que conseguiram infiltrar-se. Com aqueles que de boa fé se enganaram, há que realizar um trabalho de reflexão e de consciencialização profundo. Nos últimos anos difundiram-se uma série de concepções e até de ideias que, sem uma base cientifica, a única coisa que fazem é confundir as massas, introduzir falsos motivos de desagregação e sobretudo privá-las de capacidade para vitorias duradouras. Adiantando-nos às conclusões, há que dizer que às organizações, sobretudo àquelas que se reclamam marxistas e socialistas lhes corresponde uma grande responsabilidade nesta batalha ideológica.

Poderíamos referir-nos a muitos mais aspectos dos ensinamentos daquilo que classificámos como o ensaio geral das massas na Insurreição Geral de Outubro, mas devemos concentrar-nos mais na resultante do paralelogramo de forças que se mediram em Outubro, ou seja, o governo de Mesa.

As massas, nos meses de Setembro e Outubro, lutaram por algumas reivindicações concretas às quais se somaram outras de carácter mais geral, predominando finalmente uma única: a renuncia de Sanchéz de Lozada, que concentrava todas as outras. Voltamos a destacar que nessa concentração da ordem e a fixação de um objectivo muito determinado, um papel decisivo foi o do reunião ampliada da COB a 17 de Setembro. Muitas organizações sociais e políticas, até esse momento, duvidavam da eficácia do projecto e rejeitavam-no por perturbar os seus planos, sobretudo os eleitorais. É dessa forma que as massas, em última instancia, lutaram pela derrota do SdL. Mas não lutaram, há que sublinhar, para que Carlos Daniel Mesa seja presidente. O Presidente deve ter em conta que o seu mandato resulta da saída constitucional que assinalaram, como a única possível nesse momento, as organizações políticas populares de esquerda e as organizações sindicais maduras (Ver Causa nº 5) e que o seu governo manterá certa legitimidade na medida em que se tiver em conta de por que lutaram as massas em Outubro.

Dizemo-lo com absoluta responsabilidade, sem petulância: se, a curto prazo, o governo não satisfaz as exigências das massas enfrentar-se-á de novo a uma difícil situação política. De momento goza certa aceitação e inclusivamente há um grau de tolerância difícil de pedir a um povo açoitado pela crise económica e que está à expectativa para que não o prejudiquem mais com novas medidas de corte neoliberal. Não falamos de cumprir exigências exorbitadas. Trata-se de cumprir com um mínimo de honradez pelo menos os compromissos e as promessas implícitas no seu discurso de tomada de posse a 17 de Outubro e na sua mensagem de 4 de Janeiro há que evitar que o que foi dito em ambas as ocasiões se fique por um hábil discurso de um perito comunicador que, satisfazendo expectativas muito profundas, pratique, no fundo, uma política gattopardista ,! ou seja, “mudar alguma coisa, para que não mude nada”. Para nós isto representa um perigo óbvio. Embora já sejam três meses de governo, sobretudo as equipas de negociadores e desenhadores da política são, com ligeiras mudanças, os mesmos de Sanchez de Lozada. Isto sobretudo em áreas estratégicas, como na economia, na política de hidrocarbonetos. Sem falar dos aparelhos de controlo social e da repressão.

Um dos aspectos sobre o qual há uma lentidão enorme é na luta contra a corrupção. Continua a impunidade. Há passos que o governo poderia dar sem pôr em causa as atribuições do poder judicial; Como no caso Kukoc. Não existem medidas concretas à volta da dança de milhões dos “pluses”. Parece que vai continuar o festim dos gastos reservados. A simples redução (a uns 50%) num país como a Bolívia, no nosso entender não é suficiente; na verdade, questionamos a sua “necessidade”. Esses dinheiros podem ser mais bem empregues noutros fins. Esperamos a mensagem prometida para o dia 31 deste mês e pronunciar-nos-emos com pontualidade. Sobre o tema não queremos adiantar mais temores do que aqueles que a cidadania já tem. Fala-se de uma redução dos salários dos altos funcionários, esperemos que assim seja; Há uma razão ética, não precisamente económica nesta questão. Os poderes judicial e legislativo devem fazer o mesmo e pelas mesmas razões.

Para concluir este capítulo devemos referir-nos à caracterização do governo de Mesa, produto não procurado pela Insurreição de Outubro. O novo governo localiza-se num cenário político novo, mas a essência da dominação de classe não mudou. Apesar de todas as promessas de revisão das políticas que vem desde o D.S. 21060, não é senão um morno reformismo burguês e ainda transita pelas pegadas dos seus antecessores. Sem estruturas e sem força política próprias, pretende colocar-se por cima das classes e das forças sociais e políticas que as representam. Dentro deste equilíbrio instável tenta uma espécie de bonapartismo muito difícil de manter ao longo do tempo. Mais tarde ou mais cedo acabará sucumbindo às pressões mais poderosas que, neste momento, são as da embaixada dos Estados Unidos e os grupos da direita política e os poderosos oligarcas. Esse tem sido o destino de quase todos os governos bonapartistas que inclusivamente acabam em esquemas autoritários o sucumbem perante eles.

A sorte do governo de Mesa não nos é indiferente; seria uma irresponsabilidade fazer uma afirmação diferente. Avisamos que a direita, sobretudo os aliados afastados (MNR, MIR, NFR) conspiram e apostam na sua desestabilização. Na realidade, a sua posição está determinada por uma cegueira produto de um envenenado revanchismo político, não exactamente contra o presidente Mesa, mas sim contra o povo que os castigou em Outubro. Conspiram também, nos seus covis, os grupos fascistas ansiosos de “pôr na ordem” os revoltosos, a “indiada” e a todo o género de esquerdistas e comunistas. O credo anti-comunista aparece em todo o lado e tem os seus elementos aconchegados em formações que se sustém não só com a ideologia anti-comunista, mas também com recursos materiais procedentes do estrangeiro. Não foram desmontados, mas sim reforçados, centros de treino onde se envenena a mente dos efectivos, se deforma o seu psiquismo e se criam torturadores desalmados, como nas épocas das ditaduras e da Escola das Américas. Estas formações, que já actuaram em Fevereiro e em Outubro do ano passado, e voltarão a actuar se para isso forem requeridas. Respondem à política militarista e fascista da actual administração dos Estados Unidos. Se alguém tem dúvidas, veja o que fizeram na Jugoslávia, no Afeganistão e no Iraque.

O maior pretexto actual é a luta contra o terrorismo e para a Bolívia adicionam o narcotráfico. Fala-se inclusivamente da formação de uma força de intervenção rápida, constituída pelas FA dos países vizinhos sob a direcção do Pentágono, se na Bolívia estivesse em risco a democracia.

No outro extremo do espectro político, lamentavelmente, estão os impacientes e irresponsáveis, transformados em subversivos “funcionais” ás necessidades da direita e da reacção. Até conspiram sem problemas com qualquer um que se lhes apresente e que lhes oferece “ gente sob o seu mando”. Há sérios indícios de que muitos dos que oferecem a sua “ajuda” são infiltrados, tem essa missão. Sem dobrar a língua, os impacientes lançam consignas incendiárias “úteis” para provocar a reacção daqueles que preparam uma regressão que pode ser brutal e prolongada.

São cinco os âmbitos que nos próximos dias e semanas darão a pauta de como devemos actuar em concordância com a forma como Mesa pretende resolvê-los e encará-los.

Manifestação popular em defesa do gás boliviano.

  • A questão da Lei dos Hidrocarbonetos. Já existe um projecto preparado pelo governo e pelos seus assessores; a maioria deles com uma mentalidade neoliberal. O projecto continua a ser um documento reservado e a opinião pública não pode debate-lo. Só se conhece fragmentariamente e repete ambiguidades da anterior lei é, portanto, um projecto cheio de arranjos cosméticos que não satisfaz as expectativas do povo. Não permite a real recuperação da propriedade dos hidrocarbonetos. Não se delimitam e devolvem as funções de YPFB. Entretanto o interesse dos monopólios continua para realizar os seus originais planos comerciais: saída do gás natural pelo Chile e venda aos Estados Unidos e ao México, aos preços de referencia impostos lá fora e com tributação ridícula. É falso que se tenham perdido mercados. Havendo projectos elaborados por instituições como CODEPANAL e tendo a COB assumido o daquela como seu, a única linha de acção coerente é que se faça uma consulta popular (o planeado referendo), para decidir que projecto é aprovado pelo povo. Não poderá ser outro senão aquele que possibilite a recuperação do domínio dos hidrocarbonetos conforme manda a CPE em vigor, restitua à YPFB plenamente as suas funções, se industrialize o gás no país e se se exporta, que o beneficio seja para a Bolívia e não para as transnacionais.

    Continua a anunciar-se um referendo para a política energética e sobretudo do gás natural. Isto vai mobilizar a opinião pública, mas é muito provável que o faça com falsas premissas e questionários armadilhados. A primeira armadilha é que se realizaria depois de ser aprovada a lei de hidrocarbonetos. Para que serviria o referendo? Para perguntar se se exporta ou não o gás? Seria uma consulta supérflua. Por isso mesmo, deve-se lutar para que se realize antes da aprovação da lei de hidrocarbonetos e para que as perguntas do referendo sejam elaboradas com a participação das organizações sociais e sindicais.

    A Assembleia Constituinte (AC). Já há tempo, o Partido considerou que uma nova constituição não mudaria o país. A Constituição Política do Estado (CPE) faz parte da superestrutura (leis, códigos, instituições, etc.) que reflecte a estrutura, a base, da sociedade (economia, relações sociais de produção, propriedade dos meios de produção). É a primeira, a estrutura, aquela que determina a segunda, a superestrutura; por outros termos: é a mudança estrutural quem determina a mudança superestrutural e não o inverso. No entanto, há situações em que esta regularidade se inverte, sobretudo em âmbitos menores, como as reformas, que podem ter um carácter progressivo. A experiência latino americana recente mostra-nos por ex. que, tanto o Equador como a Colômbia, reformaram as suas Constituições, sem que com isso se tenham produzido as mudanças que os povos esperavam. Embora o fundo político sobre o qual se realizou a Constituinte na Venezuela seja diferente e apesar do desenvolvimento de um processo revolucionário inegável, a nova constituição, com todo o seu avançado carácter, não modificou o carácter capitalista do Estado venezuelano. Sim, apesar de tudo o que foi dito, impõem-se a convocatória para uma AC exigir, previamente, a mudança do Código Eleitoral e a Lei de Partidos Políticos e depois, utilizar a convocatória para difundir a nossa concepção acerca do tipo de Estado e a sociedade que apresentamos, os comunistas para a Bolívia. De qualquer maneira temos que nos opor à convocatória da AC, com a manutenção parcial ou total do actual parlamento. Igualmente, exigir uma convocatória que estabeleça a participação democrática das diferentes organizações sociais (associações de vizinhos, associações civis, etc) e sindicais e políticas, sem outras limitações que o carácter democrático das sua constituição e funcionamento.

    Causas da crise económica. Desde há vários anos, o Partido afirma que a causa da actual crise económica, do aumento da pobreza, a desocupação, a desindustrialização do país, a invasão de produtos estrangeiros e a perda de soberania no manejo sobretudo das fontes de energia é o resultado directo da aplicação do modelo neoliberal. O país foi saqueado e vendido aos monopólios. Toda uma série de males como a corrupção desenfreada e descarada não são, senão as sequelas inevitáveis dessa aplicação que inclusivamente se pretendeu mostrar como distinta da ortodoxia fundomonetarista. Não vamos insistir em números nem prolongar a análise da situação económica do país. O próprio presidente Mesa, embora com outros fins, realizou um bom diagnóstico das causas do enorme défice fiscal, que é 8% do PIB. Disse-nos ainda, que a primeira rubrica causadora do défice é o pagamento da dívida externa. Pagam-se uns 3.000 milhões de pesos bolivianos anualmente, ou seja, uns 380 milhões de dólares. Depois menciona, como causa do défice o pagamento aos reformados (2.800 milhões de Bs.); os 2.600 milhões de pesos bolivianos para o pagamento, sobretudo dos salários dos professores e até os gastos da administração e ordenados dos funcionários públicos. Para se ser consequente com a análise, a primeira coisa em que se deveria pensar é, de qualquer maneira, livrar-se da carga mais pesada, não pagar a dívida externa. Fidel disse-o há uma quinzena de anos: “a dívida externa é impagável e incobrável”. Os bolivianos, já o sabemos por experiência na própria carne que não podemos pagar; agora é necessário o seguinte, decidirmos que não nos cobrem, que não podemos continuar emprestando-nos cobres para pagar uma dívida que continua a crescer como uma bola de neve. É este o primeiro passo para enfrentar a crise económica: declarar a mora dos pagamentos e lutar, juntamente com outros países para conseguir um perdão total. Todo o dinheiro libertado deverá servir para incentivar o aparelho produtivo nacional, tanto industrial como agroindustrial. Uma campanha para incentivar o consumo da produção nacional e uma enérgica luta contra o contrabando. Se se fala da protecção da produção e do mercado nacional devemos rejeitar efectivamente o plano de subscrição de um tratado de livre comércio com os Estados Unidos da América. Seria adiantarmo-nos à ALCA, que está quase a fracassar, para converter a Bolívia numa colónia ianque.

    Para combater o défice fiscal não é possível recorrer a mais sacrifícios de uma população exausta e faminta. Com isso o governo não fará senão abrir novas frentes. Nem se devem baixar as pensões nem se devem congelar os ordenados. Aquilo que se pode fazer, e isso é urgente, é racionalizar as despesas da administração pública; diminuir a burocracia, sem afectar o funcionário público de base.

    Qualquer tentativa de solucionar a crise e empreender o desenvolvimento do país deve fazer-se com a perspectiva da integração regional e latino-americana. Aquilo que se deve ter presente é que por causa do escasso desenvolvimento da economia boliviana, deve ser-se prevenido para não ser vítima dos apetites de outras burguesias mais poderosas. A cláusula de nação mais favorecida é um direito boliviano irrenunciável. Impulsionar a Comunidade Andina e o MERCOSUL. Ampliar as relações com a Europa e com a Ásia, como contrapeso aos projectos dos tratados de livre comercio (TLC) com os Estados Unidos, verdadeiras pontes de uma só direcção para chegar à ALCA.

  • A questão marítima. Ao longo dos últimos dias a opinião pública tem estado concentrada na questão marítima e na possibilidade de recuperar a nossa saída para o mar. Este assunto, de grande importância para o país, inegavelmente, ocupa a mente dos patriotas bolivianos e desperta entusiasmos e esperanças compreensíveis. Com todo o ruído, até se fez uma sessão reservada do parlamento. Sabe-se muito resumidamente que se verificou unanimidade à volta do assunto. Parece-nos bem que a direita se tenha tornado compreensível e deponha as suas pressas golpistas, que o indigenismo radical se torne reflexivo e que o populismo saia dos temas já gastos. Por seu lado, o executivo, sobretudo através do presidente, logrou grandes efeitos publicitários. Precisamente por isso temos que estar prevenidos. Na nossa história, com demasiada frequência, em situações de crise agitou-se a causa marítima. Banzer, em 1975, queria que não voasse nem uma mosca, pois havia que dar um aspecto de país sério e de grande estabilidade para negociar com Pinochet.

    A nossa posição consiste em que não haverá uma solução favorável para a Bolívia enquanto não se convencerem os povos, à margem de paixões chauvinistas, que a restituição de uma saída para o Oceano Pacífico é uma questão de justiça internacional. Tampouco haverá soluções possíveis à margem de posições patrióticas, integracionistas latino-americanas e do real internacionalismo das forças e das correntes avançadas e revolucionárias. Estas afirmações dos comunistas baseiam-se na contagem das iniciativas e intercâmbios que se deram nos últimos trinta anos entre os governos progressistas de ambos os países, entre as correntes progressistas, populares e integracionistas e os partidos revolucionários.

    A primeira referencia inevitável é a missão do então senador comunista C. Volodia Teitelboim que, por incumbência expressa do Presidente socialista Salvador Allende, assentou algumas bases para iniciar relações com o governo do Gral. Torres. Lamentavelmente, o golpe banzerista primeiro e depois o de Pinochet frustraram qualquer avanço. Em 1979, os então secretários gerais dos Partidos Comunistas da Bolívia, do Chile e do Peru, camaradas Jorge Kolle, Luís Corvalán e Jorge del Prado, subscreveram uma declaração conjunta que, fundamentando-se nos princípios internacionalistas estabeleciam algumas bases para a solução do problema. Esta declaração (desaparecida na Câmara dos deputados), serviu de referencia para que no mesmo ano o IV Congresso do Partido resumisse assim a nossa atitude:
    a) O reconhecimento da legalidade reivindicativa
    b) A não compensação territorial que significasse uma nova mutilação.
    c) A solução tripartida entre os povos comprometidos, pacífica, democrática e soberana.
    d) A neutralidade em caso de conflito fronteiriço.

    O povo boliviano acolheu com absoluta clareza estes princípios e conseguiu derrotar a política de Banzer que desde o “abraço de Charaña”, tentou resolver a questão em benefício dos interesses “geopolíticos” do fascismo chileno à custa da renúncia dos legítimos interesses do nosso país.

    Isto, não é só um dizer por dizer. Está apoiado pela afirmação no mesmo congresso, através da saudação do PCCH, subscrito por Luís Corvalán: Os comunistas chilenos reiteram a sua posição - que foi a posição de princípio do Governo popular do Presidente Allende - no sentido de procurar uma solução satisfatória e positiva à aspiração marítima da Bolívia sobre a base das negociações pacíficas e da participação democrática e soberana dos respectivos povos. Cruzámo-nos e continuaremos a cruzar-nos no caminho de todos aqueles que, tal como Pinochet, quiseram explorar estes delicados problemas em benefício dos interesses do imperialismo e como pretexto para intensificar a repressão contra o povo, assegurar o controlo fascista sobre as forças armadas e manter um permanente foco de tensão bélica que ameaça a paz na América Latina.

    No mesmo ano de 79, obteve-se outra importante Resolução na 6ª Cimeira dos países Não Alinhados. Expressamente, nela se falava de apoiar uma solução que desse à Bolívia uma saída soberana e útil, para as costas do Oceano Pacífico. É importante salientar que na delegação boliviana esteve a opinião e o trabalho dos comunistas bolivianos. No mesmo ano, em Novembro, temos que o reconhecer, o governo de Guevara Arze e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros Gustavo Fernandez, obtiveram a primeira e única resolução, na OEA, favorável à Bolívia. Eram os tempos de resgate da democracia; Pinochet estava firme no poder, mas repudiado mundialmente.

    É a ocasião adequada para nos referirmos, por fim, à actual posição dos comunistas chilenos que, ao contrário da fechada posição do governo de Lagos, da direita e dos círculos cavernosos da oligarquia chilena, mantém que tem que se abordar com espírito integracionista e de uma forma positiva a demanda marítima boliviana. Há apenas dez dias concluiu em Santiago do Chile o III Seminário “América Latina-Europa” de partidos comunistas. Pela primeira vez numa reunião desta natureza há uma referência expressa ao assunto e todos os partidos comunistas reunidos apoiam a decisão de promover uma reunião tripartida num local e em data sujeita a apreciação. Diz o comunicado para os meios de comunicação: Os Partidos Comunistas da Bolívia, Chile e Peru, acordaram realizar uma reunião de organizações políticas e sociais populares para propor caminhos que resolvam o problema da mediterraneidade da Bolívia. Os outros partidos assistentes valorizaram esta iniciativa.

    O encontro trilateral estaria integrado por organizações sociais, culturais e integrada por organizações sociais, sindicais, culturais políticas dos três países.

    É inegável que o clima internacional para este assunto está melhor que noutras ocasiões. Conseguiu-se multilateralizar o debate e nisso jogaram um papel muito importante as declarações e a sólida alegação do presidente da Venezuela, Hugo Chavez; a Declaração da Assembleia Nacional Popular de Cuba, as declarações de compreensão se outros países latino-americanos como o Brasil e a Argentina. Também as declarações de Kofi Anán, do ex-presidente Cárter. No próprio Chile, para além dos comunistas e da esquerda, há manifestações importantes tal como a do escritor A. Eduards, do alcaide de Iquique Soria, e outras. A base da integração dos três povos envolvidos na Guerra do Pacífico, não se pode dar unicamente na base dos recursos energéticos, mas também hídricos, mas com uma condição prévia e irreversível para a Bolívia: resgatar das mãos das transnacionais domínio soberano dos hidrocarbonetos. Este tema deve continuar a estudar-se e entre outras coisas, a proposta de um arranjo com a soberania compartida pelos três países. Mas, antes de tudo, é necessário acalmar as atitudes patrioteiras, as que estimulam rancores e atitudes xenófobas entre os nossos povos, e que nenhum governo utilize o assunto pendente como uma cortina de fumo para desviar a atenção dos problemas mais álgidos e urgentes.

  • Unidade popular e da esquerda. Se em Outubro não se pôde ir mais além da defenestração de Sánchez de Lozada e dar andamento à sucessão constitucional é porque o povo estava - e está - longe de conseguir a unidade das forças populares e sobretudo da esquerda, necessárias para apresentar uma alternativa de governo. O Partido tem como tarefa de responsabilidade histórica trabalhar em prol dessa unidade da forma mais decidida. Deve, além disso, entender aquilo que é um clamor popular: a exigência da unidade da parte de todo o povo. Há vários meses que se constituíram já, à volta da revista Causa , cuja aceitação é muito grande e crescente, um núcleo que será a base de uma organização política de carácter frentista que de uma forma imediata pode participar em tarefas políticas como a possível convocatória de um referendo e a eleição de membros de uma assembleia constituinte. De facto, o núcleo de Causa tem participado activa e unitariamente tanto nos âmbitos universitários, sindicais, assim como nas acções de Outubro.

    Com o núcleo de Causa , constituído pelo Partido Comunista, pelo Partido Revolucionário do Povo, por Pátria Socialista Multinacional, pelo Partido Socialista-1 e independentes revolucionários e de esquerda como Enrique Maríaca, procura-se estender o trabalho unitário a outras organizações políticas populares e organizações sociais. O núcleo de Causa actuará com uma linha e personalidade próprias no espectro político.

    Aquilo que o Partido Comunista da Bolívia não admite é ser “absorvido” ou “integrar-se” em qualquer outra organização política. O PCB é um partido que tem uma concepção doutrinal à qual não pode renunciar e uma prática política e uma história irrenunciável.

  • A situação orgânica do partido é completamente insatisfatória. Existem excelentes condições políticas para nos reorganizarmos e voltar a ter o papel que, historicamente, o nosso partido sempre teve. A direcção nacional dedicará as suas reuniões a estudar as medidas para superar a nossas actuais dificuldades. O mais provável é que a curto prazo tenhamos que realizar uma conferência nacional ou um congresso extraordinário.

    La Paz, 17 de Janeiro de 2004

    [*] Primeiro Secretário do Comité Central do Partido Comunista da Bolívia.

    Tradução de AMS.


    Este relatório encontra-se em http://resistir.info .

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