Assim como houve um filme "Tubarão I" e a
seguir um "Tubarão II", um "Terminator (exterminador)
I" e a seguir um "Terminator II" e até um III, na
Bolívia, onde se imita a realidade e a ficção dos amos do
norte, já se deu sequência às megacoligações
da direita pró-imperialista e neoliberal. Há um traço
comum entre os filmes de ficção de Hollywood e as
megacoligações políticas bolivianas. Ambas exaltam seres
ou criações que encarnam a violência, o esbulho, a
brutalidade, em suma, a irracionalidade mais negra.
Com Banzer deu-se uma megacoligação que
incluiu há que recordá-lo a ADN, MIR, UCS e a
extinta CONDEPA, além de alguns apêndices como KDN, FSB, DC. Com
Sánchez de Lozada (SdL) organizou-se uma nova
megacoligação que inclui o MNR, o MIR e agora a NFR,
também tem apêndices como UCS e outros que fazem parte das
coligações eleitorais menores como os recém-chegados da
NFR (Kuajara, Pinto e outros) ou do MIR (os Torres Obleas) e também do
MNR (o EJE Pachacuti de Barrenechea e alguns ex-socialistas (Gutiérrez,
Harb, San Martin), enfim, uma impressionante colecção de
trânsfugas, oportunistas, arrivistas e carreiristas. Lamentavelmente
ainda não podemos apresentar a colecção completa, pois
ainda há mais alguns desta fauna política que, sob outros
pretextos mas com as mesmas motivações, aguardam impacientes na
sala de espera da megacoligação.
O surgimento da megacoligação, em 5 de Agosto
último, foi um golpe terrível à
desinformação e à falta de cultura política, mas
também à candidez de muita gente que, acreditando que fazia bem,
votou por candidatos como Manfred Reyes Villa (MRV) e inclusive pelo MIR de
Jaime Paz (JPZ). Cidadãos que hoje têm náuseas ou cospem
de nojo pelos pactos e acordos que se deram e mais uma vez se convencem de que
"a política é uma porcaria". Votaram com a
ilusão de que o NFR ou o MIR iam mudar as coisas, iam pelo menos
rectificar algo do neoliberalismo selvagem que os esmaga na sua vida e na sua
economia.
Muita gente acredita que essa porcaria é a
própria política, confundem-na com a politiquice e o partidarismo
corrupto, ideológica e politicamente camaleonico, próprio e
inerente à direita. Houve outros ingénuos em
relação ao que representam o MIR e particularmente o NFR, ainda
não conhecida como oportunista e mutante. Ingénuos bem
intencionados e preocupados com o destino da pátria acreditaram que
aqueles partidos podiam até fazer rectificações de fundo
até, por exemplo, à Lei de Hidrocarbonetos. Proporcionaram-lhes
elementos teóricos, projectos de leis substitutivos das leis
neoliberais, etc e que agora estão a acumular pó nas prateleiras
do Congresso e que, enquanto durar a megacoligação, não
serão tocados.
ESSÊNCIA DE CLASSE E DISCURSO FALACIOSO
Nas revista "Causa" não nos deixamos iludir por espelhismos,
pelo movimento das águas superficiais que ocultam as correntes de fundo
dos partidos que agora integram a megacoligação neoliberal II.
Dissemo-lo. Os partidos políticos, na sociedade capitalista, nasceram e
conservam-se como expressão dos interesses das classes e das
fracções de classe. A partir desta definição
esquemática, mas verificável, caber perguntar: Que interesses
exprimem e defendem os partidos da "megacoligação II"?
Defendem e representam os interesses da burguesia, nas suas diferentes
fracções, sobretudo a oligárquica. Já veremos mais
adiante que propósitos tem a actual megacoligação, mas o
facto de que se tenham juntado num acordo organizações que se
odiavam até à morte até o dia 5 de Agosto explica-se a
partir dessa essência de classe, que é como a alma dos partidos.
Eles não podem escapar a essa determinação sem trair a sua
essência, a sua razão de ser.
Alguém poderá perguntar: Mas tanto o NFR como o MIR (com menos
firmeza) propalavam sua oposição ao neoliberalismo, chamavam SdL
de "gringo vende-pátria", defendiam o resgate das
capitalizadas, etc. Por sua vez, o MNR acusava o NFR por sua origem
banzerista, pelo duvidoso passado democrático do MRV, pelas suas
ligações com García Meza, etc. Como já dissemos,
as pessoas ingénuas e desinformadas têm dificuldade em perceber
que o discursos, o programas e as ofertas dos políticos da direita e da
oligarquia são falsos, são demagógicos e não passam
do isco com que procuram ganhar apoio e dobrar os seus inimigos ocasionais.
Chegado o momento, inventam uma fórmula para saldar suas
diferenças e usufruírem em conjunto do poder, aplicando o
programa que corresponde à sua essência de classe. Assim se
juntam os partidos. E quanto aos seus "operadores"?
DISFARCE IDEOLÓGICO E DESERÇÃO
Com assombrosa facilidade acomodam suas ambições pessoais aos
objectivos de classe, procurando disfarces ideológicos para os seus
volteios e deserções. Não lhes falta uma certa habilidade
nisso, poderão ser pessoas sem princípios e sem moral, mas
não são tontos sem juízo; sabem o que procuram e sabem
enfeitar suas mesquinharias e paixões. Só que já
convencem dificilmente. Na "mega II" vemos por exemplo dois
personagens de antologia nesta ordem: Adalberto Kuajara e Dante Pino. O
primeiro tem uma "evolução" política que o
conduziu pelo menos por seis agrupamentos: PDC, DC revolucionária, MIR
(mir-marxista em Santiago do Chile), PCB, ASD, para infiltrar-se finalmente no
NFR. A síndroma timãocrática (ou seja, a
implacável ambição de poder e a obsessão da
notoriedade) devoraram sua individualidade.
Pino, com menor formação política, mas
ambicioso e migratório como o anterior, é outra amostra destas
personagens capazes de recitar os versos adequados a cada ocasião. O
grave é que o seu discurso, furibundo marcelista e anti-neoliberal,
tornou-se tão entreguista que é capaz de justificar a oferta das
riquezas nacionais bolivianas desde que cubram o défice fiscal. Outra
amostra inocultável da salada de partidos e personagens é a
negociata de macororó. O ministro da Defesa, movimentista, entregou os
soldados à exploração de uma latifundiária ligada
ao MIR, a ex-esposa do actual chanceler.
OS PADRINHOS DO ACORDO
A cada diz que passa conhecem-se mais pormenores acerca do apadrinhamento desta
brilhante coligação. Não verdade, não era preciso
ser bruxo. O embaixador Rocha já havia conseguido retirar Kuljis da NFR
e conseguir o seu apoio para o MNR. Aquilo que fez Greenle foi só
colocar a cereja no bolo: estava tudo cozinhado, era questão de tempo.
A embaixada dos EUA é a madrinha inocultável. O padrinho
são os monopólios do gás. Nestes dias vive-se uma
ofensiva norte-americana para apertar todos os parafusos que lhes permitam ter
o controle total do pátio traseiro. Na geopolítica ianque, a
Bolívia tem um lugar marcado: ser fonte de hidrocarbonetos, colmatar a
fome de gás que tem a Califórnia, a quinta economia mundial,
segundo cálculos de peritos. Conclusão: possuir 57
triliões de pés cúbicos (1614 mil milhões de metros
cúbicos) de gás não só é fonte de
esperança como também de temores bem fundamentados, sabendo-se
das ambições e da falta de escrúpulos de Bush e do seu
petro-poder. O negócio da Camisea no Peru já está fechado
e uma das companhias, da qual é sócio David Cheney, o
vice-presidente dos EUA, já contribuiu para a reeleição de
Bush. É assim simples e truculento.
O QUE QUEREM SdL E A SUA "MEGA"
Os objectivos da "neomega" podem ser resumidos em conseguir
três finalidades: a) tosquiar o povo, sobretudo as camadas médias
e aposentados, a fim de, ainda que a custa de sangue e suor, aumentem as
receitas fiscais, cujo défice chegou a 10%; b) "monetizar" as
reservas de gás a fim de receber dinheiro contante e sonante e entregar
o gás até que este se acabe. Impôs-se a saída do
gás pelo Chile para ser vendido aos EUA a um preço
ridículo: entre 0,50 e 0,70 por BTU (unidade térmica), do qual
para o país sobra apenas uns 18%; e c) Erradicar a coca do Chapare
através de um plano militar fulminante, sem se importar com o custo
humano. Tudo, neste aspecto, também já está cozinhado.
Não lhes importa criar um monstro fascistóide, o que vai na linha
da Casa Branca e do Pentágono para toda a América Latina.
GONY, UM ÍDOLO COM PÉS DE BARRO
Com o exposto fica absolutamente claro que a
"neomegacoligação" conseguiu criar a base parlamentar
para garantir a maioria que necessita para impor e a muito curto prazo
todas as disposições legais que permitam continuar a
aplicar o modelo neoliberal. Já têm assegurado o executivo e SdL
não é senão o ditador "constitucional" que o
regime necessita. Os instrumentos de controle social (repressivos)
estão a ser afinados com o apoio ianque necessário e até
com leis que penalizam o protestos popular. A armação repressiva
apoia-se numas forças armadas cada vez mais inquietas nas suas bases e
questionadoras de um alto comando silenciado com prémios de lealdade.
Para terminar, não há dúvida de que a
megacoligação é um ídolo com pés de barro.
É inocultável o esfriamento entre o presidente e o
vice-presidente. As fricções entre a NFR e o MIR são cada
vez mais ruidosas e o alvoroço no interior de cada partido é
ensurdecedor. Nestas condições é difícil que possa
enfrentar o crescente protesto social. Mas também falta a esta
coligação precisar objectivos e unificar suas forças e
suas fileiras, sobretudo no movimento sindical e nas suas
organizações naturais. É o desafio do momento.
[*]
Primeiro-secretário do Partido Comunista da Bolívia.
domich2001@hotmail.com
.
Comunicado conjunto, 14/Out/03
Goni deve renunciar
Carlos Mesa deve assumir a Presidência Constitucional
Gonzalo Sánchez de Lozada perdeu a escassa legitimidade com que chegou
ao Palácio Quemado. A democracia não é ele e nunca o foi.
O único apoio que tem é o da Embaixada ianque e de certos
comandos das Forças Armadas e da Polícia.
O povo quer uma democracia em que participe e decida. É falso,
portanto, que a maioria dos bolivianos seja sediciosa, como afirma Gonzalo
Sánchez de Lozada ao qual o povo lhe diz em todos os tons que renuncie.
Diz-lhe que se vá porque o povo não esquecerá os mortos e
feridos. Tão pouco haverá perdão para ele porque o sangue
foi derramado porque o actual governo defende os interesses das empresas
transnacionais e não os do povo e do país.
A democracia está ameaçada pela acção do governo do
MNR, MIR, NFR. Portanto, a ameaça à democracia não
é do povo insurrecto. O povo conquistou-a com múltiplas
acções e com uma crescente quota de sangue e com
sacrifícios que continuam a crescer.
Se ao ainda Presidente da República lhe resta alguma generosidade, deve
renunciar agora. Só assim pode deter-se o massacre.
Em defesa da democracia e dos interesses nacionais e populares, e para evitar
uma maior efusão de sangue, perante a renúncia de Sánchez
de Lozada deve assumir a Presidência Constitucional do país o
vice-presidente Carlos de Mesa o qual deve, o quanto antes, constituir um
governo provisório que se comprometa a recuperar os hidrocarbonetos para
os bolivianos, a tomar medidas destinadas à recuperação do
aparelho produtivo e à convocatória de uma Assembleia
Constituinte.
Movimiento al Socialismo
Movimiento Sin Miedo
Partido Comunista de Bolivia
Patria Socialista Multinacional
Partido Revolucionario del Pueblo
Partido Socialista 1 (Walter Vásquez Michel)
Este artigo e comunicado encontram-se em
http://resistir.info
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