Antes do Iraque já era assim
A imprensa e o Vietnam
O papel da imprensa ocidental na controvérsia em torno do Vietnam tem
sido importante e revelador. Foi a partir dos jornais do Ocidente que eu
deduzi, pela primeira vez, a responsabilidade dos Estados Unidos e foi
também através das mesmas reportagens que comecei a aperceber-me
do carácter bárbaro dessa guerra.
A 21 de Outubro de 1962, por exemplo, o
New York Times
declarava:
"Americanos e vietnamitas caminham lado a lado, lutam lado a lado e morrem
lado a lado. É difícil ir muito mais longe".
Anteriormente, Momer Bigart, destacado correspondente do
New York Times,
referira-se à
"cega brutalidade"
da guerra. Num artigo publicado em 25 de Julho de 1962, Bigart afirmava:
Os conselheiros americanos assistiram à execução
sumária de prisioneiros do Viet Cong. Encontraram corpos carbonizados de
mulheres e crianças em aldeias destruídas por bombas de
napalm".
Na verdade, o emprego de produtos químicos na guerra do Vietnam
já havia sido relatado pelo
New York Times,
no dia 1 de Janeiro de 1962. A 26 do mesmo mês e ano, o mesmo jornal foi
ao ponto de classificar de
"programas de destruição das culturas"
o emprego de produtos químicos nos campos de mandioca e de arroz do
Vietnam do Sul.
Apesar de muitos destes artigos altamente reveladores aparecerem enterrados nas
páginas interiores dos jornais, uma leitura mais cuidadosa e
diária da imprensa ocidental tornou possível determinar o
carácter desta guerra, com base em testemunhos e
documentação que não poderiam ser facilmente desmentidos.
O método que adoptei ao aceitar tal material foi o conhecido processo de
"a prova contra o interesse". Parti do princípio de que o
New York Times,
nada ganhando com tais artigos, certamente tinha por único motivo o
desejo de publicar um relato verdadeiro. Dificilmente alguém se
porá a forjar testemunhos e provas contrários aos seus interesses.
Em breve descobri, porém, que alguns jornais, mesmo publicando
fragmentos de informação repletos de horrores, não tinham
qualquer intenção de elaborar uma visão coerente da guerra
com base nesses artigos, mas possuíam realmente a intenção
de impedir os outros de fazê-lo. A imprensa bem informada sabia que algo
de seriamente mau se passava com aquela guerra, contudo limitava-se a
comentários anónimos e a uma crítica superficial. Este
procedimento preservou a sua posição
"respeitável" mas preparou o terreno para um posterior
volte face,
quando a primitiva atitude ficou largamente desacreditada. (Quem considerar
isto uma descrição forçada do modo como a imprensa exerce
o seu ofício, faria bem se recordasse a atitude da imprensa para com os
opositores noutros campos -- por exemplo, para com os primeiros discordantes do
relatório da Comissão Warren).
Repetidas vezes, a imprensa adopta um tal comportamento vergonhoso em
consequência da passividade do público. A maior parte das pessoas
não têm acesso aos factos em assuntos que lhe despertam suspeitas
nem, tampouco, dispõem de fontes que lhe permitam reunir
informações de maneira independente. Mesmo conseguindo vencer
estes obstáculos consideráveis, continua a não ter meios
de comunicar ao público as suas descobertas. Procurei superar tais
dificuldades por três modos: em primeiro lugar, através de um
estudo completo da guerra tal como ela é relatada em
publicações ocidentais, vietnamitas e de outra
proveniência; em segundo lugar, enviando regularmente observadores, por
intermédio da Fundação Bertrand Russell para a Paz
(Bertrand Russell Peace Foundation), a fim de fazerem grandes percursos pela
Indochina e regressarem com relatos em primeira mão; e em terceiro
lugar, erguendo a minha voz sempre que possível.
Entretanto, aprendi certas regras que devem ser respeitadas a ler-se os jornais:
1. Ler nas entrelinhas.
2. Não subestimar nunca o mal de que são capazes os homens do
poder.
3. Identificar o calão "terroristas" em oposição
a "acções de polícia" e fazer a respectiva
tradução, sempre que seja necessário.
Os leitores já experimentados na leitura dos jornais podem dar-se ao
trabalho de compilar os seus próprios glossários de termos usados
pelo "nosso" lado e pelo lado "deles".
[*]
Capítulo do livro "Crimes de Guerra no Vietnam".
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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