Publicado agora estudo sobre o uso militar de herbicidas pelos EUA durante a
guerra do Vietnã
Os mortíferos agentes coloridos
por Oficina de Informações
[*]
Poucos meses antes de o presidente norte-americano, George W. Bush, anunciar o
início do ataque militar ao Iraque sob a alegação de que
Saddam Hussein mantinha escondido um suposto arsenal de armas de
destruição em massa (entre elas, um avião não
pilotado capaz de aspergir produtos químicos ou biológicos),
chegava à redação da revista britânica
Nature
um estudo com dados sinistros sobre uma guerra sinistra ocorrida há
mais de quarenta anos.
Os americanos sabem do que falam quando se trata dos efeitos letais de armas
químicas. Já foram campeões de seu uso. No Vietnã,
usaram-nas fartamente. Mais do que se imaginava, como mostra o estudo liderado
por Jeanne Mager Stellman, da Universidade de Colúmbia, em Nova York,
publicado pela
Nature
na edição do dia 17 deste mês.
A guerra do Vietnã foi um dos principais conflitos militares desde 1945.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, os vietnamitas levantaram-se contra a
ocupação francesa e conseguiram, finalmente, derrotar os
colonizadores na batalha de Diem Bien Phu, em 1954. A paz foi ratificada por
uma conferência realizada em Genebra, na Suíça, onde, por
pressão norte-americana, o Vietnã foi dividido em dois, e sua
reunificação seria decidida por um plebiscito marcado para
daí a dois anos. Contra a evidência do apoio popular à
reunificação, os norte-americanos patrocinaram um golpe militar
no país, que rasgou as determinações daquela
conferência e foi o estopim de um levante armado. A pretexto de conter a
expansão do Vietnã do Norte, os americanos passaram a enviar
"conselheiros militares" ao Vietnã do Sul e, desde o
começo da década de 1960, passaram a envolver-se na guerra, para
a qual chegaram a enviar mais de 500 mil soldados, até 1973, quando se
retiraram oficialmente do país, embora continuassem a monitorar as
forças sul-vietnamitas, até a derrota final em 30 de abril de
1975.
O estudo agora publicado pela
Nature
revela que o volume de armas químicas despejadas sobre o Vietnã e
seus vizinhos foi maior do que até agora se admitia. Stellman e sua
equipe mostraram que, de 1961 a 1972, as forças militares dos Estados
Unidos despejaram sobre o Vietnã cerca de 77 milhões de litros de
herbicidas com o objetivo militar de desfolhar florestas e manguezais e
localizar focos de guerrilheiros, limpar as cercanias de
instalações militares e destruir plantações do
"inimigo" como uma tática para diminuir seu suprimento de
alimentos. Os herbicidas usados tinham composições variadas e
foram apelidados pela cor da banda de identificação pintada nos
barris de armazenagem, com capacidade para 208 litros. Foram despejados mais de
370 mil barris. A mais famosa dessas armas químicas foi o Agente
Laranja. Mas havia o Azul, o Branco, o Rosa, o Verde e o Púrpura
todos eles aspergidos por aviões ou helicópteros, em cerca de 10
mil missões, sobre uma área total de 2.631.297 hectares
atingindo, além do território vietnamita, também
áreas dos vizinhos Camboja e Laos. Molharam o terreno, as
plantações, os animais domésticos, os rios, as casas e as
roupas no varal, de cerca de três mil vilas. Atingiram também a
pele, os cabelos, a roupa e foram respirados por dois a quatro milhões
de pessoas. E cerca de 65% da área atingida pelas nuvens dos herbicidas
recebeu uma substância conhecida como TCDD (
2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina ), banida dos Estados Unidos para uso
doméstico em abril de 1970, devido a evidências de que provocava
câncer.
Já em 1970 o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, por
orientação do Congresso, solicitou à Academia Nacional de
Ciência um estudo sobre os danos ecológicos e fisiológicos
provocados pelos desfolhantes químicos. O estudo, conhecido como
NAS-1974, baseou-se em dados cronológicos do arquivo militar HERBS, onde
estavam registradas as coordenadas de padrão de vôo das
missões de aspersão sobre território vietnamita, efetuadas
pela Força Aérea norte-americana entre agosto de 1965 e dezembro
de 1971, e das missões semelhantes levadas a cabo por
helicópteros do Exército norte-americano desde 1968. A esses
dados, o Departamento de Defesa acrescentou, em 1985, informações
de outro arquivo, o Services-HERBS, com registros de fontes adicionais. Mas a
taxa de erro do HERBS ainda era alta, cerca de 10%, resultante de
deficiências de transcrição na entrada de dados e no
registro feito pelos próprios pilotos. O estudo de Stellman e sua equipe
resultou do esforço para corrigir esses erros. Em sua
investigação, descobriram dados adicionais arquivados, e que
até então não haviam sido considerados. A
recuperação desses dados poderá levar a estudos
epidemiológicos e ambientais sobre os efeitos de uso em larga escala de
herbicidas, mais completos do que os realizados até hoje.
O uso dessas armas químicas já era contestado em 1963. Mas
naquela época, como hoje, os norte-americanos deixaram de dizer a
verdade a seu respeito, com a cumplicidade de alguns setores da imprensa, que
mantêm a tradição nefasta de mentir para proteger
ações militares.
Isso ficou evidente na polêmica pública que o físico e
filósofo Bertrand Russell travou com os editores dos jornais
The New York Times
, americano, e
Times
, inglês, em 1963. Contra as alegações daqueles
jornalistas, de que os "desfolhantes" atingiam apenas a
vegetação, Russell demonstrou que, ao contrário, os
efeitos daquelas armas contra vegetais, animais e pessoas já eram
conhecidos, e atingiam milhões de vietnamitas, e mesmo soldados
americanos eventualmente expostos à ação daqueles
líquidos venenosos. Usando dados publicados em maio de 1963, Russell
mostrou que, nos Estados Unidos, herbicidas e desfolhantes químicos
provocaram, na Califórnia, 1.100 casos de sérias doenças e
150 mortes. O próprio primeiro conselheiro científico do
presidente John Kennedy, dr. Jerome Weisner, considerou o uso indiscriminado
dessas armas químicas como potencialmente "mais perigoso do que a
precipitação radioativa".
[*]
Publicado originalmente em
http://www.oficinainforma.com.br/
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
|