Detectando a desinformação, sem radar

por Gregory Sinaisky

Como distinguir uma reportagem autêntica de um artigo fabricado para produzir o efeito de propaganda desejado? A guerra no Iraque nos fornece muitas amostras para um estudo das técnicas da desinformação.

Observe o título: “Shiitas de Basra organizam revolta e atacam tropas do Governo”, publicado em 26 de março no The Wall Street Journal Europe . Utilizando-o como exemplo, tentaremos armar os nossos leitores com princípios básicos das técnicas de análise da desinformação, com a esperança de que no futuro isso lhes permita detectar o que é fraude.

O título do artigo soa bastante definitivo. O artigo, contudo ele começa com muito menos certeza. “Oficiais militares dizem que a população chiita de Basra ... deu a impressão de estar a rebelanr-se”. As sentenças “oficiais militares” e “deu a impressão de estar” deveriam imediatamente fazer com que surja um alerta para o leitor, especialmente devido a sua má combinação com o título que é tão definitivo. Por que “oficiais”? Eles falavam em coro? Ou cada um deles estava apenas proporcionando uma informação complementar? Uma reportagem verdadeira certamente nos responderia estas perguntas e também nos informaria os nomes dos oficiais ou no mínimo diria a razão porque não podem ser identificados.

Por que foi utilizada a frase “deu a impressão”? Existem sempre razões específicas para que algo “dê a impressão”. Por exemplo, a notícia sobre a revolta da população chiita de Basra pode ser incerta porque foi fornecida por um desertor iraquiano, que não é considerado confiável e não foi confirmada por outras fontes. Mais uma vez, todo repórter profissional entende que seu trabalho é proporcionar tais pormenores e são exatamente estes pormenores que tornam sua reportagem valiosa, interessante e memorável. Se todos estes importantes pormenores não estiverem presentes, isto é com certeza um sinal para suspeitar de desinformação intencional.

Mais abaixo neste artigo notamos exemplos ainda mais espantosos de imprecisões. “Repórteres no local disseram que as tropas iraquianas atiravam nos cidadãos que protestavam...”. Para um leitor perspicaz, esta pequena sentença deveria levá-lo a todo um conjunto de questões. Estariam os jornalistas mencionados incorporados nas tropas? Qual era a sua localização e a que distância observavam os acontecimentos?

Obviamente, estar numa cidade sitiada e onde ocorrem tumultos é um trabalho extremamente perigoso. Por que nos foram ocultados os nomes dos repórteres autores deste brilhante feito, ao invés de proclamá-los com orgulho? Por que não quiseram contar de onde observavam e como conseguiram chegar lá? De qualquer maneira, em tais circunstâncias, estar mais próximo da cena do que a distância de um tiro de rifle, digamos um quilômetro, merece uma explicação especial. Agora, uma questão interessante: quais são os indícios visuais que permitem a um repórter, a esta distância, distinguir entre uma revolta e, digamos, tropas que disparavam sobre saqueadores ou outras muitas explicações possíveis para os mesmos factos observados?

A única pista que posso imaginar não é visual, mas uma indicação oral de um editor pedindo a um jornalista que relate — o que não podemos explicar de nenhuma outra forma senão como uma tentativa de desinformação intencional. Dada a natureza muito específica da desinformação produzida neste caso particular, seu óbvio efeito tanto sobre a resistência iraquiana como sobre a opinião pública anti- guerra, não podemos encontrar nenhuma outra explicação para este fato — exceto que The Wall Street Journal colabora diretamente com o departamento de guerra psicológica do Pentágono.

Alguma luz inesperada é lançada a esta estória através da expressão: “UK: Iraque sente forte reação em Basra”, publicada na CNN.com, também em 26 de março. Neste artigo, a reportagem original sobre uma revolta de civis é atribuída a “autoridades militares britânicas e a jornalistas”, mais uma vez não identificados. Aqui, o coro dos “oficiais” que cantam em uníssono com os “jornalistas” faz com que alguma coisa se torne mais específica. Uma declaração extremamente bizarra é relatada: “Temos radares que, ao acompanharem a trajetória dos tiros de morteiro, são capazes de descobrir a fonte e o alvo de destino, que neste caso eram civis de Basra”. Portanto, agora sabemos que a revolta em Basra fora detectada por oficiais britânicos e jornalistas que observavam uma tela de radar! Este inacreditável radar britânico pode até mesmo distinguir um oficial do Iraque de um simples cidadão e um civil de um soldado. Além disso, aparentemente pode ler mentes e determinar as razões porque as pessoas disparam umas sobre as outras!

Na verdade, há uma grande mentira na informação atribuída aos oficiais britânicos. Ou talvez eu esteja errado e este seja um exemplo do famoso senso de humor britânico posicionado para livrar-se dos impertinentes correspondentes americanos? Coro dos correspondentes americanos: “Está acontecendo uma revolta em Basra? Sim, deve estar. O meu editor pediu-me que noticiasse isso. Como vocês ficaram sabendo? Isto é impossível, meu editor me disse que...” Oficial britânico: “Tudo bem. Eu vejo isso no radar”. Sons de telefones celulares sendo discados e teclados digitados...

Conclusão: Lembrem a primeira regra dr análise da desinformação: a verdade é específica e a mentira é vaga. Procure sempre por detalhes concretos em uma reportagem e se o quadro não estiver focado, deve haver razões para isso.

Querem saber os nomes das estrelas da desinformação para examiná-los? O artigo de The Wall Street Journal foi “compilado” por Matt Murray em Nova Iorque, de acordo a partir de reportagens feitas por Christopher Cooper em Daha, no Qatar, Carla Anne Robbins e Greg Jaffe em Washington, e Helene Cooper com a 3ª Divisão de Infantaria do Exército dos Estados Unidos, no Iraque.

O original deste artigo está publicado no Asian Times. Tradução de Cristiane Abreu
Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

05/Abr/03