EUA apontam para a Coreia do Norte
por Gregory Elich
Apesar de toda a propaganda sensacionalista relativa à admissão
nortecoreana de um programa de armas nucleares, um facto importante foi
ignorado: Isto nunca aconteceu. Nenhum responsável nortecoreano fez em
qualquer momento uma tal declaração.
Os relatos ocidentais
repetem infindavelmente a afirmação de que um responsável
nortecoreano admitiu um programa de armas nucleares numa reunião em
Outubro com James Kelly, secretário de Estado Assistente dos EUA.
Nenhuma outra evidência foi apresentada além da
afirmação de Kelly. Acerca deste assunto, a palavra da
administração Bush foi aceite como evidência suficiente
a mesma administração Bush que tem mentido
sistematicamente acerca de quase tudo. Mas sobre a Coreia do Norte a sua
palavra foi evidência suficiente.
Se a Coreia do Norte não confessou ter um programa de armas nucleares,
então o que aconteceu realmente durante a malfadada reunião de
Outubro? Para entender o que aconteceu em Outubro e a
confrontação resultante, os acontecimentos devem ser encarados no
contexto mais vasto das relações americano-nortecoreanas e da
questão nuclear. Este contexto também é importante para
explicar porque a administração Bush deliberadamente enganou a
opinião pública mundial, utilizando a questão nuclear como
um pretexto para impor medidas económicas e políticas numa
tentativa de provocar o colapso da Coreia do Norte.
Chegar à beira da guerra e recuar
O conflito nas relações norteamericano-norteacoreanas sobre a
questão nuclear principiou em 26/Jan/1993, quando o presidente Clinton
anunciou que as forças armadas americanas conduziriam jogos de guerra na
Coreia do Sul. A isto seguiram-se no mês seguintes notícias de
que algumas das armas nucleares anteriormente apontadas à União
Soviética seriam redirigidas para a Coreia do Norte. Em Março,
os enormes jogos de guerra Team Spirit que envolviam bombardeiros,
mísseis de cruzeiro e vasos navais foram iniciados. Interpretando isto
como uma provocação, a Coreia do Norte respondeu avisando que se
retiraria do Tratado de Não Proliferação (TNP) nuclear.
Contudo, conversações com responsáveis americanos em Junho
de 1993 levaram a Coreia do Norte a prescindir da sua intenção
declarada de abandonar o TNP. Mas surgiram novas dificuldades quando a
Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) insistiu em
inspeccionar sítios nucleares não declarados na Coreia do Norte,
algo que a agência nunca exigira a qualquer outra nação.
Tal exigência foi efectuada por instigação de
responsáveis norte-americanos, que estiveram a pressionar a AIEA a
efectuar inspecções mais intrusivas e de âmbito mais vasto,
com a esperança de descobrir um pretexto para efectuar pressão
sobre a Coreia do Norte e aumentar as oportunidades para colher dados de
inteligência. Por estas altura, a Coreia do Norte descobriu que os
inspectores da AIEA nos sítios declarados da Coreia do Norte estavam a
transmitir dados de inteligência a responsáveis americanos.
[1]
Encorajados por novos relatórios que provocavam respostas emocionais, a
administração Clinton denunciou que o plutónio
extraído da instalação nuclear de Yongbyon, na Coreia do
Norte, estava a ser utilizada no desenvolvimento de armas nucleares. Nenhuma
evidência foi apresentada para tal acusação, mas ela obteve
uma vasta aceitação à força de ser repetida.
Em Novembro daquele ano, o presidente Clinton apareceu no "Meet the
Press", insistindo em que "não se pode permitir à
Coreia do Norte desenvolver uma bomba nuclear". Por volta de 1994, as
conversações entre os EUA e a Coreia do Norte foram rompidas, e
os Estados Unidos estavam a exercer pressão no Conselho de
Segurança da ONU no sentido de impor sanções. Em Junho de
1994, os EUA submeteram formalmente à ONU um projecto de
resolução acerca de sanções graduadas, mas nos
bastidores a administração Clinton já havia decidido a
guerra. O secretário da Defesa William Perry e o secretário da
Defesa Assistente Ashton Carter "gastaram grande parte do primeiro
semestre de 1994 preparando a guerra na península coreana".
Segundo Perry e Carter, "preparámos um plano pormenorizado para
atacar a instalação de Yongbyon com bombas guiadas com
precisão. Estávamos altamente confiantes em que aquilo seria
destruído sem causar uma fusão nuclear
(meltdown)
que libertaria radioactividade para o ar". Parece altamente duvidoso que
uma libertação de radioactividade pudesse ter sido evitada, mas o
ataque destinava-se provavelmente a desencadear devastação muito
maior. Perry e Carter previram que a Coreia do Norte responderia, como eles
disseram, "violentamente", ou para dizer isto com mais
precisão, combatendo a agressão americana. "Na
eventualidade de um ataque norte coreano", disseram eles, "as
força americanas, trabalhando lado a lado com o Exército sul
coreano e utilizando bases no Japão, rapidamente destruiriam o
Exército da Coreia do Norte e o regime da Coreia do Norte. Mas ao
contrário da Tempestade do Deserto, que foi travada no deserto da
Arábia, o combate em outra Guerra da Coreia teria lugar nos populosos
subúrbios de Seul". Perry e Carter admitem que "o
preço seria pesado", estimando que "milhares de soldados
americanos e dezenas de milhares de soldados sul coreanos seriam mortos, e
milhões de refugiados inundariam as estradas. As perdas norte coreanos
seriam mesmo mais elevadas. A intensidade do combate seria maior do que
qualquer outra guerra que o mundo tenha testemunhado desde a última
Guerra da Coreia". Observe-se a ausência de qualquer
menção ao número de civis que poderiam morrer na sua
guerra. Deveria ser relembrado que 4 milhões de coreanos perderam as
suas vidas na Guerra da Coreia de 1950-1953, e que uma nova guerra com armas
modernas tem o potencial para espalhar a morte em escala maciça. As
centenas de milhares ou talvez os milhões de coreanos comuns que
perderiam as suas vidas em não preocupavam a administração
Clinton de modo algum.
[2]
O presidente sul coreano, Kim Young-Sam, não era tão indiferente
como os responsáveis americanos ao sacrifício de vidas coreanas.
"Naquele momento a situação estava realmente perigosa",
recorda ele. "O governo Clinton estava a preparar-se para a guerra",
com um porta-aviões junto à costa e navios de guerra a planearem
um bombardeamento naval. Como as forças americanas concentravam-se para
um assalto, Kim advertiu o embaixador americano James Laney de que uma outra
guerra resultaria transformaria toda a Coreia numa piscina de sangue e que a
Coreia do Sul não moveria "nem um único soldado" em
apoio à guerra americana. Kim telefonou então ao presidente
Clinton e discutiu com ele durante 32 minutos. "Disse-lhe não
haveria qualquer guerra inter-coreano enquanto eu fosse presidente",
afirmou Kim. "Clinton tentou persuadir-me a mudar de ideia, mas eu
critiquei os Estados Unidos por planearem encenar uma guerra com o Norte sobre
a nossa terra". Finalmente, Clinton abrandou, mas ele considerava a
oposição da Coreia do Sul apenas um empecilho temporário,
e os responsáveis americanos continuaram a planear a guerra.
[3]
Não foram feitas quaisquer iniciativas diplomáticas do lado
americano, e as conversações interromperam-se. Alarmado com o
movimento em direcção à guerra, o antigo presidente Jimmy
Carter preferiu intervir pessoalmente, voando para Pyongyang num missão
não oficial para abrir negociações. Segundo Carter, na
sua primeira reunião conjunta, o presidente nortecoreano Kim Il-Sung
"estava pronto para congelar o seu programa nuclear durante as
conversações e considerar um congelamento permanente se os seus
antigos reactores pudessem ser substituídos por outro modernos e mais
seguros". O presidente Kim também exigiu uma garantia dos EUA de
que não atacariam o seu país com armas nucleares. Naquela noite
Carter telefonou à Casa Branca, interrompendo um conselho de guerra que
estava reunido. Carter transmitiu as notícias de que o presidente Kim
concordara num congelamento a ser monitorado pela AIEA e em entrar em
negociações com os EUA sobre uma solução final da
questão. Sabendo que a Casa Branca poderia estar inclinada a ignorar a
perspectiva de um acordo negociado, Carter disse-lhes que ele havia combinado
com uma equipe de filmagem da CNN transmitir uma entrevista ao vivo
imediatamente após o telefonema na qual ele anunciaria o resultado da
reunião daquele dia. Quando as notícias da
intenção de Carter foram passadas aos demais participantes do
conselho de guerra na Casa Branca, eles reagiram com indignação.
Sintonizando a CNN, os responsáveis da administração
Clinton ficaram consternados quando viram Carter anunciar "O compromisso
que recebi é de que todos os aspectos do programa nuclear da Coreia do
Norte seriam resolvidos por meio de conversações com boa
fé". Carter chegou a dizer que sob tais circunstâncias,
prosseguir com a imposição de sanções seria um
erro. "Nada deveria ser feito para agravar a situação
agora. A razão porque vim aqui foi para tentar impedir um erro
irreconciliável". Furiosos com o afundamento da sua guerra, os
responsáveis da administração Clinton foram deixados sem
qualquer opção senão responder à abertura
diplomática. Eles assim o fizeram mas colocando imediatamente
exigências adicionais à Coreia do Norte e insistindo em prosseguir
com esforços para ganhar a aprovação da ONU para a
imposição de sanções. Novas
negociações no dia seguinte entre Carter e o presidente Kim
Il-Sung resultaram em que a Coreia do Norte concordou em não reprocessar
o seu combustível gasto, esvaziando a última desculpa do lado
americano para rejeitar uma solução diplomática. Um
responsável do Departamento de Estado reflectiu posteriormente: "A
coisa chocante em relação à visita de Carter não
foi as pessoas terem ficado desapontadas por alguém ter ido lá.
Foi o facto de que quando ele conseguiu o congelamento, as pessoas terem ficado
deprimidas".
[4]
Segundo outro responsável do Departamento de
Estado naquela época, "Aquilo esteve por um fio. O povo americano
nunca saberá quão próximo estivemos da guerra. Se (a
Coreia do Norte) não tivesse aceite, tínhamos 50 mil soldados na
fronteira. Estávamos muito pouco desejosos de pará-lo".
[5]
As negociações oficiais entre os dois lados abriram-se em
08/Julho/1994 em Genebra, e conduziram à assinatura da Estrutura de
Acordo (Agree Framework) em 21 de Outubro. Nos termos do acordo, a Coreia do
Norte era obrigada a congelar o seu reactor moderado a grafite em Yongbyon e
parar a construção de mais dois reactores. O congelamento
deveria ser monitorado pela AIEA. À Coreia do Norte também era
exigido que se desfizesse do combustível gasto do reactor de Yongbyon
"de uma maneira segura que não envolvesse reprocessamento".
Em troca, os Estados Unidos concordaram em "responsabilizar-se pela
medidas necessárias para o fornecimento" à Coreia do Norte
de um projecto de reactor de água leve (LWR) "com uma capacidade
geradora total de aproximadamente 2000 MW(e) numa data apontada de 2003".
Um consórcio internacional seria organizado sob a liderança dos
EUA para financiar e fornecer o projecto. Os reactores de água leve
não têm o mesmo potencial daqueles moderados a grafite para a
produção de plutónio que possa ser reprocessado para
utilização no desenvolvimento de armas nucleares. Como medida
temporária, enquanto os reactores de água leve estivessem em
construção, os Estados Unidos eram obrigados a fornecer à
Coreia do Norte meio milhão de toneladas de petróleo por ano de
"óleo pesado para aquecimento e produção de
electricidade".
[6]
Pretendia-se que os carregamentos de óleo
servissem como compensação parcial à Coreia da Norte por
ser forçada a abandonar esforços para atender às suas
necessidades.
Confrontada com uma aterradora escassez de energia, com a Estrutura de Acordo a
Coreia do Norte era com efeito obrigada a abrir mão da
recuperação económica até que os reactores de
água leve fossem completados. Uma vez que os reactores de água
leve estivessem operacionais, eles seriam capazes de gerar de longe mais
potência do que aqueles moderados a grafite que a Coreia do Norte foi
compelida a congelar. Enquanto a escassez de energia na Coreia do Norte
continuava a piorar sob a pressão das sanções americanas e
de uma série de desastres naturais, os EUA deliberadamente atrasaram a
construção dos novos reactores. Embora a Estrutura do Acordo de
1994 obrigassem o consórcio a completar a construção de
ambos os reactores de água leve até 2003, os anos passavam-se sem
qualquer outra acção senão a construção da
infra-estrutura necessária para suportar o projecto de
construção. Os EUA calcularam que a Coreia do Norte não
sobreviveria muito tempo às suas dificuldades económicas, e que
se a construção dos reactores pudesse ser atrasada tempo
suficientes, eles nunca precisariam ser construídos. O recém
eleito presidente Bush exprimiu abertamente o seu desprezo pela Estrutura de
Acordo de 1994. Somente em Agosto de 2002 o cimento foi finalmente despejado
nas fundações do primeiro reactor, em Kumho, na costa oriental.
Seriam precisos no mínimo oito anos para completar o projecto,
assegurando que na melhor das hipóteses a Coreia do Norte teria
alívio à sua escassez de energia 16 anos após a assinatura
da Estrutura de Acordo.
"Até à conclusão do contrato de oferta para o
fornecimento do projecto LWR", lê-se na Estrutura de Acordo,
"inspecções ad hoc e de rotina serão efectuadas ...
relativamente a instalações não sujeitas ao
congelamento". Inspecções das instalações de
plutónio encerradas continuaram regularmente desde 1994, mas o programa
de inspecções mais generalizado e intrusivo que os EUA desejavam
não podiam ser implementados nos termos do acordo até que o
contrato de fornecimento do LWR estivesse completo. Os EUA não estavam
inclinados a esperar. Queriam tais inspecções agora. Na
cerimonia de marcação do lugar da fundação da
primeira planta, James Pritchard, delegado americano do consórcio,
insistiu em que a Coreia do Norte devia permitir imediatamente um programa de
inspecção ampliado.
[7]
Ameaça nuclear
O compromisso de completar a construção dos reactores de
água leve até 2003 não foram as únicas
disposições desrespeitadas pelos EUA. O artigo 2 apelava a um
"movimento em direcção à plena
normalização das relações políticas e
económicas", e o artigo 3 declarava claramente: "Os EUA
proporcionarão garantias formais à RDPC (República
Democrática e Popular da Coreia Coreia do Norte) contra a
ameaça ou utilização de armas nucleares pelos EUA"
[8]
Apesar de tais compromissos, os EUA nunca abandonaram a sua postura
nuclear agressiva em relação à RDPC. Menos de quatro anos
depois de assinar o acordo de Genebra de 1994, na Primavera de 1998,
aviões de guerra americanos com base na Seymour Johnson Air Base na
Carolina do Norte efectuaram um exercício para simular uma missão
de longo alcance para despejar bombas nucleares sobre a Coreia do Norte.
Aviões da 4th Fight Wing transportando imitações em
betão de bombas que pretendiam representar as bombas nucleares B61
voaram para o Avon Park Bombing Range, na Florida, onde despejaram suas cargas.
Segundo o brigadeiro general Randall K. Bigum, "Nós simulamos
combater uma guerra na Coreia, utilizando um cenário coreano" que
"simulou uma decisão do National Command Authority de considerar a
utilização de armas nucleares... Identificámos
aviões, tripulações e carregadores de armas para
transportar armas nucleares tácticas nos nossos aviões. Quando
aquela fase terminou, a última fase do exercício, a fase do
emprego, começou. Isto exigiu-nos que conduzíssemos aqueles
aviões baixo e lançássemos um modelo em betão
(concrete blivet)
. O modelo
(blivet)
tem o mesmo perfil aerodinâmico de uma bomba, mas está cheio de
betão".
[9]
O presidente George W. Bush não estava mais disposto a respeitar o
artigo 3 da Estrutura de Acordo do que o seu antecessor. Durante o seu
discurso sobre o Estado da União em 29/Jan/2002, o presidente Bush
apontou a Coreia do Norte, juntamente com o Iraque e o Irão, como
pertencendo ao seu ridículo conceito de um "eixo do mal",
acusando a Coreia do Norte de "armar-se com mísseis e armas de
destruição em massa".
[10]
Os responsáveis na Coreia
do Norte não estavam cegos. Eles podiam ver Bush a preparar-se para
travar uma guerra de agressão com o Iraque, a primeira da lista das
assim chamadas nações "más". Não era
mistério que nação estava em segundo lugar. Menos de
três meses depois, a administração Bush ordenou ao
Pentágono que desenvolvesse planos para uma política mais
flexível na utilização de armas nucleares, autorizando a
sua utilização em três cenários potenciais. De
agora em diante as armas nucleares podia ser empregadas em
"retaliação por ataques com armas nucleares,
biológicas ou químicas" e "contra objectivos capazes de
resistir a ataques não nucleares", uma referência aparente
às instalações industriais e subterrâneas da Coreia
do Norte. Uma terceira categoria convocada para o ataque nuclear "no caso
de desenvolvimentos militares surpreendentes", uma frase suficientemente
vaga para permitir interpretações para quaisquer fins. A
política direccionou o Pentágono a preparar-se para a
utilização de armas nucleares contra sete países:
Rússia, China, Iraque, Irão, Coreia do Norte, Líbia e
Síria.
[11]
Os nortecoreanos tem muitos motivos para temer tal postura agressiva, com base
nas amargas memórias da sua última experiência com as
forças armadas dos EUA durante a Guerra da Coreia de 1950-53. No
primeiro ano daquela guerra, em 05/Nov/1950, o general Douglas MacArthur
ordenou a destruição de "todos os meios de
comunicação, toda instalação, fábrica,
cidade e aldeia" na área que vai do Rio Yalu até à
linha de batalha. A primeira cidade a ser arrasada foi Sinuiju, e o napalm
começou a seguir a ser empregado durante os raids de bombardeamento
contra civis. Mais de 2300 galões (8625 litros) de napalm foram
despejados sobre Pyongyang apenas num raid, em Julho de 1952. Bombardeamentos
em massa sistematicamente arrasaram uma cidade após a outra, e os
aviões americanos também apontaram para centrais
eléctricas e barragens de rega que apoiavam campos de arroz. Na medida
em que as barragens de rega eram destruídas, as aldeias a jusante eram
varridas em resultado de inundações, infligindo enorme
destruição e morte. Em vários momentos durante a guerra
os EUA consideraram mesmo a utilização de armas nucleares
tácticas. O correspondente húngaro Tibor Meray testemunhou a
"destruição e coisas horríveis cometidas pelas
forças americanas". Tudo o que se movia na Coreia do Norte era um
objectivo militar, camponeses a trabalhar eram muitas vezes metralhados pelos
pilotos" motivados pelo que lhes parecia um divertimento. Meray viu a
"devastação completa entre o Rio Yalu e a capital" da
Coreia do Norte. "Não havia mais cidades na Coreia do Norte",
relatou ele. Toda a cidade por onde passou Meray "era uma
colecção de chaminés. Eu não sei porque as casas
ruíam e as chaminés não, mas eu estive numa cidade de 200
mil habitantes e vi milhares de chaminés e aquilo era tudo o que
restava". O general William Dean, feito prisioneiro durante a guerra,
recordou-se de ficar admirado com a vista da cidade de Huichon. "A cidade
que eu havia visto antes dois edifícios com andares, uma
importante rua principal não estava mais ali", enquanto
"a maior das cidades era apenas entulho ou espaço abertos cobertos
de neve onde estiveram edifícios". Todas aquelas cidades, declarou
ele, "outrora cheia de pessoas, eram conchas vazias. Os aldeões
viviam em aldeias temporárias inteiramente novas, escondidos em
gargantas de montanhas". Execuções de civis verificaram-se
em escala maciça, tanto por tropas americanas como pelas forças
do presidente Syngman Rhee instalado pelos EUA na Coreia do Sul. Na medida em
que os soldados americanos eram expulsos da Coreia do Norte pelo avanço
das tropas chinesas e nortecoreanas, eles deliberadamente destruíam tudo
no seu caminho. O diário de guerra da 24ª Divisão de
Infantaria relata: "A razia de aldeias ao longo das nossas rotas de
retirada e a destruição de alimentos tornou-se a ordem do
dia". Um soldado chinês recorda que virtualmente nenhuma casa foi
deixada de pé e que a região estava cheia de pessoas sem abrigo
durante o inverno de 1050-51 quando as temperaturas caíram a 40 abaixo
de zero. Segundo o general Curtis LeMay, "Nós destruímos
toda cidade tanto na Coreia do Norte como do Sul", e "matámos
mais de um milhão de civis coreanos e expulsámos mais outros
milhões dos seus lares". Durante a guerra, os norte coreanos
responderam a tais tácticas de terror com a construção de
fábricas e habitações subterrâneas em grande escala.
[12]
As preocupações nortecoreanas acerca das ameaças
americanas são habitualmente afastadas como super-sensibilidade, mas uma
tal visão só pode ser sustentada pela ignorância da
história da Guerra da Coreia. Os nortecoreanos não esqueceram a
experiência, construindo muitas fábricas e
instalações militares subterrâneas no pós-guerra.
Deveria ser destacado que tais instalações subterrâneas
caem dentro da segunda categoria de objectivos que a
administração Bush identifica como justificando a
utilização de armas nucleares: alvos capazes de resistir a
ataques não nucleares.
Estruturação nuclear e arrogância imperial
Assim que o presidente Bush tomou posse, rompeu imediatamente contactos entre
os EUA e a Coreia do Norte. Cerca de um ano e meio decorreu antes de a
administração Bush ter notificado a Coreia do Norte de que
enviaria o secretário de Estado Assistente James Kelly para discutir uma
retomada do diálogo. Esperando ansiosamente o que esperado ser uma
discussão diplomática que conduzisse ao diálogo regular,
os delegados nortecoreanos ficaram chocados durante as reuniões de
3-5/Out/2002 ao descobrirem que Kelly tinha uma diferente tarefa em mente. Em
momento algum durante as conversações Kelly esteve desejoso de
discutir a retomada das relações. Ao invés disso, Kelly
iniciou a primeira reunião ignorando o protocolo habitual de
cumprimentos, dizendo desafiadoramente que não viera para negociar. A
seguir Kelly acusou a Coreia do Norte de violar os termos da Estrutura do
Acordo efectuando um programa secreto de enriquecimento de urânio a fim
de desenvolver armas nucleares. Além disso, acrescentou, não
podia haver diálogo entre as duas nações até que
este programa fosse desmantelado. Segundo os nortecoreanos, Kelly foi
"muito rude" e apresentou as suas exigências de uma
"maneira extremamente ameaçadora e arrogante". O vice
ministro das Relações Exteriores nortecoreano, Kim Kye-Kwan,
estava "estupefacto" pela demonstração de
arrogância de Kelly. Durante a primeira pausa para café Kim
comunicou as declarações de Kelly a responsáveis de alto
nível. Quando a reunião reiniciou-se, Kelly continuou o seu
ataque acusando a Coreia de Norte de "violações dos direitos
humanos". Os nortecoreanos sentiram que Kelly "comportava-se como se
fosse alguma espécie de investigador que viesse aqui para verificar se
estávamos prontos a aceitar as exigências americanas e a mover-nos
em concordância ou não". Os delegados nortecoreanos ficaram
particularmente inquietos quando Kelly apresentou um ultimato: ou eles
abandonariam o seu não-existente programa de armas nucleares ou os EUA
terminariam o contacto. Pior ainda, Kelly advertiu que os EUA obrigariam a uma
travagem das florescentes relações nortecoreanas com o
Japão e a Coreia do Sul. A delegação nortecoreana reagiu
às exigências de Kelly com a sugestão de que discutiriam as
preocupações de segurança americanas se a
administração Bush renunciasse à sua política
hostil em relação à RDPC. A reunião do primeiro
dia foi seguida por uma sessão que varou toda a noite entre altos
responsáveis nortecoreanos.
[13]
Se a administração Bush calculou que a sua abordagem
diplomática de pressão e ameaça funcionaria com a RDPC,
então errou seriamente. Altivamente independente, a Coreia do Norte
baseia a sua filosofia política naquilo a que chama "juche
sasang" a ideologia da autoconfiança. Ao invés de
inclinar-se a ameaças, a delegação nortecoreana respondeu
previsivelmente com uma afirmação de dignidade. Durante o
segundo dia de reuniões, o primeiro vice-ministro das
Relações Exteriores, Kang Sok-Ju disse a Kelly que a RDPC tinha o
direito de ter armas nucleares a fim de garantir a sua segurança se os
EUA continuassem a ameaçá-la. Isto não constituía
uma admissão de um programa de armas nucleares. Kang estava a enviar
aos EUA uma mensagem que a Coreia do Norte não podia ser acuada e que se
a ameaças nucleares da administração Bush continuasse,
então a RDPC consideraria a tomada de medidas de autodefesa. Era de
facto seu direito faze-lo, um direito assegurando pelo Tratado de Não
Proliferação Nuclear. O artigo X do tratado estipula que
"Cada parte deverá no exercício da sua soberania nacional
ter o direito de retirar-se do Tratado se decidir que eventos
extraordinários, relacionados com a matéria deste Tratado,
colocaram em risco os suprimos interesses do seu país".
Claramente, a Coreia do Norte confronta-se com uma tal ameaça dos EUA.
Segundo a estação de televisão estatal da Coreia do Norte,
"Nós apenas explicámos a posição básica
de que temos o direito de possuir armas nucleares se os Estados Unidos violarem
o seu acordo nuclear e forçarem o país a entrar numa guerra
nuclear. Contudo, a administração Bush utilizou isto para
argumentar que estamos a desenvolver armas nucleares. Tal
falsificação não será aceite". Enquanto
enfatiza o seu direito de prosseguir o desenvolvimento de armas nucleares se
pressionada demasiado duramente, os nortecoreanos preferem uma
solução diplomática e repetidamente solicitaram a garantia
de que os EUA cessariam as suas ameaças. A delegação
nortecoreana ofereceu-se para negociar uma resolução da
questão nuclear com os EUA com base em três
condições: 1) que os EUA reconheçam a soberania da RDPC;
2) que os EUA não imponham medidas económicas punitivas; e 3)
que os EUA proporcionem a garantia de que não atacariam a Coreia do
Norte. Os nortecoreanos estavam penosamente conscientes da
intenção hostil da administração Bush bem como dos
seus planos para invadir o Iraque. As suas preocupações foram
varridas para o lado pela delegação americana, que utilizou a
acusação nuclear para pressionar pela sua exigência de que
fosse permitido aos inspectores ocidentais perambular à vontade por toda
a Coreia do Norte.
[14]
Do ponto de vista da administração Bush,
tais inspecções prometem vários benefícios
potenciais. O processo de inspecção pode descobrir algo que os
EUA possam adulterar em seu proveito, proporcionando um pretexto para
acção militar ou ameaças. Tal como com os inspectores da
ONU no Iraque até 1998 e os monitores europeus no Kosovo antes da guerra
da NATO, o processo podia confundir-se com uma missão de colheita de
inteligência, ajudando os militares americanos a planearem futuras
operações militares. E, finalmente, um programa de
inspecção intrusivo proporcionaria uma pé na porta para a
bisbilhotice ocidental na RDPC, conduzindo a novas exigências e
pressões sobre os nortecoreanos para permitir outras formas de
interferência.
A administração Bush sabia certamente que os nortecoreanos
não se submeteriam, e portanto a actuação de Kelly foi
provavelmente pretendida para cortar relações e permitir aos EUA
retirarem-se dos seus compromissos assumidos na Estrutura de Acordo de 1994. A
seguir às reuniões Kelly retornou a Seul, onde anunciou que havia
comunicado a responsáveis nortecoreanos "nossas sérias
preocupações e salientado as implicações da conduta
nortecoreana", mas que "não havia decisões sobre
reuniões adicionais no momento nem qualquer dos lados espera
alguma". Nada foi mencionado acerca de um programa nortecoreano de armas
nucleares.
[15]
No dia seguinte os nortecoreanos trouxeram a público a
sua própria reacção às fracassadas reuniões,
destacando que "a administração Bush continua a perseguir
ao invés do diálogo numa política hostil de
linha dura no sentido de tentar dominar-nos pela força e mão
alta"
[16]
Passaram-se doze dias desde o fim da reunião até
que os EUA subitamente proclamaram que a delegação nortecoreana
havia admitido conduzir um programa nuclear secreto. A
administração Bush havia aparentemente determinado que poderia
alcançar melhor o seu objectivo de isolar a Coreia do Norte
através da distorção das palavras de Kang. Podia-se
contar com uma imprensa complacente para papagaiar a acusação,
como se ela fosse um facto, e havia pouco risco de que algum repórter
perguntasse acerca de evidências. Era uma expectativa que não foi
frustrada.
Fora dos EUA, ninguém acreditou numa tal estória. O
Ministério da Defesa da Coreia do Sul questionou a
afirmação de que a Coreia do Norte já tivesse
construído armas nucleares de plutónio e destacou que estas
bombas "se elas existissem, pesariam de 2 a 3 toneladas devido
à falta de tecnologia para torná-las mais leves". O peso de
tais armas excederia a capacidade de entrega dos mísseis e bombardeiros
da Coreia do Norte.
[17]
Analistas militares russos concluíram que
à Coreia do Norte falta o "potencial económico e
militar" para produzir armas nucleares e que o "potencial militar
existente da RDPC é total e definitivamente de natureza defensiva"
[18]
O subsecretário John Bolton visitou a Rússia e apresentou
evidências americanas do programa nortecoreano de armas nucleares,
esperando persuadir os russos a apoiarem a pressão americana sobre a
Coreia do Norte. O vice-ministro russo dos Estrangeiros, Alexander Losyukov,
ficou claramente pouco impressionado com a qualidade de tal evidência,
declarando que "o lado russo ainda não recebeu qualquer
evidência convincente da existência de um tal programa"
[19]
O ministro sulcoreano da Unificação, Jeong Se-Hyn, suspeitou que
os EUA não estavam a ser inteiramente honestos. "Estou receoso de
que as observações de Kang Sok-Ju tenha sido citadas foram do seu
pleno contexto". Lim Dong-Won, conselheiro presidencial sulcoreano para a
Segurança e a Unificação, comentou que os prazos
(timing)
eram suspeitos. "Os EUA notificaram-nos do programa secreto em Agosto,
quando o primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi planeava visitar
Pyongyang e as duas Coreias iniciavam a religação das ferrovias e
estradas".
[20]
Havia uma razão acrescida para as suspeitas quanto
ao prazo do anúncio, o qual deveria certamente ter um efeito na
eleição presidencial sulcoreana prevista para 19 de Dezembro.
Abrindo salvas na campanha anti-RDPC
Uma vez que a imprensa estava recheada com a estória forjada do programa
de armas nucleares, estava lançado o terreno de propaganda para os
esforços diplomáticos destinados a isolar e pressionar a Coreia
do Norte. James Kelly encontrou-se com responsáveis chineses e
sulcoreanos, revelando depois que os EUA trabalhavam para aplicar a
"máxima pressão internacional sobre a Coreia do Norte para
abandonar a sua ambição de armas nucleares". Que os EUA
pretendiam abolir a Estrutura de Acordo de 1994 foi indicado pela
afirmação de Kelly de que os EUA não considerariam uma
resolução diplomática tal como aquela de 1994. Bush
estava determinado a matar o acordo, e responsáveis americanos em visita
ao Japão e Coreia do Sul pressionaram pelo encerramento do projecto de
construção de reactores de água leve. Enquanto Kelly
estava a reunir-se com líderes asiáticos, o subsecretário
americano de Estado John Bolton viajou à Rússia, França e
Grã-Bretanha com a esperança de obter apoio para o isolamento da
Coreia do Norte. Apesar de os esforços de Kelly e Bolton no sentido de
persuadir responsáveis estrangeiros a concordarem com um embargo
económico contra a Coreia do Norte terem fracassado, eles pretendem
insistir. "Isto vai levar algum tempo", admitiu um
responsável americano, "porque um bocado de países tem
diferentes critérios com os nortecoreanos". Além de um fim
ao não existente programa de armas nucleares, os responsáveis
americanos também clamam pela "verificação", com
o que querem dizer inspecções intrusivas na Coreia do Norte. Mas
isto ainda não é tudo. "Desta vez", insistiu um
responsável americano, "devemos também cuidar de outros
problemas transferência de mísseis, as forças
convencionais que o Norte tem, e o modo abominável como trata o seu
povo". Tudo palavras código para o que na realidade seria uma
infindável série de exigências e pressões destinadas
a conduzir à queda do governo da Coreia do Norte. "Nós
controlamos as esperanças [da Coreia do Norte] quanto ao futuro e
podemos manter estas esperanças como refém", ameaçou
um responsável de alto nível do Departamento de Estado
[21]
Em Outubro de 2002 o presidente Bush subiu a parada ao emitir uma ordem
executiva classificada concedendo às forças especiais americanas
autoridade para operarem clandestinamente em nações com as quais
os EUA não estão em guerra e para destruírem "linhas
de fornecimento de armas" a terroristas e nas três
nações compreendidas no assim chamado eixo do mal. Os alvos das
operações militares cobertas dos EUA podem incluir tanto armas
como equipamento científico que os EUA julgarem poder potencialmente
servir a uma finalidade dupla na fabricação de armas
biológicas, químicas e nucleares. Como durante anos os EUA
negaram permissão ao Iraque para importar equipamento médico com
base em discutíveis afirmações de dupla
utilização potencial, a ordem executiva pode permitir
operações militares cobertas contra uma vasta variedade de firmas
envolvidas no comércio normal com o Irão, Iraque e Coreia do
Norte.
[22]
O furor provocado pela acusação americana não se acalmou e
a Coreia do Norte foi capturada num beco sem saída. Não pode
abandonar um programa de armas nucleares que não tem. As
exigências americanas foram perfeitamente articuladas para impedir uma
solução diplomáticas, permitindo aos EUA levarem a cabo
qualquer acto hostil que desejarem. O Ministério do Exterior da RDPC
emitiu uma declaração salientando que a
administração Bush havia listada a Coreia do Norte como membro de
um "eixo do mal" e um alvo nuclear potencial. "Sua precipitada
pressão política, económica e militar está a
ameaçar seriamente o direito da RDPC à existência, criando
uma grave situação na península coreana". Por esta
razão, continuava a declaração, a Coreia do Norte informou
Kelly que "ela tem direito a possuir não só armas nucleares
como qualquer tipo de armas mais poderosas do que aquelas para defender a sua
soberania e o seu direito à existência frente à cada vez
maior ameaça nuclear dos EUA". Para os nortecoreanos, o
comportamento beligerante de Kelly durante as reuniões de Outubro
ofendeu as suas expectativas de que seriam tratados com respeito. Segundo a
declaração do Ministério do Exterior, a
delegação da Coreia do Norte insistiu em que tem o direito de
desenvolver armas nucleares se assim optar porque não lhe foi
"deixada nenhuma outra resposta adequada ao arrogando e impertinente
comportamento americano. A RDPC não tem nem a necessidade nem o dever
de explicar alguma coisa aos EUA que procuram atacá-la". O
Ministério do Exterior concluiu apelando a um "tratado de
não agressão entre a RDPC e os EUA". Com tal tratado,
afirmou, a Coreia do Norte afastaria as preocupações americanas
de segurança.
[23]
Era claramente evidente que a Coreia do Norte tinha as suas próprias
preocupações de segurança. No seu caso as
preocupações baseavam-se em ameaças reais, não em
imaginadas. Eram os EUA que ameaçavam a Coreia do Norte com armas
nucleares, e não o inverso. Eram os EUA que estavam a impor um embargo
económico à Coreia do Norte, foram os EUA que repetidamente
demonstraram que bombardeariam ou invadiriam quem quer que seja, como o fizeram
com a Líbia, Granada, Panamá, Iraque, Juguslávia e
Afeganistão. Um observador desinteressado pode concluir que não
só a Coreia do Norte tem o direito de desenvolver armas nucleares como,
para assegurar a sua sobrevivência, deveria faze-lo. Mas não
é isto que os nortecoreanos têm em mente. A
afirmação daquele direito foi uma expressão de
ressentimento ao ser tratado como uma criança desobediente ao ser
censurada por um pai irado. A Coreia do Norte ofendeu-se por ser admoestado de
maneira arrogante sobre um programa de armas nucleares não existente por
um representante da nação que estava a ameaçá-la
com armas nucleares. O que a Coreia do Norte realmente desejava era a simples
garantia de que os EUA não lançariam uma guerra de
agressão contra ela.
No princípio de Novembro, a Coreia do Norte abrandou a sua
posição, abandonando a exigência de um tratado de
não agressão como uma pré-condição para
negociações. "Tudo é negociável",
declarou o embaixador nortecoreano nas Nações Unidas, Han
Song-Ryol. "Deve haver um diálogo contínuo. Se ambos os
lados se sentarem juntos, o assunto pode ser resolvido de modo pacífico
e rápido". Previsivelmente, Washington imediatamente recusou a
oferta, pois o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, respondeu: "A
Coreia do Norte saber o que precisa fazer. Precisa desmantelar o seu programa
nuclear e honrar suas obrigações tratadas. Não é
uma questão de conversar. É uma questão de
acção"
[24]
Enquanto a administração Bush
puder manter o seu rígido apego à exigência de que a Coreia
do Norte desmantele um programa nuclear que não tem, poderá
continuar a evitar a diplomacia.
Impondo o esmagamento energético da Coreia do Norte
Os EUA adoptaram uma posição dura na reunião do Grupo de
Coordenação Trilateral e Supervisão, em Tóquio, em
9-10/Nov/2002, pressionando no sentido de que o navio transportando a quota de
Novembro de óleo pesado para a Coreia do Norte retornasse. A Coreia do
Sul e o Japão opuseram-se a esta exigência, argumentando que o
programa de entrega de óleo pesado deveria continuar "porque o seu
cancelamento somente agravará a situação".
Washington tomou uma posição agressiva, advogando não
só uma cessação dos embarques de óleo como
também da construção de reactores de água leve. Os
EUA também defenderam um reajustamento da Estrutura do Acordo.
Incapazes de tratar do acordo, as três nações decidiram
adiar a decisão até que se encontrassem outra vez em 14 de
Novembro na reunião da comissão executiva da Korean Peninsula
Energy Development Organization (KEDO). KEDO é o consórcio
responsável pela construção dos reactores de água
leve na Coreia do Norte
[25]
Na noite anterior ao início da reunião do KEDO, o presidente Bush
reuniu-se com os seus conselheiros de segurança nacional e tomou a
decisão unilateral de que os embarques de óleo para a Coreia do
Norte cessariam a partir de Dezembro, excluindo portanto o envolvimento da
Coreia do Sul e do Japão nesta decisão. Permitir o carregamento
de Novembro foi a sua única concessão às suas
preocupações. A Coreia do Sul argumentou que os carregamentos
deveriam continuar pelo menos até o embarque final do ano, em Janeiro.
Diante de um facto consumado imposto por Washington, a Coreia do Sul e o
Japão sentiram que não tinham qualquer outra opção
senão alinhar-se. A reunião da comissão executiva do KEDO
emitiu uma declaração anunciando a suspensão das entregas
de óleo. "Futuros embarques dependerão de
acções concretas e críveis da Coreia do Norte para
desmantelar completamente o seu programa altamente enriquecido", disse.
"A esta luz serão revistas outras actividades do KEDO com a Coreia
do Norte". Um responsável do Ministério da
Unificação sulcoreano admitiu posteriormente que, com a
aquiescência à "posição dura americana", a
posição do KEDO prejudicaria as relações Norte-Sul.
"Esperávamos medidas mais moderadas", declarou. A
decisão do KEDO provocou uma resposta aguda da Coreia do Norte.
"Acreditamos que é tempo de tornar claro quem é
verdadeiramente o responsável por romper o Pacto de Genebra. O KEDO, ao
terminar o seu fornecimento de óleo, trapaceou as suas antigas promessas
de fornecer energia substitutiva para produção e
aquecimento". Para os EUA, parar as entregas de óleo em Novembro
teria o mérito de infligir sofrimentos ao povo nortecoreano no momento
em que o óleo era mais necessário durante os meses frios
de inverno. Os responsáveis americanos encaravam a decisão
somente como um movimento de abertura de uma campanha para esmagar a Coreia do
Norte. Os EUA também planearam endurecer sanções contra a
Coreia do Norte pressionando outras nações a retirarem
créditos comerciais da Coreia do Norte. "Vamos contê-los e
isolá-los", anunciou com gozo um responsável americano.
[26]
As entregas de óleo pesado à Coreia do Norte foram na verdade a
única disposição da Estrutura de Acordo honradas pelos
EUA. Os EUA durante anos atrasaram intencionalmente a construção
dos dois reactores de água leve os quais a Estrutura do Acordo
especificava que deveriam estar prontos na "data objectivo de 2003".
Além disso, enquanto o acordo apelava a "ambos os lados a reduzirem
barreiras ao comércio e ao investimento", os EUA preferiram ao
contrário manter um embargo económico contra a Coreia do Norte.
Os EUA também foram obrigados pela Estrutura do Acordo a
"proporcionarem garantias formais à RDPC contra a ameaça ou
utilização de armas nucleares pelos EUA"
[27]
Não
só não o fizeram como a política militar americana
especificamente apelou ao possível uso de armas nucleares contra a
Coreia do Norte no caso de conflito. No momento em que os EUA abandonaram a
última disposição da Estrutura do Acordo que não
fora violada, a Coreia do Norte estava ainda a honrar plenamente o acordo.
Nas páginas editoriais dos jornais ocidentais, as
obrigações americanas sob a Estrutura do Acordo foram retractadas
como uma prenda super-generosa, na qual a Coreia do Norte nada dava. De facto,
o caso era quase o oposto. Embora o financiamento do projecto de reactor de
água leve viesse primariamente da Coreia do Sul e do Japão, a
acordo entre o KEDO e a RDPC exigiu à Coreia do Norte que
"repagasse o KEDO para cada unidade LWR em prestações
iguais, semestrais, sem juros, num prazo de 20 anos". Apesar de os termos
serem generosos, isto não era uma prenda, e a Coreia do Norte com
dificuldades de divisas externas devido às sanções poderia
ter dificuldade em pagar pelos reactores. Segundo o acordo, se a Coreia do
Norte deixasse de "pagar toda a quantia de uma obrigação
financeira vencida", então seria calculada uma penalidade a uma
taxa igual às taxas geralmente disponíveis para
empréstimos comerciais mais 2 a 3 porcento. Além disso, 30 dias
após um pagamento parcial ou não pagamento, o KEDO podia
"declarar todas ou parte" de quaisquer obrigações
financeiras "serem imediatamente devidas e pagáveis". No
cenário do pior caso, um único atraso ou pagamento em falta
poderia resultar na exigência do pagamento imediato do custo total dos
reactores. Também deveria ser notado que, tal como a Estrutura do
Acordo, o acordo do KEDO estipulava que "o KEDO desenvolverá um
calendários de entrega do projecto LWR destinado a alcançar uma
data de finalização em 2003". Não
surpreendentemente, nenhuma penalidade é especificada no acordo para a
entrega tardia dos reactores.
[28]
O trabalho de construção dos
reactores deveria ser proporcionado primariamente pelos trabalhadores
nortecoreanos, mas quando a RDPC insistiu em que aos seus trabalhadores fossem
pagos salários justos, o KEDO respondeu trazendo 700 trabalhadores
uzbeques desejosos de aceitar salários baixos até que, tal como
afirmou o director executivo do KEDO, "Pyongyang perceba o erro desta
atitude".
[29]
Para a RDPC, a Estrutura do Acordo representou vários anos de
sacrifício, obrigando-a a congelar a construção dos seus
reactores moderados a grafite que teriam fornecido a potência
eléctrica que era urgentemente necessária. Uma vez que o acordo
no essencial forçou a Coreia do Norte a colocar a
recuperação económica em suspenso até a
finalização dos reactores de água leve, os EUA podiam
assegurar que a economia nortecoreana permaneceria entravada enquanto atrasasse
a construção. Outro aspecto deste acordo infeliz para a Coreia
do Norte foi que os seus reactores moderados a grafite podiam contar com os
seus razoáveis depósitos naturais de urânio, ao passo que
reactores de água leve teriam de depender das importações
de combustível nuclear de nações ocidentais hostis que
poderiam interromper o fornecimento a qualquer tempo
[30]
A morte da União Soviética e a perda de parceiros comerciais na
Europa Oriental teve um impacto devastador sobre a Coreia do Norte, a qual viu
a sua economia contrair-se 30% nos cinco anos que se seguiram a 1991.
Não tendo quaisquer reservas de petróleo ou gás natural, a
Coreia do Norte tinha de confiar inteiramente em importações para
atender às suas necessidades. Enquanto a União Soviética
fornecera à Coreia do Norte petróleo a taxas subsidiadas, a
Rússia pós-soviética fornecia petróleo só a
taxas comerciais de mercado. Em 1993, o combustível importado da
Rússia estava a apenas 10 por cento do seu nível de três
anos antes, e aquela quantidade continuava a reduzir-se. Devido às
sanções, a falta de acesso da Coreia do Norte a crédito e
comércio exterior significava que ela não poderia mais importar
suficientes quantidades de petróleo. Por volta de 1996 as
importações totais de petróleo haviam caído para
apenas 40 por cento do nível de 1990. A manutenção da
infra-estrutura eléctrica da Coreia do Norte exigia peças
sobressalentes que não podiam mais ser obtidas a preços
subsidiados. Pior ainda, as sanções faziam com que a compra de
peças de substituição fossem difíceis e muitas vez
impossível a qualquer preço. A escassez de energia teve um
efeito em ondas por toda a economia, levando a que fábricas e
instalações encerrassem. Em 2000, os vários sectores da
produção industrial permaneciam de 11 a 30 por cento dos seus
níveis de 1990. Nos seis anos após 1990, o tráfego
rodoviário caiu 70 por cento e o ferroviário 60 por cento,
colocando novas dificuldades ao sector manufactureiro. A Coreia do Norte tem
depósitos de carvão substanciais e este recursos proporcionou
dois terços da sua energia no princípio da década de 1990.
Infelizmente, muitas minas foram obrigadas a fechar devido a
inundações a meio da década, bem como a escassez de
peças de substituição e electricidade para mover o
equipamento mineiro e a iluminação. Das 62 maiores centrais
eléctricas, 20 são térmicas, baseadas primariamente no
carvão, e as 42 restantes são hidráulicas. Em 1996 os
danos provocados pelas inundações e secas reduziram a energia
eléctrica produzida nas hidroeléctricas a apenas 38 por cento do
nível de 1990. No fim da década de 1990 a oferta total de
energia comercial na RDPC havia-se reduzido a dois terços.
[31]
Claramente, o acréscimo do nuclear ao sistema electroprodutor misto era
uma tarefa urgente, a qual a Coreia do Norte foi forçada a abandonar em
1994 sob a ameaça de guerra por parte dos Estados Unidos.
O fornecimento anual de 500 mil toneladas de fuelóleo pesado pelos
Estados Unidos representava somente dois por cento da energia total da Coreia
do Norte e 8 por cento da sua oferta de fuel, segundo o Nautilus Institute for
Security and Sustainable Development. Fontes da Coreia do Sul apresentam uma
porcentagem mais alta, 15 por cento. O fuelóleo pesado era fornecido na
forma de carvão líquido, o qual era utilizado basicamente para
mover suas centrais termoeléctricas. O conteúdo de enxofre no
carvão líquido, entretanto, tem o efeito nefasto de corroer os
tubos das caldeiras, acabando por torná-los inoperantes, de modo que o
impacto líquido do fuelóleo pesado sobre a produção
é discutível. Os embarques de fuelóleo pesado adquiriram
uma importância desproporcionada durante os meses de inverno quando
congelam os rios e reservatórios que alimentam as centrais
hidroeléctricas. O gelo geralmente acaba até Março,
seguindo-se um período seco antes de as hidroeléctricas poderem
retomar as operações. Durante aquele período de tempo a
Coreia do Norte é particularmente dependente das suas centrais
termoeléctricas. Cortar o fornecimento de fuelóleo pesado,
salienta Peter Hayes do Nautilus Institute, "quando o inverno chega
significa basicamente que pessoas que estão doentes, velhas, cansadas,
passarão ainda mais frio e, na margem, ficarão mais expostas a
morrer da doença ou realmente congelar até à morte em
hospitais e casas".
[32]
"A escassez de potência na Coreia do
Norte já é severa", observa Kim Kyoung-Sool do Korea Energy
Economics Institute da Coreia do Sul. "As fábricas estão a
operar numa base rotativa e mesmo responsáveis do governo mantiveram
conversações à luz de velas num hotel de luxo. Um ou dois
meses de atraso pode ser aguentado, mas uma suspensão completa das
entregas do óleo seria um golpe fatal".
[33]
Ao interromper as entregas de óleo precisamente no início do
inverno, os EUA calcularam friamente promover os seus objectivos
políticos infligindo dano ao povo da Coreia da Norte. As
sanções americanas já haviam posto a economia nortecoreana
de joelhos, forçando instalações a fecharem e a
produção a reduzir-se. Sem os reactores de água leve
prometidos para 2003 e constrangido à sanções, não
havia possibilidade para a Coreia de Norte de produzir a energia que
necessitava. Os apagões são frequentes na Coreia do Norte, e
toda a nação está mergulhada na escuridão durante a
noite. Ao longo do Inverno, os edifícios devem manter-se com pouco ou
nenhum calor. Nada ilustra tão claramente a magnitude da
catástrofe imposta pelos EUA como as fotografias da NASA tomadas
à noite. As luzes abundam na Coreia do Sul, China e Japão. No
meio desta panóplia de luzes situa-se uma área de quase total
escuridão. Esta é a Coreia do Norte.
[34]
Referindo-se
àquelas mesmas fotografias da NASA, o secretário americano da
Defesa Donald Rumsfeld arrogantemente concluiu que a vítima deveria ser
criticada. "É uma tragédia o que está a ser feito
naquele
país", disse ele. É preciso apenas a mudança de uma
palavra para que a sentença de Rumsfeld retracte com precisão a
política americana: É uma tragédia o que está a
ser feito
àquele
país.
Desastres, naturais e feitos pelo homem
A escassez de energia também tem um efeito perigoso na oferta alimentar
da Coreia do Norte. A escassez de electricidade inevitavelmente limitou a
produtividade das fábricas de fertilizantes. Antes de 1990 a Coreia do
Norte era capaz de cobrir a maior parte das suas necessidades de fertilizantes
por meio da sua própria produção, avaliada em 600 a 800
mil toneladas por ano. Em resultado da crise de energia, desde 1995 a
produção nortecoreana totaliza menos de 100 mil toneladas/ano. A
falta de divisas externas fez com que pouco fertilizante adicional pudesse ser
importado. Várias instalações fecharam totalmente ou
operam a níveis reduzidos devido à falta de energia e
peças sobressalentes. A precipitada queda na produção de
carvão foi outro factor que contribuiu para o declínio, pois as
fábricas de fertilizantes dependem do carvão tanto para energia
como para produtos químicos. Além disso, o transporte de 1,5 a
2,0 toneladas de carvão exigido para atingir os antigos níveis de
produção é simplesmente uma impossibilidade dada a falta
de combustível. Devido à escassez na produção de
fertilizante, as unidades agrícolas operam somente a 20 a 20 por cento
dos seus níveis anteriores com fertilização da terra
o factor mais significativo na diminuição das colheitas.
Antes de 1990 a agricultura nortecoreana era altamente mecanizada, mas a crise
de energia forjou uma penosa transformação. O equipamento
agrícola da nação é movido primariamente pelo
diesel, o qual é particularmente escasso, resultando numa
redução de 70 a 80 por cento no uso de tractores e outras
maquinarias. Uma missão da ONU visitando a Coreia do Norte em 1998
descobriu que uma "significativa proporção do equipamento
agrícola motorizado está fora de serviço devido tanto ao
facto de ter alcançado o fim da sua vida útil como à falta
de peças sobressalentes". Além disso, "mesmo que todo
o parque de máquinas pudesse voltar ao serviço rapidamente, o
equipamento ainda assim não poderia ser operado a menos que
também fosse possível restabelecer níveis adequados de
abastecimento de combustível". Inevitavelmente, a agricultura na
Coreia do Norte tornou-se mais trabalho e animal intensiva, o que reduz as
colheitas. A missão da ONU relatou que "toda a colheita de arroz
está a ser administrada este ano empregando só trabalho manual ou
de animais, com excepção de uma operação inicial de
aragem", e "toda a plantação de milho está a ser
efectuada empregando só trabalho manual e animais de
tracção". A irrigação depende da
electricidade para mover as bombas de água. O arroz em particular
é afectada, pois exige irrigação extensiva. Mais da
metade da bombagem de rega ocorre durante o mês de Maio, exigindo
níveis de potência eléctrica que simplesmente não
podem ser proporcionados em tais circunstâncias. De forma alarmante, a
procura por bombagem de irrigação excede um terço da
potência total na Coreia do Norte, e esta porcentagem pode ser muito mais
elevada em alguns bolsões. Segundo a missão de 1998 da ONU,
"O inconfiável abastecimento de água é devido
principalmente à bombagem inconfiável, a qual causada
principalmente por uma oferta de electricidade inconfiável". Um
exame dos registos das três maiores estações de bombagem
"indicou que elas sofreram uma média de aproximadamente 600 falhas
de potência por ano, mais de 2300 horas por ano sem energia", e que
"frequentes falhas de potência resultam num considerável
desperdício de água". Ao todo, concluiu a missão,
"a escassez de água disponível para as
plantações é estimada ser cerca de um quarto da
exigência total". A falta de electricidade afectou outros aspectos
da produção agrícola, inclusive o processamento de
alimentos. O transporte rural é baseado cada vez mais no andar a
pé e em carroças de animais, reduzindo a quantidade tempo
disponível para os trabalhadores dedicarem à
produção agrícola.
[35]
Para agravar as suas aflições, a Coreia do Norte foi fustigada
por uma série de ruinosos desastres naturais ao longo de vários
anos. Enormes faixas de terras agrícolas foram arruinadas por
inundações em 1995 e 1996 varrendo a camada superior de solo das
áreas elevadas e depositando lama e areia nas terras de níveis
mais baixos. No primeiro ano das enchentes, mais de 400 mil hectares de terras
agrícolas foram destruídas exactamente quando as colheitas
deveriam ser efectuadas, deixando mais de cinco milhões de pessoas sem
casas segundo fontes nortecoreanas. Ao todo, as inundações
causaram US$ 15 mil milhões de danos só no primeiro anos, pois
mais da metade da colheita foi arrasada. Foi a pior inundação a
atingir a Coreia em um século. A inundação também
destruiu muitas barragens de irrigação e canais, resultando numa
redução das colheitas no ano seguinte. No fim de 1996, mais de
90 mil hectares de terra de arroz paddy jaziam enterradas sob a areia e os
resíduos depositados pelas inundações, e a falta de
combustível fazia com que a recuperação da terra
representasse um esforço assombroso. A inundação
também prejudicou o abastecimento de energia a muitas minas de
carvão, inclusive muitas daquelas ao longo da costa que produzem a
melhor qualidade de carvão, pois ficaram cheias de água. As
linhas de transporte de electricidade foram danificadas pelas
inundações, assim como turbinas nas centrais
hidroeléctricas. Em 1996, as inundações atingiram a
Coreia do Norte pela segundo ano consecutivo, arrasando 20 por cento da
colheita. Antes que pudesse recuperar-se destes golpes devastadores, a Coreia
do Norte sofreu uma severa seca em 1997 que destruiu 70 por cento da colheita
de milho. Naquele mesmo ano uma grande tempestade destruiu um dique junto
à costa ocidental, inundando centenas de milhares de hectares de campos
de arroz e destruindo mais de 700 mil toneladas de arroz. As calamidades
continuaram a assolar a Coreia do Norte, como a seca em 2000. A seca foi
seguida em Agosto e Setembro do mesmo ano por outro desastre, quando
tufões e grandes tempestades atravessaram a Coreia do Norte, causando
deslizamentos de terras e arrasando 29 mil habitações. Segundo a
Cruz Vermelha, as tempestades provocaram os piores danos em 30 anos, retalhando
estradas e ferrovias e demolindo 1930 pontes. Mas havia mais para vir. Em
2001 esta nação acossada experimentou a mais longa seca na
história coreana já registada, reduzindo as suas colheitas em 10
por cento e a produção nas restantes áreas caindo para a
metade. Na medida em que a seca progredia, as raízes das plantas de
arroz apodreceram e os reservatórios secaram, em resultado das paragens
nas hidroeléctricas. Um correspondente da Kyodo New Agency afirmou que
a seca provocara a pior escassez de água em um milhar de anos. Cha
Du-Hyok, administrador chefe da cooperativa agrícola Takan relatou:
"Houve uma seca contínua durante a estação da
plantação de arroz e as mudas secaram. Temos de plantar arroz
três vezes. Ainda não acabámos um terço dos campos
(paddies)
planeados para o plantio. A produção de arroz está em
declínio. Produzia-se sete a oito toneladas de arroz por hectare de
campos dez anos atrás. A produção caiu para um a dois em
anos recentes, com uma produção de 500 kg no pior momento.
Precisamos de bombas para obter água, mas as bombas precisam
electricidade e não temos energia eléctrica". Ainda outra
tempestade acompanhada de furacões ocorreu em Outubro de 2001, inundando
milhares de hectares de campos de arroz e destruindo muito do alimento
armazenado na província de Kangwon. Oitenta e uma pessoas foram mortas
pelas tempestades e 27 desapareceram. Isto foi uma espantosa progressão
de destruição para uma nação que já estava a
sofrer com as sanções americanas. Inevitavelmente, a
combinação de incríveis desastres naturais e de um embargo
económico resultou na fome e desnutrição para
milhões de pessoas.
[36]
Nenhum país poderia emergir ileso de tais catástrofes, e a Coreia
do Norte não foi excepção. O défice global de
alimentos ultrapassou um milhão de toneladas em todos os anos desde
1995. Embora a Coreia do Norte comece a recuperar-se dos desastres naturais, a
situação ainda é difícil, particularmente para a
população urbana que deve dedicar 75 a 85 por cento dos seus
rendimentos à compra de alimentos. Estima-se que este ano a Coreia do
Norte experimentará o seu melhor nível de produção
alimentar desde 1995-6, mas isto ainda manterá a produção
de cereais abaixo das necessidades mínimas do país. Chuvas
normais elevaram o volume de água nos reservatórios de
irrigação do país para 59 por cento da capacidade normal,
ainda bem abaixo dos níveis necessários. O terreno da Coreia do
Norte é sobretudo montanhosa, e apenas 20 por cento da sua área
total de terra é adequada para agricultura. Além disso, muitas
áreas do país não dispõem de bastantes dias livres
de geadas que lhes permitam duplas colheitas. Consequentemente, é
essencial que os agricultores nortecoreanos tenham maior acesso a
fertilizantes, pesticidas, peças sobressalentes e combustível a
fim de elevar os níveis de produtividade, de todo impossível
enquanto os EUA continuarem a impor sanções. Embora o governo
fosse capaz de aumentar substancialmente o nível das
rações de comida em 2002, isto ainda proporciona menos da metade
das exigências mínimas diárias de energia. Colmatar este
défice é particularmente difícil para trabalhadores no
norte industrial e nordeste, onde há menos produtos disponíveis
nos mercados locais e a terras é menos boa para plantar comida em
terrenos e áreas urbanas, como se faz em outros lugares.
[37]
Segundo a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO), 13,2 milhões de pessoas
na Coreia do Norte estão agora desnutridas. O Programa Alimentar
Mundial (WFP) tem trabalhado para aliviar o sofrimento do povo nortecoreano,
fornecendo um total de 2 milhões de toneladas de ajuda alimentar desde
1995, avaliada em US$ 500 milhões. A ajuda alimentar é destinada
às crianças, aos mais velhos, grávidas e mães que
amamentam. O WFP também está envolvido na
renovação e operação de 18 fábricas locais
de alimentos.
[38]
A redução de donativos obrigou o WFP a
anunciar em Setembro de 2002 que iria cessar a distribuição de
alimentos a três milhões de pessoas e que sem compromissos
adicionais mais 1,5 milhão de pessoas seriam a seguir afastadas do
programa. "Tais cortes generalizados causariam sofrimento agudo numa
escala maciça", advertiu Rick Corsino, Director da WFP para a RDPC.
"Como vamos para o duro Inverno nortecoreano, os afectados terão
muita dificuldade em enfrentá-lo. Eles já estão no
limite". O Japão, que contribuiu com mais da metade do
financiamento das operações do WFP na RDPC em 2001, optou por
nada contribuir em 2002. Outro factor que contribuiu para a
evaporação do financiamento foi a publicidade que atraiu
donativos para o Afeganistão a expensas de outras áreas.
"Do nosso ponto de vista, as coisas não têm sido
fáceis", disse o porta-voz do WFP Gerald Bourke. "As
necessidades são enormes. E o perigo de uma grande crise alimentar, se
não obtivermos aquilo que pedimos, é considerável".
Em 03/Dez/2002, o Programa Alimentar Mundial emitiu um apelo por US$ 201
milhões para financiar seu programa na RDPC em 2003, advertindo que sem
financiamento adicional pode ser obrigado a encerrar totalmente sua
operação na Coreia do Norte
[39]
Percebendo a oportunidade, a administração Bush respondeu quase
imediatamente a este apelo do WFP. Em 6 de Dezembro, Washington anunciou que
deixaria de doar ao programa a menos que a RDPC permitisse monitores para os 13
por cento de receptores que vivem em áreas em que monitores ocidentais
não são actualmente permitidos. Condições
adicionais especificavam que quaisquer donativos estariam dependentes da
disponibilidade de stocks alimentares americanos e considerações
de necessidades alimentares competidoras em outros países. O
anúncio era com efeito a mensagem de que os EUA não dariam mais
apoio às operações do WFP na RDPC. Só a
Itália e a União Europeia responderam ao apelo do WFP.
"Somente temos compromissos firmes para 35 mil toneladas", disse o
porta-voz do WFP Gerald Bourke. "Isto estará acabado no
princípio de Fevereiro e então podemos ter de fechar a
loja". O consultor em agricultura Tom McCarthy, que visita frequentemente
a Coreia do Norte, comenta: "Ninguém negou que a maior da ajuda
alimentar tenha ido para populações vulneráveis. Os EUA
parecem prontos para politizar a ajuda alimentar". O Japão
também permaneceu rígido na sua rejeição de ajuda.
"O Japão não está a considerar qualquer coisa seja
quando for", declarou o secretário do Gabinete Shinzo Abe.
[40]
"Deixe-me conversar acerca da Coreia do Norte", disse o presidente
Bush durante uma reveladora discussão com o jornalista Bob Woodward em
Agosto de 2002. "Eu odeio Kim Jong-II [presidente da Coreia do Norte].
Tenho uma reacção visceral a este tipo porque ele está a
esfaimar o seu povo. Dizem-me que não precisamos mover-nos demasiado
rapidamente [contra a Coreia do Norte] porque os encargos financeiros sobre o
povo serão imensos se o tentarmos se este tipo fosse derrubado.
Quem tomaria conta eu simplesmente não compro aquilo".
[41]
Uma eleição crucial
Aproxima-se a eleição presidencial sulcoreana e o candidato
favorito da administração Bush, Lee Hoi-Chang, estava
ligeiramente mais atrás nas sondagens. Num último esforço
para inclinar a eleição em seu favor, Washington conseguiu uma
exibição de puro teatro. Durante várias semanas os EUA
tinham estado a seguir a progressão do navio nortecoreano Sosan, a
caminho do Médio Oriente. A poucos dias de distância da
eleição, responsáveis militares americanos pediram
à Armada espanhola para interceptar o navio. No dia 9 de Dezembro um
navio espanhol aproximou-se do Sosan e disparou da sua proa. Quando o Sosan se
recusou a ceder, o navio espanhol empurrou-o de lado, sua
tripulação disparava tiros para o Sosan e forçou-o a
parar. Atiradores espanhóis dispararam cabos para o Sosan, cortando-o,
para abrir o caminho para a abordagem do ar. Chegaram helicópteros a
seguir e quando eles pairavam sobre o Sosan, comandos desceram para o
tombadilho, enquanto outros abordavam-no com um bote de alta velocidade.
"Depois de ocupar a sala de máquinas e a sala do leme",
relatou depois o capitão do Sosan, Kang Chol-Ryong, "eles
dispararam milhares de balas de grande e pequeno calibre, ameaçando
seriamente as vidas da tripulação e pondo o navio sob o seu total
controle. Eles deram pontapés nos marinheiros e bateram-nos com a
coronha de rifles". Os comandos "prenderam e amarraram 18 dos nossos
marinheiros", relembrou Kan, e os prisioneiros foram então levados
para um navio da Armada espanhola e posteriormente transferidos para um navio
americano. Ao todo, disse Kang, "Cinco rolos de arame, outros materiais e
correntes foram destruídos. Outras salas foram danificadas muito
seriamente". Os comandos vasculharam a cabinas e roubaram valores a
marinheiros nortecoreanos. Uma frota de navios de guerra americanos enxameou
em torno do Sosan depois de 15 mísseis scud terem sido encontrados a
bordo. "Eu nunca tentei esconder os mísseis", disse Kang:
"Eles estavam regularmente armazenados sob placas de cobertura.
Não é bom colocá-los em espaço aberto". Os
mísseis eram destinados ao Yemen, que se queixou da captura, dizendo que
haviam sido comprados legalmente. Não desejando hostilizar o Yemen, um
aliado com que estava a contar, Washington permitiu ao Sosan que continuasse o
seu caminho. "Não temos nenhuma escolha senão obedecer
à lei internacional", admitiu o porta-voz da Casa Branca Ari
Fleischer. Se o Yemen não fosse um aliado, os EUA nem mesmo teriam
mencionado a lei internacional, a qual proíbe a captura de navios.
[42]
Para a Coreia do Norte, a exportação de mísseis era
virtualmente o único caminho para conseguir divisas estrangeiras. A
administração Bush adoptou uma pose de ultraje em
relação às exportações de mísseis
nortecoreanos, uma posição irónica uma vez que os EUA
detêm 45 por cento do comércio global de armamento.
"Até parecia que queriam proteger o seu território de
recém-chegados como a Coreia do Norte", destacou Bruce Campbell do
Center for Policy Alternatives, de Ottawa. "É um duplo
padrão. O ultraje é sobre direitos de propriedade e não
sobre o que está realmente a ser vendido". Para Richard Sander,
coordenador da Coalition to Oppose the Arms Trade, a posição
americana era "assombrosa. Os EUA vendem o maior volume mundial de armas
para mais países do que quaisquer outros juntos, eles têm 1,5
milhão de soldados estacionados por todo o mundo, gastam mais de US$ 500
mil milhões for ano com o orçamento militar" e "eles
apenas combatem uma guerra contra o Afeganistão e estão prontos
para bombardear o Iraque. Imagino que esta não é a
espécie de ironia para rir". Bastante curiosamente, se os EUA
estivessem verdadeiramente preocupados com as exportações de
armas nortecoreanas poderia ter respondido ao acordo nortecoreano do fim de
2000 para congelar o seu programa de mísseis de alcance médio e
longo e para cessar de exportar mísseis e cancelar contractos
existentes. Mas o presidente Clinton em fim de mandato estava receoso de
viajar a Pyongyang para assinar o acordo por temer o criticismo de quadrantes
conservadores, passando tal responsabilidade para o vindouro presidente Bush,
que não tinha intenção de discutir qualquer questão
com a Coreia do Norte
[43]
Segundo um porta-voz da Casa Azul (o palácio presidencial sulcoreano),
falando sob condição de anonimato, "Não estamos em
posição de comentar acerca deste evento, mas tendo em vista o
facto de que a Coreia do Norte tem estado a exportar mísseis há
algum tempo, não é claro porque os EUA adoptaram uma
posição forte neste ponto do tempo". O porta-voz
também desmentiu afirmações americanas de que havia
notificado o presidente sulcoreano Kim Dae Jung antes da captura.
[44]
Vindo
poucos dias antes da eleição presidencial na Coreia do Sul, era
um tempo oportuno para uma captura. Contrabalançando o efeito do
esforço americano para inclinar o voto em favor do conservador Lee
Hoi-Chang, verificou-se o choque generalizado provocado pela
absolvição por um Tribunal Militar dos EUA, em Novembro, de dois
soldados americanos estacionados na Coreia do Sul. Cinco meses antes, duas
garotas de 14 anos passeando numa estrada a caminho de uma festa de
aniversário esmagadas até à morte pelo caminhão 50
toneladas usado na desmontagem de minas quando este acelerava nos arrabaldes de
Seul. As absolvições serviram como pára-raios à
raiva coreana por anos de abusos da tropa americana, e protestos em massa
explodiram por toda a Coreia do Sul exigindo uma revisão do acordo que
administra os 37 mil soldados americanos ali estacionados.
O presidente sulcoreano Kim Dae-Jung firmou a sua reputação na
melhoria das relações entre as duas Coreias, no que denominou a
"Política do Sol brilhante". Lee Hoi-Chang pertencia ao
Grande Partido Nacional, o qual encara a política do Sol brilhante com
considerável cepticismo, e ele promete adoptar uma linha dura contra a
Coreia do Norte se for eleito. O presidente Bush estava a guardar as suas
acções mais cruéis para o período
pós-eleitoral, apostando numa vitória de Lee que proporcionaria
apoio mais entusiástico para medidas punitivas contra a Coreia do Norte.
O seu opositor Roh Moo-Hyun pertencia ao Partido Democrático
Milénio, no poder, e comprometera-se a continuar a política do
Sol brilhante. Como destacou um analista americano bem antes da
eleição, "Washington pode muito bem esperar os
próximos quatro meses e combinar um acordo novo com o próximo
governo em Seul". Um analisa sulcoreano comentou acerca de uma visita
pré-eleitoral de uma delegação do Grande Partido Nacional
(GPN) a Washington. "Estou bastante seguro que a mensagem da
delegação do GPN para os responsáveis da
administração Bush teriam sido 'Não balouce o barco'
", e que "quaisquer acções significativas prejudicariam
Lee na corrida presidencial". Lee não só era
favorável a uma atitude dura para com a Coreia do Norte como
também agradava a administração Bush por advogar um maior
avanço nas privatizações. Em contraste, os EUA estavam
pouco à vontade com o passado de Roh como advogado trabalhista na
década de 1980, quando defendeu estudantes e activistas sindicais presos
pelo governo apoiado pelos militares americanos. Quando a
eleição se aproximava, Roh advertiu: "Se aqueles poderes
que desejam que uma Guerra Fria ganhe o poder nesta eleição
presidencial, o estado de coisas na península coreana retornará
à antiga condição de nações poderosas
controlarem a península".
[45]
Na véspera da
eleição, Roh prometeu que "se os EUA e a Coreia do Norte
começarem uma guerra, nós a travaremos". Para
consternação de Washington, quando os votos da
eleição de 19 de Dezembro foram contados, o progressistas Roh
emergiu como vencedor, prometendo trabalhar tanto com os EUA como com a Coreia
do Norte. "Devemos ter diálogo com o Norte e com os EUA",
anunciou. "Deste modo devemos assegurar que a disputa Norte-EUA
não escalará numa guerra". "Isto é um voto
pró-Coreia", observou Donald Gregg, presidente da Korea Society, em
Nova York. "Os coreanos estão a cavalgar no topo da
autoconfiança, e eles têm de decidir que a coisa mais importante
para eles é a outra metade do seu país". Esta pode ter sido
a mais importante eleição da história coreana, uma
afirmação dos direitos dos coreanos a determinarem o seu
próprio futuro e a terem uma palavra na resolução da
disputa EUA-Norte. É mesmo possível que o resultado possa
significar a diferença entre paz e guerra na península coreana,
como a administração estava bem consciente. "Há um
sentido real de luto aqui", revelou um responsável militar
americano ao comentar o resultado da eleição.
[46]
Escalando o conflito
Longe de procurar acalmar os temores nortecoreanos, em 10/Dez/2002 a
administração Bush divulgou um novo documento de
estratégia apelando a ataques preventivos e acção
encoberta contra nações que possuíssem armas nucleares,
biológicas e químicas. Num anexo secreto do relatório, a
Coreia do Norte era listada entre as nações a que a
estratégia era destinada. Era dada alta prioridade a travagem de
embarques de componentes de armas tanto para dentro como para fora das
nações alvo, e o documento reenfatizava o compromisso dos EUA em
relação à utilização de armas nucleares como
uma opção viável em qualquer conflito. "Os Estados
Unidos continuarão a tornar claro que se reservam o direito de responder
com força esmagadora incluindo o recurso a todas as nossas
opções ao uso de WMD [weapons of mass destruction] contra
os Estados Unidos, nos forças no exterior, e amigo e aliados".
Segundo um não nomeado responsável americano, a
porção classificada do documento era construída sobre a
premissa de que "a não proliferação tradicional
falhou, e agora estamos a ir para a interdição activa.
Interdição activa é física é
interrupção, é destruição sob qualquer
forma, quer cinética quer ciber". Outro responsável
ilustrou o novo plano dando o exemplo de um navio baseado nas Filipinas com um
ponto de transbordo para armas especiais destinadas à Líbia, uma
das nações que o documento coloca na mesma categoria da Coreia do
Norte. "Estamos indo interditar ou destruir ou interromper aquele
carregamento ou, durante o processo de transbordo, ela pode misteriosamente
desaparecer".
[47]
Para os nortecoreanos, o último documento estratégico foi mais
uma bofetada na cara, e eles não estavam inclinados a desempenhar um
papel passivo. Os Estados Unidos violaram todas as disposições
da Estrutura do Acordo e estavam claramente a apontar para o congelamento e a
fome a fim de submeter a RDPC. Apesar de o trabalho nos reactores de
água leve continuar oficialmente, era óbvio para todos que o
ocidente não tinha intenção de permitir que o projecto
fosse completado. Já em 24/Out/2002 o Parlamento da União
Europeia votou pelo cancelamento da sua contribuição de US$ 20
milhões para o projecto em 2003, e os EUA estavam a fazer lobby junto a
outros membros do KEDO para encerrar a construção dos reactores.
"É extremamente improvável que ambos os reactores de
água leve venham a ser produzidos", observou Robert Einhom, do
Center for Strategic and International Studies. "Ninguém
anunciará o desligamento real porque isso apenas encorajaria uma
provocação nortecoreana como resposta".
[48]
Dois dias depois de a administração Bush revelar o seu
último documento estratégico, a Coreia do Norte anunciou a sua
intenção de retomar a construção e
operação dos seus reactores moderados a grafite. Uma
declaração emitida pelo ministro do Exterior da RDPC afirmava:
"A oferta de óleo pesado à RDPC não era nem ajuda nem
cooperação mas a obrigação americana para compensar
pela perda de electricidade em consequência do congelamento de centrais
nucleares em operação e construção. O real
abandono pelos EUA das suas obrigações levou a que a
produção de electricidade da RDPC sofra agora de uma perda certa.
Se a RDPC recongela ou não as suas instalações nucleares
depende da atitude dos EUA"
[49]
O anúncio foi ouvido como
músico pelos ouvidos da administração Bush, pois sabiam
que haviam forçado a Coreia do Norte a tomar essa atitude. "O
governo sulcoreano não gosta de dizer isso em público, mas eles
culpam os americanos pelo que está a acontecer", revelou Moon
Chung-In, um especialista em Coreia do Norte da Universidade Yonsei. "A
administração Bush criou uma situação em que os
nortecoreanos foram empurrados para um canto. E o seu mau comportamento
tornou-se uma profecia auto-cumprida que permite à
administração Bush dizer: 'Bem lhe disse' ". Suh Dae-Sook,
um perito em Coreia do Norte da Universidade de Hawaii, sentiu que o
anúncio nortecoreano foi uma tentativa de levar Washington a negociar.
"Suponho que eles estão prontos a negociar", afirmou.
"Esta é a única arma que têm, ou alternativa que
têm".
[50]
Era o momento que o presidente Bush estava à espera. Dentro de poucos
dias ordenou às Forças Armadas dos EUA que instalasse os
primeiros 10 mísseis de um sistema de defesa contra mísseis em
Fort Greeley, Alasca, em 2004, e outros 10 mísseis na Vandenberg Air
Force Base, na Califórnia, em 2005. Incluídas na
instalação haverá seis radares, o que eleva o custo
inicial para US$ 30 mil milhões. Os planos para o escudo de defesa
anti-míssil finalmente chegarão a 250 mísseis, 15 radares
e até 30 satélites. Este movimento seguiu-se à
anulação por Washington do Tratado de Mísseis
Anti-Balísticos no princípio de 2002, e a
administração Bush sentiu que este era o momento certo para
lançar o programa, esperando que o barulho dos media sobre a Coreia do
Norte silenciaria as críticas.
[51]
Os críticos da
couraça anti-míssil que argumentam que os teste não
mostraram a validade do conceito não percebem o ponto essencial. O
programa anti-míssil funcionará muito efectivamente para
canalizar centenas de milhares de milhões de dólares para
contratistas da defesa. Uma segunda vantagem do programa anti-míssil
é o seu valor propagandístico, pois ajuda a aliviar
preocupações apresentando a aparência de invulnerabilidade.
Tal imagem poderia ajudar futuros responsáveis americanos a ganharem
apoio público se optarem por travar guerra contra uma
nação bem armada como a China.
Para a Coreia do Norte, a situação era simplesmente
insustentável. Os responsáveis nortecoreanos consideraram
correctamente que o KEDO não tinha intenção de completar o
trabalho dos reactores de água leve, e eles ressentem a expectativa de
serem obrigados a continuar a aderir aos termos da Estrutura do Acordo enquanto
a outra parte não honrava nem uma única disposição.
Enquanto se procedesse assim, o povo nortecoreano continuaria no frio e com
fome. Em Pyongyang um porta-voz do Comité para a
Reunificação Pacífica da Pátria Mãe emitiu
uma declaração a dizer que a retomada do trabalho dos reactores
moderados a grafite destinava-se "compensar a perda de electricidade
causada pela cessão unilateral dos EUA no fornecimento de óleo
pesado". Além disso, acrescentou, sob a Estrutura do Acordo,
"sofremos uma grande perda de electricidade e o consequente dano feito
à economia. Se as nossas instalações nucleares devessem
ser acusadas, então todas as centrais electronucleares em outras
regiões e países deveriam ser postas em causa. É
ridículo asseverar que nossas bases energéticas nucleares
apresentam uma ameaça enquanto centrais nucleares em outras
regiões e países não levantam problemas".
[52]
A
situação era desesperada mesmo antes do corte do óleo
pesado, e uma vez que o projecto do reactor de água leve estava
destinado a ser encerrado, era uma tarefa urgente para a Coreia do Norte
desenvolver as suas próprias centrais nucleares. "Obviamente eles
têm uma enorme crise de energia", salientou um operário
ajudante que frequentemente trabalha na Coreia do Norte. "Lá
você conduz pelos campos após o escurecer, ou em enormes cidades
além de Pyongyang, e não vê nem uma lâmpada".
[53]
A resposta nortecoreana era previsível, dada a sua
propensão para responder na mesma moeda: negociar quando abordada
diplomaticamente e apresentar uma posição rígida quando
ameaçada ou intimidada. Ainda assim, o movimento pode ter sido uma
asneira. Os EUA não têm claramente qualquer interesse em
diálogo ou diplomacia, mas uma abertura para uma solução
negociada pode apresentar-se depois de o recém-eleito presidente Roh
Moo-Hyn tomar posse em 23/Fev/2003. A retirada nortecoreana da Estrutura do
Acordo constrange severamente as opções de Roh e irá
colocá-lo numa posição difícil quando negociar com
os EUA.
Depois de se retirar da Estrutura do Acordo, a Coreia do Norte procedeu
à remoção dos selos e do equipamento de
monitorização da AIEA nas suas instalações de
Yongbyon, cobrindo as lentes das câmeras de monitorização,
e exigindo que a AIEA monitorizasse a partida do pessoal até ao fim de
Dezembro. A quantidade de desinformação relativa à
retomada pela Coreia do Norte do seu desenvolvimento nuclear é
monumental. O reactor de investigação de 5 megawatt de Yongbyon
pode gerar 20-25 megawatts de potência térmica. É
repetidamente salientado que este reactor é incapaz de proporcionar uma
fonte significativa de potência para a Coreia do Norte. O que estas
críticas muito repetidas ignoram é aquilo que os nortecoreanos
dizem pretender. Segundo Ri Je-Son, director-geral do Departamento Geral da
Agência de Energia Atómica [nortecoreana], a Coreia do Norte
"retomará a construção interrompida das centrais de
energia nuclear e preparar-se-á para operar o laboratório
radioquímico a fim de garantir a armazenagem segura das grandes
quantidades de varetas de combustível gasto que serão produzidas
quando estas centrais estiverem em operação. É para esta
finalidade que dentro em breve estaremos a preparar a operação do
laboratório radioquímico".
[54]
Em Yongbyon, a Coreia do
Norte está interessada basicamente e retomar a operação do
laboratório radioquímico e a instalação de
armazenagem para varetas de combustível, como preparação
para o término da construção de centrais nucleares
não acabadas. Além do reactor de 5 MW, existe também um
reactor de 50 MW em Yongbyon, o qual exigirá pelo menos um ano de
trabalho a fim de acabar a construção. Além disso, a
Coreia do Norte planeia retomar a construção do seu reactor de
200 MW em Taechon, capaz de gerar 800 MW de potência térmica.
Estima-se que este projecto levará dois anos para acabar. Não
haverá qualquer alívio imediato para o défice
energético da Coreia do Norte, mas espera-se que a conclusão dos
dois reactores ajudará a elevar a oferta de energia no futuro
relativamente próximo.
Outra acusação dúbia é de que a Coreia do Norte
posiciona-se para desenvolver armas nucleares. Vários
responsáveis sulcoreanos salientam que a remoção dos selos
das instalações de Yongbyon não indica necessariamente que
a Coreia do Norte reprocessará o combustível armazenado e que
é incerto que as varetas possam mesmo ser reprocessadas para
serem convertidas em material adequado para armas. Os peritos nucleares
sulcoreanos
também dizem que, mesmo que a Coreia do Norte retomasse as
operações no seu reactor de 5 MW de Yongbyon, levaria mais de um
ano antes de que o combustível gasto contido nas varetas pudesse ser
extraído. O reactor teria de trabalhar a plena potência 75 por
cento do tempo durante quatro anos a fim de produzir suficiente plutónio
para uma única arma nuclear.
[55]
O analista russo de segurança
nuclear Sergei Kazenov relata que "converter o átomo
pacífico para o uso militar é um problema especial" e que
"faltam à Coreia do Norte os componentes necessários,
incluindo os sistemas de detonação e alguns outros".
Aleksandr Rumyantsev, ministro da Energia Atómica da Rússia,
concorda: "A criação industrial de materiais nucleares para
fins militares é um processo complicado e a Coreia do Norte por enquanto
não pode permitir-se isso". Além disso, acrescentou, a
Coreia do Norte é "industrialmente subdesenvolvida"
[56]
A
opinião pública mundial está a ser alimentada com uma
mentira, destinada a manter a economia da Coreia do Norte amarrada a
sanções e a negar-lhe o direito de desenvolver fontes de energia,
com a esperança de que o seu sistema entre em colapso.
Os EUA encorajaram a AIEA a actuar como seu procurador e apresentaram a
questão diante do Conselho de Segurança da ONU para assim evitar
a impressão de actuar directamente e, por isso, antagonizar
países já ofendidos com a política americana em
relação ao Iraque. Os EUA esperam ganhar a
aprovação do Conselho de Segurança para a
imposição de sanções da ONU contra a Coreia do
Norte. Responsáveis americanos planeiam abordar países vizinhos
da Coreia do Norte e pressionam-nos no sentido de cortar ou reduzir as
relações económicas. Numa política a que chamam
"contenção sob medida"
("tailored containment")
, os responsáveis americanos pretendem pressionar outros países a
juntarem-se ao bloqueio económico. "Isto significa provocar
tensão política e tensão económica", declarou
um responsável
[57]
O assunto pode chegar ao ponto crítico em
Março de 2003, o prazo final que a AIEA impôs à Coreia do
Norte para submeter uma declaração do seu programa de armas
nucleares não existente. O director da AIEA, Mohammed ElBaradei, disse
que a sua agência levaria o assunto ao Conselho de Segurança da
ONU se a Coreia do Norte não cumprisse. A falta da Coreia do Norte em
declarar armas nucleares que não possui poderia então disparar
sanções ou possivelmente medidas mesmo mais severas dos EUA.
Contudo, a administração Bush preferiria não esperar esse
tempo e está a pressionar o Conselho de Segurança da ONU no
sentido de tratar do assunto em Janeiro. Fontes da ONU indicam que a AIEA
também pode levar a questão perante o Conselho de
Segurança ainda em Janeiro. As ameaças americanas e o movimento
para impor sanções e pressionar países a restringir
ligações económicas foi encarado com alarme em Seul.
"Não podemos deixar-nos levar para a guerra com os nortecoreanos
nem podemos permitir uma outra confrontação de Guerra Fria ou
outras medidas extremas", anunciou o presidente sulcoreano Kim Dae-Jung.
"Tudo deveria ser resolvido através do diálogo
pacífico". O Ministério dos Negócios Estrangeiros da
Coreia do Norte instou novamente os EUA a entabularem o diálogo.
"É bastante auto-evidente que o diálogo é
impossível sem sentar frente a frente e uma regulação
pacífica da questão seria impensável sem
diálogo"
[58]
Tal como em relação ao Iraque, emergiram da Casa Branca mensagens
conflitantes a respeito de acção militar, mas deveria ser
recordado que no fim é a opção militar que geralmente
prevalece. Um perito asiático recentemente declarou que nenhum dos
responsáveis superiores americanos com que ele se encontrou afastou a
acção militar contra a Coreia do Norte.
[59]
Richard Perle,
presidente do Pentagon Defense Policy Board, painel de conselheiros, afirma que
"o perigo a sermos expostos pelo desenvolvimento nuclear da Coreia do
Norte é tão grande que resultará numa quarentena de
abrangência sem precedentes" e que a opção militar
"não deveria ser eliminada na negociação com a Coreia
do Norte"
[60]
A indicação mais aberta de que era
contemplada a força militar ocorreu em 23/Dez/2002, quando o
secretário da Defesa Donald Rumsfeld declarou em resposta a uma pergunta
sobre a Coreia do Norte: "Somos capazes de combater em dois grandes
conflitos regionais. Somos capazes de vencer decisivamente num e rapidamente
no outro. E não há dúvida nenhuma sobre isto"
[61]
O próprio presidente Bush sugeriu que os EUA podem considerar
acções "não diplomáticas" contra a Coreia
do Norte.
[62]
A Rússia reagiu com horror à postura impaciente de Washington. O
vice-ministro do Exterior Georgi Mamedov declarou: "A expressão
'eixo do mal' é muito infeliz, mesmo inflamatória... Imagine o
que significa para um pequeno Estado dizerem-lhe que é virtualmente
parte das forças bíblicas do mal, as quais devem ser combatidas
até à destruição total. Os países
incluídos no dito 'eixo do mal' provavelmente não
permanecerão passivos". Mamedov rejeitou a abordagem americana.
"Utilizar a difícil situação económica da
Coreia do Norte para fazer chantagem é contraproducente e
perigoso".
[63]
Outro vice-ministro russo do Exterior, Alexander
Losyukov, concordou, declarando: "Você não pode conseguir o
que quer que seja por meio de acusações, pressões ou
exigências duras, para não mencionar ameaças. Isto
só tornará as coisas piores".
Os EUA nunca honraram a Estrutura do Acordo, sem considerar a abordagem
adoptada pela Coreia do Norte. A melhor opção para a Coreia do
Norte é evitar inflamar a situação e esperar que as
negociações com a Coreia do Sul resultem em arranjos alternativos
que aliviem sua escassez de energia. Sem a obstrução dos EUA,
talvez a conclusão dos reactores de água leve sob a égide
sulcorena, com apoio da Rússia e da China, sejam possíveis.
Enquanto os EUA se opuserem a uma solução, somente os coreanos
poderão alcançar um acordo. Progressos substanciais entre as
duas Coreias já se verificaram, pois eles trabalharam em conjunto para
religar estradas e ferrovias, apesar da interferência dos EUA no
processo. Há planos prontos para criar um complexo industrial de firmas
sulcoreanas na província nortecoreana de Kaesong, 45 milhas a norte de
Seul. O presidente eleito Roh Moo-Hyun instou a Coreia do Norte a
"não tomar novos passos que agravassem a
situação" e limita o papel que o novo governo possa
desempenhar. Enquanto isso, a administração a ser empossada de
Roh estabeleceu contactos com a Coreia do Norte "para descobrir o que ela
realmente quer"
[65]
Como Washington mantém uma postura agressiva
e ameaçadora em relação à Coreia do Norte, a Coreia
do Sul está a procurar uma abertura diplomática. A fim de
prevenir a ameaça de paz colocada pelas iniciativas sulcoreanas, os EUA
planeiam internacionalizar a disputa obtendo autorização do
Conselho de Segurança da ONU para medidas mais agressivas. Seja como
for que a disputa seja resolvida, é o povo coreano que será
afectado, e é o povo coreano que deveria ser central para descobri uma
solução. Jeon Hyun-Joon, do Instituto Coreano de
Unificação Nacional, exprimiu os sentimentos de muita gente na
Coreia do Sul quando declarou: "Tanto a Coreia do Norte como os EUA
estão num jogo duro de cabo-de-guerra, praticamente apelando a uma
terceira parte para mediar a luta. Quem pode desempenhar melhor esse papel
senão a Coreia do Sul?"
[66]
_________________
NOTAS
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2. Ashton B. Carter and William J. Perry, "Back to the Brink,"
Washington
Post, October 20, 2002. Leon V. Sigal, "Jimmy Carter,"
Bulletin of the Atomic Scientists, January-February 1998.
3. "South Korea Stopped US Strike on North Korea," Agence
France-Presse, May 24, 2000.
4. Leon V. Sigal, "Jimmy Carter," Bulletin of the Atomic
Scientists,January-February 1998.
5. Kenneth R. Bazinet, "U.S., North Korea Near War in 1994," New York
Daily News, October 19, 2002.
6. Agreed Framework between the DPRK and the US, Geneva, October 21, 1994.
7. "N Korea Warned Over Nuclear Deal," BBC News, August 7, 2002.
8. Agreed Framework between the DPRK and the US, Geneva, October 21, 1994.
9. Hans M. Kristensen, "Preemptive Posturing," Bulletin of the Atomic
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"Interview (U), Brigadier General Randall K. Bigum, Commander 4th Fighter
Wing with Sgt John T. Murphy, 4th Fighter Wing Historian, 14 July 1998
(document obtained by Hans M. Kristensen through the Freedom of Information Act.
10. Karen DeYoung, "Bush Lays Down a Marker for 3 'Evil' States,"
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11. "US 'Has Nuclear Hit List," BBC News, March 9, 2002."N Korea
Condemns US 'Nuclear Blackmail," BBC News, March 13, 2002.
12. Callum A. MacDonald, Korea: the War Before Vietnam, New York, 1987. Bruce
Cumings, Korea's Place in the Sun, New York, 1997
Gabriel Kolko, Century of War, New York, 1994. Callum MacDonald, "'So
Terrible a Liberation' - The UN Occupation of North
Korea," Bulletin of Concerned Asian Scholars, April-June 1991. Although
little known, this is one of the most remarkable and important articles I've
ever read. It is absolutely essential reading for anyone attempting to learn
about and understand the Korean War. For anyone with an interest in the
subject, it is well worth the time to track down in a university library.
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© Greg Elich 2002. For fair use only / pour usage équitable
seulement. Tradução de J. Figueiredo.
31/Dez/2002
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Mais informações sobre a Coreia em:
Jornal
The People's Korea
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