Argentina
Hora de Unidade Popular e de Pátria
por Isabel Rauber
[*]
Tradução de Manuela Antunes
«As panelas reivindicam-nos como cidadãos»
«...a
situação finalmente explodiu; pessoalmente não me
surpreendeu, a realidade indicava que isso iria acontecer. O estado de
sítio imposto pelo presidente trouxe-nos recordações muito
trágicas e duras. Finalmente uma convocatório do povo; a panela
reivindica-nos como cidadãos...» Assim o viveu e me escreveu uma
amiga socióloga que trabalha num hospital em Buenos Aires, poucas horas
depois de 20 de Dezembro de 2001, recordo-me das palavras dela porque na minha
opinião elas caracterizam o espírito desses acontecimentos, que
por sua vez, indicam o renascimento de um povo.
Pondo fim a anos de impotência e humilhação o ímpeto
popular deitou por terra toda a racionalidade organizada até agora. As
movimentações populares nas cidades do interior, e até em
Buenos Aires, a Grande Buenos Aires e na Província, ultrapassaram todos
os prognósticos. Principalmente a população
«portenha» superou os seus próprios limites, saindo para as
ruas e chegando à Praça de Maio, exigindo primeiro, a
renúncia de Cavallo e depois, a do então presidente da
nação. Quebrando todos os prognósticos políticos,
em poucas horas o povo argentino metabolizou anos de resistência
militante e traduziu-a numa fúria colectiva imparável
organizada e autoconvocada, desaguou nas ruas misturando-se com a força
da espontaneidade colectiva; o contágio foi imediato e crescente.
Irrompendo no cenário político nacional o povo experimentava o
seu poder e tornava a sentir-se livre e capaz de definir o rumo do país;
com firmeza, embora com a fragilidade da sua escassa e fragmentada
organização e quase nula orientação
político-programática da sua acção, tornava a ser
protagonista.
Foram horas de expansão do espírito libertário e
solidário, do orgulho de renascer das ruínas, recordando que se
é um ser humano digno com o poder de actuar para conseguir aquilo a que
se propõe. E isso torna-se transcendente para o presente e o futuro
imediato do campo popular.
Constituindo um poente virtual do enlace entre o passado, o presente e o
futuro, os estouros sociais de 19 e 20 de Dezembro último, juntam os
elementos fundamentais. Por um lado,
assinalam a continuidade da história
de luta e resistência do povo argentino de 55 até agora
para só redimir os últimos 50 anos delineando uma
espécie de resultado de um longo processo de acumulação
histórica de forças, de consciência, de
organização e de propostas, que se desenrolou através da
mobilização de milhões de pessoas pela exigência dos
seus direitos, na defesa da vida, e das suas fontes de trabalho, contra o
desemprego, na busca de alimento, contra a repressão. O espontâneo
irrompe como o elo articulador-condensador de um longo período de
acumulação das resistências e das lutas sociais e,
simultaneamente, torna a colocar o povo como actor colectivo. Como que
continuando as jornadas de Junho-Julho de 75, os trabalhadores e amplos
sectores do povo apoderam-se maciçamente das ruas, avenidas e
praças em todo o país, e dizem basta ao continuísmo do
modelo socio-económico expresso no governo nacional. As suas propostas
programáticas elaboradas por parte do povo, sem saídas
viáveis dos sectores vinculados ao poder, a situação de
«esvaziamento de poder» voltou a flutuar na atmosfera do
país. Caprichosa a história nacional, ensina como toda a
história que os povos a retomam sempre embora num plano
colectivamente diferente no lugar onde a deixaram (de protagonizar).
Por outro lado e simultaneamente com o anterior esses
acontecimentos
marcam uma ruptura
de fundo com o tempo imediatamente precedente; com um estilo de
construção e acumulação de poder, de
consciência e organização desde o social popular, com uma
maneira de entender e fazer política e com o estilo de vida dos sectores
médios
Do povo argentino, aparentado com o «por alguma razão», com
«não te metas» com o
que me importa
e cooptação como alternativas individuais do «salve-se quem
puder» imposto pela prática e pelo pensamento único do
modelo neoliberal.
Nos feitos que se tornam difíceis de julgar na sua dimensão
justa, os diversos sectores que compõem o povo argentino, no seu
conjunto, ultrapassaram todos os prognósticos. Munidos de panelas,
sertãs, escumadeiras, e colheres, arvorando a bandeira nacional,
saíram de suas casas e disseram basta ao Estado de Sítio e ao
continuísmo do modelo encarnado nos vários governantes . Punha
fim desse modo a mais de 25 anos de encerramento no individual impostos pelas
diversas tramas e subtramas do terror instrumentalizado a partir do Estado.
Politizado à velocidade de uma centrifugadora, o povo nas ruas exigiu (e
exige) o fim de uma prática política corrupta e venal a que
despudoradamente, alguns chamavam (e chamam) democracia. As suas
exigências democráticas significam uma quebra radical com as
actuais democracias de mercado dependente; através de assembleias de
bairro, desenvolvendo a participação directa dos integrantes das
organizações de piquete, sindicais de novo tipo, sectoriais, e
sociais de carácter variado, o povo mobilizado impõe e reclama
outra democracia e forma de representação política, com
participação directa, desde as bases, horizontal e sem
exclusões.
Algumas reflexões sobre os factos e seu impacto em qualquer
ocupação actual do campo popular
Espontâneo ou organizado?
Em primeiro lugar, considero importante sublinhar a relação
estreita que as grandes mobilizações de Dezembro de 2001
mantêm (sem menosprezar o sinal de autoconvocatória da
participação de amplos sectores do povo) com a resistência,
luta e organização mantida durante anos por sectores
vários do povo argentino, que sem acreditar em mentiras nem
enganos, opondo-se à chantagem do choque de pobres contra pobres,
à polarização e exclusão crescente de milhares de
cidadãos argentinos e suas famílias enfrentaram este
modelo de morte quase desde o primeiro dia. Devemos recordar, por exemplo, o
papel primordial da luta das Mães da Praça de Maio nos anos 70 (
e até agora), as lutas dos trabalhadores, e as
mobilizações de piquete que sobretudo nos últimos
anos marcam o ritmo das lutas populares colocando-se na primeira linha da
resistência. Piquetes desocupados e piquetes ocupados traçaram um
caminho: não à resignação, saída para a rua,
exigência de justiça e luta pelos seus direitos.
Unido pelo mundo do trabalho, o movimento de piquete desenvolve-se
fundamentalmente abraçado à Central de Trabalhadores Argentinos
(CTA) e esta, por sua vez, aos piquetes de todo o país. Os cortes de
rua, as passeatas e as marchas de quilómetros de diversos pontos do mapa
nacional até à capital e desde aí para o interior, e de
novo para Buenos Aires, para a Praça de Maio, repetidamente, constituem
uma referencia indiscutível, política e pedagógica.
Trata-se da pedagogia do exemplo, do «se pudermos» que, para
além do simbolismo que encerra, é também a
demonstração de um modo de luta. Tudo isso . adicionado a um
conjunto de lutas sectoriais, de defesa dos direitos humanos, de mulheres, de
jovens, marca um período de acumulação
político-social sem o qual seria difícil compreender o salto que
se produz a partir de 19 e 20 de Dezembro último.
No acúmulo «invisível» para uma consciência
colectiva em gestação, nasce a explicação (e a
possibilidade) do salto que «de repente» arrancou todo um povo das
suas casas e o levou «sem saber como» para as ruas e praças
dos seus bairros e cidades, e para a Praça de Maio. No entanto, seria
incorrecto pretender uma conexão linear entre os dois tempos,
traçar uma linha directa (causa-efeito) entre uns fenómenos e
outros.
A (auto)convocatória espontânea de amplos sectores da
população para as ruas e praças em todo o país,
marco indubitavelmente o ritmo, as formas e o conteúdo do que aconteceu
em Dezembro. Tomando o espontâneo como o que é, parte de todo o
movimento, também do movimento social, deve entender-se que a sua
irrupção nalguns momentos da evolução das lutas
sociais, torna-se além de inevitável
necessário para avançar. Longe de o considerar um
«defeito» do processo de construção social e
política, o desafio é ser capaz de captar antecipadamente
o instante em que o espontâneo irromperá com força
acelerando o curso dos acontecimentos, saltando valas é essa a
arte da direcção política, e estar em
condições de convocar e conduzir o povo até à
conquista dos objectivos propostos. Conseguir isso é uma questão
de olfacto político. Ter a capacidade de perceber, intuir o momento e
preparar-se para actuar no meio dele. São dois elementos: capacidade de
antecipação, e sobre essa base de
convocatória e condução. Esse é um dos factores
chave que como défice evidenciam os factos de Dezembro.
Outro, tem a ver com a concepção sobre a dinâmica interna
dos processos sociais, que ainda se evidencia como predominante na maioria das
organizações sociais e políticas existentes... Nos
acontecimentos de Dezembro a aceleração do processo e a
massividade de protagonistas é tal, que ultrapassa as possibilidades
organizativas e as propostas desenvolvidas até agora pelo movimento
social e político, e isso evidencia a presença de uma
concepção que entende o desenvolvimento dos processos de lutas
sociais, o processo de acumulação e construção, de
uma perspectiva gradual, ou seja, como somatória linear e consecutiva
das partes ao todo
[1]
. Embora a acumulação suponha o avanço gradual, mas
assenta e realiza-se em saltos, e estes ocorrem através da
conjunção-contração do espontâneo e do
consciente num instante, produzindo um
crack
que anula a continuidade com a ruptura, lançando os protagonistas para
uma espécie de buraco negro da história.
A isso há que somar a realidade da sectorialidade e a
fragmentação das lutas e seus actores, a tentativa de alguns
sectores de se afastarem de manifestações como a dos piquetes e a
sobrevivência da divisão entre actores
(organizações) políticos e sociais, produto tanto de
preconceitos presentes num e noutro sector , como o predomínio de um
espírito de seita que está latente atrás de cada argumento
divisionista. Tais deficiências estão presentes como
obstáculos, em maior ou menor grau, entre os diversos actores do campo
popular. A rebelião dos argentinos tem a grande virtude de mostrar o
poder do povo, de recuperar e fortalecer a sua autoestima e confiança em
si e também por a nu forças e debilidades que é
necessário assumir e superar.
O poder traça os seus planos e reacomoda-se
Desmascarado como nunca no seu papel de gerir os sectores do poder
transnacional hegemónico, o governo não tem nem
soluções nem alternativas que não sejam entregar-se
«ainda mais» a quem o colocou em tal situação.
Através dos organismos financeiros internacionais, principalmente o FMI,
o intervencionismo norte-americano, pressionando ao máximo, afina os
mecanismos que lhe permitem avançar nos seus planos de
anexação do subcontinente, em especial, a Argentina.
Para o governo dos Estados Unidos está em jogo um problema de
geopolítica; a busca da sua hegemonia regional (e mundial) diante da
Europa e do Japão; nela se inscreve a sua imperiosa necessidade de
instalar a ALCA na América Latina e o seu intervencionismo crescente nos
assuntos internos dos nossos países para os «acondicionar»
à concreção de tais objectivos. Isso articula a
situação argentina com a guerra na Colômbia, com a crise
venezuelana, com o desespero com que tratam de instalar bases militares no
Peru, com o empenho doentio de procurar o voto contra Cuba na Comissão
dos Direitos Humanos da ONU, com as eleições do Brasil, com a
necessidade de aniquilar o MERCOSUL...
A indiferença aparente e a não ingerência dos Estados
Unidos e das organizações «internacionais» na actual
situação argentina, pretexto de assépticas e rigorosas
exigências técnicas sobre o rumo a seguir, escondem a
decisão cínica de aprofundar a crise para tomar totalmente conta
do país via intervenção de tecnocratas
internacionais quando este se encontrar (a que o levaram) num estado de
quebra total. A queda da Argentina, qual rendição das antigas
colónias, deve acontecer com fragor sem que existam dúvidas de
que o país é incapaz de governar-se no verdadeiro sentido
amplo do termo. Nessas condições a «ajuda» dos Estados
Unidos surgiria (já surgiram algumas iniciativas nesse sentido)
através dos organismos financeiros internacionais que segundo
fiscalização sem máscaras, submeteriam
economicamente o país aos seus desígnios; os seus representantes
seriam os encarregados de decidir quê, como, quando e quem.
Para conseguir esses propósitos necessitam não apenas de se impor
no plano económico, mas também no moral e no cultural, pois a
anexação segundo as suas perversões
deverá ser total e definitiva. Para isso é importante que se leve
«democraticamente» a cabo, ou seja, como consequência de um
processo que demonstre a incapacidade do país e dos seus habitantes para
sortear a crise e seguir em frente respondendo pelos seus actos. A
anexação conjugará assim apostam eles um
facto económico e um moral: será um acto de
humilhação de todo um povo, internacionalmente declarado
(demonstrado) incompetente para se governar a si mesmo. Daí que a partir
de alguns sectores do governo (directamente ligados a essas
intenções), crescem manifestações de protesto
desorganizadas e desarticuladas que propiciam a sensação de caos,
já que se empenham em apresentar através dos seus porta
vozes nos meios de comunicação todos os protestos
legítimos ou reclamações sociais como mais um expoente da
situação de suposto caos que o país vive; daí
também o empenhamento para ganhar tempo e impedir que se abra caminho a
uma opção que unifique o campo popular, nas suas
organizações, e seja reforçada a
interpretação mais perigosa de que «saiam todos»
que garante vezes sem conta que são todos o mesmo, que ninguém
serve, com que se vai introduzindo a ideia de que não há
saída, que ninguém pode lidar a crise, nem a direita, nem o
centro, nem a esquerda, e insufla no subconsciente social a legitimidade de uma
possível intervenção salvadora do FMI (imperialista)
e que já vai forçando por diversos canais os velhos e
novos sectarismos no interior das esquerdas, e entre elas e os movimentos
sociais, e no interior deles mesmo.
A divisão do campo popular é tão necessária para o
seu inimigo como o é a unidade para o campo do povo, a diferença
radica na consciência que cada sector tem dela. Para avançar para
a unidade do campo popular é imprescindível compreender que hoje
em dia a sobrevivência como nação, como povo, como pessoa,
passa por defender e reconstruir a soberania, que o problema é de
Pátria.
Não subordinar as lutas sociais aos conflitos do poder, e sim obrigar os
conflitos a subordinar-se às lutas.
A tendência dos sectores do poder é fechar o sistema
democrático de mercado ajustando-o às democracias de baixa
intensidade, como invólucro de repressões sociais ou encobrindo
uma guerra interna contra o povo. As manobras para o conseguir têm sido,
são e serão diversas quanto a pretextos, actores-culpados, tipo
de provocações, etc., mas a tendência encaminha-se para
ali, até agora de modo crescente. Mas a sua fiança não
é inevitável. Precisamente por isso, é preciso
enfrentá-la a tempo, construir uma frente unitária de todo o povo
como barreira intransponível para os poderosos, e nessa base
desenhar um programa alternativo capaz de guiar as lutas sociais
populares evitando que estas fiquem aprisionadas pelos conflitos do poder,
tornam-se tarefas sumamente importantes.
Lutar é sempre importante, mas para quem procurar encaminhar processos e
definir situações convergentes com objectivos próprios,
é imprescindível que estas lutas sejam as que marquem o rumo e o
ritmo dos acontecimentos e os conflitos entre os sectores do poder e não
ao contrário, ou seja, que não sejam arrastadas e
instrumentalizadas pelos conflitos dos sectores dominantes pois, nesse caso,
ficarão encerradas dentro da sua lógica e serão funcionais
nos seus requisitos. Como indica Samir Amin: «Do que se trata é de
não subordinar as lutas aos conflitos, mas sim obrigar os conflitos a
subordinar-se às lutas.»
Se reconhecemos que na política o real é o que se não
vê, torna-se então imprescindível hoje atender a
relação entre conflitos e lutas, não só nem
essencialmente para entender o acontecido e explicar
post factum
determinadas condutas, mas, sobretudo, para construir as propostas
resgatando as que já existem e as que surgem a partir de agora, e
caminhar para a sua concretização, começando pela
construção-consolidação das ferramentas e os
âmbitos colectivos de discussão, construção, disputa
e acumulação de poder popular do fundo
[2]
.
Desafios:
(construir a)
unidade,
(aprofundar a)
democracia
(popular)
e
(lutar pela)
soberania
A expressão «que vão todos, que não fique
ninguém», tão reiterada pelos manifestantes a partir de
Dezembro último, tem entre as suas várias leituras, uma que chama
a atenção para um ponto importante: todos saem, e depois? Quem?
Como? Estas interrogações evidenciam os desafios-chave do campo
popular no momento actual: construir a força sociopolítica
colectiva capaz de organizar e conduzir as mobilizações e os
acontecimentos até metas propostas pelo povo, ( na base de) convocar a
sua participação activa e crescente não como seguidor mas
como protagonista principal das transformações. Para
avançar nessa direcção torna-se vital, medular, ter em
conta os seguintes elementos.
a) as novas formas de fazer política nascidas, por um lado,
desde o sectorial-social e, por outro, desde o territorial mostraram a
sua
potencialidade para desenvolver a participação popular e aumentar
o protagonismo do povo.
O novo tempo que já se vinha a respirar claramente na Argentina
piqueteira do ano 2000 e 2001, anunciava já a emergência do povo
como protagonista colectivo da sua história.
Junto das formas organizativas piqueteiras, as assembleias de bairro das
cidades constituem um embrião de democracia directa que questiona
directamente as formas tradicionais da política, o político e o
poder. No seu funcionamento reclamam novas formas de
representação reclamam novas formas de
representação política, baseadas na relação
directa entre representados e representantes, e isto constrói-se e
organiza-se desde o fundo e por baixo, horizontalmente, tendendo para a
formação de uma espécie de rede social capaz de
organizar, articular, conter e projectar as iniciativas e a
participação de todos. Constituem a base do novo poder popular
(parlamento do povo). A organização territorial da
povoação torna-se neste sentido um factor-chave para
avançar para novas formas de representação que
possibilitem (e se baseiem em) na participação pessoa a pessoa a
partir do território onde vivem ou trabalham (ou em ambos). É por
isso importante aprofundar a democracia directa que nasceu nas assembleias de
bairro, desenvolvendo âmbitos territoriais que permitem a
organização dos cidadãos quadra a quadra, casa por casa,
possibilitando a participação de cada vizinho. Nesta base
será possível desenvolver um poder popular local, com delegados
que representam directamente os cidadãos do território onde
vivem, eleitos de maneira directa e revogáveis também de maneira
directa a qualquer momento
[4]
.
Teremos de tomar em consideração tanto a trajectória
acumulada como o apreendido e desenvolvido nos dias catalizadores de Dezembro
último, as novas formas de fazer política que vêem a
germinar há anos; as normas organizativas democráticas
desenvolvidas nos bairros populares, particularmente nas
organizações piqueteiras, no sindicalismo urbano (CTA), no social
sectorial, e no âmbito do rural, as formas de participação,
as formas de participação que nasceram e cresceram desde baixo,
as práticas de assembleias de bairro, as passeatas organizadas, e as
autoconvocadas. São experiências jovens que ainda têm de
crescer, abrir-se mais no sentido da sua democratização interior,
mas constituem um ponto de partida importante para avançar. Longe de
opor umas formas a outras, o que se tenta é procurar conjugá-las,
enriquecendo as possibilidades de participação e
organização de todos os sectores populares que procuram uma
transformação radical da realidade social nacional.
b) nas ruas, o povo manifestou-se aberta e claramente a favor de outro tipo de
democracia.
Fundar uma nova sociedade implica transformá-la desde a raiz e isso
não se circunscreve à esfera das relações
económicas, implica necessariamente também o conjunto de
relações entre Estado e sociedade, entre política e
cidadania. Trata-se de uma transformação da
organização sociopolítica da sociedade que conhecemos
até agora desde as suas próprias bases.
Um novo tipo de sociedade supõe um novo tipo de Estado e de Poder
no sentido gramsciano dos conceitos uma nova democracia e, em
correspondência com isso, uma nova cidadania. E nada disso será
conseguido magicamente nem por decreto, mediante a sua
participação plena no processo de transformação, o
qual se torna igualmente processo pedagógico prático de
(auto)transformação dos cidadãos em sujeitos das
mudanças.
Isso exige organizações políticas diferentes Das
conhecidas até agora, capazes de promover o protagonismo das maiorias,
de o organizar e avançar com tudo na direcção proposta
também colectivamente. É uma exigência dupla: dar conta das
novas formas e metodologias democráticas de organização,
participação e representação, incorporando aos
mesmos actores sociopolíticos e, ao mesmo tempo, abrir os canais
orgânicos existentes ao protagonismo colectivo (e individualizado) das
suas bases.
A exigência aponta, em síntese, para a formação de
organizações sociopolíticas plurais, abertas e articuladas
horizontalmente, capazes de construir identidades colectivas e unitárias
na base do respeito e a aceitação positiva das diferenças.
E isso emana da experiência política acumulada pelo povo argentino
e também pelos povos latino americanos. Não se identifica com a
chamada aos partidos da esquerda tradicional formulada por alguns intelectuais,
para que aqueles reconheçam a existência de uma «esquerda
social» e, nessa base a organizem à sua volta. Tal
proposição justifica um novo tipo de sectarismo: as esquerdas por
um lado (em coordenações, frentes, blocos, etc.), e por outro, o
considerado por eles, como «não esquerda». Por esse caminho,
convida-se a manter a velha divisão entre o político e o social,
pretendendo somar (subordinar) a «esquerda social» à esquerda
político-partidária. Longe destas elucubrações que
convidam a mudar os nomes para manter velhos conteúdos, a criatividade
popular chama a fundar organizações políticas plurais,
horizontais e participativas. Trata-se de ir criando o mais
rápido possível as bases de um novo poder, o poder popular
construído a partir de baixo, com a participação
protagonística de todo o povo transformado no sujeito da sua
história.
A inexistência de uma condução político-social,
colectiva, unificada debilidade histórica das lutas populares
argentinas viu-se evidenciada nos factos de Dezembro como um dos
principais déficit do campo popular.
O processo de resistência e luta do povo argentino veio formando e
desenvolvendo direcções de carácter, formato e alcance
diversos; deram-se também passos importantes de avanço para a
construção de espaços maiores de articulação
político-social, embora ainda em volta de assuntos pontuais, por
exemplo, em relação à comemoração do 24 de
Março de 2001, nos congressos piqueteiros, nas marchas nacionais
impulsionadas pelo Movimento Nacional dos Filhos do Povo e a CTA, no Referendo
Nacional contra a Pobreza (FRENAPO) e na própria
participação eleitoral, mediante a qual tentaram avançar
sectores distintos da esquerda partidária, cada um a partir dos seus
pressupostos e posicionamentos na sociedade.
No entanto, o problema não é, a inexistência da
condução política em termos absolutos. Se não houve
uma condução geral é porque não houve possibilidade
de articular uma condução colectiva (a única viável
hoje em minha opinião). O que o «piquetazo» nacional
de 20 de Dezembro mostra claramente, é que as conduções
são sectoriais e fragmentadas não há
condução do movimento social e político nacional.
Não se pode a partir do social apenas, nem desde o político
separado do social. Fragmentadas na sua capacidade de pensamento e
acção, as várias conduções participaram como
mais um, reclamando-se depois, a si mesmas e aos demais, por não ter
podido chegar a tempo à conformação de espaços mais
colectivos, integradores-articuladores da pluralidade de actores, pensamentos,
propostas e organizações ou população autoconvocada.
Longe de mostrar com isso um rosto pessimista da realidade, um olhar
crítico e autocrítico sobre o acontecimento abrirá as
portas a um caudal imenso de possibilidades, e permitirá resgatar a
unidade que forjada pelo povo nas ruas abonou as
condições para avançar para a conformação de
uma condução político-social ampla e unitária,
baseada na horizontalidade e participação plural insisto
no que faz a opiniões, propostas e aos próprios
actores-sujeitos
[5]
.
De acordo com isso, torna-se menos recomendável, relativizar as leituras
dos factos que alguns sectores de esquerda tendentes a liquidar toda a
organização social precedente dos factos de Dezembro salvo
as que correspondem aos seus partidos, colocando num plano de igualdade
tendenciosa e desacertadamente todos os políticos, sindicalistas,
lideres sociais e determinadas organizações sociais e
político-sociais. Está na hora de mudar essa atitude e entender
que não se pode avançar na base de condenar as próprias
limitações as próprias e as do campo popular no seu
conjunto sem assumir tanto o positivo como as fraquezas, procurando
caminhos e formas de as superar e continuar em frente. O momento requer muita
maturidade, honestidade, humildade e vontade de ir em frente. Pouco vale que
só alguns tenham a verdade se todos os outros são incapazes de a
ver como tal ou de chegar a ela. Erguer-se acima de todos com a
pretensão que o conjunto se subordine a um só critério
político e de condução e, pelo menos, uma boa forma de
perder o tempo (e as oportunidades de avançar colectivamente).
Embora de outro angulo, vale a pena verificar que considerações
irónicas como as que apresenta James Petras
[6]
, não dão qualquer ajuda; se chamam a atenção
para alguma coisa, é para a irresponsabilidade com que o analista norte
americano se apressa a desclassificar toda a esquerda partidária
argentina e os movimentos sociais mais fortes e consequentes. Por essa via,
Petras aplana o caminho para posturas liquidacionistas, as quais só
podem tornar-se convenientes para os sectores do poder. Se tudo está
podre e ninguém nem será capaz de conjugar as vontades, de as
organizar e potenciá-las numa direcção colectivamente
identificada, não há nem haverá alternativa para
quê preocupar-se em construir? . Conclusões como essa
tornam-se desmobilizadoras, embora a sua força soe a radicalismo.
Não acontece um facto de tal transcendência na história
nacional para que um intelectual ou um grupo determinado alimente o seu ego,
arvorando a sua suposta superioridade revolucionária junto do
espontaneidade das massas autoconvocadas como estandartes exclusivos do
presente e do futuro. Não é o momento nunca é
de manter distância dos factos e seus protagonistas tal como
são; insistir em fazê-lo leva de facto a não
compartilhar nenhuma responsabilidade a respeito do acontecido e, assim, a
não assumir nenhum compromisso com as tarefas presentes.
c) A unidade dos diversos actores sociais e políticos, das suas
problemáticas, organizações e propostas, emerge entre os
desafios prioritários do movimento social e político popular
argentino.
As práticas divisionistas mais recentes, sempre funcionais para o
sistema tornam-se hoje muito úteis aos sectores do poder (local e
transnacional) que, colocados temporalmente em atitude defensiva no
âmbito político nacional, precisam de tempo e
oxigénio político para recompor-se e fortalecer-se. Parte
desse tempo pensam consegui-lo fortalecendo a confusão no campo popular.
Repetem-no por vários meios: são todos iguais, os sindicalistas,
os políticos, os intelectuais...nada serve, não há
saída.
Por outro lado, quando os tempos e a experiência exigem avançar em
coordenação e organização, até à
articulação da unidade implantada pelo povo nas ruas com piquetes
e panelas tal como o resumem as canções populares nas
manifestações sem rubor, alguns sectores da esquerda que
se consideram a esquerda da esquerda, cedem à tentação
narcisista de querer assumir-se como os únicos verdadeiramente
revolucionários, em vez de demonstrar maturidade política e
capacidade para não deixar passar a possibilidade histórica de se
reencontrar com o povo. E pese à sua retórica
não o farão nunca se não começarem pelo
abc
do marxismo: compreender que isso não se radica na letra dos livros
colocadas nas estantes das suas bibliotecas, mas na própria vida.
Ao contrário da vida social real, essa esquerda erudita resiste a ver a
realidade tal como ela é, interagindo com os actores sociais e
políticos concretos e apresenta o seu «marxismo» hegeliano e
kantiano, como se fosse a verdade revelada. Alheia á realidade dos
conflitos e das intrigas ) do poder, crê que com desclassificar os
actores sociais e políticos do campo popular que não se alienam
atrás das suas propostas, apresentando um plano de luta e
mobilização, estará com capacidade para representar e
dirigir a todo o povo e chegar ao poder
um dia destes
...como pelo descuido de alguém.
Não se trata de discutir aqui a (falsa) dicotomia: tomar o poder ou
construí-lo. O importante é entender que o poder não se
transforma como consequência de um acto grupal, mas sim como obra do
próprio povo no processo de reaproximação
protagónica da política e do seu direito a exercer o poder como
cidadãos plenos. E nada disto acontece por magia; é a
intervenção dos próprios sujeitos no processo de
transformação que permite avançar conscientemente, com
participação, com organização e propostas,
revelando-se por sua vez como um processo de formação. E isso
é assim porque a consciência política não é
dada aos povos a partir de cima, é conquistada por um processo
prático de transformação através da sua
própria intervenção no mesmo. Esta é uma das chaves
do processo histórico nacional (e de todo o processo de
transformação social), que os expoentes dessas esquerdas
não foram capazes de entender.
A lógica de «tudo ou nada» que emana dos seus argumentos
traduz-se em falta de compromisso com o processo real (com as suas virtudes,
contradições e limitações), e arrasta como
resultado uma prática política incoerente, que produz um zig-zag
pendular na sua relação com outros actores políticos e
sociais do campo popular: Oportunismo e inconsequência no
político, entrismo nas organizações sociais para captar
seguidores e logo dividi-los, enfraquecimento das suas fileiras em
consequência de um sistema de purgas internas necessárias para
preservar a «pureza» da organização, configuram uma
prática utilitária, tanto para as organizações
sociais e políticas de que se aproximam e com que interagem em diversos
momentos, como na sua própria militância.
Tendo em conta a realidade mundial, continental e nacional presente, acontece
que é ainda menos incompreensível que existam ainda sectores da
esquerda que, utilizando uma fraseologia que apela à unidade, pretendem
que esta será alcançada auto erigindo-se como a
única
opção do povo, na base de desacreditar todos eles que
sendo também de esquerda pensam e actuam de maneira diferente dos
seus dogmas
[7]
. Consequentemente, insistem em mostrar e demonstrar uma e outra vez, que
são todos um desastre menos eles: os do poder, por razões
óbvias e os do campo do povo, porque segundo as suas
interpretações são ou acabarão por ser
cúmplices do sistema. Essas práticas evidenciam um forte grau de
assimilação da ideologia do poder por parte dessas esquerdas: na
sua prática e nos seus discursos sectários reproduzem toda a
cultura individualista e competitiva do capitalismo onde para sobreviver
um deve esmagar o outro, não podendo portanto coexistir. Numa
atitude esquizofrénica que justapõe, opondo-os, o dizer e o
fazer, assumem a transformação como algo externo a si, reclamando
solidariedade e unidade aos outros, desenvolvendo práticas agressivas e
exclusivas de seus pares. Em vez de procurar caminhos (solidários e
unitários) para ser com os outros, em vez de construir a partir do
interior em unidade e solidariedade verdadeiras, desenvolvem-se na base da
competência.
Está na hora de abandonarem o capitalismo que levam no seu interior, a
soberba, o sectarismo e a astúcia ideológica e política,
para meter ombros juntamente com os diversos actores e sectores sociais
que integram o povo argentino na colossal tarefa da
demonstração da sociedade
[8]
.
E isso fala mais uma vez de amplitude, pluralismo e articulação
dessa diversidade em todos os sentidos, fala da necessidade de manter pontes
organizadoras ou através de tarefas concretas que
contribuam para ligar os sectores sociais e políticos do campo popular
na base de critérios de unidade em aras do avanço para a
constituição do sujeito popular plural. Quando a unidade
não é subordinação, é elementar o
reconhecimento pleno dos demais. Todos devemos aprender, mudar e fortalecer a
unidade. É necessário assumir os riscos da criação
colectiva, estar dispostos a ceder um pouco da soberania dos pequenos reinados
das organizações que construímos desde o defensivo, estar
preparados para nos equivocarmos (ou para entender que alguém se
engane), para cometer erros (ou para entender que alguém os cometa), e
reconhece-los e rectificá-los na marcha; só não se engana
quem não tomar a iniciativa, quem não convocar milhões
para protagonizar a sua história.
No processo de construção da unidade das forças sociais e
políticas do campo do povo-desafio iniludível da hora actual
torna-se importante distinguir sempre entre o estratégico e o
conjuntural; entre um e outro factor não pode haver antagonismo, mas
não se pode pretender que o estratégico concretizar-se
literalmente a todo o momento. Nesse sentido, tem especial importância
diferenciar a unidade de alcance estratégico, e as frentes ou
alianças eleitorais. A estratégia vai-se conformando
através e por meio das conjunturas é certo, mas há que ter
especial cuidado para que se não percam os contornos nelas, diluindo-se
organizativamente, por exemplo, em frentes marcadas por alianças com
alcances meramente eleitorais, ou apostando toda a força
estratégica numa frente eleitoral lógica do tudo ou nada
confundindo os papéis políticos de uma e outra ferramenta,
deixando o estratégico apenas para as coligações
eleitorais, e impedindo o crescimento estratégico a partir da
participação eleitoral por falta de uma ferramenta
política que transcenda esses marcos e projecte o processo impulsionando
a participação popular alcançada até esse momento
para objectivos mais altos de transformação da sociedade.
d) a libertação nacional é uma questão pendente
para o povo argentino.
Irrompendo na cena política, o povo volta a experimentar o seu poder e a
sentir-se protagonista e livre, capaz se resolve tarefas pendentes
de definir o rumo do país. Dando um salto qualitativo gigantesco,
ressurge fragmentariamente o projecto e o caminho de
libertação nacional e social, atendendo a novas realidades;
ressurge a política como parte do seu território cidadão e
reclama um lugar para o seu protagonismo em bases novas: sem verticalismo nem
vanguardas, sem lideres colocados acima dos objectivos e das propostas,
necessariamente plurais, definidos a partir de baixo, mediante a
participação directa nos sujeitos da transformação.
Uma nova forma de fazer política, participação,
organização e condução política abre caminho
e reclama a sua presença a todo o instante. E o novo radica,
essencialmente no redimensionamento do social como eixo de toda a
acção e organização políticas, e no
reconhecimento dos diversos actores sociais populares como actores
socio-políticos, como (protagonistas) integrantes-articuladores do
sujeito das mudanças. Para avançar, as tarefas são agora,
entre muitas dar conta do novo e ir construindo formas e instancias
organizativas capazes hoje de chegar a conter e a projectar todos de uma
maneira participativa, horizontal, unitária, articuladora e plural.
Essa é a base da condução social e política que
reclama o processo aberto no país, síntese da unidade de todo o
povo, capaz de avançar estrategicamente desenvolvendo em várias
vias e variadas formas a participação protagónica de
todos, a partir da base, um processo de transformação radical da
sociedade, (re)construindo-a na base do desenvolvimento de uma nova democracia
que surja da participação directa dos cidadãos e
cidadãs do povo e que se apoie nela, para recuperar a capacidade de
soberania nacional (assumindo que ela significa na hora presente de
interdependência necessária do internacional em determinados
aspectos) e erguer uma Nação para todo o povo, sem pobreza nem
exclusão, com igualdade de oportunidades e justiça social para
todos, onde o direito ao trabalho esteja garantido como substrato da dignidade
humana inegável de cada um dos habitantes da Argentina.
Está na hora de tirarmos os olhais que aprisionam os nossos olhos;
está na hora de um espírito aberto unitário e
solidário, de criar e construir articulando o existente com o novo e o
futuro na organização, participação e
propostas ; está na hora de fazer o que for necessário para
que a nossa homenagem aos desaparecidos e mortos transcenda a letra dos nossos
escritos e discursos, e seja uma força viva que revitalize o nosso
coração e fortaleça o nosso espírito e a nossa
vontade; está na hora de povo e libertação; está na
hora de nos atrevermos a ir mais fundo na luta.
NOTAS
1) Não existe um
todo
predeterminado final, a que tenhamos de «chegar», nem um tempo e um
caminho já fixados para isso; vai sendo delineado entre os diversos
actores populares com a sua participação, os seus ritmos e os
seus tempos. O
todo
é sempre as partes, está latente em cada uma delas e existe nos
modos concretos da sua articulação em cada momento.
2) Samir Amin,
Os desafios para o Terceiro Mundo
, Revista Passado e Presente XXI, nº 3, 2001, Separata, p. 13.
3) O conceito «da base» refere-se na definição
que proponho ao fundamento do existente que se quer transformar ou sobre
o
que se quer influenciar; refere-se ao que (chega e) parte a partir da raiz de
todo o fenómeno. Indica também que simultaneamente «da
base» no próprio processo de transformação vai
nascendo o novo, que se constrói dia a dia. Pouco tem assim que ver com
a colocação geométrica do problema, os actores, as
propostas ou as esferas em que se age, embora a verdade é que na
acepção corrente se empregue frequentemente como
sinónimo «a partir das bases», ou para indicar que algo
está por baixo de outro algo que estaria «por cima». Para
aprofundar este tema, pode consultar-se o meu livro:
Chaves para uma nova estratégia, construção de poder a
partir da base
. Santo Domingo, Junho 2000.
4) Torna-se enriquecedor conhecer algumas experiências latino-americanas
nesse terreno, principalmente a que foi vivida pelo Comité para a Defesa
dos Direitos de Bairro (COPADEBA), organização de bairro da
República Dominicana, que nasce questionando as formas tradicionais de
representação e organização política da
população e se desenvolve a partir do territorial com democracia
directa, assembleias de bairro, etc. Pode consultar-se o livro «
A construção do poder a partir de baixo
», onde sistematizo essa experiência a partir das suas origens.
Igualmente enriquecedor será também conhecer a experiência
de organização territorial cidadã desenvolvida pela
Revolução Cubana como base para a participação de
todo o povo no exercício do Poder Popular.
5) Abocanhá-lo, está entre as tarefas mais importantes do momento
pois não há nem haverá saída nos marcos do sistema
imperante, nem se pode esperar nada dele que se identifique com os interesses e
aspirações do povo.
6) Ver artigo «A grande cama», edição digital.
7) Ser de esquerda define-se, antes de mais, pelas práticas não
pelo
discurso. Todos os que lutam contra este modelo e por uma
transformação radical da sociedade conformam hoje a esquerda ou,
mais exactamente as esquerdas na Argentina: estão as
organizações de direitos humanos, de mulheres, a
ceteá
, os piqueteiros, a corrente...as donas de casa que saem às ruas a lutar
pelos seus direitos e pelos das famílias, os partidos...
8) Para avançar neste sentido, parece-me importante gerar âmbitos
de
reflexões colectivas sobre as experiências do socialismo real do
século XX, das lutas dos povos latino-americanos e as do povo argentino,
incluindo neste caso a análise dos diversos factores da
derrota popular sofrida nos anos 70, e as experiências das tentativas de
construção de alternativas políticas populares dos anos
90. As virtudes e os fracassos, as fraquezas ou erros de tais gestas necessitam
de ser explicadas, analisadas e sintetizadas, tanto para o enriquecimento e
amadurecimento colectivos para a elaboração de novas
estratégias, como para o fortalecimento espiritual do conjunto dos
actores sociopolíticos. A verdade que é sempre
revolucionária é hoje duplamente necessária: para a
razão teórica e prática, e para a espiritualidade. Na
Argentina há feridas e estigmas muito fortes que ali encontram a sua
origem; só colocando-as em cima da mesa e analisando-as com maturidade
(consciência dos tempos actuais) será possível crescer
humana e estrategicamente.
_____________
[*]
Socióloga. Directora de «Passado e Presente XXI».
Especialista dos movimentos sociais latino-americanos. Professora adjunta da
Universidade da Havana. Investigadora da UNESCO. Integrante do Fórum do
Terceiro Mundo.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
|