Argentina
Hora de Unidade Popular e de Pátria

por Isabel Rauber [*]
Tradução de Manuela Antunes

A autora é a quarta da direita para a esquerda «As panelas reivindicam-nos como cidadãos»

«...a situação finalmente explodiu; pessoalmente não me surpreendeu, a realidade indicava que isso iria acontecer. O estado de sítio imposto pelo presidente trouxe-nos recordações muito trágicas e duras. Finalmente uma convocatório do povo; a panela reivindica-nos como cidadãos...» Assim o viveu e me escreveu uma amiga socióloga que trabalha num hospital em Buenos Aires, poucas horas depois de 20 de Dezembro de 2001, recordo-me das palavras dela porque na minha opinião elas caracterizam o espírito desses acontecimentos, que por sua vez, indicam o renascimento de um povo.

Pondo fim a anos de impotência e humilhação o ímpeto popular deitou por terra toda a racionalidade organizada até agora. As movimentações populares nas cidades do interior, e até em Buenos Aires, a Grande Buenos Aires e na Província, ultrapassaram todos os prognósticos. Principalmente a população «portenha» superou os seus próprios limites, saindo para as ruas e chegando à Praça de Maio, exigindo primeiro, a renúncia de Cavallo e depois, a do então presidente da nação. Quebrando todos os prognósticos políticos, em poucas horas o povo argentino metabolizou anos de resistência militante e traduziu-a numa fúria colectiva imparável – organizada e autoconvocada, desaguou nas ruas misturando-se com a força da espontaneidade colectiva; o contágio foi imediato e crescente. Irrompendo no cenário político nacional o povo experimentava o seu poder e tornava a sentir-se livre e capaz de definir o rumo do país; com firmeza, embora com a fragilidade da sua escassa e fragmentada organização e quase nula orientação político-programática da sua acção, tornava a ser protagonista.

Foram horas de expansão do espírito libertário e solidário, do orgulho de renascer das ruínas, recordando que se é um ser humano digno com o poder de actuar para conseguir aquilo a que se propõe. E isso torna-se transcendente para o presente e o futuro imediato do campo popular.

Constituindo um poente virtual do enlace entre o passado, o presente e o futuro, os estouros sociais de 19 e 20 de Dezembro último, juntam os elementos fundamentais. Por um lado, assinalam a continuidade da história de luta e resistência do povo argentino de 55 até agora – para só redimir os últimos 50 anos – delineando uma espécie de resultado de um longo processo de acumulação histórica de forças, de consciência, de organização e de propostas, que se desenrolou através da mobilização de milhões de pessoas pela exigência dos seus direitos, na defesa da vida, e das suas fontes de trabalho, contra o desemprego, na busca de alimento, contra a repressão. O espontâneo irrompe como o elo articulador-condensador de um longo período de acumulação das resistências e das lutas sociais e, simultaneamente, torna a colocar o povo como actor colectivo. Como que continuando as jornadas de Junho-Julho de 75, os trabalhadores e amplos sectores do povo apoderam-se maciçamente das ruas, avenidas e praças em todo o país, e dizem basta ao continuísmo do modelo socio-económico expresso no governo nacional. As suas propostas programáticas elaboradas por parte do povo, sem saídas viáveis dos sectores vinculados ao poder, a situação de «esvaziamento de poder» voltou a flutuar na atmosfera do país. Caprichosa a história nacional, ensina – como toda a história – que os povos a retomam sempre – embora num plano colectivamente diferente – no lugar onde a deixaram (de protagonizar).

Por outro lado – e simultaneamente – com o anterior – esses acontecimentos marcam uma ruptura de fundo com o tempo imediatamente precedente; com um estilo de construção e acumulação de poder, de consciência e organização desde o social popular, com uma maneira de entender e fazer política e com o estilo de vida dos sectores médios
Do povo argentino, aparentado com o «por alguma razão», com «não te metas» com o que me importa e cooptação como alternativas individuais do «salve-se quem puder» imposto pela prática e pelo pensamento único do modelo neoliberal.

Nos feitos que se tornam difíceis de julgar na sua dimensão justa, os diversos sectores que compõem o povo argentino, no seu conjunto, ultrapassaram todos os prognósticos. Munidos de panelas, sertãs, escumadeiras, e colheres, arvorando a bandeira nacional, saíram de suas casas e disseram basta ao Estado de Sítio e ao continuísmo do modelo encarnado nos vários governantes . Punha fim desse modo a mais de 25 anos de encerramento no individual impostos pelas diversas tramas e subtramas do terror instrumentalizado a partir do Estado.

Politizado à velocidade de uma centrifugadora, o povo nas ruas exigiu (e exige) o fim de uma prática política corrupta e venal a que despudoradamente, alguns chamavam (e chamam) democracia. As suas exigências democráticas significam uma quebra radical com as actuais democracias de mercado dependente; através de assembleias de bairro, desenvolvendo a participação directa dos integrantes das organizações de piquete, sindicais de novo tipo, sectoriais, e sociais de carácter variado, o povo mobilizado impõe e reclama outra democracia e forma de representação política, com participação directa, desde as bases, horizontal e sem exclusões.

Algumas reflexões sobre os factos e seu impacto em qualquer ocupação actual do campo popular

Espontâneo ou organizado?

Em primeiro lugar, considero importante sublinhar a relação estreita que as grandes mobilizações de Dezembro de 2001 mantêm (sem menosprezar o sinal de autoconvocatória da participação de amplos sectores do povo) com a resistência, luta e organização mantida durante anos por sectores vários do povo argentino, que – sem acreditar em mentiras nem enganos, opondo-se à chantagem do choque de pobres contra pobres, à polarização e exclusão crescente de milhares de cidadãos argentinos e suas famílias – enfrentaram este modelo de morte quase desde o primeiro dia. Devemos recordar, por exemplo, o papel primordial da luta das Mães da Praça de Maio nos anos 70 ( e até agora), as lutas dos trabalhadores, e as mobilizações de piquete que – sobretudo nos últimos anos –marcam o ritmo das lutas populares colocando-se na primeira linha da resistência. Piquetes desocupados e piquetes ocupados traçaram um caminho: não à resignação, saída para a rua, exigência de justiça e luta pelos seus direitos.

Unido pelo mundo do trabalho, o movimento de piquete desenvolve-se fundamentalmente abraçado à Central de Trabalhadores Argentinos (CTA) e esta, por sua vez, aos piquetes de todo o país. Os cortes de rua, as passeatas e as marchas de quilómetros de diversos pontos do mapa nacional até à capital e desde aí para o interior, e de novo para Buenos Aires, para a Praça de Maio, repetidamente, constituem uma referencia indiscutível, política e pedagógica. Trata-se da pedagogia do exemplo, do «se pudermos» que, para além do simbolismo que encerra, é também a demonstração de um modo de luta. Tudo isso . adicionado a um conjunto de lutas sectoriais, de defesa dos direitos humanos, de mulheres, de jovens, marca um período de acumulação político-social sem o qual seria difícil compreender o salto que se produz a partir de 19 e 20 de Dezembro último.

No acúmulo «invisível» para uma consciência colectiva em gestação, nasce a explicação (e a possibilidade) do salto que «de repente» arrancou todo um povo das suas casas e o levou «sem saber como» para as ruas e praças dos seus bairros e cidades, e para a Praça de Maio. No entanto, seria incorrecto pretender uma conexão linear entre os dois tempos, traçar uma linha directa (causa-efeito) entre uns fenómenos e outros.

A (auto)convocatória espontânea de amplos sectores da população para as ruas e praças em todo o país, marco indubitavelmente o ritmo, as formas e o conteúdo do que aconteceu em Dezembro. Tomando o espontâneo como o que é, parte de todo o movimento, também do movimento social, deve entender-se que a sua irrupção nalguns momentos da evolução das lutas sociais, torna-se – além de inevitável – necessário para avançar. Longe de o considerar um «defeito» do processo de construção social e política, o desafio é ser capaz de captar – antecipadamente – o instante em que o espontâneo irromperá com força acelerando o curso dos acontecimentos, saltando valas – é essa a arte da direcção política, e estar em condições de convocar e conduzir o povo até à conquista dos objectivos propostos. Conseguir isso é uma questão de olfacto político. Ter a capacidade de perceber, intuir o momento e preparar-se para actuar no meio dele. São dois elementos: capacidade de antecipação, e – sobre essa base – de convocatória e condução. Esse é um dos factores chave que – como défice – evidenciam os factos de Dezembro.

Outro, tem a ver com a concepção sobre a dinâmica interna dos processos sociais, que ainda se evidencia como predominante na maioria das organizações sociais e políticas existentes... Nos acontecimentos de Dezembro a aceleração do processo e a massividade de protagonistas é tal, que ultrapassa as possibilidades organizativas e as propostas desenvolvidas até agora pelo movimento social e político, e isso evidencia a presença de uma concepção que entende o desenvolvimento dos processos de lutas sociais, o processo de acumulação e construção, de uma perspectiva gradual, ou seja, como somatória linear e consecutiva das partes ao todo [1] . Embora a acumulação suponha o avanço gradual, mas assenta e realiza-se em saltos, e estes ocorrem através da conjunção-contração do espontâneo e do consciente num instante, produzindo um crack que anula a continuidade com a ruptura, lançando os protagonistas para uma espécie de buraco negro da história.

A isso há que somar a realidade da sectorialidade e a fragmentação das lutas e seus actores, a tentativa de alguns sectores de se afastarem de manifestações como a dos piquetes e a sobrevivência da divisão entre actores (organizações) políticos e sociais, produto tanto de preconceitos presentes num e noutro sector , como o predomínio de um espírito de seita que está latente atrás de cada argumento divisionista. Tais deficiências estão presentes como obstáculos, em maior ou menor grau, entre os diversos actores do campo popular. A rebelião dos argentinos tem a grande virtude de mostrar o poder do povo, de recuperar e fortalecer a sua autoestima e confiança em si e também por a nu forças e debilidades que é necessário assumir e superar.

O poder traça os seus planos e reacomoda-se

Desmascarado como nunca no seu papel de gerir os sectores do poder transnacional hegemónico, o governo não tem nem soluções nem alternativas que não sejam entregar-se «ainda mais» a quem o colocou em tal situação. Através dos organismos financeiros internacionais, principalmente o FMI, o intervencionismo norte-americano, pressionando ao máximo, afina os mecanismos que lhe permitem avançar nos seus planos de anexação do subcontinente, em especial, a Argentina.

Para o governo dos Estados Unidos está em jogo um problema de geopolítica; a busca da sua hegemonia regional (e mundial) diante da Europa e do Japão; nela se inscreve a sua imperiosa necessidade de instalar a ALCA na América Latina e o seu intervencionismo crescente nos assuntos internos dos nossos países para os «acondicionar» à concreção de tais objectivos. Isso articula a situação argentina com a guerra na Colômbia, com a crise venezuelana, com o desespero com que tratam de instalar bases militares no Peru, com o empenho doentio de procurar o voto contra Cuba na Comissão dos Direitos Humanos da ONU, com as eleições do Brasil, com a necessidade de aniquilar o MERCOSUL...

A indiferença aparente e a não ingerência dos Estados Unidos e das organizações «internacionais» na actual situação argentina, pretexto de assépticas e rigorosas exigências técnicas sobre o rumo a seguir, escondem a decisão cínica de aprofundar a crise para tomar totalmente conta do país — via intervenção de tecnocratas internacionais — quando este se encontrar (a que o levaram) num estado de quebra total. A queda da Argentina, qual rendição das antigas colónias, deve acontecer com fragor sem que existam dúvidas de que o país é incapaz de governar-se — no verdadeiro sentido amplo do termo. Nessas condições a «ajuda» dos Estados Unidos surgiria (já surgiram algumas iniciativas nesse sentido) através dos organismos financeiros internacionais que — segundo fiscalização — sem máscaras, submeteriam economicamente o país aos seus desígnios; os seus representantes seriam os encarregados de decidir quê, como, quando e quem.

Para conseguir esses propósitos necessitam não apenas de se impor no plano económico, mas também no moral e no cultural, pois a anexação — segundo as suas perversões — deverá ser total e definitiva. Para isso é importante que se leve «democraticamente» a cabo, ou seja, como consequência de um processo que demonstre a incapacidade do país e dos seus habitantes para sortear a crise e seguir em frente respondendo pelos seus actos. A anexação conjugará assim — apostam eles — um facto económico e um moral: será um acto de humilhação de todo um povo, internacionalmente declarado (demonstrado) incompetente para se governar a si mesmo. Daí que a partir de alguns sectores do governo (directamente ligados a essas intenções), crescem manifestações de protesto desorganizadas e desarticuladas que propiciam a sensação de caos, já que se empenham em apresentar — através dos seus porta vozes nos meios de comunicação — todos os protestos legítimos ou reclamações sociais como mais um expoente da situação de suposto caos que o país vive; daí também o empenhamento para ganhar tempo e impedir que se abra caminho a uma opção que unifique o campo popular, nas suas organizações, e seja reforçada a interpretação mais perigosa de que «saiam todos» — que garante vezes sem conta que são todos o mesmo, que ninguém serve, com que se vai introduzindo a ideia de que não há saída, que ninguém pode lidar a crise, nem a direita, nem o centro, nem a esquerda, e insufla no subconsciente social a legitimidade de uma possível intervenção salvadora do FMI (imperialista) — e que já vai forçando por diversos canais os velhos e novos sectarismos no interior das esquerdas, e entre elas e os movimentos sociais, e no interior deles mesmo.

A divisão do campo popular é tão necessária para o seu inimigo como o é a unidade para o campo do povo, a diferença radica na consciência que cada sector tem dela. Para avançar para a unidade do campo popular é imprescindível compreender que hoje em dia a sobrevivência como nação, como povo, como pessoa, passa por defender e reconstruir a soberania, que o problema é de Pátria.

Não subordinar as lutas sociais aos conflitos do poder, e sim obrigar os conflitos a subordinar-se às lutas.

A tendência dos sectores do poder é fechar o sistema democrático de mercado ajustando-o às democracias de baixa intensidade, como invólucro de repressões sociais ou encobrindo uma guerra interna contra o povo. As manobras para o conseguir têm sido, são e serão diversas quanto a pretextos, actores-culpados, tipo de provocações, etc., mas a tendência encaminha-se para ali, até agora de modo crescente. Mas a sua fiança não é inevitável. Precisamente por isso, é preciso enfrentá-la a tempo, construir uma frente unitária de todo o povo como barreira intransponível para os poderosos, e — nessa base — desenhar um programa alternativo capaz de guiar as lutas sociais populares evitando que estas fiquem aprisionadas pelos conflitos do poder, tornam-se tarefas sumamente importantes.

Lutar é sempre importante, mas para quem procurar encaminhar processos e definir situações convergentes com objectivos próprios, é imprescindível que estas lutas sejam as que marquem o rumo e o ritmo dos acontecimentos e os conflitos entre os sectores do poder e não ao contrário, ou seja, que não sejam arrastadas e instrumentalizadas pelos conflitos dos sectores dominantes pois, nesse caso, ficarão encerradas dentro da sua lógica e serão funcionais nos seus requisitos. Como indica Samir Amin: «Do que se trata é de não subordinar as lutas aos conflitos, mas sim obrigar os conflitos a subordinar-se às lutas.»

Se reconhecemos que na política o real é o que se não vê, torna-se então imprescindível hoje atender a relação entre conflitos e lutas, não só nem essencialmente para entender o acontecido e explicar post factum determinadas condutas, mas, sobretudo, para construir as propostas — resgatando as que já existem e as que surgem a partir de agora, — e caminhar para a sua concretização, começando pela construção-consolidação das ferramentas e os âmbitos colectivos de discussão, construção, disputa e acumulação de poder popular do fundo [2] .

Desafios: (construir a) unidade, (aprofundar a) democracia (popular) e (lutar pela) soberania

A expressão «que vão todos, que não fique ninguém», tão reiterada pelos manifestantes a partir de Dezembro último, tem entre as suas várias leituras, uma que chama a atenção para um ponto importante: todos saem, e depois? Quem? Como? Estas interrogações evidenciam os desafios-chave do campo popular no momento actual: construir a força sociopolítica colectiva capaz de organizar e conduzir as mobilizações e os acontecimentos até metas propostas pelo povo, ( na base de) convocar a sua participação activa e crescente não como seguidor mas como protagonista principal das transformações. Para avançar nessa direcção torna-se vital, medular, ter em conta os seguintes elementos.

a) as novas formas de fazer política — nascidas, por um lado, desde o sectorial-social e, por outro, desde o territorial — mostraram a sua potencialidade para desenvolver a participação popular e aumentar o protagonismo do povo.

O novo tempo que já se vinha a respirar claramente na Argentina piqueteira do ano 2000 e 2001, anunciava já a emergência do povo como protagonista colectivo da sua história.

Junto das formas organizativas piqueteiras, as assembleias de bairro das cidades constituem um embrião de democracia directa que questiona directamente as formas tradicionais da política, o político e o poder. No seu funcionamento reclamam novas formas de representação reclamam novas formas de representação política, baseadas na relação directa entre representados e representantes, e isto constrói-se e organiza-se desde o fundo e por baixo, horizontalmente, tendendo para a formação de uma espécie de rede social capaz de organizar, articular, conter e projectar as iniciativas e a participação de todos. Constituem a base do novo poder popular (parlamento do povo). A organização territorial da povoação torna-se — neste sentido um factor-chave para avançar para novas formas de representação que possibilitem (e se baseiem em) na participação pessoa a pessoa a partir do território onde vivem ou trabalham (ou em ambos). É por isso importante aprofundar a democracia directa que nasceu nas assembleias de bairro, desenvolvendo âmbitos territoriais que permitem a organização dos cidadãos quadra a quadra, casa por casa, possibilitando a participação de cada vizinho. Nesta base será possível desenvolver um poder popular local, com delegados que representam directamente os cidadãos do território onde vivem, eleitos de maneira directa e revogáveis também de maneira directa a qualquer momento [4] .

Teremos de tomar em consideração tanto a trajectória acumulada como o apreendido e desenvolvido nos dias catalizadores de Dezembro último, as novas formas de fazer política que vêem a germinar há anos; as normas organizativas democráticas desenvolvidas nos bairros populares, particularmente nas organizações piqueteiras, no sindicalismo urbano (CTA), no social sectorial, e no âmbito do rural, as formas de participação, as formas de participação que nasceram e cresceram desde baixo, as práticas de assembleias de bairro, as passeatas organizadas, e as autoconvocadas. São experiências jovens que ainda têm de crescer, abrir-se mais no sentido da sua democratização interior, mas constituem um ponto de partida importante para avançar. Longe de opor umas formas a outras, o que se tenta é procurar conjugá-las, enriquecendo as possibilidades de participação e organização de todos os sectores populares que procuram uma transformação radical da realidade social nacional.

b) nas ruas, o povo manifestou-se aberta e claramente a favor de outro tipo de democracia.

Fundar uma nova sociedade implica transformá-la desde a raiz e isso não se circunscreve à esfera das relações económicas, implica necessariamente também o conjunto de relações entre Estado e sociedade, entre política e cidadania. Trata-se de uma transformação da organização sociopolítica da sociedade que conhecemos até agora desde as suas próprias bases.

Um novo tipo de sociedade supõe um novo tipo de Estado e de Poder — no sentido gramsciano dos conceitos — uma nova democracia e, em correspondência com isso, uma nova cidadania. E nada disso será conseguido magicamente nem por decreto, mediante a sua participação plena no processo de transformação, o qual se torna igualmente processo pedagógico prático de (auto)transformação dos cidadãos em sujeitos das mudanças.

Isso exige organizações políticas diferentes Das conhecidas até agora, capazes de promover o protagonismo das maiorias, de o organizar e avançar com tudo na direcção proposta também colectivamente. É uma exigência dupla: dar conta das novas formas e metodologias democráticas de organização, participação e representação, incorporando aos mesmos actores sociopolíticos e, ao mesmo tempo, abrir os canais orgânicos existentes ao protagonismo colectivo (e individualizado) das suas bases.

A exigência aponta, em síntese, para a formação de organizações sociopolíticas plurais, abertas e articuladas horizontalmente, capazes de construir identidades colectivas e unitárias na base do respeito e a aceitação positiva das diferenças. E isso emana da experiência política acumulada pelo povo argentino e também pelos povos latino americanos. Não se identifica com a chamada aos partidos da esquerda tradicional formulada por alguns intelectuais, para que aqueles reconheçam a existência de uma «esquerda social» e, nessa base a organizem à sua volta. Tal proposição justifica um novo tipo de sectarismo: as esquerdas por um lado (em coordenações, frentes, blocos, etc.), e por outro, o considerado por eles, como «não esquerda». Por esse caminho, convida-se a manter a velha divisão entre o político e o social, pretendendo somar (subordinar) a «esquerda social» à esquerda político-partidária. Longe destas elucubrações que convidam a mudar os nomes para manter velhos conteúdos, a criatividade popular chama a fundar organizações políticas plurais, horizontais e participativas. Trata-se de ir criando — o mais rápido possível — as bases de um novo poder, o poder popular construído a partir de baixo, com a participação protagonística de todo o povo transformado no sujeito da sua história.

A inexistência de uma condução político-social, colectiva, unificada — debilidade histórica das lutas populares argentinas — viu-se evidenciada nos factos de Dezembro como um dos principais déficit do campo popular.

O processo de resistência e luta do povo argentino veio formando e desenvolvendo direcções de carácter, formato e alcance diversos; deram-se também passos importantes de avanço para a construção de espaços maiores de articulação político-social, embora ainda em volta de assuntos pontuais, por exemplo, em relação à comemoração do 24 de Março de 2001, nos congressos piqueteiros, nas marchas nacionais impulsionadas pelo Movimento Nacional dos Filhos do Povo e a CTA, no Referendo Nacional contra a Pobreza (FRENAPO) e na própria participação eleitoral, mediante a qual tentaram avançar sectores distintos da esquerda partidária, cada um a partir dos seus pressupostos e posicionamentos na sociedade.

No entanto, o problema não é, a inexistência da condução política em termos absolutos. Se não houve uma condução geral é porque não houve possibilidade de articular uma condução colectiva (a única viável hoje em minha opinião). O que o «piquetazo» nacional de 20 de Dezembro mostra claramente, é que as conduções são sectoriais e fragmentadas não há condução do movimento social e político nacional. Não se pode a partir do social apenas, nem desde o político separado do social. Fragmentadas na sua capacidade de pensamento e acção, as várias conduções participaram como mais um, reclamando-se depois, a si mesmas e aos demais, por não ter podido chegar a tempo à conformação de espaços mais colectivos, integradores-articuladores da pluralidade de actores, pensamentos, propostas e organizações ou população autoconvocada.

Longe de mostrar com isso um rosto pessimista da realidade, um olhar crítico e autocrítico sobre o acontecimento abrirá as portas a um caudal imenso de possibilidades, e permitirá resgatar a unidade que — forjada pelo povo nas ruas — abonou as condições para avançar para a conformação de uma condução político-social ampla e unitária, baseada na horizontalidade e participação plural — insisto — no que faz a opiniões, propostas e aos próprios actores-sujeitos [5] .

De acordo com isso, torna-se menos recomendável, relativizar as leituras dos factos que alguns sectores de esquerda tendentes a liquidar toda a organização social precedente dos factos de Dezembro — salvo as que correspondem aos seus partidos, colocando num plano de igualdade tendenciosa e desacertadamente todos os políticos, sindicalistas, lideres sociais e determinadas organizações sociais e político-sociais. Está na hora de mudar essa atitude e entender que não se pode avançar na base de condenar as próprias limitações — as próprias e as do campo popular no seu conjunto — sem assumir tanto o positivo como as fraquezas, procurando caminhos e formas de as superar e continuar em frente. O momento requer muita maturidade, honestidade, humildade e vontade de ir em frente. Pouco vale que só alguns tenham a verdade se todos os outros são incapazes de a ver como tal ou de chegar a ela. Erguer-se acima de todos com a pretensão que o conjunto se subordine a um só critério político e de condução e, pelo menos, uma boa forma de perder o tempo (e as oportunidades de avançar colectivamente).

Embora de outro angulo, vale a pena verificar que considerações irónicas como as que apresenta James Petras [6] , não dão qualquer ajuda; se chamam a atenção para alguma coisa, é para a irresponsabilidade com que o analista norte americano se apressa a desclassificar toda a esquerda partidária argentina e os movimentos sociais mais fortes e consequentes. Por essa via, Petras aplana o caminho para posturas liquidacionistas, as quais só podem tornar-se convenientes para os sectores do poder. Se tudo está podre e ninguém nem será capaz de conjugar as vontades, de as organizar e potenciá-las numa direcção colectivamente identificada, não há nem haverá alternativa — para quê preocupar-se em construir? —. Conclusões como essa tornam-se desmobilizadoras, embora a sua força soe a radicalismo.

Não acontece um facto de tal transcendência na história nacional para que um intelectual ou um grupo determinado alimente o seu ego, arvorando a sua suposta superioridade revolucionária junto do espontaneidade das massas autoconvocadas como estandartes exclusivos do presente e do futuro. Não é o momento — nunca é — de manter distância dos factos e seus protagonistas tal como são; insistir em fazê-lo leva — de facto — a não compartilhar nenhuma responsabilidade a respeito do acontecido e, assim, a não assumir nenhum compromisso com as tarefas presentes.

c) A unidade dos diversos actores sociais e políticos, das suas problemáticas, organizações e propostas, emerge entre os desafios prioritários do movimento social e político popular argentino.

As práticas divisionistas — mais recentes, sempre funcionais para o sistema — tornam-se hoje muito úteis aos sectores do poder (local e transnacional) que, colocados temporalmente em atitude defensiva no âmbito político nacional, precisam de tempo — e oxigénio político — para recompor-se e fortalecer-se. Parte desse tempo pensam consegui-lo fortalecendo a confusão no campo popular. Repetem-no por vários meios: são todos iguais, os sindicalistas, os políticos, os intelectuais...nada serve, não há saída.

Por outro lado, quando os tempos e a experiência exigem avançar em coordenação e organização, até à articulação da unidade implantada pelo povo nas ruas com piquetes e panelas — tal como o resumem as canções populares nas manifestações — sem rubor, alguns sectores da esquerda que se consideram a esquerda da esquerda, cedem à tentação narcisista de querer assumir-se como os únicos verdadeiramente revolucionários, em vez de demonstrar maturidade política e capacidade para não deixar passar a possibilidade histórica de se reencontrar com o povo. E — pese à sua retórica — não o farão nunca se não começarem pelo abc do marxismo: compreender que isso não se radica na letra dos livros colocadas nas estantes das suas bibliotecas, mas na própria vida.
Ao contrário da vida social real, essa esquerda erudita resiste a ver a realidade tal como ela é, interagindo com os actores sociais e políticos concretos e apresenta o seu «marxismo» hegeliano e kantiano, como se fosse a verdade revelada. Alheia á realidade dos conflitos e das intrigas ) do poder, crê que com desclassificar os actores sociais e políticos do campo popular que não se alienam atrás das suas propostas, apresentando um plano de luta e mobilização, estará com capacidade para representar e dirigir a todo o povo e chegar ao poder um dia destes ...como pelo descuido de alguém.

Não se trata de discutir aqui a (falsa) dicotomia: tomar o poder ou construí-lo. O importante é entender que o poder não se transforma como consequência de um acto grupal, mas sim como obra do próprio povo no processo de reaproximação protagónica da política e do seu direito a exercer o poder como cidadãos plenos. E nada disto acontece por magia; é a intervenção dos próprios sujeitos no processo de transformação que permite avançar conscientemente, com participação, com organização e propostas, revelando-se por sua vez como um processo de formação. E isso é assim porque a consciência política não é dada aos povos a partir de cima, é conquistada por um processo prático de transformação através da sua própria intervenção no mesmo. Esta é uma das chaves do processo histórico nacional (e de todo o processo de transformação social), que os expoentes dessas esquerdas não foram capazes de entender.

A lógica de «tudo ou nada» que emana dos seus argumentos traduz-se em falta de compromisso com o processo real (com as suas virtudes, contradições e limitações), e arrasta como resultado uma prática política incoerente, que produz um zig-zag pendular na sua relação com outros actores políticos e sociais do campo popular: Oportunismo e inconsequência no político, entrismo nas organizações sociais para captar seguidores e logo dividi-los, enfraquecimento das suas fileiras em consequência de um sistema de purgas internas necessárias para preservar a «pureza» da organização, configuram uma prática utilitária, tanto para as organizações sociais e políticas de que se aproximam e com que interagem em diversos momentos, como na sua própria militância.

Tendo em conta a realidade mundial, continental e nacional presente, acontece que é ainda menos incompreensível que existam ainda sectores da esquerda que, utilizando uma fraseologia que apela à unidade, pretendem que esta será alcançada auto erigindo-se como a única opção do povo, na base de desacreditar todos eles que — sendo também de esquerda — pensam e actuam de maneira diferente dos seus dogmas [7] . Consequentemente, insistem em mostrar e demonstrar uma e outra vez, que são todos um desastre menos eles: os do poder, por razões óbvias e os do campo do povo, porque — segundo as suas interpretações — são ou acabarão por ser cúmplices do sistema. Essas práticas evidenciam um forte grau de assimilação da ideologia do poder por parte dessas esquerdas: na sua prática e nos seus discursos sectários reproduzem toda a cultura individualista e competitiva do capitalismo onde — para sobreviver — um deve esmagar o outro, não podendo portanto coexistir. Numa atitude esquizofrénica que justapõe, opondo-os, o dizer e o fazer, assumem a transformação como algo externo a si, reclamando solidariedade e unidade aos outros, desenvolvendo práticas agressivas e exclusivas de seus pares. Em vez de procurar caminhos (solidários e unitários) para ser com os outros, em vez de construir a partir do interior em unidade e solidariedade verdadeiras, desenvolvem-se na base da competência.

Está na hora de abandonarem o capitalismo que levam no seu interior, a soberba, o sectarismo e a astúcia ideológica e política, para meter ombros — juntamente com os diversos actores e sectores sociais que integram o povo argentino — na colossal tarefa da demonstração da sociedade [8] .

E isso fala mais uma vez de amplitude, pluralismo e articulação dessa diversidade em todos os sentidos, fala da necessidade de manter pontes — organizadoras ou através de tarefas concretas — que contribuam para ligar os sectores sociais e políticos do campo popular na base de critérios de unidade em aras do avanço para a constituição do sujeito popular plural. Quando a unidade não é subordinação, é elementar o reconhecimento pleno dos demais. Todos devemos aprender, mudar e fortalecer a unidade. É necessário assumir os riscos da criação colectiva, estar dispostos a ceder um pouco da soberania dos pequenos reinados das organizações que construímos desde o defensivo, estar preparados para nos equivocarmos (ou para entender que alguém se engane), para cometer erros (ou para entender que alguém os cometa), e reconhece-los e rectificá-los na marcha; só não se engana quem não tomar a iniciativa, quem não convocar milhões para protagonizar a sua história.

No processo de construção da unidade das forças sociais e políticas do campo do povo-desafio iniludível da hora actual — torna-se importante distinguir sempre entre o estratégico e o conjuntural; entre um e outro factor não pode haver antagonismo, mas não se pode pretender que o estratégico concretizar-se literalmente a todo o momento. Nesse sentido, tem especial importância diferenciar a unidade de alcance estratégico, e as frentes ou alianças eleitorais. A estratégia vai-se conformando através e por meio das conjunturas é certo, mas há que ter especial cuidado para que se não percam os contornos nelas, diluindo-se organizativamente, por exemplo, em frentes marcadas por alianças com alcances meramente eleitorais, ou apostando toda a força estratégica numa frente eleitoral — lógica do tudo ou nada — confundindo os papéis políticos de uma e outra ferramenta, deixando o estratégico apenas para as coligações eleitorais, e impedindo o crescimento estratégico a partir da participação eleitoral por falta de uma ferramenta política que transcenda esses marcos e projecte o processo impulsionando a participação popular alcançada até esse momento para objectivos mais altos de transformação da sociedade.

d) a libertação nacional é uma questão pendente para o povo argentino.

Irrompendo na cena política, o povo volta a experimentar o seu poder e a sentir-se protagonista e livre, capaz — se resolve tarefas pendentes — de definir o rumo do país. Dando um salto qualitativo gigantesco, ressurge fragmentariamente — o projecto e o caminho de libertação nacional e social, atendendo a novas realidades; ressurge a política como parte do seu território cidadão e reclama um lugar para o seu protagonismo em bases novas: sem verticalismo nem vanguardas, sem lideres colocados acima dos objectivos e das propostas, necessariamente plurais, definidos a partir de baixo, mediante a participação directa nos sujeitos da transformação.

Uma nova forma de fazer política, participação, organização e condução política abre caminho e reclama a sua presença a todo o instante. E o novo radica, essencialmente no redimensionamento do social como eixo de toda a acção e organização políticas, e no reconhecimento dos diversos actores sociais populares como actores socio-políticos, como (protagonistas) integrantes-articuladores do sujeito das mudanças. Para avançar, as tarefas são agora, entre muitas dar conta do novo e ir construindo formas e instancias organizativas capazes hoje de chegar a conter e a projectar todos de uma maneira participativa, horizontal, unitária, articuladora e plural.

Essa é a base da condução social e política que reclama o processo aberto no país, síntese da unidade de todo o povo, capaz de avançar estrategicamente desenvolvendo em várias vias e variadas formas a participação protagónica de todos, a partir da base, um processo de transformação radical da sociedade, (re)construindo-a na base do desenvolvimento de uma nova democracia que surja da participação directa dos cidadãos e cidadãs do povo e que se apoie nela, para recuperar a capacidade de soberania nacional (assumindo que ela significa na hora presente de interdependência necessária do internacional em determinados aspectos) e erguer uma Nação para todo o povo, sem pobreza nem exclusão, com igualdade de oportunidades e justiça social para todos, onde o direito ao trabalho esteja garantido como substrato da dignidade humana inegável de cada um dos habitantes da Argentina.

Está na hora de tirarmos os olhais que aprisionam os nossos olhos; está na hora de um espírito aberto unitário e solidário, de criar e construir articulando o existente com o novo e o futuro — na organização, participação e propostas —; está na hora de fazer o que for necessário para que a nossa homenagem aos desaparecidos e mortos transcenda a letra dos nossos escritos e discursos, e seja uma força viva que revitalize o nosso coração e fortaleça o nosso espírito e a nossa vontade; está na hora de povo e libertação; está na hora de nos atrevermos a ir mais fundo na luta.

NOTAS

1) Não existe um todo predeterminado final, a que tenhamos de «chegar», nem um tempo e um caminho já fixados para isso; vai sendo delineado entre os diversos actores populares com a sua participação, os seus ritmos e os seus tempos. O todo é sempre as partes, está latente em cada uma delas e existe nos modos concretos da sua articulação em cada momento.

2) Samir Amin, Os desafios para o Terceiro Mundo , Revista Passado e Presente XXI, nº 3, 2001, Separata, p. 13.

3) O conceito «da base» refere-se — na definição que proponho — ao fundamento do existente que se quer transformar ou sobre o que se quer influenciar; refere-se ao que (chega e) parte a partir da raiz de todo o fenómeno. Indica também que simultaneamente «da base» no próprio processo de transformação — vai nascendo o novo, que se constrói dia a dia. Pouco tem assim que ver com a colocação geométrica do problema, os actores, as propostas ou as esferas em que se age, embora a verdade é que – na acepção corrente – se empregue frequentemente como sinónimo «a partir das bases», ou para indicar que algo está por baixo de outro algo que estaria «por cima». Para aprofundar este tema, pode consultar-se o meu livro: Chaves para uma nova estratégia, construção de poder a partir da base . Santo Domingo, Junho 2000.

4) Torna-se enriquecedor conhecer algumas experiências latino-americanas nesse terreno, principalmente a que foi vivida pelo Comité para a Defesa dos Direitos de Bairro (COPADEBA), organização de bairro da República Dominicana, que nasce questionando as formas tradicionais de representação e organização política da população e se desenvolve a partir do territorial com democracia directa, assembleias de bairro, etc. Pode consultar-se o livro « A construção do poder a partir de baixo », onde sistematizo essa experiência a partir das suas origens. Igualmente enriquecedor será também conhecer a experiência de organização territorial cidadã desenvolvida pela Revolução Cubana como base para a participação de todo o povo no exercício do Poder Popular.

5) Abocanhá-lo, está entre as tarefas mais importantes do momento pois não há nem haverá saída nos marcos do sistema imperante, nem se pode esperar nada dele que se identifique com os interesses e aspirações do povo.

6) Ver artigo «A grande cama», edição digital.

7) Ser de esquerda define-se, antes de mais, pelas práticas não pelo discurso. Todos os que lutam contra este modelo e por uma transformação radical da sociedade conformam hoje a esquerda ou, mais exactamente as esquerdas na Argentina: estão as organizações de direitos humanos, de mulheres, a ceteá , os piqueteiros, a corrente...as donas de casa que saem às ruas a lutar pelos seus direitos e pelos das famílias, os partidos...

8) Para avançar neste sentido, parece-me importante gerar âmbitos de reflexões colectivas sobre as experiências do socialismo real do século XX, das lutas dos povos latino-americanos e as do povo argentino, incluindo — neste caso — a análise dos diversos factores da derrota popular sofrida nos anos 70, e as experiências das tentativas de construção de alternativas políticas populares dos anos 90. As virtudes e os fracassos, as fraquezas ou erros de tais gestas necessitam de ser explicadas, analisadas e sintetizadas, tanto para o enriquecimento e amadurecimento colectivos para a elaboração de novas estratégias, como para o fortalecimento espiritual do conjunto dos actores sociopolíticos. A verdade — que é sempre revolucionária — é hoje duplamente necessária: para a razão teórica e prática, e para a espiritualidade. Na Argentina há feridas e estigmas muito fortes que ali encontram a sua origem; só colocando-as em cima da mesa e analisando-as com maturidade (consciência dos tempos actuais) será possível crescer humana e estrategicamente.


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[*] Socióloga. Directora de «Passado e Presente XXI». Especialista dos movimentos sociais latino-americanos. Professora adjunta da Universidade da Havana. Investigadora da UNESCO. Integrante do Fórum do Terceiro Mundo.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

19/Set/02