O dia 5 de março de 2021 marca o 150º aniversário do
nascimento de Rosa Luxemburgo. Luxemburgo, conhecida pelos seus camaradas como
a Rosa Vermelha, foi uma brilhante teórica marxista, internacionalista,
revolucionária e ativista nas lutas práticas da classe
operária. Uma mulher de vontade indómita, a força e a
coragem de Rosa lançou o medo nos corações cruéis
dos exploradores. Era uma mulher que invadiu muitos redutos num mundo dominado
pelos homens e cujo trabalho e exemplo se mantêm cem anos depois da sua
morte brutal pelos traidores do movimento da classe operária, agentes
das classes dirigentes.
Rosa Luxemburgo nasceu de pais polacos judeus, numa família da classe
média na cidade polaca de
Zamoæ. Em jovem adoeceu gravemente e as marcas dessa doença,
uma grave deformação da anca e da perna, condenaram-na a viver
com dores físicas durante toda a vida. Mas a sua fragilidade
física e as enfermidades físicas não perturbaram a sua
enorme energia alimentada pela sua dedicação pelo socialismo.
A vida política de Luxemburgo começou aos dezasseis anos, quando
ela aderiu ao Partido do Proletariado na Polónia numa altura em que o
Partido sofria uma grande repressão. Entre as suas primeiras
ações conta-se a sua participação na greve geral
que mobilizou milhares de operários. O governo executou quatro dos
líderes do partido. Rosa e outros reuniam-se em segredo, já que
muitos deles constavam na lista da polícia. Um camarada dela
aconselhou-a a partir para a Suíça, o que ela fez em 1889.
A Suíça nessa época era o centro de muitos emigrados da
Rússia e da Polónia incluindo o grupo
Emancipação do Trabalho dos marxistas russos, fundado em 1883 por
Georgi Plekhanov, Vera Zasulich e Leo Deutsch. Rosa entrou para a Universidade
de Zurique (juntamente com Leo Jogiches, o marxista lituano que seria seu
companheiro até ao fim da vida). Uma aluna brilhante, Rosa escreveu a
sua dissertação de doutoramento sobre "O Desenvolvimento
Industrial da Polónia". Com Jogiches, fundou o Partido Social
Democrático do Reino da Polónia e da Lituânia o
principal partido dos marxistas polacos e lituanos.
A Alemanha, nessa época, era o centro do movimento operário. Era
também o centro do pensamento e da ação marxistas. O
principal partido marxista era o Partido Social Democrático da Alemanha
(PSD). Rosa partiu da Suíça para Berlim em 1898 e assumiu a
nacionalidade alemã. Rosa envolveu-se inicialmente em questões
polacas, visto que o PSD tinha interesse em se implantar na Polónia sob
controlo alemão. Mas cedo se tornou claro que Rosa não estava
interessada em ser apenas uma especialista polaca. Sentia-se atraída por
outros debates.
O socialismo alemão estava dividido em dois campos principais e rivais:
a tendência revolucionária e a tendência revisionista. Os
revisionistas defendiam trabalhar dentro do sistema e reforçar o papel
parlamentar. O seu principal porta-voz era Eduard Bernstein. Bernstein defendia
que o PSD tinha de se movimentar numa agenda liberal, para obrigar o estado
alemão a respeitar as suas leis, e pressionar o estado a ser generoso
para a classe operária. A direção do estado alemão
já estava inclinada para o socialismo; a função do PSD era
pressioná-lo nessa via evolutiva. Era este o revisionismo que Rosa
condenava no folheto
Reforma ou Revolução.
Rosa achava que a contradição entre o capital e a classe
operária só podia ser eliminada se o proletariado conquistasse o
poder e transformasse o processo de produção. Isso nunca poderia
ser possível através do "socialismo evolutivo".
A ala esquerda do PSD, formada por August Bebel, Karl Kautsky, Wilhelm
Liebknecht e Rosa Luxemburgo, opunha-se a Bernstein. Coube a Rosa, que
só estava na Alemanha há dois anos, enfrentar Bernstein. O seu
brilhante ensaio,
Reforma ou Revolução,
publicado em 1900, abalou o Partido. O ensaio levanta algumas questões
fundamentais que se mantêm relevantes mais de cem anos depois.
Traça de forma simples, lúcida e sem ambiguidades, a
relação entre tática e estratégia. Mostra que
não há contradição entre lutas pela reforma social
dentro do sistema. Rosa não subestima a importância da
participação em eleições. Sublinha o uso dos
mecanismos fornecidos pelo capitalismo, que podem ajudar a mobilizar as pessoas.
É preciso recordar que uma evolução de certo modo paralela
estava a ocorrer na Rússia, e que levaria à divisão entre
os bolcheviques e os mencheviques. Também aí algumas das
principais diferenças estavam na questão do parlamentarismo e no
veneno do economicismo. Já nessa época, o panfleto de Rosa sobre
as teorias de Bernstein tinha lançado novas bases na análise dos
diferentes aspetos do revisionismo e das suas raízes de classe. Assim,
podemos dizer que a contribuição de Rosa para a luta
internacional contra a colaboração de classes não teve
menos importância que qualquer outra.
Contudo, a teoria apenas não era suficiente para esta
revolucionária brilhante. Estava sempre no centro da ação.
Em 1905, quando ocorreu o primeiro levantamento revolucionário na
Rússia, Rosa infiltrou-se no partido da Polónia dominado pelos
russos. Todas as reuniões estavam proibidas, mas os operários
continuavam a fazer reuniões nos seus redutos, as fábricas. Rosa
levou um documento, ilegalmente, e distribuiu-o entre os operários. Foi
detida e presa em março de 1906. Ao fim de quatro meses, as autoridades
libertaram-na, devido à sua má saúde e ao seu passaporte
alemão. Foi expulsa do país.
As diferenças de Rosa com os revisionistas, assim como com o grupo
liderado por Karl Kautsky foram-se tornando mais agudas e mais intensas. Ela
previa o perigo da guerra e do militarismo motivado pelas
ambições imperialistas das classes dirigentes alemãs, e
estava convencida de que a guerra era inevitável. Rosa receava
fortemente que as tendências revisionistas no seu partido e em muitos
outros partidos socialistas europeus transformassem uma guerra imperialista
para conquistas imperialistas num banho de sangue de operários contra
operários num frenesim nacionalista, que destruíssem o potencial
revolucionário nessa situação. Escreveu uma série
de ensaios contra o militarismo e contra o Kaiser. Vivendo na Alemanha, na
barriga da besta, por assim dizer, não admira que a luta dela contra o
chauvinismo nacional precedesse a luta liderada posteriormente por Lenine, na
Segunda Internacional. Foi presa diversas vezes, mas usou o tempo na
prisão para escrever mais artigos.
Em 1907, Rosa conheceu Lenine por ocasião da comemoração
do Dia do Partido Operário Social-Democrata Russo. Não há
registo do que ocorreu nesse encontro. Ambos partilhavam uma compreensão
comum quanto à necessidade de combater a tendência revisionista
que estava a imperar em muitos partidos da Europa. Pouco depois deste encontro,
ela assistiu à segunda conferência internacional dos Socialistas
em Estugarda, onde apresentou uma moção, que foi aceite, para que
todos os partidos operários se unissem em oposição
à guerra. Na conferência de Estugarda, Rosa apoiou as brilhantes
iniciativas da sua camarada Clara Zetkin, para pôr na ordem de trabalhos
da conferência os problemas das mulheres operárias.
Rosa escreveu muitas das suas importantes obras entre 1907 e o seu
assassínio em 1919. Em 1913, participou no debate sobre a
acumulação de capital com a
Acumulação de Capital: Uma Contribuição para a
Explicação do Imperialismo.
Rosa observava a extensão do capitalismo nas áreas
economicamente atrasadas e as contradições internas que isso
criava no seio do sistema capitalista. Defendia que o imperialismo é uma
consequência direta das leis internas da acumulação
capitalista. O capitalismo, por outras palavras, tem tendência para o
imperialismo. Não pode haver luta contra o capitalismo que não
seja simultaneamente uma luta contra o imperialismo. "O supremo objetivo
do socialismo", escreveu na prisão, "só será
realizado pelo proletariado internacional quando este se levantar contra o
imperialismo em todos os seus aspetos e, com toda a sua força e a
coragem de fazer sacrifícios extremos, fizer do slogan "Guerra
à guerra" o guia de orientação da sua prática
política".
Todas as suas energias eram dedicadas a organizar e mobilizar através do
trabalho direto, através dos seus escritos, através da sua
participação em numerosas reuniões contra a guerra
iminente. Os seus esforços eram organizar uma greve geral se a guerra
rebentasse. Escreveu, "O militarismo, nas suas duas formas enquanto
guerra e enquanto paz armada é um filho legítimo, um
resultado lógico do capitalismo, que só pode ser vencido com a
destruição do capitalismo, e daí quem quer que deseje
honestamente a paz mundial e a libertação da terrível
ameaça dos armamentos também tem de desejar o socialismo".
Em 1910, Rosa e os seus camaradas do PSD, incluindo
Karl Liebknecht, Clara Zetkin e Franz Mehring, chegaram à
conclusão de que o PSD não alteraria a sua posição
revisionista. Cortaram com o PSD, formando um grupo separado e intitularam-se
Internacionalistas. Este grupo evoluiu depois para o Spartakusbund (Liga
Espártaco) e depois para o Partido Comunista da Alemanha. As suas
atividades contra a guerra levaram a uma série de processos contra ela
que a acusavam de "incitar à desobediência contra a lei e a
ordem".
Em agosto de 1914, o império alemão declarou guerra contra a
Rússia. No dia seguinte, os representantes do PSD no parlamento
aprovaram o financiamento da guerra e a mobilização
obrigatória. Ao mesmo tempo, o PSD concordou numas tréguas com o
governo, prometendo abster-se de quaisquer greves durante a guerra. A Liga
Espártaco liderada por Liebknecht e Rosa condenou esta
traição. Lutaram veementemente contra ela. Rosa escreveu um
brilhante panfleto anti-guerra, intitulado
A Crise da Social Democracia,
sob o pseudónimo de Junius. Dentro de um ano, Rosa e Liebknecht foram
detidos.
O descontentamento na Alemanha aumentava na proporção das perdas
sofridas durante a guerra. Na Rússia, os bolcheviques sob a
liderança de Lenine conseguiram transformar a devastação
da guerra no grito uníssono para o derrube do czar. Rosa Luxemburgo
estava na cadeia quando, sob a liderança de Lenine e do partido
bolchevique, foi instituído na Rússia o primeiro estado de
operários. O império alemão recusava-se a aceitar que a
guerra estava perdida. Mas o impacto da revolução russa ganhou um
ímpeto avassalador na Alemanha. Em novembro houve uma revolta de
40 000 marinheiros da Marinha Imperial Alemã. Em Kiel, conselhos de
operários e de soldados, segundo o modelo dos sovietes, assumiram o
controlo de algumas partes da Alemanha. O Kaiser abdicou pouco depois. Rosa e
Liebknecht foram libertados da prisão no mesmo mês. Mas o Conselho
de Kiel não durou muito. Mais uma vez o PSD traiu a causa socialista. O
seu líder na época, Friedrich Ebert, assumiu o governo. Como os
acontecimentos vieram a demonstrar, Ebert e o PSD agiram como agentes das
classes dirigentes.
Em janeiro de 1919, houve mais uma revolta e cresceu em Berlim uma segunda vaga
revolucionária. Rosa mostrou-se menos entusiasmada, sabendo que
não havia hipótese de êxito, mas apoiou os
operários. Por instruções do governo liderado pelo PSD,
começou a repressão contra os revolucionários. A 15 de
janeiro, as forças paramilitares alvejaram centenas de operários.
Foram detidos milhares. Rosa e Liebknecht foram detidos. Foram ambos
brutalmente executados. A ordem voltou a reinar em Berlim. O corpo de Rosa foi
atirado ao rio. Foi encontrado cinco meses depois.
É uma injustiça histórica que Rosa Luxemburgo não
tenha encontrado o local que merece nos anais do movimento comunista
internacional. É verdade que, nalgumas questões importantes, as
posições de Rosa provaram ser incorretas. Criticou o conceito
leninista de um partido centralizado numa época em que, sem isso, a
revolução teria ficado extremamente vulnerável.
Posteriormente, depois do seu assassínio brutal e subsequentes
desenvolvimentos na União Soviética, os que se opunham ao Partido
usaram a obra dela para atacar seletivamente o partido. Isso pode ter
contribuído para a relutância de incluir Rosa como uma das
personalidades comunistas. Mas isso era contrário à abordagem de
Lenine na avaliação do trabalho desta grande
revolucionária. Escrevendo sobre a utilização incorreta ou
seletiva dos artigos dela sobre determinadas questões, pelos
revisionistas da Segunda Internacional, em especial sobre a questão de
um partido centralizado, Lenine escreveu sobre Rosa, nas suas Notas de um
Publicista:
"Devemos responder a isto citando duas linhas de uma boa antiga
fábula russa: As águias podem por vezes voar mais baixo do que as
galinhas, mas as galinhas nunca podem atingir as alturas da águia
apesar dos seus erros, ela era e continuará a ser uma
águia e não só os comunistas do mundo inteiro
acarinharão a memória dela, como a biografia dela e as suas obras
completas (cuja publicação os comunistas alemães
estão a adiar indevidamente, o que em parte só pode ser
desculpado pelas terríveis perdas que têm sofrido nas suas pesadas
lutas) servirão de úteis manuais para treinar muitas
gerações de comunistas por todo o mundo".
É precisamente porque a obra de Rosa foi muito além dos
"erros" referidos por Lenine, que ele queria a
publicação de todas as obras dela. Ela foi preponderante na luta
contra o revisionismo no Partido Social Democrata alemão, contra
veteranos como Bernstein e Kautsky. Era uma verdadeira internacionalista,
recusando-se a aceitar as posições ultranacionalistas dos
sociais-democratas em relação à guerra. Acreditava na luta
de classes. Se as suas formulações quanto aos perigos da
super-centralização estavam erradas em relação ao
partido com Lenine, não se pode negar que, nos anos subsequentes, muitos
dos perigos para os quais ela alertava, ocorreram em muitos dos primeiros
países socialistas. Sofreu o martírio apenas um mês depois
de a Liga Espártaco se transformar num partido comunista. Não
teve a oportunidade de consolidar o partido recém-formado, que foi
desmantelado depois do martírio dos seus líderes. Portanto,
não teve a oportunidade de rever as suas ideias anteriores de que um
partido de massas podia ser espontaneamente formado por um movimento de
operários. A experiência histórica mostrou a validade e a
necessidade do conceito de Lenine de um partido baseado no centralismo
democrático. Apesar disso, as grosseiras distorções na
prática do centralismo democrático nos primeiros países
socialistas justificam uma profunda atenção às
críticas feitas por Rosa Luxemburgo, não para rejeitar o
centralismo democrático mas para instituir controlos contra a
super-centralização.
Contudo, outro fator na marginalização do trabalho de Rosa, para
além do óbvio desagrado dos líderes dos partidos
instituídos na Alemanha e na Polónia, e a distorção
do legado dela é sem dúvida o fator oculto de que a ameaça
na batalha ideológica fosse proveniente de uma mulher. O que devemos
realçar aqui é que Rosa Luxemburgo lutou pelas suas
convicções políticas sem peias. As mulheres desempenharam
um forte papel no PSD, mas poucas mulheres eram levadas a sério enquanto
teóricas. Rosa, através da sua obra, questionava indiretamente os
estereótipos de género, não só para si mesma, mas,
ao afirmar a sua posição também punha em causa
noções patriarcais e a dinâmica de género no seio do
partido, assentando assim os tijolos para aparecerem outras mulheres
revolucionárias.
Clara Zetkin, grande amiga e camarada de Rosa, num tributo comovente, disse,
"Ela era a espada, ela era a chama da revolução. Rosa
Luxemburgo permanecerá sempre uma das maiores figuras da história
do socialismo internacional". Ela merece.
[*]
Da Comissão Política do Comité Central do PCI, tendo sido a primeira mulher a
nele ingressar.
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/...
. Tradução de Margarida Ferreira.
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