A encruzilhada da Venezuela
Ou se aprofunda a revolução ou a direita e o imperialismo
podem retomar o poder
A luta de classes na Venezuela mudou de patamar com a recente
eleição da Assembleia Nacional Constituinte, pleito ao qual
compareceram mais de oito milhões de venezuelanos. Trata-se da maior
votação popular desde a eleição de Chávez em
1998. Com a Constituinte, o chavismo retoma a iniciativa política, sai
da defensiva, e o movimento popular ganha moral para retomar suas
ações e exigir o aprofundamento do processo
revolucionário. Por sua vez, o imperialismo e a CIA tendem a ampliar por
novos meios a ofensiva para desestabilizar o governo, isolá-lo
diplomaticamente, enquanto organiza corpos paramilitares visando uma
intervenção no país diante da possibilidade de uma guerra
civil. Já a oligarquia local, organizada e financiada pelos Estados
Unidos, pela CIA e pelo empresariado conservador, está curando as
feridas da derrota, mas não desistirá das ações
desestabilizadoras, da sabotagem econômica e da violência nas ruas
para atingir seus objetivos.
Poderemos dizer que há atualmente uma dualidade de poder de novo tipo no
país, impasse que não deve durar indefinidamente, em
função dos seguintes fatores: a) as ambições dos
Estados Unidos em relação ao petróleo e minerais
estratégicos venezuelanos e a necessidade de modificações
geopolíticas para restaurar seus interesses na América Latina; b)
a fúria da oligarquia local, que perdeu parte de seus privilégios
e se tornou cada vez mais ensandecida; c) a crise econômica mundial e
seus impactos nos países periféricos. Na outra ponta, temos o
contraponto da dualidade: 1) as forças populares na Venezuela possuem
razoável nível de organização e agora, com a
Constituinte, obtiveram respaldo institucional para aprofundar o processo de
transformações; 2) contam com a maior parte do poder
institucional; 3) possuem o respaldo da grande maioria dos militares, inclusive
das Milícias Bolivarianas. Nesse processo, em algum momento não
muito distante, a conjuntura cobrará um desfecho da crise.
O período das concessões e tentativas de diálogo com as
forças conservadoras ficou para trás. Ou o governo bolivariano
avança no sentido das transformações sociais, colocando
efetivamente o movimento popular no sistema de poder, incorpora ao poder
público os setores estratégicos da economia nacional e desenvolve
um processo de industrialização e autossuficiência
alimentar no campo, ou a direta e o imperialismo poderão derrubar o
governo e implantar uma ditadura ao estilo Pinochet. Deve-se lembrar que a CIA
e o imperialismo, bem como a oligarquia local, não têm nenhum
escrúpulo em relação a esse tipo de saída
institucional, desde que atenda aos seus interesses estratégicos.
Portanto, esse é um momento de definição
estratégica e do resultado desse impasse dependerá em grande
parte o futuro da Venezuela e de várias nações da
América Latina.
Uma dualidade original
A dualidade de poder na Venezuela tem elevado grau de originalidade, tendo em
vista que não é resultado de uma insurreição
clássica ao estilo soviético, nem de uma guerrilha próxima
à tomada do poder, nem do proletariado organizado e disposto a tomar de
assalto os céus. A dualidade de poder venezuelana foi construída
a partir de um processo eleitoral e do impulsionamento do movimento popular,
com a eleição de Chávez em 1998. Ao chegar ao poder,
Chávez tomou um conjunto de medidas que se chocou com o imperialismo e
atingiu profundamente a oligarquia local, reduzindo de maneira expressiva os
seus privilégios e ainda criou estruturas de apoio à
participação e organização popular. O governo
bolivariano desenvolveu também um processo de integração
regional sem pedir licença aos Estados Unidos, construiu
relações Sul-Sul e uma diplomacia que contrariou ostensivamente
os interesses norte-americanos. Essas medidas, evidentemente, despertaram a
fúria do imperialismo, que viu surgir naquilo que era considerado o seu
quintal um conjunto de iniciativas que fortaleciam a
autodeterminação dos povos e as soberanias nacionais.
Em outras palavras, a eleição de Chávez proporcionou
à população nos bairros e entre os trabalhadores a
construção de várias instâncias do poder popular,
uma estrutura autônoma de comunicação, que vai desde
cadeias noticiosas internacionais, como a Telesur, passando por canais
nacionais até as rádios e TVs comunitárias para se
contrapor ao antigo poder de comunicação da oligarquia;
desenvolveu programas sociais para melhorar as condições de vida
da população pobre, como milhares de clinicas de saúde nos
bairros, a eliminação do analfabetismo, o aumento das
matrículas escolas no ensino secundário e universitário,
os mercados populares onde os alimentos são vendidos a preços
subsidiados e um vasto programa habitacional, considerado proporcionalmente um
dos maiores do mundo; além da aliança cívico-militar, que
envolve não só o apoio das Forças Armadas ao processo de
transformações, mas também à
construção das Milícias Bolivarianas, armadas e treinadas
para a necessidade de defesa da soberania nacional.
Além disso, após a eleição de Chávez,
vários países da região passaram a ser governados por
lideranças eleitas a partir da contestação às
políticas neoliberais, o que permitiu a criação da Unasul
(União das Nações Sulamericanas) e da Celac (Comunidade
dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos), da ALBA (Aliança Bolivariana
para os Povos da América), organismos construídos sem a
participação de representantes norte-americanos. Diante dessa
conjuntura, o imperialismo sentiu que sua hegemonia estava sendo contestada e
afiou as garras para reverter o embrionário processo integracionista que
vinha se desenvolvendo na América Latina. Era necessário deter o
principal líder desse processo: primeiro, tentaram a velha
fórmula do golpe militar em 2002, em grande parte derrotado pelo
movimento popular que desceu dos morros e cercou o Palácio onde estavam
os golpistas, o que facilitou que unidades militares contrárias ao golpe
se levantasse e devolvessem o poder a Chávez. Mas os Estados Unidos e a
oligarquia local nunca absorveram a derrota e a queda da
revolução bolivariana se transformou numa obsessão tanto
para as autoridades norte-americanas quanto para a elite parasitária
local.
Nessa estratégia, os meios de comunicação nacionais e
internacionais cumpriram um papel fundamental para satanizar o governo
bolivariano. A primeira das táticas é classificar o governo como
uma ditadura, que não respeita os diretos humanos, nem a liberdade de
expressão. Parece ridículo, se observarmos as coisas como elas
são, mas num mundo em que a técnica nazista de Goebels foi
apropriada pela CIA e pelos meios de comunicação corporativos,
onde uma mentira repetida mil vezes termina se tornando verdade, esse tipo de
informação se impõe como corriqueira e natural. Como
previu o dirigente nazista, a mentira se torna verdade com sua
repetição organizada e coordenada. Não basta dizer que
nestes 18 anos de governo ocorreram 21 eleições, duas perdidas
pelo chavismo. Que os meios de comunicação funcionam normalmente
na Venezuela e agem abertamente como partidos políticos da
reação, incitando a violência, desqualificando
lideranças nacionais e populares, inventando mentiras sobre os problemas
do país e criando um clima de caos e anarquia. O que vale é a
versão da mídia controlada por Washington.
Conhecendo a Venezuela
A Venezuela é uma nação com cerca de 31 milhões de
habitantes, praticamente montada sobre um oceano de petróleo. Possui as
maiores reservas petrolíferas do planeta, além de vários
minerais estratégicos, especialmente para a construção de
equipamentos de tecnologias da informação, o que evidentemente
gera a cobiça permanente do imperialismo. Exatamente por ser grande
produtora de petróleo e participar da OPEP, a Venezuela manteve no
passado relações privilegiadas com os Estados Unidos,
principalmente no período que vai de 1957, quando as elites firmaram o
Pacto
Punto Fijo,
até a eleição de Chávez. Por esse pacto, os dois
principais partidos, a AD (Ação Democrática, de
tendência social-democrata) e o COPEI (Comitê de
Organização Política Eleitoral Independente,
democrata-cristão) se revezavam no poder, resultando desse processo
longa estabilidade política, muito embora, como todo pacto
oligárquico, tratava-se de um sistema bastante autoritário, com
exclusão da maioria da população das decisões
políticas, além da perversa distribuição de renda.
Para se ter uma ideia, o país mais rico em petróleo do mundo
possuía cerca de 70% da população vivendo abaixo da linha
de pobreza, elevado nível de mortalidade infantil e
desnutrição, grande parte das pessoas vivendo em favelas e
habitações precárias nos morros que cercam Caracas e um
sistema de aposentadorias que privilegiava apenas a elite. Apenas 387 mil
venezuelanos possuíam aposentadoria, o resto vivia sem nenhuma cobertura
previdenciária.
[1]
É evidente que, em algum momento, essa contradição viria
à tona de maneira explosiva e foi exatamente o que aconteceu em 1989,
quando o governo de Carlos Andrés Perez decretou uma série de
medidas de austeridade por ordens do Fundo Monetário Internacional. A
população, revoltada com o aumento dos preços e as medidas
restritivas, realizou um levante popular, conhecido
Caracazo,
reprimido duramente, no qual cerca de três mil pessoas foram mortas
pelas forças policiais.
Com a eleição de Chávez ocorreu uma profunda
mudança na política social do país, a partir da
implantação das Missões Sociais, cujo objetivo é
buscar melhorar as condições de vida da população
mediante ações sociais no sentido de acabar com o analfabetismo,
o desemprego, a miséria, desenvolver programas saúde, saneamento
e educação, além da politização do movimento
popular. O trabalho das missões é bancado financeiramente pelo
governo, que redirecionou para a área social grande parte da renda do
petróleo, além de incentivar a formação de
cooperativas de produtores nos bairros pobres de Caracas. O governo diz ter
gastos U$300 mil milhões em políticas de saúde,
educação e políticas sociais durante o período
Chávez, o que beneficiou cerca de 60% da população.
Ultimamente, as missões têm evoluído no sentido de criar
novas estruturas de políticas públicas fora da burocracia
estatal, bem incentivar a mobilização e organização
das comunidades, buscando instituir novas formas do poder popular
[2]
.
Para que pudesse realizar essas políticas públicas, Chávez
promulgou a Lei dos Hidrocarbonetos, pela qual estabeleceu o domínio do
Estado sobre petróleo e gás. A partir do controle sobre a
principal riqueza do país, o governo pode desenvolver um conjunto de
políticas públicas que reverteram grande parte dos problemas
sociais da população. Construiu dois milhões de
habitações populares, o equivalente no Brasil a 13 milhões
de residências, e erradicou o analfabetismo. Segundo dados do Banco
Mundial, a percentagem de venezuelanos que vivem abaixo da linha da pobreza
caiu 62,1% em 2003 para 31,9% em 2011. No ano passado, o coeficiente de Gini
(indicador que varia de
zero
mais igualitário a
um
mais desigual) ficou em 0,39, o que representou uma melhoria de mais de
50%. A título de exemplo, no Brasil esse coeficiente é de 0,52. O
governo também investiu pesado em saúde, resultando na
duplicação do número de clínicas nos bairros do
País, a partir dos convênios com Cuba. O percentual de jovens
frequentando o ensino secundário aumentou de 57% em 1990 para 83% em
2010, bem como também cresceu de maneira expressiva o número de
jovens universitários e reduziu-se expressivamente a mortalidade
infantil. Além disso, hoje, as aposentadorias alcançam mais de
dois milhões de idosos e 96% da população tem água
potável.
Na política externa, Chávez buscou um processo de
integração econômica regional, com a criação
da ALBA, da Petrocaribe e do Banco do Sul. Teve papel importante na
criação da Unasul e na Celac, se aproximou de líderes que
não rezavam pela cartilha norte-americana e ampliou a solidariedade a
Cuba mediante a troca de petróleo por professores e médicos,
medidas que protagonizaram a importância da Venezuela no cenário
internacional. Para desespero dos imperialistas, criou um canal internacional
de televisão para se contrapor ao processo de
contra-informação dos meios de comunicação
tradicionais, além de uma rede nacional de rádio,
televisão, agencias de notícias, jornais e rádios
comunitárias.
A ofensiva imperialista
Essas medidas desagradaram profundamente os Estados Unidos e a oligarquia
local, acostumados com uma Venezuela disciplinada, obediente, desigual e ainda
fornecedora de petróleo. Desde o momento em que constataram que
não poderiam cooptar Chávez, realizaram uma política para
tirá-lo do poder e deter as transformações que estavam em
curso, processo que culminou com o golpe de Estado de 2002. Derrotados pelo
povo e por unidades militares fiéis ao governo bolivariano, organizaram
e implementaram a greve petroleira, onde o antigo governo tinha a grande
maioria dos gerentes e chefes, para paralisar o país e forçar a
deposição de Chávez. Novamente foram derrotados e
Chávez aproveitou a vitória para fazer uma
reestruturação na PDVSA, com uma nova
administração, mais alinhada com o novo governo.
A partir de então, o imperialismo e a oligarquia local incrementaram a
estratégia de derrubada do regime, fato que se intensificou com a morte
de Chávez. A propósito, até agora há muitas
suspeitas de que o câncer que vitimou o líder bolivariano foi obra
da CIA, fato que não pode ser descartado tendo em vista as centenas de
vezes em que esse organismo de inteligência tentou envenenar Fidel
Castro, além do fato de ter assassinado vários dirigentes
políticos, como Lumumba na África. A morte de Chávez
aguçou o apetite imperialista e da reação local.
Imaginavam que, sem o carismático líder bolivariano, o governo
seria rapidamente derrotado, principalmente em função da
sabotagem e violência desencadeada por grupos financiados, treinados e
equipados pela CIA para lutas nas ruas. No entanto, Maduro venceu as
eleições por pequena margem, o que deu motivos não
só para denúncias de fraudes, mas para o aumento da escalada
contra o governo.
A crise se tornou ainda mais dramática com a vitória da direita
nas últimas eleições legislativas, quando fizeram maioria
na Assembleia Nacional. Com uma parte do poder institucional nas mãos, a
direita se estruturou para tomar o poder. Para isso, utilizou-se tanto das
medidas aprovadas na Assembleia, quanto da violência nas ruas, sabotagem
econômica, conspirações militares e ataques terroristas.
Também começou a constituir um governo paralelo, desconhecer as
instituições nacionais e aprofundou a guerra aberta e
generalizada contra o governo, na esperança de, em algum momento, a
inflação e a escassez de produtos essenciais levariam a uma
revolta popular contra o governo ou então numa situação de
grave crise institucional onde a oposição poderia pedir uma
intervenção estrangeira no país, liderada pelos Estados
Unidos.
Entre as principais armas contra o regime bolivariano destacou-se o
desabastecimento, especialmente de produtos básicos e medicamentos, o
contrabando, incentivo ao mercado paralelo de bens, a especulação
com o câmbio. Essa sabotagem provocou escassez de gêneros
alimentícios e medicamentos, filas diante dos supermercados, num
processo semelhante ao que aconteceu com Allende no Chile. Deve-se lembrar que
a Venezuela importa a maior parte dos produtos que consome, tanto manufaturados
quanto agrícolas, e os empresários de direita controlam o
comércio exterior e a maior parte da produção local. A
essa ofensiva se juntaram os monopólios internacionais, mediante o
boicote à venda de insumos básicos e o bloqueio financeiro e de
crédito internacional, tudo isso para asfixiar o governo.
Além dos mecanismos econômicos da guerra aberta, a
oposição se utilizou de grupos de choque, além do
pagamento à grande legião do lumpesinato e setores das camadas
médias urbanas inconformados com a perda dos privilégios que
tinham no velho governo oligárquico. Esses grupos atuaram quase que
diariamente, muito bem equipados e utilizando-se de técnicas de
guerrilha urbana, não só contra as forças governamentais,
mas também contra agências do governo, depósitos da rede
estatal de abastecimento, hospitais e escolas. Todo esse aparato foi organizado
com o objetivo de provocar as forças do governo e, quando não
conseguiam seus intentos, cometiam as ações mais brutais, como
queimar vivo militantes chavistas, através do lançamento de bolas
de fogo contra manifestantes, como aconteceu em vários Estados.
O propósito dessa ofensiva era criar o caos, passar a ideia de
ingovernabilidade, tudo isso amplificado diariamente pelos meios de
comunicação, de forma a desqualificar e satanizar os dirigentes
venezuelanos. Nessa onda de violência criada pela direita, mais de 100
pessoas foram mortas, a grande maioria militantes bolivarianos, mas são
apresentados pela imprensa internacional como vítimas das forças
governamentais. A missão do imperialismo e da CIA, a partir da embaixada
dos Estados Unidos, que é quem coordena efetivamente todo o processo,
é não só desestabilizar o governo, mas consolidar
internacionalmente a política de satanização dos
dirigentes bolivarianos. Primeiro, mostra-se a violência, depois
alardeia-se o número de mortos, mas não se diz de que lado
são as vítimas, e assim vão se desgastando os dirigentes e
apresentando o governo como uma ditadura, preparando terreno para uma
invasão do País, sob a justificativa de deter a violência e
acabar com a crise humanitária o mesmo esquema que já foi
realizado em vários países.
Para aqueles desinformados sobre a situação na Venezuela, os
ingênuos, ou os que imaginam que as denúncias contra os Estados
Unidos e a CIA fazem parte de teorias conspiratórias, é bom tomar
conhecimento de um documento do Comando Sul dos Estados Unidos, denominado
"Venezuela Freedom 2 Operation"
, assinado pelo almirante Kurt Tidd, recentemente vazado por ONGs
norte-americanas e da Venezuela, onde este comando propunha 12 medidas para
desestabilizar e derrubar o governo Maduro. Esse documento é a
atualização de um outro escrito pelo anterior chefe do comando
Sul, John Kelly. Vejamos um resumo dos 12 passos para a derrubada do governo
Maduro:
1) Gerar um cenário que pode combinar ações de rua e o
emprego dosado de violência armada; 2) Sob o enfoque de cerco e
asfixia,
utilizar a Assembleia Nacional como instrumento para obstruir o governo,
convocar mobilizações, interpelar os governantes, negar
créditos, revogar leis; 3) No plano político,
insistir na
reivindicação de um governo de transição, onde
estariam presentes ONGs, setores empresariais, hierarquia católica,
sindicatos e universidades; 4) No processo de cerco e asfixia,
impedir que as
forças chavistas possam se recompor e se reagrupar; 5) Manter a
campanha
ofensiva no terreno da propaganda, incitando um clima de desconfiança,
de forma a tornar ingovernável a situação; 6) Dar
particular importâncias a temas como escassez de água, de
alimentos e de eletricidade; 7) Insistir na aplicação da
Carta
Democrática da OEA, como já foi acordado com Luis Almagro,
secretário geral, e coordenar as ações dos serviços
de inteligência, com as corporações de
comunicações; 8) Vincular o governo Maduro à
corrupção e lavagem de dinheiro; 9) Realizar
esforços para
debilitar a liderança militar e anular sua capacidade de comando;
11)
Provocar a neutralização operacional das milícias e
coletivos armados bolivarianos, que são um obstáculo para as
manifestações de rua; 12) Manter a vigilância
eletrônica que permite coletar informações e bloquear
comunicações do governo; intensificar o treinamento de
forças operacionais em Comayagua, Honduras, que consiste em colocar
contingente que possibilitam agir rapidamente em um arco geoestratégico,
apoiados em bases militares em vários países da América
Latina e Caribe."
[3]
Como se pode verificar, a estratégia do Comando Sul não só
foi colocada em funcionamento como também demonstrou na prática
como atua o imperialismo. Do ponto de vista da legalidade internacional, a
descoberta de um documento desse porte seria motivo para uma
condenação dos Estados Unidos na ONU ou OEA, mas o que se viu foi
exatamente o contrário: a OEA (Organização dos Estados
Americanos) aplicou a chamada
Carta Democrática
contra a Venezuela
[4]
. Apesar da campanha dos meios de comunicação internacionais de
que o governo Maduro é uma ditadura, das manifestações
violentas e conflitos de toda ordem, do boicote e da tentativa de isolamento
internacional, o imperialismo e a direita esqueceram-se de combinar suas
ações com o povo venezuelano e agora passam por um período
de grande dificuldade porque entrou em cena o movimento popular e frustrou
parte dos planos imperialistas.
O processo constituinte
Foi nesse contexto de guerra econômica, política e social que o
presidente Maduro convocou a Assembleia Constituinte, apostando numa retomada
do movimento popular diante da ousadia cada vez maior da direita e do
imperialismo, uma opção que sempre esteve presente, mas que o
governo vacilava em utilizar, preferindo a conciliação e
concessões, em vez do aprofundamento do processo revolucionário,
com o desmantelamento da infraestrutura da direita, a partir dos movimentos
populares organizados. Por sua vez, a oposição cometeu um erro de
cálculo grave. Imaginava, talvez baseada em certo baluartismo das redes
sociais que dominam a partir de Miami e do estardalhaço das
denúncias na mídia contra Maduro, que a população
estava profundamente descontente e cansada da escassez e da violência e
que a eleição para a Constituinte seria um rotundo fracasso.
Erraram fragorosamente e agora estão remoendo a derrota.
Ao contrário do que propagaram os meios de comunicações
corporativos, o processo constituinte da Venezuela é previsto na
Constituição, no artigo 347, que diz o seguinte:
"O povo da Venezuela é o depositário do poder constituinte
originário. No exercício desse poder pode convocar uma Assembleia
Nacional Constituinte com o objetivo de transformar o Estado, criar um novo
ordenamento jurídico e redigir uma nova Constituição
"
[5]
. Portanto, a Constituinte é legítima e se legitima ainda mais
por seu formato diferente das Cartas liberais (se aproxima mais de uma
assembleia popular), com a representação de todos os setores da
sociedade. Seu objetivo é elaborar uma nova Constituição,
incorporar o movimento popular nas instâncias do poder, institucionalizar
as missões e os direitos da juventude e adotar um conjunto de medidas
que irão aprofundar a revolução bolivariana.
A Constituinte também rompe com as velhas estruturas partidárias
tradicionais. Apresentaram-se para as eleições 53 mil candidatos
e foram eleitos 545 deputados. Destes, 364 elegeram-se nos municípios.
Outros 181 constituintes foram escolhidos por categoria profissional, como
trabalhadores e trabalhadoras, comunas e conselhos comunais, pescadores,
estudantes, aposentados, pessoas com deficiência e povos
indígenas. Os representantes de categorias, para se candidatarem,
tiveram que apresentar 500 assinaturas de apoio, enquanto os que desejavam
representar estudantes e trabalhadores tinham que apresentar mil assinaturas.
Todos foram eleitos por voto secreto, à exceção dos
representantes dos Conselhos Comunais, que foram eleitos regionalmente, e dos
indígenas que foram escolhidos a partir de suas tradições
seculares. Em outras palavras, a Constituinte reúne os representantes
eleitos por seus municípios e representantes de categorias
profissionais, comunais, empresários e indígenas. Um retrato mais
abrangente da sociedade Venezuela do que nas eleições
tradicionais.
Ao contrário do que a oposição imaginava, a
população resolveu participar massivamente das
eleições, apesar do boicote e dos atentados cometidos pelos
grupos de choque oposicionistas nos bairros ricos e de classe média onde
tem influência. Para neutralizar as ações da
oposição, o governo transformou o
Poliedro de Caracas
num grande local de votação para as pessoas que não
conseguissem votar nas regiões onde a violência da
oposição punha em risco os votantes, o que se transformou num
grande sucesso eleitoral. Ao final da votação, o governo pode
comemorar com entusiasmo: votaram 8.089.320 eleitores, uma das mais concorridas
votações dos últimos tempos na história eleitoral
da Venezuela, menor apenas que a de Chávez em 2012, quanto este obteve
8.136.081 votos. Todo o processo eleitoral ficou à
disposição da oposição e dos observadores
internacionais, caso necessitassem de uma verificação, ao
contrário do plebiscito realizado pela direita, no qual as pessoas
votavam quantas vezes quisessem e, ao final da votação, para
evitar verificações, eles queimaram as urnas.
Um dos fatores que explica a grande votação é o fato de
que a população se deu conta de que, apesar dos erros e
vacilações do governo Maduro, o fracasso da Constituinte
significaria o fortalecimento da direita e do imperialismo no país e a
possibilidade de um governo com nítidas características
fascistas, que só poderia se manter no poder com enorme repressão
contra o povo, além do fato de que aboliria certamente todas as
conquistas realizadas pelo governo chavista nestas quase duas décadas.
Numa conjuntura dessa ordem, a população deve ter atentado para o
fato de que se a situação estava ruim com Maduro, muito pior
seria com um governo de direita, cujo único objetivo é tomar o
poder e voltar ao velho jogo das oligarquias do passado. Ou seja, a
população percebeu o que estava em jogo e votou em massa pela
continuidade do processo revolucionário.
O governo Maduro deve receber esse resultado não só com
humildade, mas especialmente como uma oportunidade (talvez a última)
para corrigir os erros e deformações que marcaram as
administrações passadas, como a corrupção em
setores governamentais, o burocratismo, o afastamento de setores expressivo da
esquerda chavista das esferas de poder e as concessões a setores da
oposição. A Constituinte mudou a correlação de
forças na luta de classes na Venezuela, deu enorme legitimidade ao
regime, mas o imperialismo e a oligarquia não desistirão de seu
objetivo: planejarão novas formas de enfrentamento e sabotagem do
governo, incluindo provocações militares, e até mesmo uma
invasão do país a partir da constituição de um
exército mercenário, como acontece na Síria. Portanto,
é hora de avançar com o poder popular e mudar definitivamente a
correlação de forças a favor do povo.
A dinâmica da luta de classes: a oligarquia e o poder popular
Para que se possa compreender a luta social na Venezuela é fundamental
avaliarmos as forças fundamentais que estão em disputa, suas
principais características e os laços que as unem tanto interna
quanto externamente. A disputa está bastante clara, bem como polarizada,
o que permite vislumbrar melhor como se movem as classes e seus aliados, bem
como os prováveis desdobramentos desse processo. Na verdade, o que
está em jogo, como em todo processo revolucionário, é a
questão do poder.
A direita, sem um programa claro, almeja apenas o poder pelo poder para retomar
seus privilégios, controla vastos setores da economia, é
financiada e organizada pela CIA e o imperialismo, possui apoio entre os
governos conservadores da região, enquanto a esquerda tem apoio do setor
mais pobre do povo, organizados nos Conselhos Comunais, de expressivos setores
da juventude e dos trabalhadores, da grande maioria das Forças Armadas e
das Milícias Bolivarianas. Essa é a dinâmica da luta de
classes que se desenvolve atualmente na Venezuela.
1) O poder oligárquico.
Politicamente, a direita está organizada na Mesa de Unidade
Democrática (MUD), que é a expressão legal de uma vasta
rede de partidos, ONGs, setores médios radicalizados. Grupos de Choque
de extrema-direita e um lumpesinato treinado e pago para realizar atos de
violência. Na verdade, todo esse aparato da reação
está sob o comando da embaixada dos Estados Unidos, da CIA e da alta
burguesia local, todos profundamente contrariados com as medidas tomadas pela
revolução bolivariana, Seus laços com a
população pobre são praticamente inexistentes: isso
explica porque a violência na Venezuela pode ser caracterizada como uma
rebelião dos ricos, comandada pelos ricos, de dentro e fora do
País, que se utilizam de uma massa de manobra que vai de setores
médios a parte do lumpesinato.
Na verdade, a oposição na Venezuela é composta pela fina
flor da oligarquia local, quase todos são herdeiros de famílias
de grandes fortunas, empresários, banqueiros, proprietários
agropecuários. Uma oligarquia parasitária que enriqueceu a partir
da renda do petróleo e que busca de todas as formas retomar seus
privilégios retirados em parte pelo chavismo. Para se ter uma ideia do
parasitismo dessa classe social, basta dizer que, como acumulavam o dinheiro
fácil a partir da renda petroleira, sequer se deram ao trabalho de
construir um sistema industrial ou agrícola que proporcionasse
auto-suficiência ao país. Era mais fácil importar tudo,
pois dinheiro não faltava. Até hoje a Venezuela importa a maior
parte dos bens industriais e agrícolas que consome.
Vejamos um breve perfil dos principais líderes da direita venezuelana,
Leopoldo Lopez, Henrique Capriles, Antonio Ledezma e Maria Corina Machado
[6]
:
Leopoldo Lopez,
um dos mais radicais de todos, é descendente de uma das famílias
mais ricas da Venezuela. Estudou no Kenyon College e depois na Universidade de
Havard. Ao regressar à Venezuela passou a exercer alto posto na PDVSA,
levado por sua mãe, que era diretora da empresa na época. Em 2000
funda com Capriles o partido Primeiro Justicia, desde então financiado
pelo
National Endowment for Democracy,
uma fachada da CIA. Em 2002 participa do golpe de Estado, sendo um dos
líderes da detenção do então ministro da
Justiça Chavista, Ramon Rodrigues. Posteriormente, Lopez foi anistiado
por Chávez e se transformou no principal líder da direita
radical. Atualmente, Lopez está em prisão e foi processado por
desvio de fundos da PDVSA para seus projetos políticos.
Henrique Capriles
também pertence a uma das famílias mais ricas, que controla os
principais meios de comunicações, empresas industriais,
bancárias, imobiliárias e de serviços e quando jovem foi
membro da ultradireitista Tradição, Família e Propriedade
e também estudou nos Estados Unidos. Durante o golpe de 2002 liderou o
assalto à embaixada de Cuba, no qual cortou a água, gás e
eletricidade da representação diplomática para que seus
residentes se rendessem e também, junto com Lopez, foi um dos que
detiveram o ministro da Justiça chavista durante o golpe. Após o
golpe, foi encarcerado e depois anistiado por Chávez. Para entender seus
objetivos políticos, durante a campanha em 2013 prometeu que se ganhasse
anistiaria a Pedro Carmona, líder do golpe em 2002.
Maria Corina Machado
também descende de importante família endinheirada do ramo
siderúrgico da Venezuela. Participou ativamente do golpe contra
Chávez, sendo uma das assinantes do manifesto golpista que exigia a
suspensão das garantias constitucionais. Engenheira industrial, é
o que se poderia chamar de ultraliberal. Defensora radical da propriedade
privada e contra a intervenção do Estado na economia, reivindica
uma sociedade de proprietários e um país de empreendedores. Na
Assembléia anterior teve seu mandato cassado por ter se ausentado do
país, sem licença da assembleia, para se juntar à
delegação de outro país e realizar denúncias contra
o governo Chávez.
Antônio Ledezman
também é um conhecido direitista e repressor. Foi governador do
Distrito Federal no período de Carlos Andres Perez, vice-presidente do
Senado e prefeito de Caracas. No massacre do Caracazo, Lerdezma teve um papel
fundamental na repressão à população por parte da
extinta Polícia Metropolitana, sob suas ordens. Seu nome também
está ligado ao massacre de centenas de presidiários, que foram
assassinados sob o pretexto de que pretendiam fugir.
A esses personagens se juntam ainda banqueiros como Fortunato Banacerraf Saias,
preso por planear um ataque cibernético contra o
Conselho Nacional Eleitoral,
visando sabotar as eleições para a Constituinte. Também
fazem parte da conspiração contra o governo exilados venezuelanos
que residem em Miami e Nova York, de onde montam ONGs, redes sociais e todo um
trabalho de logística contra o governo, além da coleta de fundos
para financiar a oposição. A burguesia agrária
também está implicada com a violência no país, ao
emprestar escavadeiras para apoiar saques e destruição de
edificações públicas ou financiar e armar capangas para
exercer a violência em zonas rurais.
A coordenação e orientação política é
realizada pela CIA, Pentágono, Comando Sul, embaixada norte-americana em
Caracas, Mesa de Unidade Democrática, oligarquia nacional e
internacional, as camadas médias altas e o empresariado urbano e rural.
A maior parte do financiamento dos golpistas é feito pelos Estados
Unidos e suas agências de fachada, mas os banqueiros e empresários
locais, além de exilados na Europa e Estados Unidos, contribuem
ativamente para o treinamento e recrutamento de manifestantes, muitos deles
entre marginais e lumpesinato. Na escalada para derrubar o governo cumprem um
papel especial os meios de comunicação nacionais e
internacionais, criando uma imagem de caos, desabastecimento (que eles
próprios provocaram), anarquia, repressão e desgoverno, de forma
a desqualificar e satanizar as autoridades governamentais.
Essa confraria reacionária não tem escrúpulos nos seus
métodos para derrubar o governo: eles se utilizaram desde as medidas
aprovadas na Assembleia Nacional, passando pelo fornecimento de equipamentos
para os manifestantes treinados, como máscaras de gás, capacetes,
escudos, bombas incendiárias, ferramentas de choque e terrorismo puro e
simples dos paramilitares, como a bomba que explodiram em uma rua de Caracas
por onde passava uma coluna de motociclistas da polícia, deixando mortos
e feridos. Atacam prédios públicos, hospitais, escolas, centros
de abastecimento, tudo isso para provocar escassez, fome,
indignação popular, passar a imagem de País
ingovernável e, assim, tentar capitalizar o descontentamento popular
para atingir seus objetivos.
2) O poder popular
O poder popular está bastante desenvolvido na Venezuela, muito embora
ainda não tenha se constituído em instância de poder
efetivo, pelo fato do pioneirismo e originalidade do processo, da
própria dinâmica da luta de classes e do cerco do imperialismo,
além dos erros, desvios e burocratismo do governo, mas pode-se dizer
tranquilamente que é a estrutura de implantação do poder
popular mais avançada da América Latina. Atualmente, existem 40
mil organismos do poder popular no país. Para que as pessoas possam
entender a metodologia de formação da Assembleia Constituinte da
Venezuela, é importante ter em mente que o governo bolivariano, desde a
primeira eleição de Chávez, em 1998, apostou numa nova
forma de democracia, baseada no poder popular a partir dos bairros e
comunidades em geral. Aos poucos, estimulou que essas instâncias de
democracia direta tomassem para si uma série de funções
que nas democracias liberais são exercidas por
instituições do Estado. O poder popular bolivariano tem seu eixo
central no poder local, a partir do qual busca construir de maneira original um
"Estado Comunal", ou uma espécie de poder paralelo,
impulsionado pelo Estado e apropriado ainda não plenamente pela
população dos bairros.
Esse processo foi institucionalizado com a Constituição de 1999,
a partir da qual as organizações populares passaram ser
reconhecidas como instâncias do poder popular. O artigo 70 define
claramente as atribuições populares. "
São meios de participação e protagonismo do povo no
exercício de sua soberania: em termos políticos, a
eleição para cargos públicos, o referendo de consulta
popular, a revogação dos mandatos, as iniciativas legislativas,
constitucional e constituinte, as sessões públicas de conselhos
distritais, municipais e juntas de administração locais, as
assembleias de cidadãos e cidadãos, cujas decisões
serão de caráter vinculante, entre outros; em termos sociais e
econômicos, as instâncias de atenção cidadã, a
autogestão, a cogestão, as cooperativas, caixas de
poupança, a imprensa comunitária e demais formas associativas
serão guiadas pelos valores da mútua cooperação e
solidariedade"
.
[7]
O artigo 184 define mecanismos de descentralização,
transferência para as comunidades e grupos de vizinhos organizados de um
conjunto de serviços, como saúde, educação,
moradia, saneamento, esporte, cultura programas sociais e ambientais, de forma
a promover, entre outros pontos: "
a participação dos trabalhadores, trabalhadoras e comunidades na
gestão das empresas públicas
a criação de
organizações, cooperativas e empresas comunais de
serviços, como fonte geradoras de emprego e bem estar social
(incentivar) o princípio da corresponsabilidade da gestão publica
nos governos locais e estaduais e desenvolver processos autogestionários
e co-gestionários na administração e controle dos
serviços públicos estaduais e municipais
"
[8]
Outro dos grandes feitos populares da revolução bolivariana foram
as Missões, um conjunto de iniciativas governamentais com o objetivo de
satisfazer as necessidades da população, mediante
políticas públicas para resolver problemas sociais, entre os
quais a educação, a saúde, habitação, a
miséria e a fome. Com seu desenvolvimento ganharam uma dimensão
também política, tanto do ponto de vista econômico quanto
social e se transformaram na principal vitrine dos avanços sociais
conseguidos pelo chavismo. Em outras palavras, as missões bolivarianas
estão quebrando as velhas estruturas burocráticas do Estado e
implantando novas e mais dinâmicas formas de construção de
um novo Estado, a partir dessa aliança entre o Estado bolivariano e a
iniciativa popular.
O processo de construção do poder popular criou uma
dinâmica inteiramente nova na luta de classes na Venezuela, uma vez que,
a partir da eleição de Chávez, a população,
especialmente, nos bairros pobres e comunidades em geral, passou a ter um
protagonismo muito grande, diferente do período anterior, quando os
bairros eram vistos como aglomerações marginais. Hoje, o poder
popular, mesmo com os problemas naturais de quem está construindo o novo
e, apesar das interferências do poder político e do Estado,
é uma realidade na vida cotidiana da população pobre, nas
questões da iniciativa social e do poder político, fato que
incomoda e apavora a oligarquia, os setores reacionários e o
imperialismo, pois se trata de um exemplo perigoso para as classes dominantes.
Caso seja seguido em outros países colocará em perigo o
próprio sistema capitalista.
O poder popular atualmente está organizado de quatro formas
básicas:
Os Conselhos Comunais, as Comunas Socialistas
, os
Comitês de Terras Urbanas
(CTU) e as
Milícias Bolivarianas
. Além dessas organizações, existem outras de
caráter mais técnico, político e cultural, como a
Mesa de Energia
, responsável pelo processo de distribuição de energia e
gás nas comunidades, os
Bancos Comunais
, responsáveis pela transferência direta dos recursos do Estado
para os projetos comunitários,
Brigadas de Trabalho Voluntário, Brigadas Culturais e de Leitura
e um conjunto de iniciativas na área da comunicação
social, que vai desde as rádios e TVs comunitárias, jornais
murais e de bairro, entre outras. Ressalte-se que todo esse processo de
construção do poder popular é definido nas assembleias de
cidadãos e cidadãs, que é a instância maior,
definidora e fiscalizadora de todas essas ações.
2.a) Os Conselhos Comunais
Conforme definido em Lei Orgânica e aprovado pela Assembleia Nacional da
Venezuela, os Conselhos Comunais são a espinha dorsal do poder popular e
fazem parte do que o governo denomina de democracia participativa e
protagônica, conforme o artigo 1:
"Os Conselhos Comunais são instâncias de
participação para o exercício direto da soberania popular
e sua relação com os órgãos do poder público
para a formulação, execução, controle e
avaliação das políticas públicas, assim como planos
e projetos vinculados ao desenvolvimento comunitário
".
[9]
O artigo 2 prossegue definindo mais especificamente as
atribuições dos Conselhos Populares:
"Os Conselhos Populares, no marco institucional da democracia
participativa e protagânica, são instâncias de
participação, articulação e
integração entre os cidadãos, cidades e as diversas
organizações comunitárias do movimento social e popular,
que permitem ao povo organizado exercer o governo comunitário e a
gestão direta das políticas públicas e projetos orientados
a responder as necessidades, potencialidades e aspirações das
comunidades na construção de um novo modelo de sociedade
socialista de igualdade, equidade e justiça social
".
[10]
Os Conselhos Comunais são formados a partir da organização
num determinado bairro, com características e interesses comuns, com
pelo menos 150 a 400 famílias e devem ser registrados no
Ministério do Poder Popular. Nas áreas do campo os Conselhos
podem ser formados a partir de 20 famílias e nas áreas
indígenas a partir de 10 famílias. Todos os dirigentes dos
Conselhos são eleitos pelas assembleias dos cidadãos e
cidadãs, com um mínimo de 20% dos integrantes, ressaltando-se que
todos podem ter seus mandatos revogados. A assembleia também é
responsável pela aprovação dos projetos
comunitários, além de um conjunto de atividades vinculadas
à saúde, educação, esporte,
habitação, incluindo as organizações
sócio-produtivas do bairro.
Os Conselhos Comunais, através das equipes técnicas, elaboram os
projetos, a partir das principais necessidades do bairro e o governo repassa os
recursos financeiros destinados à execução das
políticas públicas e do plano comunitário de
desenvolvimento. O Conselho Comunal e a assembleia dos cidadãos e
cidadãs se encarregam de controlar e supervisionar permanentemente a
execução e desenvolvimento dos projetos. Os governos regionais e
nacional se responsabilizam por prestar assistência técnica e
financiar os projetos, promover o desenvolvimento social e fomentar o processo
de organização popular.
Como diz um importante analista sobre o processo de construção do
poder popular no país, Albert Ramirez:
"O Conselho Comunal, nos marcos da democracia direta, participativa e
protagônica, são instâncias de participação,
articulação e integração entre as diversas
organizações comunitárias, que permitem ao povo organizado
exercer diretamente a gestão das políticas públicas e
projetos orientados a responder as necessidades e aspirações das
comunidades na construção da sociedade de equidade e
justiça social
É a forma de organização mais
avançada dos habitantes de uma determinada comunidade para assumir e
exercer o poder popular
É a instância de
planificação onde o povo formula, executa, controla e avalia as
políticas públicas
e o meio que permite ao povo organizado
a assumir diretamente a gestão de políticas e projetos orientados
a responder as necessidades, debilidades, fortalezas e potencialidades das
comunidades
enfrentando problemas comuns, tato do ponto de vista
econômico, político e cultural, além de desenvolver
projetos produtivos, industriais, granjas integradas, plantas processadoras,
centros de recreação, entre outros"
.
[11]
O processo de organização popular, no qual o povo começa a
exercer diretamente um conjunto de funções que outrora era do
Estado e que nesse processo vai se politizando e compreendendo a necessidade de
mudanças profundas na democracia burguesa, gera evidentemente pavor nas
oligarquias não só da Venezuela, mas em toda a América
Latina. Isso explica em grande parte o ódio da direita e do imperialismo
ao governo bolivariano. Evidentemente que os Conselhos Comunais são uma
experiência recente, no qual o povo ainda está aprendendo a
exercer seu poder nos bairros, muitas vezes enfrentando a burocracia
governamental e interferência do partido no poder, mas hoje significa um
enorme polo de poder social e uma ferramenta fundamental para a
resistência a qualquer tentativa de golpes ou afronta à soberania
do país.
2b) As Comunas
Para ampliar o processo de construção do poder popular, o governo
vem incentivando a construção das
Comunas Socialistas
, que é um espaço geográfico maior, que reúne
bairros e Conselhos Comunais vizinhos, ou seja, os órgãos do
poder popular de uma determinada região com características
comuns, com função política e econômica,
independentemente das fronteiras geográficas tradicionais, com
parlamento comunal, eleito por uma assembleia de cidadãos e
cidadãs da região, além de um conjunto de Comissões
Técnicas, Econômicas e Sociais para implementar as
políticas públicas. As Comunas, apesar de ainda não
tão desenvolvidas como os Conselhos Comunais, representariam uma forma
superior de organização do poder popular, um poder paralelo em
relação ao poder tradicional, além do fato de que neste
espaço se constroem as bases materiais e produtivas de uma futura
sociedade socialista.
A Lei Orgânica das Comunas, promulgada pela Assembleia Nacional da
Venezuela, define o país como um Estado Comunal e a Comuna como sua
célula fundamental, baseada em valores socialistas, de
participação democrática e protagônica, interesse
coletivo, diversidade cultural, entre outros pontos.
"O Estado Comunal é a forma de organização
político social, fundada no Estado democrático e social de
direito e de justiça
no qual o poder é exercido
diretamente pelo povo, através do autogoverno comunal, com um modelo
econômico de propriedade social e de desenvolvimento endógeno e
sustentável, que permita alcançar a suprema felicidade social dos
venezuelanos e venezuelanas".
[12]
A criação das Comunas e ampliação de seus poderes
representou uma aceleração do processo de
construção do poder popular, uma vez que as comunas se declaram
abertamente socialistas (Artigo 5 da Lei Orgânica das Comunas):
"(A Comuna) é um espaço socialista que, como entidade local,
é definido pela integração de comunidades vizinhas com uma
memória histórica compartilhada, traços culturais, usos e
costumes, que se reconhecem no território que ocupam e nas atividades
produtivas que lhes servem de sustento e sobre os quais exercem os
princípios de soberania e participação protagônica
como expressão do poder popular"
[13]
Para Ramirez, as Comunas representam uma fase superior do processo de
construção do poder popular e um processo de
criação de baixo para cima, sem imposições:
"A Comuna marca seu surgimento no terceiro ciclo da
revolução e se concebe como uma fase superior de
organização popular, rumo à construção do
Estado Comunal. Transforma-se as relações de
produção avançando para consolidação do
socialismo. Isso implica propriedade social dos meios de
produção, assim como a participação ativa do povo
organizado em todas as fases do ciclo produtivo: produção,
transformação, distribuição e consumo. Se gera (a
partir daí uma nova cultura de trabalho fundada na
superação da economia rentista para avançar para a
consolidação da economia produtiva
"
[14]
.
Na última vez em que estive na Venezuela tive oportunidade de visitar
uma cooperativa de trabalhadoras têxteis e pude constatar o entusiasmo
com que desenvolviam esse projeto. Essa cooperativa foi formada num bairro
pobre de Caracas, a partir de cadastramento realizado pelo governo para aferir
as aptidões profissionais dos moradores. Constatando que mais de 200
mulheres sabiam costurar, o governo treinou essas trabalhadoras para trabalhar
em máquinas profissionais. Comprou o galpão e as máquinas
para construir a fábrica e, nos primeiros anos, se responsabilizou pela
aquisição da produção (lençóis para
hospital, uniformes escolares, etc). Alguns anos depois a cooperativa já
não necessitava mais das compras governamentais e já estava
exportando camisetas polo.
Como a Venezuela é um país com uma classe operária
pequena, constituída basicamente no setor petroleiro e algumas
fábricas em setores da indústria ligeira, os bairros têm um
papel estratégico na construção do poder popular. Como diz
Scartezini:
"Os bairros venezuelanos possuem um papel fundamental na
formação e organização política das classes
trabalhadoras do País
Entendendo que a principal força
política da Revolução Bolivariana são as
comunidades pobres, é possível afirmar que
é nos
bairros que se constroi o poder popular
"
[15]
.
Analistas do governo veem na construção do poder popular
bolivariano um processo que, aos poucos, vai demonstrando a inutilidade da
democracia representativa nos moldes burgueses, enquanto a
oposição vê nos Conselhos e nas Comunas uma espécie
de cubanização da Venezuela. Outros, como Sheidt, constatam um
duplo objetivo no processo de construção do poder popular
venezuelano "
As comunas expressam um duplo propósito: um político e outro
econômico. O propósito político é a
construção do poder popular na forma de uma democracia
participativa e direta nos espaços territoriais mais amplos. O
propósito econômico, é o de estimular a
produção econômica autônoma e controlada diretamente
pela população, na forma de agricultura comunitária,
cooperativas populares, controle popular da distribuição
econômica, etc
"
[16]
.
2c. Comitês de Terras Urbanas
Como em todas as regiões metropolitanas da América Latina, a
maioria da população venezuelana vive em grandes aglomerados
urbanos nas periferias ou nos morros, como no Brasil, em moradias
precárias, com acesso deficiente à agua, saneamento, eletricidade
e serviços públicos. Vale ressaltar que na Venezuela a maior
parte da população também vive nos bairros, especialmente
nas grandes metrópoles, em terrenos montanhosos, como no caso de
Caracas, geralmente perigosos e com as casas feitas em regime de
autoconstrução, sem assistência técnica e
planejamento urbano, portanto, bastante vulnerável às
inundações ou deslizamentos de terras. Quando estes fatos ocorrem
geralmente causam muitas vítimas entre a população.
Com a promulgação da Constituição em 1999, o
governo bolivariano garantiu à população dos bairros o
direito à cidade, à moradia e à participação
protagônica, além do financiamento habitacional, posse da terra,
ordenamento dos bairros e melhorias no seu padrão urbano. Esse processo
foi consolidado pelo
decreto 1.666,
que legalizou o direito de posse aos moradores dos bairros, criou os
Comitês de Terras Urbanas
(CTU) e posteriormente, em 2006, o governo aprovou, através de lei
especial, a regularização integral da posse dos assentamentos
urbanos, o que vem produzindo uma revolução habitacional na
Venezuela, tanto do ponto de vista da melhoria das condições de
vida nos bairros quanto da politização da população
pobre dessas regiões. Do ponto de vista financeiro, esse processo
é viabilizado pela decisão do governo de direcionar grande parte
da renda petroleira para as atividades sociais, especialmente a moradia.
Os
Comitês de Terras Urbanas
trabalham em comum acordo com os
Conselhos Comunais
e são formados por até de 400 famílias. Atualmente,
são mais de 8 mil comitês espalhados pelo País. De acordo
com os artigos 53 e 54 da
Lei Especial de Regularização Integral da Posse da Terra e dos
Assentamentos Urbanos
, os comitês são responsáveis pela elaboração
da
Carta dos Bairros,
onde mapeiam os principais problemas dos bairros, planejam as melhorias,
recolhem a história, as tradições culturais e elaboram um
plano de ordenamento para os assentamentos urbanos. Os comitês são
eleitos pela assembleia dos cidadãos, onde devem participar um
mínimo de 50% dos seus integrantes
[17]
. Para garantir a posse da terra o governo declara de interesse social tanto as
terras públicas ou ociosas quanto as privadas. De acordo com dados do
Ministério da Habitação, já foram entregues mais de
um milhão de títulos de propriedade, tanto individuais quanto
coletivas.
Importante ressaltar que o processo de organização popular nos
bairros não só melhorou as condições de moradia dos
cidadãos, como os CTUs se constituíram em um dos principais
órgãos do poder popular, com um potencial transformador
extraordinário, não só porque levaram dignidade à
população, mas especialmente porque despertaram o imenso
potencial político das massas. Isso explica o ódio dos fascistas
contra esse processo: por exemplo, o Ministério da
Habitação já foi atacado 14 vezes. Na última, 150
encapuzados incendiaram o ministério com seus funcionários
dentro, o que gerou cenas de pânico, especialmente porque havia mais de
40 crianças no local. Felizmente ninguém morreu.
2.d) As Milícias Bolivarianas
As
Milícias Bolivarianas
representam uma espécie de instrumento armado do poder popular, ou o
povo em armas, como se costuma dizer na Venezuela. Trata-se de uma força
complementar das
Forças Armadas Nacionais Bolivarianas
(FANB), com o objetivo de defender a revolução de maneira
integral. Isso significa que, numa guerra assimétrica, a partir de uma
invasão estrangeira, as Milícias estariam preparadas para uma
longa resistência popular, que inclui a defesa militar nos bairros, das
fronteiras do país, das empresas públicas e privadas e de um
conjunto de locais estratégicos para a vida da população,
a partir dos quais buscar-se-ia desgastar e golpear o inimigo, enquanto as
FANB, constituída de militares profissionais, realizariam a defesa
estratégica da nação.
Atualmente, as Milícias contam com 400 mil milicianos, todos
voluntários, dos quais 160 mil mais permanentes, mas o presidente Maduro
já autorizou a expansão das Milícias para 500 mil membros,
"todos com direito a um fuzil", e o objetivo é chegar a um
milhão de milicianos. Anteriormente, as Milícias não
dispunham de armas (que ficavam sob a custódia do Exército) e
só as utilizavam em eventos especiais e treinamentos, mas agora
vão receber as armas. As Milícias possuem um forte componente
ideológico e foram constituídas pelo presidente Chávez, em
2007, dentro do princípio de que a segurança nacional não
pode ser realizada apenas pelas Forças Armadas, mas também pelo
povo armado, que deve realizar tanto as tarefas militares, quanto de
inteligência, cultural e econômica e social. Estão ligadas
diretamente ao presidente da República, ao ministro da Defesa, e fazem
parte do operativo do Comando Estratégico Operacional.
Operativamente, as Milícias estão divididas em dois corpos
principais: as
Milícias Territoriais
e os
Corpos de Combatentes.
Todos os milicianos realizam treinamento militar e cada batalhão
possui 242 membros. A
Milícia Territorial
tem o objetivo de defender um território ou um objetivo
estratégico dentro de um determinado território. Recebem
treinamento quatro vezes ao mês, nos fins de semana, se organizam por
área de residência ou territorial, e realizam também
atividades sociais definidas por seu comando. Dentro das Milícias
Territoriais há um grupo especial, a
Milícia Rural
, que utiliza equipamento diferente da milícia territorial.
Já os
Corpos de Combatentes
são formados por trabalhadores do setor público e privado e
se organizam em função dos seus locais de trabalho. São
encarregados não só da defesa das empresas em caso de ataque
estrangeiro, mas ainda são responsáveis por manter em
funcionamento, com um mínimo de pessoal, as empresas onde trabalham. O
treinamento militar dos Corpos de Combatentes é menos rigoroso que o dos
milicianos territoriais: eles treinam apenas meio dia por mês, mas
até os aposentados das empresas também são integrados nos
treinamentos, de acordo com sua condição física. Recebem
instrução sobre tiro, comunicação, primeiros
socorros e coordenação com os organismos de segurança.
A
Milícia Territorial
utiliza o fuzil automático belga FAL ou a AK103, tanto a de
fabricação russa quanto de fabricação venezuelana.
Os milicianos mais especializados também realizam treinamento com
metralhadoras, morteiros e canhões de 106 milímetros sem
retrocesso. A
Milícia Rural
usa fuzil Mosin-Nagant M9. Entre oficiais há treinamento com
metralhadoras pesadas, foguetes antitanques e blindados ligeiros. Comenta-se
também que as Milícias treinam para operar helicópteros do
Serviço de Busca e Salvamento.
Esse aparato popular está dentro da doutrina de defesa integral a
pátria, baseada na união cívico-militar. Como diz Yorlis
Fernandez, comandante de uma das centenas de batalhões de milicianos.
"A revolução deve ser defendida de maneira integral, por
uniformizados e o povo em armas
Já não se trata de uma
cultura que estamos acostumados, na qual a segurança e a defesa
correspondem apenas às Forças Armadas. Vemos a segurança
da nação desde um ponto de vista onde todos podemos aportar os
diferentes ângulos comtemplados pela constituição: o
político, o econômico, o social, o cultural, o ambiental e militar
Somos um povo com consciência, com convicção de que
esse processo revolucionário veio para dignificar os mais humildes
"
[18]
.
Desafios e perspectivas
As eleições constituintes na Venezuela representaram um duro
golpe para a oligarquia parasitária e, consequentemente, para o
imperialismo e suas agências de inteligência e financiamento da
violência no país. A oligarquia, que vinha colocando o governo
Maduro nas cordas e, inclusive, estruturando um governo paralelo, sob a
orientação da embaixada dos Estados Unidos, calculou mal o
desfecho da Constituinte. Eles se embriagaram com os sucessos parciais que
vinham obtendo com a violência e as manifestações e foram
surpreendidos pela disposição da população de dizer
um basta à direita. Imaginavam que o boicote eleitoral e o caos no dia
da votação, aliados ao descontentamento de vários setores
com o desabastecimento e os erros do governo, seriam elementos suficientes para
desqualificar e desmoralizar a Constituinte. Erraram e foram golpeados por uma
votação maciça, que não estava de nenhuma maneira
em seus cálculos.
Neste momento, como meninos mimados que perderam o doce, estão apelando
para o "papai" Estados Unidos tomarem um conjunto de medidas para
reinseri-los na cena política. Não é à toa que
Trump declarou recentemente que não descarta a deflagração
de uma intervenção militar. Realmente, foi um golpe muito duro
para a oposição. De uma hora para outra a Venezuela saiu do
noticiário internacional, as manifestações violentas
promovidas pela oposição (que resultaram em 100 mortos, alguns
queimados vivos, e mil feridos) e ampliadas pela mídia corporativa
ficaram reduzidas a praticamente zero. Além disso, entre os setores da
própria oposição há uma grande divisão: uma
parte já decidiu participar das eleições regionais,
enquanto o setor mais fascista da oposição decidiu não
participar e ainda está acusando os antigos aliados de traidores. Mas
isso não significa que irão desistir de seus objetivos, nem os
seus patrocinadores deixarão de conspirar contra o governo.
Para as forças revolucionárias mais consequentes, como o Partido
Comunista da Venezuela (PCV), a instalação da Assembléia
Constituinte e as medidas que já foram tomadas neste mês e meio de
trabalhos (Demissão da promotora-geral, a Constituinte assumir os
poderes da Assembleia Nacional, etc) representam uma vitória do povo
venezuelano frente à política imperialista e à oligarquia
local, mas a Constituinte deve promover mudanças profundas para atender
as necessidades do povo.
"A vitória pode ser efêmera se a Constituinte realizar apenas
mudanças na superestrutura. É necessário realizar de
imediato um conjunto de medidas que ataquem os problemas essenciais de nosso
povo"
[19]
, disse Oscar Figuera, secretário-geral.do PCV.
Realmente, esse é um momento crucial na luta de classes na Venezuela e
possivelmente a derradeira oportunidade dada pelo povo para que o governo
bolivariano realize as transformações que vem prometendo
há anos. Ou seja, a política de conciliação e
diálogo só fortaleceu a oposição, as
concessões deixaram o inimigo mais forte e as vacilações
no avanço para o socialismo criaram o impasse atual. São quase 20
anos de bolivarianismo e a Venezuela ainda é um país capitalista.
A luta de classes não é um jogo de pôquer; na luta de
classes não tem blefe. Portanto, é hora de transformar as
proclamações do socialismo, do Estado Comunal e do Poder Popular
em atitude práticas, de forma a que o poder seja efetivamente exercido
pelo povo trabalhador.
Portanto, é necessário avançar para um programa de
transição ao socialismo. Está mais do que claro que o
desabastecimento, o contrabando de mercadorias, as manipulações
do câmbio só ocorreram porque estes instrumentos estão nas
mãos da burguesia. Por isso, é fundamental nacionalizar o sistema
financeiro e instaurar o monopólio do câmbio, de forma a devolver
ao Estado a capacidade de controlar a política monetária, de
crédito e a estabilidade da moeda. Da mesma forma, é fundamental
estatizar os oligopólios de produção e passá-los
para o controle dos trabalhadores, medida a partir da qual se abrirá
espaço para o controle dos preços sob a supervisão dos
Conselhos Comunais.
Como a Venezuela importa a grande maioria dos produtos que consome, tanto os
manufaturados quanto os agropecuários, é importante também
o controle do Estado sobre o comércio exterior. Com o câmbio e o
comércio exterior controlados pelo Estado, torna-se mais fácil e
racional a política de importação. Para combater o
contrabando e o desabastecimento, é fundamental o controle estatal da
distribuição das mercadorias e a criação de uma
rede nacional de abastecimento, sob controle dos Conselhos Comunais, de
operários e camponeses, e uma política dura contra a
corrupção em todos os níveis governamentais.
Também é crucial a Constituinte definir uma política de
curto, médio e longo prazo para a autossuficiência produtiva e
agropecuária. Isso significa formular um plano industrial para tornar o
país soberano na produção manufatureira e superar a
política rentista que vigorou até hoje, assim como uma
política agropecuária que garanta a soberania alimentar, com
crédito, assistência técnica e extensão rural para
todos que queiram produzir. Tudo isso sob o controle do conselho dos
trabalhadores, criando assim uma dinâmica revolucionária capaz de
resistir a qualquer investida do imperialismo e da oligarquia
parasitária local.
Em outras palavras, o socialismo se constrói com medidas
práticas, respaldado no poder popular. Nesse momento em que a Venezuela
joga um papel determinante na luta contra o imperialismo e a oligarquia local,
é necessário avançar na conquista efetiva do poder
não apenas político, mas também econômico, social e
cultural, fato que abrirá espaço para outros processos
revolucionários em toda a América Latina.
01/Outubro/2017
1. Zero, Marcelo. Para se entender a Venezuela. Blog da Carta Capital, 22 de
setembro de 2017.
2. Para se compreender melhor o papel das Missões na Venezuela,
consultar: Scartezini, Natália. A relevância das missões
sociais para o desenvolvimento da revolução bolivariana na
Venezuela. Lutas Sociais (PUC-SP), jan/jun 2013.
3.
"Venezuela Freedom 2 Operation",
disponível em:
www.globalresearch.ca/...
. Documento também divulgado em espanhol pela Telesur.
4. A Carta Democrática é um instrumento da OEA que busca o
fortalecimento da democracia e preservação da institucionalidade
e na região, punindo os países que promovam rupturas na ordem
democrática. Ou seja, os Estados Unidos promovem a violência e a
desestabilização da Venezuela e ainda utilizem seu poder na OEA
para condená-la por se defender.
5. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela. Artigo
347. De la Asamblea Nacional Constituinte. Caracas, fevereiro de 2009.
6. A maior parte dessas informações foi recolhida de
insurgente.org
.
7. Constitución de la República Bolivariana de Venezoela.
Asamblea Nacional, aprovada por referendo em fevereiro de 2009.
8. Constitución de la República Bolivariana de Venezoela, Art.
184, op. cit
9. Artigo I, Ley Orgánica de los Consejos Comunales. Asamblea Nacional
de la República de Venezuela. Reimpressão, novembro de 2012.
10. Ley Orgánica de los Conselhos Comunais, op. cit. Artigo 2.
11. Ramirez, Albert. Comunas socialistas em Venezuela. Disponível em:
https://pt.slideshare.net/programador69/comunas-socialistas-en-venezuela
12. Ley Orgánica de las Comunas. Asamblea Nacional de la
República Bolivariana de Venezuela. Dezembro de 2010.
13. Artigo 5, Ley Orgánica de las Comunas, op. cit.
14. Ramirez, op. cit.
15. Scartezini, Natalia. Movimentos sociais urbanos na Venezuela: o
desenvolvimento do poder popular como alternativa ao Estado
burguês". Espaço Acadêmico, agosto 2017.
16. Scheidt, Eduardo. A democracia participativa na Venezuela da era
Chávez e a questão dos Conselhos Comunais:
Transformação em direção a uma nova cultura
política?. Anais do XII Encontro Internacional da ANPHLAC. Campo Grande,
2016.
17. Ley Especial de Regularización Integral de la Tenencia de la Tierra
de los Assentamientos Urbanos Populares. Artigos 53 e 54. Asamblea Nacional de
la República de Venezuela, junho de 2006.
18. Disponível em:
www.telesurtv.net/...
.
19.
Tribuna Popular,
junho de 2017.
[*]
Secretário-geral do PCB
O original encontra-se em
https://pcb.org.br/portal2/16375
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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