Planadores, criptografia e armas nucleares
Há que admiti-lo, as armas nucleares são o elefante na sala de
que ninguém gosta de falar. Por isso vamos abordar o assunto da
perspectiva menos ameaçadora da fantástica imagem do planador.
O planador parece estar suspenso sobre a pista, mas na realidade está a
dirigir-se para o fotógrafo a mais de 200 quilómetros por hora
numa manobra conhecida como passagem baixa a alta velocidade
(high-speed low pass).
O piloto começa a cerca de 609 metros de altitude e a mais de um
quilómetro da pista. Então mergulha para converter a altitude em
velocidade e rasa a pista. De seguida, faz uma rápida ascensão
para reconverter alguma da velocidade em altitude, para que possa voltar-se e
aterrar.
Visto que o planador não tem motor, poderia inquirir-se como o piloto
pode ter a certeza que ganha altitude suficiente na subida para voltar-se e
aterrar em segurança. As leis da Física dizem-nos exactamente
como a altitude é trocada por velocidade e vice-versa. Apesar de haver
uma perda devido à resistência do ar no planador, essa
dá-se numa quantidade conhecida pelo piloto, que a leva em conta
começando por isso de uma altitude superior àquela
necessária para a fase de aterragem.
Mas é importante ler as "letras miúdas" nessa garantia
fornecida pelas leis da Física. Só se aplicam se o ar estiver
estacionário. Se houver um ligeiro vento a diferença é
desprezável, mas se o movimento do ar for bastante forte, cancelem as
vossas apostas que foi o que aconteceu a um amigo meu que executara a
manobra em segurança muitas vezes. Mas dessa vez foi atingido por vento
muito forte e continuado numa corrente descendente. As leis da Física
ainda se aplicavam, mas o modelo do ar estacionário não era mais
aplicável e ele não tinha maneira de saber a
situação em que se encontrava até ter-se aproximado da
pista de aterragem com muito menos velocidade que aquela necessária a
uma aterragem em segurança. Conseguiu ainda assim aterrar sem danos para
si ou para o seu planador, mas ficou tão abalado que já
não executa essa manobra.
Embora a maioria dos pilotos de planador façam por vezes os
low passes
(e algumas corridas exijam que a meta seja cruzada assim), optei por
não fazê-los porque os considero manobras 99,9% seguras o
que não é tão seguro quanto parece. Uma manobra 99,9%
segura pode ser executada em segurança 999 vezes em cada 1000, mas uma
vez nessas 1000 pode matar-te.
Apesar de serem duas noções claramente equivalentes, uma
hipótese em 1000 de morrer soa bem mais arriscado que 99,9% seguro. A
perspectiva piora quando se reconhece que a taxa de fatalidade é um em
1000 para cada execução desta manobra. Se um piloto executa uma
manobra 99,9% segura 100 vezes, assume aproximadamente a probabilidade de 10%
de morrer. Pior, o medo que ele sente nas primeiras vezes dissipa-se enquanto
ele vai ganhando confiança na sua agilidade. Mas essa confiança
é na verdade complacência, o que os pilotos sabem ser o seu pior
inimigo.
Uma situação similar existe com as armas nucleares. Muitas
pessoas apontam para a ausência de uma guerra global desde a aurora da
era nuclear como prova que estas armas garantem a paz. O míssil MX foi
até baptizado como o Peacekeeper (Guardador da Paz). Assim como as leis
da Física são usadas para garantir que um piloto executando um
low pass
ganhará altitude suficiente para fazer uma aterragem em
segurança, uma lei de dissuasão nuclear é invocada para
acalmar qualquer preocupação sobre a possibilidade de matar
milhares de milhões de pessoas inocentes: Uma vez que a Terceira Guerra
Mundial significaria o fim da civilização, ninguém ousaria
começá-la. Cada lado é dissuadido de atacar o outro pela
perspectiva da destruição assegurada. Por isso é que a
nossa corrente estratégia é a chamada dissuasão nuclear ou
destruição mútua assegurada (MAD).
Mas, uma vez mais, é importante ler as "letras miúdas".
É verdade que ninguém no seu perfeito juízo
começaria uma guerra nuclear, mas quando as pessoas estão sob
elevada pressão comportam-se por vezes irracionalmente e até
decisões racionais podem levar a sítios que ninguém quer
visitar. Nem o presidente norte-americano John F. Kennedy nem o
primeiro-ministro russo Nikita Krushchev queriam oscilar à beira do
abismo nuclear durante a crise dos mísseis de Cuba em 1962, mas foi
exactamente isso que fizeram.
Menos conhecidas crises nucleares ocorreram: durante a crise de Berlim de 1961,
a Guerra do Yom Kippur em 1973 e o exercício Able Archer da NATO em
1983. Em cada um destes episódios, a lei das consequências
indesejadas combinada com o perigo das tomadas de decisão irracionais
sobre pressão criou uma situação extremamente perigosa.
Visto que a última data de uma quase catástrofe nuclear acima
mencionada é 1983, poderia ser de esperar que o fim da Guerra Fria
tivesse removido a espada nuclear que pairava sobre o pescoço da
humanidade. Apesar do facto de outras potenciais crises como Taiwan não
tenham sido afectadas, um olhar mais próximo revela que a Guerra Fria,
em vez de ter acabado, meramente entrou em hibernação. No
ocidente, o renascimento deste espectro é usualmente atribuído ao
ressurgimento do nacionalismo russo, mas como na maioria das contendas, o outro
lado vê as coisas de modo bastante diverso.
A perspectiva russa vê os Estados Unidos a comportar-se de modo
irresponsável ao reconhecer o Kosovo, ao colocar mísseis (embora
defensivos) na Europa de Leste e ao expandir a NATO exactamente até
à fronteira russa. Para os nossos propósitos correntes, a
última destas preocupações é a mais relevante
porque envolve ler as "letras miúdas" neste caso o
Artigo 5 da Carta da NATO, que implica que qualquer ataque a qualquer membro da
NATO deve ser interpretado como um ataque a todos os seus membros.
É parcialmente por esta razão que algumas das antigas
repúblicas soviéticas e países sob a esfera de
influência soviética foram trazidos para a NATO e que o presidente
George W. Bush está a pressionar para que a Geórgia e a
Ucrânia sejam admitidas. Uma vez que estas nações estejam
na NATO, pensa-se que a Rússia não ousará tentar
subjugá-las novamente uma vez que isso implicaria a
devastação nuclear pelos Estados Unidos, que estariam obrigados
pelo tratado a vir em apoio à nação atacada.
Mas, assim como as leis da Física dependiam de um modelo que não
era sempre aplicável durante o
low pass
do planador, a lei da dissuasão que parece garantir a paz e a
estabilidade é dependente de um modelo. Neste modelo simplificado, um
ataque pela Rússia seria não provocado. Mas e se a Rússia
se sentisse provocada a atacar e uma perspectiva diferente no Ocidente visse o
ataque como não provocado?
Foi uma situação similar que despoletou a Primeira Guerra
Mundial. O assassinato do arquiduque da Áustria Francisco Fernando por
um nacionalista sérvio levou a Áustria a exigir a
autorização para entrar em território sérvio para
lidar com organizações terroristas. Esta exigência
não era irrazoável uma vez que o interrogatório aos
assassinos capturados tinha mostrado haver cumplicidade da parte de militares
sérvios e foi mais tarde determinado que o chefe dos serviços
secretos sérvios era um dos líderes da organização
terrorista Mão Negra. A Sérvia viu as coisas de um modo diferente
e rejeitou a exigência. Começou assim a guerra entre a
Áustria e a Sérvia, e as obrigações de tratados
similares ao Artigo 5 da NATO provocaram um conflito global.
Quando este artigo foi escrito em Maio de 2008, a pouca cobertura noticiosa da
disputa entre a Rússia e a Geórgia informava que "ambos os
lados avisaram que está prestes a haver uma guerra". Enquanto
estava a ser revisto, em Agosto, o conflito tinha escalado para as primeiras
páginas como uma guerra de baixa intensidade e não declarada. Se
Bush tivesse tido êxito nos seus esforços para trazer a
Geórgia para a NATO, teríamos de enfrentar a desagradável
escolha entre renegar as nossas obrigações ao abrigo do tratado
ou empreender acções que implicariam o risco de destruir a
civilização. Um risco similar existe entre a Rússia e a
Estónia, que já é um membro da NATO.
Voltando temporariamente aos planadores, apesar de eu não fazer
low passes,
não julgo os meus colegas planadores que escolhem fazê-los. Em
vez disso, encorajo-os a estarem bastante conscientes do risco. O piloto na
foto tem mais de 16.000 horas de voo e faz
low passes
em shows aéreos há mais de 30 anos, mas não os faz em
condições turbulentas, assegura-se que tem contacto de
rádio com um observador de confiança no solo que observa as
outras aeronaves e apenas fá-los quando o vento está descendente
para que apenas tenham de fazer uma volta de procedimento
(tear drop)
para aterrar. O facto de um tão experiente piloto praticar tantas
medidas preventivas diz muito acerca do risco da manobra. O problema não
é tanto efectuar os
low passes,
mas sim tornar-se complacente se fizemos a mesmo coisa 100 vezes sem que
tenha ocorrido qualquer incidente.
Do mesmo modo, não estou a argumentar contra a admissão da
Geórgia na NATO ou a sugerir que a Estónia deveria ser expulsa.
Em vez disso, encorajo-os a estarem conscientes do risco. Se o fizermos,
há uma muito maior probabilidade de encontrarmos maneiras de reduzir as
verdadeiras fontes do risco, incluindo remendarmos as rapidamente decadentes
relações russo-americanas. O problema não é tanto
admitir antigas repúblicas soviéticas na NATO, mas sim
tornarmo-nos complacentes quanto à nossa capacidade de dissuadir
militarmente a Rússia de empreender acções com as quais
não concordemos.
Sub-estados
Parte da dificuldade da sociedade em visionar a ameaça de uma guerra
nuclear pode ser entendida se considerarmos a figura 2. O círculo na
esquerda representa o estado actual do mundo, enquanto o da direita representa
o mundo após uma guerra nuclear em larga escala. Porque a Terceira
Guerra Mundial é uma situação da qual não há
retorno, não há nenhum caminho de volta para o nosso estado
actual. Embora exista uma seta mostrando a possibilidade de uma
transição do nosso actual estado para um de guerra global, esse
caminho parece impossível para a maioria das pessoas.
Como é possível que transitemos da actual situação
mundial relativamente pacífica para a Terceira Guerra Mundial? A
resposta encontra-se em reconhecer que o que é descrito como uma
situação única do estado do mundo não é
senão uma simplificação de algo muito mais complexo.
Porque cada estado que engloba condições aquém de uma
Terceira Guerra Mundial, como descrito abaixo, é na verdade composto de
uma série de sub-estados com situações aquém
da Terceira Guerra Mundial com variáveis graus de risco:
A sociedade está em parte correcta em pensar que uma
transição do nosso actual estado para uma guerra em grande escala
é impossível porque, a maior parte do tempo, ocupamos sub-estados
bastante afastados de uma Terceira Guerra Mundial e que têm poucas ou
nenhumas possibilidades de transitar para esse ponto sem retorno.
Mas é possível mover o nosso actual sub-estado para um
ligeiramente mais próximo da extremidade, e depois para outro ainda
mais
Como descrito abaixo, uma tal sequência de passos levou
à crise dos mísseis em Cuba e poderia levar a uma crise moderna
de similar magnitude envolvendo a Estónia, a Geórgia ou outro
ponto quente onde estejamos a ignorar os sinais de aviso.
A crise dos mísseis de Cuba surpreendeu Kennedy, os seus conselheiros e
a maioria dos norte-americanos porque víamos os eventos de uma
perspectiva norte-americana e como tal não percebíamos os sinais
de alarme visíveis da perspectiva russa. Felizmente essa visão
foi registada por Fyodr Burlatsky, um dos escritores de discursos e conselheiro
próximo de Krushchev, assim como um dos homens na dianteira do movimento
de reforma soviético. Apesar de todas as perspectivas serem limitadas, a
de Burlatsky merece a nossa atenção como uma valiosa janela para
um mundo que necessitamos de entender melhor:
Na minha opinião a crise de Berlim (em 1961) foi uma abertura para a
crise dos mísseis de Cuba e de algum modo preparou Krushchev para enviar
mísseis para Cuba
Na sua opinião [os EUA insistindo em
levar a sua avante em certos assuntos], não era apenas um exemplo da
tradicional política americana de força, mas também um
subestimar da força soviética
Krushchev ficou furioso com
os americanos
que continuavam a comportar-se como se a União
Soviética estivesse muito abaixo deles
Eles não percebiam
que a União Soviética tinha acumulado grandes stocks [de armas
nucleares] para uma devastadora resposta retaliatória e que todo o
conceito de superioridade americana tinha perdido o seu significado
Krushchev pensou que uma poderosa demonstração de força
soviética era necessária
Berlim foi o primeiro teste de
forças, mas não produziu o resultado esperado, [mostrar à
América que a União Soviética era um seu igual].
[Burlatski 1991, página 164]
[Em 1959 Fidel Castro subiu ao poder e os EUA] foram hostis em
relação à vitória dos revolucionários
cubanos desde o início
nessa altura Castro não era
comunista nem marxista. Foram os próprios americanos que o empurraram na
direcção da União Soviética. Ele precisava de apoio
económico e político e ajuda com armas e encontrou-os em Moscovo.
[Burlatsky 1991, página 169]
Em Abril de 1991 os americanos apoiaram um ataque por expatriados cubanos
A derrota na Baía dos Porcos extremou os sentimentos anti-cubanos na
América até ao limite. Foram feitos apelos no Congresso e na
imprensa à invasão directa de Cuba
Em Agosto de 1962 foi
assinado um acordo [em Moscovo] para a entrega de armas a Cuba. Cuba
preparava-se para se defender na eventualidade de uma nova invasão.
[Burlatsky 1991, página 170]
A ideia de enviar os mísseis veio do próprio Krushchev
Krushchev e R. Malinovsky [ministro da Defesa soviético]
estavam
viajando pela costa do Mar Negro. Malinovsky apontou para o mar e disse que na
outra costa, na Turquia, havia uma base de mísseis nucleares americana
[que fora instalada recentemente]. Numa questão de seis ou sete minutos
mísseis lançados a partir daquela base poderiam devastar os
grandes centros na Ucrânia e sul da Rússia
Krushchev
perguntou a Malinovsky porque a União Soviética não
deveria ter o direito de fazer o mesmo à América. Porque, por
exemplo, não deveria colocar estrategicamente mísseis em Cuba?
[Burlatsky 1991, página 171]
Apesar da similaridade entre os mísseis cubanos e turcos, Krushchev
percebeu que a América consideraria inaceitável este envio, e
como tal fê-lo secretamente, disfarçando os mísseis e
esperando confrontar os EUA com um
fait accompli.
Uma vez estando os mísseis operacionais, os EUA não poderiam
atacá-los nem a Cuba sem arriscarem uma retaliação nuclear
horrenda. (Os mísseis turcos tinham um propósito similar do ponto
de vista norte-americano.) no entanto, Krushchev não previu o que
aconteceria se, como ocorreu, fosse apanhado no acto.
No que diz respeito à crise dos mísseis de Cuba, os sub-estados
da figura 3 que nos levaram à beira de uma guerra nuclear podem agora
ser identificados como:
-
Conflito entre os EUA e a Cuba de Castro.
-
Rússia exige ser tratada como um igual militarmente e é-lhe
negado esse estatuto.
-
A crise de Berlim.
-
A invasão da Baía dos Porcos.
-
EUA posicionam estrategicamente mísseis na Turquia.
-
Krushchev envia mísseis para Cuba.
Os actores envolvidos em cada passo não se aperceberam que o seu
comportamento era demasiado arriscado. Mas combinados e vistos da perspectiva
dos seus oponentes, esses passos levaram o mundo até à beira de
um desastre. Durante a crise, houve outros sub-estados adicionais, que
felizmente não foram visitados e que fariam com que a Terceira Guerra
Mundial fosse ainda mais provável.
Como exemplo, a forte pressão notada por Burlatsky para corrigir o
fiasco da Baía dos Porcos e remover Castro com uma forte invasão
norte-americana foi intensificada depois dos mísseis em Cuba serem
descobertos. Mas os que argumentavam a favor da invasão desconheciam o
facto só sabido muitos anos mais tarde no Ocidente que os
russos tinham armas nucleares de campo de batalha em Cuba e estiveram perto de
autorizar o seu comandante na ilha a atacar sem autorização
prévia de Moscovo no evento de uma invasão americana.
Análise de risco
Tenho estado preocupado em evitar uma guerra nuclear nos últimos 25
anos, mas uma extraordinária nova abordagem ocorreu-me apenas no ano
passado: utilizar uma análise de risco quantitativa para estimar a
probabilidade da dissuasão nuclear falhar. Esta abordagem é um
pouco como o Super Homem mascarado do calmo Clark Kent mas, antes de eu
explicar porque é tão extraordinária, precisamos explorar
o que é e ultrapassar o bloqueio mental chave que ajuda a explicar
porque ninguém tinha pensado ainda em aplicar esta valiosa
técnica.
Para perceber este bloqueio mental, é necessário imaginar que
alguém nos dá uma moeda de truques, pesada de modo a que caras e
coroas não sejam igualmente prováveis, e precisamos estimar a
probabilidade de calhar caras quando atirada ao ar. O que aprendemos se
atirarmos a moeda ao ar 50 vezes e sair sempre coroa? A análise
estatística diz que podemos estar moderadamente confiantes (95%, mais
precisamente) que a probabilidade de sair coroa está algures entre zero
e 6% por lance, mas isso deixa demasiada incerteza.
Pensando nos 50 anos em que a dissuasão funcionou sem falhar como os 50
lances da moeda, estamos moderadamente confiantes que a probabilidade de uma
guerra nuclear está algures entre 0 e 6% por ano. Mas há uma
grande diferença entre uma hipótese em mil milhões por ano
e 6% por ano, e ambas estão compreendidas nesse intervalo. Numa
hipótese em mil milhões, mais alguns anos neste mesmo estado das
coisas seria um risco aceitável. Mas 6% corresponde aproximadamente a
uma probabilidade de 1 em 16, o que no nosso caso seria o equivalente a jogar
à roleta nuclear uma versão global da roleta russa
uma vez por ano com um revólver de 16 câmaras.
Tal como o sobre-simplificado modelo de dois estados da figura 2 esconde o
perigo de uma guerra nuclear, a analogia da moeda esconde a possibilidade de se
poder extrair mais informação do que o registo histórico
a moeda de duas faces correspondendo aos dois estados da figura 2.
Dividindo um grande estado da figura 2 em pequenos sub-estados da figura 3
evidencia-se o perigo escondido no modelo de dois estados. Na mesma maneira, a
análise de risco divide uma falha catastrófica da
dissuasão nuclear numa sequência de falhas menores, muitas das
quais ocorreram e cujas probabilidades podem como tal ser estimadas.
As técnicas modernas de análise de riscos ganharam inicialmente
proeminência na segurança de reactores nucleares, em particular
com o Relatório Rasmussen de 1975, produzido para a Comissão
Reguladora Nuclear. Na análise de custo-benefício, Richard Wilson
e Edmund Crouch notaram "[O Relatório Rasmussen] usou a
análise de árvore de eventos
Esta nova abordagem tinha
originalmente detractores, e na verdade a sua não
utilização
pode ter contribuído para a
ocorrência do acidente de Three Mile Island. Se o procedimento da
árvore de eventos
tivesse sido aplicado ao [o design do reactor
usado em Three Mile Island]
provavelmente o incidente em Three Mile
Island pudesse ter sido evitado." [Wilson and Crouch 2001, páginas
172-173]
Uma árvore de eventos começa com um evento inicial que põe
o sistema sob stress. Para um reactor nuclear, um evento inicial poderia ser a
falha de uma bomba de refrigeração. Ao contrário da falha
catastrófica que nunca ocorreu (assumindo que estamos a analisar um
design diferente daquele utilizado em Chernobyl), tais eventos iniciais ocorrem
com frequência suficiente para que a sua taxa de ocorrência possa
ser estimada directamente. A árvore de eventos tem assim vários
ramos nos quais o evento inicial pode ser contido com consequências
não catastróficas, por exemplo pela activação de um
sistema auxiliar de refrigeração. Mas se a falha ocorre em cada
um destes ramos (
e.g.
todos os sistemas auxiliares de refrigeração falharem),
então o reactor falha catastroficamente. As probabilidades são
estimadas para cada ramo na árvore de eventos e a probabilidade de uma
falha catastrófica é obtida como o produto das probabilidades de
falhas individuais.
Aplicando a análise de risco à falha catastrófica da
dissuasão nuclear, uma percepção de ameaça por
qualquer um dos lados é um exemplo de um evento inicial. Se cada lado
praticar cautela adequada nas suas respostas, esse evento inicial pode ser
contido e a crise desaparece. Mas a árvore de eventos que consiste em
acção e reacção pode falhar catastroficamente e
resultar numa Terceira Guerra Mundial se nenhum dos lados estiver disposto a
recuar do abismo nuclear, tal como quase ocorreu na crise de Cuba em 1962. Cada
ramo ou falha parcial corresponde a mover um ou mais sub-estados na
direcção do desastre na figura 3.
Porque a dissuasão nuclear nunca falhou completamente, a probabilidade
atribuída ao último ramo na árvore de eventos
(última transição na figura 3) envolverá
subjectividade e um maior nível de incerteza. A confiança no
resultado final pode ser aumentada ao incorporar várias opiniões
de especialistas e usando um intervalo em vez de um único número
nessa probabilidade, assim como fornecendo justificações para as
opiniões diferentes.
A crise dos mísseis de Cuba fornece um bom exemplo de como estimar essa
probabilidade final. Kennedy estimou as probabilidades da crise tornar-se
nuclear como "algures entre um em três e um para um". O seu
secretário da Defesa Robert McNamara escreveu que não esperava
viver até ao fim da semana, apoiando uma estimativa similar à de
Kennedy. No outro extremo, McGeorge Bundy, que era um dos conselheiros de
Kennedy durante a crise, estimou as probabilidades em 1%.
Numa análise de risco preliminar da dissuasão nuclear
recentemente publicada, usei um intervalo de 10% a 50%. Eliminei a estimativa
de 1% de Bundy porque invadir Cuba era uma opção frequentemente
considerada, embora nenhum norte-americano estivesse ciente das armas nucleares
de campo de batalha que teriam com elevada probabilidade sido utilizadas na
eventualidade de uma invasão. Como exemplo do raciocínio
deficiente devido a esta falta de informação, Douglas Dillon,
outro membro do grupo de conselheiros de Kennedy, escreveu,
"Operações militares pareciam cada vez mais
necessárias
A pressão estava a ficar muito alta
Pessoalmente, desagradava-me a ideia da invasão [de Cuba]
No
entanto, o que estava em jogo era tanto que pensámos que
poderíamos mesmo ter de avançar. Nem todos tínhamos
informações detalhadas sobre o que se seguiria, mas não
críamos que houvesse o risco real de qualquer troca nuclear."
(Blight & Welch 1989, página 72.)
A sequência de passos previamente listados como conducentes à
crise cubana é um exemplo de uma árvore de eventos que quase
chegou a uma falha catastrófica, e re-examinar esses passos à luz
de eventos similares actuais mostrará que, ao contrário da
opinião pública que vê a ameaça de uma guerra
nuclear como um fantasma do passado, o perigo espreita pelas sombras, esperando
até que uma vez mais possa saltar para a luz do dia, como fez em 1962:
Passo 1:
Conflito entre os EUA e a Cuba de Castro: Os actuais conflitos entre a
Rússia e vários antigos estados da esfera de influência
soviética são similares. Por exemplo, como notado anteriormente,
Bush está a pressionar para que a Geórgia seja um membro da NATO
apesar da Rússia e a Geórgia terem acabado de disputar uma guerra
revolvendo sobre assuntos ainda por resolver.
Passo 2:
A Rússia exigindo ser tratado como um igual militarmente mas vendo este
estatuto ser-lhe negado: o mesmo é verdade hoje. Apesar da Rússia
ter 15.000 armas nucleares, a América vê-se como a única
superpotência restante, o que levou até o antigo presidente
Mikhail Gorbachev a dizer recentemente, "Só há uma coisa que
a Rússia não aceitará
a posição de
irmão mais novo, a posição de uma pessoa que faz aquilo
que lhe dizem". Repetidas afirmações norte-americanas sobre
como derrotaram a Rússia na Guerra Fria lançam achas na fogueira,
uma vez que os russos sentem que foram participantes iguais no encerramento
desse conflito.
Passos 3 e 4:
A crise de Berlim e a invasão da Baía dos Porcos: Várias
crises potenciais estão a fermentar (
e.g.
Tchechénia, Geórgia, Estónia e Venezuela) que têm
um semelhante potencial.
Passo 5:
O posicionamento estratégico de mísseis balísticos de
alcance médio (IRBMs) na Turquia: um sistema de mísseis
defensivos que estamos a planear na Europa de Leste tem uma agoirenta
similaridade aos mísseis turcos. Enquanto estes novos mísseis
são vistos como defensivos e não são uma questão
nos EUA, os russos vêem-nos como ofensivos e parte de um cerco militar
americano. Em Outubro de 2007, o então presidente e agora
primeiro-ministro Vladimir Purin avisou, "Acções similares
da União Soviética, quando pôs mísseis em Cuba,
despoletaram a crise dos mísseis cubanos". Dois meses mais tarde,
Gorbachev questionou o objectivo afirmado pela América de contrariar uma
possível ameaça de mísseis iraniano, "Que
espécie de ameaça do Irão é que vêem? Este
é um sistema que está a ser criado contra a Rússia".
Passo 6:
O posicionamento estratégico dos mísseis cubanos por Khrushchev:
Embora não exista ainda na actualidade uma situação
análoga a este passo, vários tremores de aviso já
ocorreram. Em Julho de 2008
Izvestia,
um jornal russo frequentemente utilizado para difundir a fuga de
informação estratégica governamental anunciou que se
prosseguíssemos com o intento do sistema de mísseis defensivos na
Europa de Leste, os bombardeiros nucleares russos poderiam ser colocados em
Cuba. Durante as audiências para a sua tomada de posse no Senado como
chefe de estado maior da força aérea, o general Norton Schwartz
respondeu, "Nós devemos manter-nos firmes e indicar que isso
é ultrapassar um limite, cruzar a linha vermelha". Embora mais
tarde o ministro dos negócios estrangeiros russo tenha negado os
anúncios de
Izvestia,
há uma perigosa parecença com os eventos que levaram à
crise dos mísseis de Cuba.
O facto de ainda não estarmos a olhar para o abismo nuclear é
pequeno motivo de conforto. Em termos da sequência de eventos que tornam
uma manobra 99,9% segura num acidente fatal, nós já estamos num
ponto perigoso do processo e, como no planador, precisamos reconhecer a
complacência como o nosso verdadeiro inimigo.
Quão arriscadas são as armas nucleares?
Até pequenas alterações na nossa postura em
relação às armas nucleares têm sido rejeitadas como
muito arriscadas apesar do risco básico da nossa actual
estratégia nunca ter sido estimado. Pouco após ter reconhecido
este buraco aberto no nosso conhecimento, fiz uma análise de risco
preliminar que indica que confiar em armas nucleares como garantia da nossa
segurança é milhares de vezes mais arriscado que construir uma
central nuclear ao lado da nossa casa.
Equivalentemente, imagine duas centrais nucleares sendo construídas, uma
de cada lado da sua casa. Isso é tudo que podemos pôr ao seu lado,
agora imagine um anel de quatro centrais construído à volta das
duas primeiras, e depois um anel maior construído à volta desse,
e outro até haverem milhares de reactores nucleares rodeando-o. Esse
é o nível de risco que a minha análise preliminar indica
para cada um de nós, no caso de uma falha na dissuasão nuclear.
Embora a análise que levou a essa conclusão envolva mais
matemática do que é apropriado aqui, uma abordagem intuitiva leva
à ideia geral. Na ciência e na engenharia, quando tentamos estimar
quantidades que não são bem conhecidas, usamos frequentemente
estimativas de "ordem de magnitude". Só estimamos a quantidade
à potência mais próxima de 10, por exemplo 100 ou 1000, sem
nos preocuparmos com valores precisos como 200, que aqui seria arredondado para
100.
Nesta abordagem intuitiva pergunto primeiro às pessoas se acham que o
mundo poderia sobreviver 1000 anos que fossem similares a 20
repetições dos últimos 50 anos. Acreditam que
poderíamos sobreviver a 20 crises de mísseis de Cuba mais todas
as outras eminentes crises nucleares que ocorreram? Quando ponho esta
questão, a maioria das pessoas não acreditam que
pudéssemos sobreviver mais 1000 anos assim.
Então pergunto se crêem que possamos sobreviver mais 10 anos do
mesmo modo, e a maioria diz que provavelmente podemos. Não há
garantia, mas conseguimos nos últimos 50 anos, por isso as
probabilidades são boas para que consigamos mais 10. Na abordagem da
ordem de magnitude, estamos agora vinculados ao horizonte de tempo para uma
falha da dissuasão nuclear como sendo maior que 10 anos e menor que
1000. Isso deixa-nos 100 anos como a única potência de 10 no meio.
A maioria das pessoas estima assim que podemos sobreviver na ordem dos 100
anos, o que implica uma taxa de falha de aproximadamente 1% ao ano.
Numa base anual, isso faz com que a dependência de armas nucleares seja
uma manobra 99% segura. Tal como as manobras 99,9% seguras nos planadores,
não é tão segura como parece e não é motivo
para complacência. Se continuarmos a depender duma estratégia com
uma taxa de falha de 1% ao ano, tal soma perto dos 10% numa década e a
quase certa destruição no período de vida dos nossos
netos. Porque a estimativa foi apenas precisa a uma ordem de magnitude, o risco
verdadeiro pode ser até três vezes mais ou menos provável.
Mas mesmo um terço percentual por ano soma aproximadamente 25% de taxa
de fatalidade para uma criança nascida hoje e, com 3% por ano consignar,
com elevada probabilidade, essa criança a uma prematura morte nuclear.
Dadas as catastróficas consequências da falha da dissuasão
nuclear, os standards usuais para a segurança industrial requereriam um
horizonte de tempo para uma falha bastante superior a um milhão de anos
antes do risco ser aceitável. Até um horizonte de tempo de
100.000 anos envolveria tanto risco quanto saltar de queda livre todos os anos,
mas com todo o mundo preso ao pára-quedas. E um horizonte de 100 anos
é o equivalente a fazer três saltos de pára-quedas por dia,
todos os dias, com todo o mundo em risco.
Embora a minha análise preliminar e a abordagem intuitiva acima descrita
apresentem a prova de que a manutenção das coisas como elas
estão acarreta demasiado risco, análises mais profundas
são necessárias para corrigir e confirmar essas
indicações. Uma declaração apoiada por
indivíduos notáveis
[1]
"peticiona urgentemente que a comunidade científica internacional
empreenda uma análise profunda do risco da dissuasão nuclear e,
se assim os resultados o indicarem, dar o alarme que alerte a sociedade para o
risco inaceitável que esta enfrenta, assim como iniciar numa segunda
fase um esforço para identificar possíveis
soluções".
Este esforço de segunda fase será ajudado pelos estudos iniciais
porque, em adição à estimativa do risco de uma falha na
dissuasão nuclear, eles identificarão os mais prováveis
mecanismos de ignição, portanto permitindo que a
atenção seja direccionada para onde é mais
necessária. Por exemplo, se como parece provável, um incidente
nuclear terrorista for considerado como um provável mecanismo de
ignição para uma guerra nuclear à escala global,
então muito mais atenção deve ser direccionada para
desviar esse pequeno mas catastrófico evento.
Enquanto aguardamos as conclusões definitivas acerca do risco que
enfrentamos dos propostos estudos a fundo, para aliviar de
exposição o restante deste artigo assume que a conclusão
alcançada pelo meu estudo preliminar que o risco é
demasiadamente grande e necessita urgentemente de ser reduzido é
comprovada.
A possibilidade positiva
A meio da era de 70 Whit Diffie, Ralph Merkle e eu próprio
inventámos a criptografia de chave pública, uma tecnologia que
hoje mantêm a confidencialidade da Internet e que nos granjeou muitos
louvores e honras. No entanto, quando pela primeira vez concebemos a ideia,
muitos peritos disseram-nos que não teríamos sucesso. O seu
cepticismo era compreensível por que uma chave pública voava
à frente da sabedoria acumulada de centenas de anos de conhecimento
criptográfico: Como podia a chave ser pública se o seu secretismo
era tudo que impedia um oponente de ler o meu mail? O que não perceberam
foi que "a chave" podia tornar-se "duas chaves", uma
pública para cifrar e uma secreta para decifrar. Toda a gente podia usar
a minha chave pública para cifrar mensagens, mas apenas as podia
entender decifrando-as com a minha chave secreta.
Tal como muitos peritos em criptografia pensavam que não podíamos
dividir a chave e usavam argumentos baseados em anos de sabedoria acumulada que
não eram aplicáveis à nova possibilidade, a maioria das
pessoas tem dificuldade em visionar um mundo em que a ameaça nuclear
seja uma relíquia do passado. Embora não haja garantia que um
similar avanço exista para terminar com a ameaça eminente nas
armas nucleares, esta secção fornece provas em como as nossas
probabilidades de sobrevivência são maiores do que pensamos.
Primeiro, a figura 3 tem de ser modificada adicionando-se um terceiro estado no
qual o risco de catástrofe nuclear foi reduzido milhares de vezes desde
o seu presente nível, de modo que esteja a um nível
aceitável.
Para que o risco seja verdadeiramente aceitável, este novo estado deve
ser um estado de não-retorno o seu risco não seria
aceitável se o mundo pudesse transitar no sentido regressivo para o
nosso estado actual, com o seu risco inaceitável. Nesta nova imagem, o
nosso actual sub-estado está próximo da média do actual
estado do mundo. Não estamos próximos de uma Terceira Guerra
Mundial mas também não estamos nem próximo de um
nível aceitável de risco.
Por muito que as pessoas tivessem dificuldade em visualizar a criptografia de
chave pública antes que nós desenvolvêssemos um sistema
operável, tinham também dificuldade em visionar um mundo que
fosse bastante melhor que aquele que haviam experimentado no passado. A
evolução do movimento para a abolição da
escravatura nos EUA fornece uma boa ilustração dessa dificuldade.
Em 1787, a escravatura foi incluída na constituição
norte-americana. Em 1835, uma multidão de Boston atacou o abolicionista
William Lloyd Garrison e arrastou-o seminu pelas ruas. Em Illinois em 1837, uma
multidão matou outro abolicionista, Elijah Lovejoy. No ano seguinte, uma
multidão de Filadélfia queimou o edifício onde uma
convenção anti-escravatura tomava lugar. Nesse ambiente de
sub-estado, poucas pessoas conseguiam visualizar o fim da escravatura nos 30
anos seguintes, e menos ainda que cidadãos de Massachussetts, Illinois e
Pensylvania dariam as suas vidas para ajudar a cumprir esse nobre objectivo.
Embora fosse quase impossível de imaginar em 1787 ou até
na década de 1830 agora sabemos que, como se observa na figura 5,
houve uma sequência de sub-estados que levou a um novo estado no qual a
escravatura foi não só abolida, mas não tinha nenhuma
possibilidade de retornar. Os motins anti-abolicionistas da década de
1830 provavelmente vistos pela maioria na altura como prova das
inultrapassáveis barreiras na luta contra a escravatura estavam
na verdade a assinalar que um novo sub-estado tinha sido atingido e que a
mudança começava a acontecer.
Não houve motins similares em 1787 porque o movimento abolicionista era
praticamente inexistente. Na década de 30, a abolição
começou a ser vista como uma séria ameaça aos apoiantes da
escravatura, do que resultaram os motins.
A História mostra que as pessoas têm uma extrema dificuldade em
perspectivar tanto possibilidades negativas como positivas que sejam fortemente
diferentes da sua experiência passada. Portanto mesmo que eu tivesse uma
bola de cristal e pudesse prever a sequência dos sub-estados (passos) que
nos levariam ao estado de risco aceitável descrito na figura 4, muito
poucos acreditariam em mim. Como um exemplo da dificuldade, imaginem a
reacção se alguém, anterior à subida de Gorbachev
ao poder, tivesse previsto que um líder da União Soviética
levantaria a censura, encorajaria debates livres e não usaria a
força militar para evitar que as repúblicas rompessem com a
união. Na melhor das hipóteses esse visionário seria visto
como alguém extremamente ingénuo.
Numa versão mais suave desse problema, em Setembro de 1984, comecei um
projecto destinado a promover diálogo significativo entre as comunidades
científicas americana e soviética, numa tentativa de
desarmadilhar a ameaça da guerra nuclear, que estava então sob os
seus focos. Estava consciente das limitações que a censura
soviética impunha, mas acreditava que ainda assim havia alguma
oportunidade de fluírem informações, embora
unilateralmente. Tinham passado oito anos desde a minha última viagem
à União Soviética e esta visita foi um abrir de olhos.
Embora não o soubesse na altura, estava a encontrar-me com pessoas que
estavam na vanguarda do nascente movimento reformista que traria Gorbachev ao
poder seis meses depois, com muito deles a aconselhá-lo directamente.
A censura ainda era a lei da terra
[NR]
, por isso os cientistas com quem me encontrei não concordariam com as
minhas ideias que contradissessem as linhas do partido. Mas também
não discutiriam. Senti que algo muito diferente estava a fermentar, mas
apenas quando voltei aos EUA. Eu era frequentemente visto como uma pessoa
extremamente ingénua por acreditar que conversações
significativas eram possíveis com pessoas de qualquer categoria da do
sistema soviético.
Os passos que levassem a um mundo verdadeiramente seguro na figura 4 pareceriam
extremamente ingénuos à maioria das pessoas de hoje. É
então contraproducente explanar um mapa explícito para esse
objectivo. Mas como podemos ganhar apoio sem um plano explícito para
alcançar esse objectivo? Até me ter apercebido da aplicabilidade
da análise de risco, não conseguia ver como poderia ser
alcançado, mas a análise de risco providenciou um mapa mais que
explícito, implícito. Nenhum passo único pode reduzir o
risco em mil vezes, por isso se a abordagem da análise de risco puder
ser incutida na consciência da sociedade, então um passo
após o outro terá que ser dado até que o estado com um
risco aceitável seja alcançado. Passos posteriores, que hoje
seriam rejeitados como impossíveis (que provavelmente o são)
não precisam ser citados, mas estão latentes, esperando pela sua
descoberta como parte deste processo.
O primeiro passo crítico é, portanto, que a sociedade
reconheça o risco inerente à dissuasão nuclear.
23/Outubro/2008
(Se concorda, por favor partilhe este artigo ou qualquer abordagem que
prefira com outros. O E-mail é particularmente eficaz uma vez que
amigos que concordem podem então fazer a mensagem passar para outros.
Este artigo, um e-mail de amostra e outras ferramentas sobre o assunto podem
ser encontradas na página de recursos em
NuclearRisk.org
. "Só falar" pode não parecer concretizar muito, mas
como
está graficamente descrito na figura 4 e como foi notado pelo antigo
sábio chinês Lao Tzu, "A viagem de um milhar de
quilómetros começa com um simples passo". Se ainda
não começou, espero que dê o primeiro passo.
[*]
Martin Hellman é professor emérito de engenharia
electrotécnica da Stanford University. Este reputado matemático
é mais conhecido pela invenção da criptografia da chave
pública (PGP), base das transacções seguras na Internet,
entre outras. Hellman trabalha há mais de 25 anos na
redução da ameaça das armas nucleares e o seu actual
projecto está descrito em NuclearRisk.org. É piloto de planadores
com mais de 2.600 horas de voo.
Notas
1. Professor Kenneth Arrow, Universidade de Stanford, Prémio Nobel da
Economia em 1972; Sr. D. James Bidzos, presidente do conselho de
administração e CEO interino da VeriSign Inc.; Dr. Richard
Garwin, Pesquisador emérito da IBM, antigo membro dos Comité de
Aconselhamento Científico e Conselho de Ciência Defensiva
Presidenciais; Almirante Bobby R. Inman, Marinha Norte-americana (na reserva),
Universidade do Texas em Austin, antigo Director Nacional da NSA (Agência
de Segurança Nacional) e Director Adjunto da CIA; Professor William
Kays, antigo reitor de engenharia na Universidade de Stanford; Professor Donald
Kennedy, presidente emérito da Universidade de Stanford, antigo director
da FDA (Administração dos Alimentos e Drogas); Professor Martin
Perl, Universidade de Stanford, Prémio Nobel da Física em 1995.
[NR] Ao publicar um artigo resistir.info não tem necessariamente de
concordar com todo o seu conteúdo.
O original encontra-se em
http://atimes.com/atimes/Front_Page/JJ23Aa01.html
. Traduzido por João Camargo.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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