"O perigo fascista e o desemprego"
O
New York Times
convidou-me a exprimir-me brevemente sobre o perigo fascista. Em resposta a
esse convite envio as linhas que se seguem. Pretendendo ser breve,
exprimir-me-ia de um modo categórico e dogmático que poderia dar
uma impressão de imodéstia. Pedirei, portanto, aos leitores o
favor de serem indulgentes para com a forma das minhas
considerações e de não se interessarem senão pelo
seu conteúdo.
Quase toda a gente neste
país considera o regime e o modo de vida fascistas um mal contra o qual
nos devemos defender por todos os meios disponíveis. É
reconfortante ver os espíritos concordarem nesse ponto. Mas uma tal
unanimidade não existe nem acerca da natureza desse perigo nem sobre os
meios a mobilizar para o afastar. Exprimirei o meu ponto de vista sobra este
assunto nas linhas que se seguem.
Eu tive oportunidade de
observar a propagação da epidemia na Alemanha. Não
é sem dificuldades nem reticências que o homem renuncia às
suas liberdades e aos seus direitos. Mas basta que um povo se veja, em grande
parte, confrontado com uma situação insuportável para que
se torne incapaz de um julgamento são e se deixe abusar voluntariamente
por falsos profetas. "Desemprego" é a palavra terrível
que designa essa situação. Também o recear do desemprego
é igualmente lancinante.
A ausência constante de
segurança económica engendra uma tensão que as pessoas
são incapazes de suportar a longo termo. Essa situação
será ali pior do que aqui porque, num país fortemente povoado e
dispondo de recursos naturais extremamente limitados, as
flutuações económicas fazem-se sentir com ainda maior
dureza.
Existe também aqui uma
situação semelhante; o progresso tecnológico e a
centralização da produção provocaram um desemprego
crónico e uma parte muito considerável da população
em idade de trabalhar luta em vão para se integrar no processo
económico. Sobreveio desde então que tanto aqui como lá os
demagogos encontraram algum sucesso provisório mas, graças
à existência neste país de uma mais forte e mais
avançada tradição política, eles não duraram
muito tempo.
Estou convencido de que
só medidas eficazes contra o desemprego e a insegurança
económica do indivíduo poderão realmente afastar o perigo
fascista. Por certo é necessário contrariar a propaganda fascista
levada a cabo do exterior. Mas é preciso abandonar a ideia
errónea e perigosa de que alcançaremos o fim do perigo fascista
através de medidas puramente políticas. Tudo se passa, pelo
contrário, como quando existe uma ameaça de contágio pela
tuberculose. É certamente bom que existam medidas de higiene impeditivas
logo que entremos em contacto com os germes da doença, mas uma boa
alimentação é ainda mais importante, dado que ela
reforça as defesas naturais do indivíduo contra a
infecção.
Todos os que se interessam pela
salvaguarda dos direitos cívicos neste pais devem, por conseguinte,
estar disponíveis também a procurar de forma sincera uma
solução para o problema do desemprego, tal como devem prestar-se
aos sacrifícios necessários para a alcançar. É
preciso então perguntar se não é justificado sacrificar
uma parte da liberdade económica se isso permitir em contrapartida
garantir a segurança do indivíduo e da comunidade
política. Não é preciso considerar estas questões
de um ponto de vista sectário, pois trata-se de nos defendermos contra
um perigo que a todos diz respeito
[1]
.
O desempregado não sofre
somente por estar privado de bens de primeira necessidade. Ele sente-se ainda
excluído da comunidade humana. Ele vê recusada a possibilidade de
colaborar no bem-estar geral; não goza de nenhuma
consideração, sendo mesmo percebido como um fardo. É
absolutamente natural que ele tenha o sentimento de que nós procedemos
incorrectamente perante ele e que, procurando desembaraçar-se por si
mesmo, tenha pouco a pouco recorrido a meios ilegais, a actos criminosos.
Mas, se um dentre eles consegue
mesmo assim encontrar um emprego, após um período mais ou menos
longo de desemprego, ele não é mesmo assim um homem livre, porque
é inevitável que receie encontrar-se, em breve, de novo no
desemprego. Esse estado de tensão bem real dos que têm um emprego,
junto ao desemprego bem real daqueles que perderam o seu, torna as pessoas
amargas. Na busca de uma saída, eles concedem sem discernimento a sua
confiança ao primeiro que chegue a prometer-lhes uma melhoria da sua
situação. É aí que reside o perigo político
do desemprego. O perigo de ver o desemprego ameaçar a democracia
é particularmente elevado quando são jovens aqueles que devem
suportar essas amargas decepções; eles preferem não
importa que combate à resignação e a sua falta de
experiência torna-os cegos aos perigos e aos riscos que comporta uma
acção irreflectida.
É interessante constatar
a que grau a atitude dos homens face ao trabalho se modificou ao longo do
tempo. Quando Adão foi punido, escutou: "Ganharás o teu
pão com o suor do teu rosto"
[2]
. O trabalho foi-lhe imposto como castigo e foi por isso considerado como uma
maldição. O castigo do Adão moderno é o de ser
desocupado e privado do seu trabalho. Aquele que tem um trabalho suscita a
inveja. Se considerarmos o progresso económico da humanidade deste ponto
de vista lá se acaba essa bela altivez tanto dá a
impressão de termos, ao longo dos séculos, evoluído.
O desemprego é
particularmente cruel em período de crise económica. Muitas
pessoas têm por isso tendência a crer que uma vez ultrapassadas as
crises, o desemprego tenderá também a desaparecer. Isto
parece-me, no entanto, incorrecto. Mesmo em períodos de
prosperity
[3]
, o desemprego é significativo. É por isso que penso que podemos,
sem riscos de errarmos, abstrair-nos do fenómeno das
flutuações quando reflectimos nas causas do desemprego.
Parece-me que a maneira mais
convincente de elucidarmos a questão será recorrer a um modelo
simplificado ao extremo. Imaginemos uma ilha isolada do resto do mundo, na qual
a terra possui um rendimento suficiente para nutrir os seus 300 habitantes.
Supondo que existem 100 campos nessa ilha e que 100 habitantes possuem um campo
cada um, com a condição de que todos os cultivem produz-se mesmo
à justa para sustentar os trezentos habitantes.
Para que todo este sistema
funcione de maneira satisfatória aqui está o que deve passar-se:
cada camponês cultiva o seu campo com dois empregados, a quem paga para o
ajudarem. Com o seu salário estes compram aquilo de que têm
necessidade para viver. Deste modo, tudo está em ordem.
É então que um
dos camponeses inventa uma ferramenta de trabalho particularmente eficaz que
lhe permite obter do seu campo o rendimento habitual com a ajuda de um
só empregado. Resultado: temos um desempregado e um camponês para
o qual o lucro é mais importante que aqueles seus colegas, porque este
último pode vender os seus produtos mais baratos dado que tem que
desembolsar menos em salários.
A satisfação
é de curta duração. Ele faz, de facto, aos outros
camponeses uma concorrência desmesurada. Estes vêem-se, deste modo,
constrangidos a utilizar por seu turno a nova ferramenta que ele inventou, o
que lhes permitirá também obter doravante com um só
empregado o mesmo rendimento do costume.
Mas algo de grave se passou
entretanto. Cem homens são forçados ao desemprego e os camponeses
não mais chegam a desfazer-se de um terço da sua colheita, tanto
mais que não existe mercado exterior. Produzir do mesmo modo de futuro
não tem mais sentido algum. Não existe "procura"
correspondente àquilo de que cem homens têm necessidade para
viver. Pode-se, entretanto, produzir quanto muito um pouco mais que dois
terços da quantidade normal a fim de evitar que os 100 desempregados
morram de fome e se revoltem.
Eis que vejo os meus sensatos
leitores torcerem o nariz de desdém e dizerem que nada percebo de
economia. Esses cem desempregados, pensam, acabarão na realidade por
descobrir na sua miséria um meio de fazer frutificar o seu trabalho
utilmente e de receber em troca dinheiro e pão. Eles poderão, por
exemplo, tornar-se cabeleireiros, actores, enfermeiros, etc., e dessa forma
suavizar a vida da comunidade. Eis o que é perfeitamente verdadeiro. Mas
que este processo não logra, contudo, compensar o facto de que a
necessidade de mão-de-obra baixou em virtude do aperfeiçoamento
do processo, eu o vejo revelar-se na nossa economia de verdade e não
neste exemplo um pouco simplista que escolhi para clarificar a ideia.
Voltemos ainda ao nosso
exemplo! Os nossos trezentos insulares quebraram a cabeça para encontrar
uma forma de se desenvencilharem do desemprego de modo a recriarem o seu
paraíso perdido. Para começar, é evidente que um só
camponês não pode contratar duas pessoas e dividir o tempo de
trabalho por dois. Isto porque lhe seria necessário gastar tanto
dinheiro com os salários destes dois empregados que se tornava
impossível a ele sustentar a concorrência dos outros camponeses.
De facto, sozinho um
camponês não pode resolver o problema! Mas, todos juntos poderiam
consegui-lo, e eis o que eles determinaram: cada um deles contrataria duas
pessoas a meio tempo, mas com salário completo. A bem dizer, não
era indispensável exigir um salário normal, porque se as pessoas
passassem a receber um salário reduzido a metade os preços dos
cereais teriam forçosamente que baixar, eles também, para metade,
e seria oportuno evitar este
choc
[4]
no mundo dos negócios.
Se estas pessoas tivessem
podido dispor, como nós, de um vocabulário erudito elas teriam
qualificado essa solução de "economia planificada" no
quadro de uma sociedade capitalista. No caso da nossa estrutura
económica actual, que é eminentemente complexa, o problema
é muito mais complicado; [ainda assim] ele não permanece [por
isso], no essencial, menos o mesmo. Como as pessoas da nossa ilha estavam longe
de serem tão instruídas quanto o somos hoje em dia, não se
encontrará pessoa alguma para combater essa proposição sob
o pretexto de que se trata aqui de um entrave ao direito do cidadão de
agir livremente, tal como o está garantido pela
constituição; e, por outro lado, à falta de um
Supreme Cour
[5]
, uma tal diligência não teria, por assim dizer, nenhum sentido.
Indiquei, no que precede, o que
é preciso, quanto a mim, procurar o único remédio contra o
perigo fascista. Impormo-nos voluntariamente limites em favor de uma ordem cuja
necessidade reconhecemos é na verdade, em geral, o meio mais eficaz para
chegar ao mais alto grau possível de liberdade e de segurança,
inclusive no domínio da política internacional.
Notas
1- No seu manuscrito, Einstein riscou vinte e quatro linhas, dentre as quais as
seguinte: "Hoje em dia não há ninguém que negue que
as concessões da França e da Inglaterra a Munique desenvolveram a
arrogância e a agressividade [da Alemanha e da Itália]."
2- No Génesis, 3, 19.
3- A palavra, em inglês no original, é assim, ao mesmo tempo, uma
alusão ao passado compreendido entre a Primeira Guerra Mundial e a
crise de 1929, nos Estados Unidos da América.
4- Em francês no texto.
5- O Supremo Tribunal dos EUA.
[*]
Artigo publicado no número especial (para a Feira internacional) do
New York Herald,
de 30/Abril/1939. Einstein intitulou primeiramente a sua
contribuição de "O perigo fascista e os meios de o
combater". Tradução de Bruno Monteiro.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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