A estratégia atlantista para atacar a Rússia é a
privatização
por Paul Craig Roberts e Michael Hudson
Dois anos atrás, responsáveis russos discutiam planos para
privatizar um grupo de empresas nacionais encabeçadas pelo produtor de
petróleo Rosneft, VTB Bank, Aeroflot e Ferrovias Russas. O objectivo
declarado era modernizar a administração destas companhias e,
também, induzir oligarcas a começarem a trazer de volta as suas
duas décadas de fugas de capital a fim de investir na economia russa. A
participação estrangeira era desejada nos casos em que a
transferência de tecnologia e de técnicas de
administração ocidentais pudessem ajudar a economia.
Contudo, as perspectivas económicas russas deterioram-se quando os
Estados Unidos pressionaram governos ocidentais a impor sanções
económicas contra a Rússia e com o declínio dos
preços do petróleo. Isto tornou a economia russa menos atraente
para investidores estrangeiros. Assim, hoje a venda destas companhias
proporcionaria preços muito mais baixos do que provavelmente teriam
alcançado em 2014.
Enquanto isso, a combinação de um aumento do défice
orçamental interno e do défice da balança de pagamentos
deu aos advogados russos da privatização um argumento para levar
avante as vendas com liquidações a preços de saldo. O
viés na sua lógica é a sua suposição
neoliberal de que a Rússia não pode simplesmente monetizar o seu
défice e de que para sobreviver precisa vender a saldo muito mais
activos.
Advertimos vigorosamente a Rússia para não ser tão
crédula a ponto de aceitar este perigoso argumento neoliberal.
A privatização não ajudará a reindustrializar a
economia da Rússia, mas na verdade irá agravá-la
tornando-a uma economia rentista da qual são extraídos lucros em
benefício de proprietários estrangeiros.
Temos que admitir que em 1 de Fevereiro o presidente Putin estabeleceu um certo
número de condições a fim de impedir que novas
privatizações fossem tão desastrosas como as
liquidações da era de Yeltsin. Desta vez os activos não
seriam vendidos a preços de saldo, mas teriam de reflectir o seu valor
real. As firmas a serem vendidas permaneceriam sob a jurisdição
russa, não operadas por proprietários externos. Estrangeiros eram
convidados a participar, mas as companhias permaneceriam sujeitas a leis e
regulamentos russos, incluindo restrições para manter o seu
capital dentro da Rússia.
Além disso, as firmas a serem privatizadas não podem ser
compradas com crédito de bancos estatais internos. O objectivo é
atrair "dinheiro vivo" para
buyouts
idealmente em divisas externas pertencentes a oligarcas em Londres e
alhures.
Putin sabiamente descartou a venda do maior banco da Rússia, o Sperbank,
o qual possui grande parte das contas de poupança do país. A
banca evidentemente deve permanecer em grande medida um serviço de
utilidade pública, assim deve ser por causa da sua capacidade de criar
crédito uma vez que a moeda é um monopólio natural e de
carácter inerentemente público.
Apesar destas protecções acrescentas pelo presidente Putin,
há sérias razões para não levar avante as
privatizações recém anunciadas. Estas razões
estão transcendem o facto de que seriam vendidas sob
condições da recessão económica resultantes das
sanções económicas ocidentais e dos preços do
petróleo em queda.
A desculpa agora mencionada por responsáveis russos para a venda destas
companhias é financiar o défice orçamental interno. Tal
desculpa mostra que a Rússia ainda não se recuperou do desastroso
mito atlantista ocidental de que tem de depender de bancos e obrigacionistas
estrangeiros para criar moeda, como se o banco central russo não pudesse
fazer isto por si próprio monetizando o défice orçamental.
A monetização de défices orçamentais é
precisamente o que tem feito o governo dos Estados Unidos e o que bancos
centrais ocidentais têm feito na era pós II Guerra Mundial. A
monetização da dívida é uma prática comum no
ocidente. Governos podem ajudar a relançar a economia ao imprimir moeda
ao invés de endividar o país a credores privados, o que drena o
sector público de fundos através dos pagamentos de juros a
credores privados.
Não há razão válida para arrecadar dinheiro de
bancos privados para abastecer o governo quando um banco central pode criar
esta mesma moeda sem ter de pagar juros sobre empréstimos. Contudo, tem
sido inculcado na cabeça de economistas russos a crença ocidental
de que só bancos comerciais deveriam criar moeda e que governos deveriam
vender títulos portadores de juros a fim de arrecadar fundos. A
crença incorrecta de que só bancos privados deveriam criar moeda
fazendo empréstimos está a levar o governo russo pelo mesmo
caminho descendente que transformou a eurozona numa economia sem saída.
Ao privatizar a criação de crédito, a Europa comutou para
o sector bancário o planeamento económico de governos
democraticamente eleitos.
Para a Rússia, não há necessidade de aceitar esta
filosofia económica pró rentista que sangra um país de
receitas públicas. Neoliberais promovem-na não para ajudar a
Rússia, mas para por a Rússia de joelhos.
Basicamente, aqueles russos aliados ao ocidente "atlantistas
integracionistas"
[1]
, os quais pretendem que a Rússia sacrifique a sua soberania
à integração com o império ocidental, estão
a utilizar a teoria económica neoliberal para enredar Putin e romper o
controle da Rússia sobre a sua própria economia, restabelecido
por Putin após os anos de Yeltsin em que a Rússia foi saqueada
por interesses estrangeiros.
Apesar de ter algum êxito na redução do poder dos oligarcas
surgido das privatizações de Yeltsin, o governo russo precisa
manter empresas nacionais como poder económico de contrapeso. A
razão porque governos operam ferrovias e outras infraestruturas
básicas é reduzir o custo de vida e de fazer negócio. O
objectivo de proprietários privados, em contraste, é elevar os
preços tão alto quanto puderem. Chama-se a isto
"extracção de renda". Proprietários privados
aplicam portagens a fim de elevar o custo dos serviços de infraestrutura
que são privatizados. Isto é oposto do que os economistas
clássicos entendiam por "mercado livre".
Há discussões sobre os acordos a serem feitos com os oligarcas.
Eles comprariam a propriedade de companhias do estado russo com o dinheiro que
esconderam no estrangeiro aquando das privatizações anteriores e
conseguiriam assim um outro "negócio do século" quando
a economia da Rússia recuperasse o suficiente para lhes permitir a
obtenção de mais ganhos excessivos.
O problema é que quanto mais poder económico se move do governo
para o controle privado, menos poder de contrapeso tem o governo contra estes
interesses privados. Deste ponto de vista,
desta vez nenhuma privatização deveria ser permitida.
Muito menos deveria ser permitido a estrangeiros adquirirem propriedade de
activos nacionais russos. A fim de arrecadar um pagamento uma única vez
de divisa estrangeira, o governo russo estará a entregar a estrangeiros
fluxos de rendimentos futuros que podem, e serão, extraídos da
Rússia e enviados para o exterior. Este "repatriamento" de
dividendos verificar-se-ia mesmo se a gestão e o controle permanecessem
geograficamente na Rússia.
Liquidar activos públicos em troca de um pagamento único foi o
que fez o governo da cidade de Chicago quando vendeu todo de uma vez os 75 anos
do fluxo de receitas [futuras] dos seus parquímetros. O governo de
Chicago obteve dinheiro durante um ano ao abandonar 75 anos de receitas. Ao
sacrificar receitas públicas, o governo de Chicago salvou a riqueza
imobiliária e privada de ser tributada e também permitiu a bancos
de investimento da Wall Street ganharem uma fortuna.
Isto criou ainda um protesto público contra tal dádiva. Os novos
compradores elevaram drasticamente as taxas dos parquímetros e
processaram o governo de Chicago por danos pois a cidade encerra a rua para
desfiles públicos ou em feriados, "interferindo" portanto com
o negócio dos rentistas dos parquímetros. Ao invés de
ajudar a cidade, tal operação ajudou a empurrar Chicago no rumo
da bancarrota. Não é de admirar que atlantistas gostassem de ver
a Rússia sofrer o mesmo destino.
Utilizar a privatização para cobrir um problema orçamental
de curto prazo cria um problema de prazo muito mais longo. Os lucros de
companhias russas fluiriam para fora do país, reduzindo a taxa de
câmbio do rublo. Se os lucros forem pagos em rublos, os rublos podem ser
despejados no mercado de câmbio e trocados por dólares. Isto
deprimirá a taxa de câmbio do rublo e elevará o valor do
dólar. De facto, permitir a estrangeiros adquirirem activos nacionais
russos ajuda-os a especular contra o rublo russo.
Naturalmente, os novos proprietários russos dos activos privatizados
também poderiam enviar os seus lucros para fora. Mas pelo menos o
governo russo percebe que proprietários sujeitos à
jurisdição russa são mais facilmente regulados do que
proprietários que podem controlar companhias do exterior e manter o seu
fundo de maneio em Londres ou em outros centros bancários estrangeiros
(todos eles sujeitos à alavancagem diplomática dos EUA e
às sanções da Nova Guerra Fria).
Na base da discussão da privatização deveria estar a
questão do que é dinheiro e porque deveria ele ser criado por
bancos privados ao invés de bancos centrais. O governo russo deveria
financiar seu défice orçamental tendo o banco central a criar o
dinheiro necessário, tal como os EUA e o Reino Unido fazem. Não
é necessário para o governo russo abandonar perpetuamente fluxos
de receitas futuras meramente para cobrir o défice de um ano. Isso
é um caminho para o empobrecimento e para a perda de independência
económica e política.
A globalização foi inventada como uma ferramenta do
Império Americano. A Rússia deveria estar a blindar-se da
globalização, não a abrir-se para ela. A
privatização é o veículo para solapar a soberania
económica e aumentar os lucros através da elevação
dos preços.
Assim como as ONGs financiadas pelo ocidente que operam na Rússia
são uma quinta coluna a operar contra interesses nacionais russos,
também o são os economistas neoliberais da Rússia, quer o
percebam ou não. A Rússia não estará segura da
manipulação ocidental até que a sua economia esteja
fechada a tentativas do ocidente de remodelar a sua economia no interesse de
Washington e não no interesse russo.
08/Fevereiro/2016
[1] Leitores perguntaram quem, além das ONGs financiadas pelo
ocidente, são os quinta-colunas dentro da Rússia. Michael
Hudson e eu fizemos a sua descrição geral como Atlantistas
integracionistas e economistas neoliberais. O Saker apresenta
alguns nomes específicos. Entre os quinta-colunas estão o
primeiro-ministro russo, o governador do Banco Central e os dois principais
ministros económicos. Eles estão a preparar para Putin uma
armadilha da privatização que poderia desfazer todos os seus
feitos e entregar a Rússia ao controle ocidental.
thesaker.is/putins-biggest-failure/
Ver também:
Facing Oil Price Plunge, Russia Considers Fire Sale of State Companies
O original encontra-se em
www.paulcraigroberts.org/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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