Stáline e Khruchov
por Ivan Alekssandrovitch Benediktov
[*]
entrevistado por V. Litov
[**]
Esta entrevista com Ivan Alekssandrovitch Benediktov, personalidade que durante
duas décadas (entre 1938 e 1959) ocupou postos chave na
governação da Agricultura do nosso país, conhecedor
profundo dos métodos e estilo de trabalho de I.V. Stáline e H.S.
Khruchov e de outras destacadas figuras da política e da economia,
baseia-se em várias conversas que com ele mantive entre 1980 e 1981 como
jornalista da
Gosteleradio
da URSS. Nesse período, Ivan Alekssandrovitch estava reformado mas tinha
uma intensa actividade social, designadamente na Associação de
Amizade URSS-Índia. No final da sua carreira pública, Benediktov
foi embaixador da URSS, primeiro na Índia (1959-1967) e depois na
Jugoslávia (1967-1970).
Enquanto preparava emissões sobre a cooperação
indo-soviética, não consegui conter-me e comecei a colocar a Ivan
Alekssandrovitch questões sobre um tema que me interessava mais.
Benediktov, com a reserva característica de um funcionário do
aparelho, respondia inicialmente de forma seca e lacónica, dando
claramente a entender que não estava disposto a perder tempo com
conversa fiada. Todavia, julgo que ao se aperceber da sinceridade do meu desejo
de compreender o passado, começou a falar de forma desinibida, com
prazer e abertamente, concordando até conversar especialmente sobre
temas agudos à volta de uma chávena de chá no seu
espaçoso apartamento de "comissário do povo" na Rua
Gorki.
Ivan Alekssandrovitch não se opôs à
publicação das suas declarações, apesar de duvidar
fortemente que tal fosse possível. Nisto verificou-se que tinha toda a
razão: todas as minhas tentativas de "colocar" a entrevista
numa revista literária, mesmo na versão mais truncada, resultaram
num fracasso. No entanto, apesar de ter perdido uma esperança real,
continuei a insistir: pretendia demonstrar ao antigo comissário do povo
que as suas apreciações pessimistas eram inconsistentes e,
eventualmente desse modo, fixar um alicerce para o prosseguimento ulterior do
tratamento literário das suas memórias. Passados alguns meses
após ter recebido mais uma rejeição por parte da
redacção de uma conhecida revista, Ivan Alekssandrovitch
faleceu... As motivações para continuar a luta caíram por
si próprias e entreguei o original "à roedora crítica
dos ratos".
Hoje, quando se tornou moda publicar obras antes proibidas, contrárias
aos postulados oficiais, penso que faz novamente sentido voltar a ele. Claro
que, de longe, nem com todas as afirmações de Benediktov se
poderá concordar: algumas delas, hoje tal como naqueles anos,
considero-as erradas. Penso até que ele próprio responderia hoje
de forma diferente a algumas perguntas. Contudo, mantive tudo como estava, tudo
como ele disse naquele tempo quando tive a oportunidade de o encontrar.
V. Litov
Desde os finais dos anos 70 que se observa uma queda evidente na nossa
economia. Nos documentos oficiais é explicada quer por dificuldades
objectivas, quer por falhas subjectivas. A maioria dos cientistas e
especialistas considera que a raiz do mal está na ausência de um
autêntico mecanismo económico de desenvolvimento e gestão
da economia e, em especial, da introdução dos avanços
científico-tecnológicos... Gostaria de conhecer a opinião
de um homem que ocupou um importante cargo na nossa economia num período
em que esta registava das maiores, se não as mais elevadas taxas de
crescimento do mundo...
Temo decepcioná-lo com o meu "conservadorismo" e
"dogmatismo". Considero que o sistema económico vigente no
nosso país até aos anos 60 poderia ainda hoje garantir elevadas e
estáveis taxas de crescimento, uma orientação firme para a
eficácia e qualidade e, como consequência natural, a
elevação constante do bem-estar de largas camadas de
trabalhadores. Claro, a vida é a vida, algumas coisas teriam de ser
mudadas e renovadas. Mas isto refere-se apenas a alguns estrangulamentos e
pormenores porque, em geral, o amaldiçoado pelos economistas
"sistema stalinista", como você correctamente observou,
demonstrou uma alta eficácia e vitalidade. Foi graças a ele que,
no final dos anos 50, a União Soviética era em termos
económicos e sociais o país mais dinâmico do mundo. Um
país que partiu convictamente do seu atraso, aparentemente
insuperável face às potências capitalistas mais
desenvolvidas, mas que em alguns sectores chave do progresso
científico-tecnológico catapultou-se para a frente. Basta
recordar as nossas realizações no espaço, o
desenvolvimento para fins pacíficos da energia atómica, os
êxitos nas ciências fundamentais.
Enganam-se aqueles que pensam que nós conseguimos tudo isto à
custa de factores extensivos e quantitativos. Nos anos 30 e 40, e mesmo nos 50,
a tónica, quer na indústria quer na agricultura, colocava-se
não na quantidade mas na qualidade; os indicadores mais importantes e
decisivos eram o crescimento da produtividade do trabalho mediante a
introdução de novas máquinas e a redução dos
custos de produção. Estes dois factores foram colocados na base
do crescimento económico, eram eles que determinavam a
avaliação e promoção dos dirigentes
económicos, era exactamente isto que se considerava como o mais
importante e como uma decorrência directa dos ensinamentos do
marxismo-leninismo. Claro que, hoje, tal "rigidez" e linearidade
parecem um pouco ingénuas e também é verdade que na altura
produziram determinados efeitos negativos. Mas no conjunto a
orientação foi tomada de forma inteiramente correcta, o que
é demonstrado pela experiência das actuais empresas americanas, da
Alemanha Ocidental e japonesas, muitas das quais já planificam
não só o crescimento da produtividade do trabalho, mas
também a redução dos custos de produção num
horizonte de vários anos...
O mesmo pode ser dito sobre a esfera social e o clima
político-ideológico na sociedade. A massa fundamental dos
cidadãos soviéticos estavam satisfeitos com a vida e olhavam para
o futuro com optimismo, acreditavam nos seus dirigentes. Quando Khruchov
lançou o objectivo de alcançar a mais alta produtividade do
trabalho no mundo e atingir as mais avançadas fronteiras no campo do
progresso científico-tecnológico, poucos duvidaram do êxito
final, tão grande era a convicção nas suas forças e
capacidade de alcançar e ultrapassar a América.
Mas Khruchov não era Stáline. Um mau capitão é
capaz de fazer encalhar o melhor navio. Foi o que aconteceu. Os nossos
capitães primeiro perderam o rumo, falhando os ritmos estabelecidos,
depois começaram a saltar de um extremo para o outro e a seguir deixaram
mesmo escapar o leme das mãos, deixando a economia num impasse. Como
não desejavam reconhecer abertamente a sua incapacidade, claramente
incompatível com altos cargos, deitaram as culpas no "barco",
no "sistema", montando uma ininterrupta cadeia de
produção de decisões e resoluções sobre o
seu "desenvolvimento" e "aperfeiçoamento".
Por seu lado, os "teóricos" e cientistas começaram a
justificar este carrossel de papel com "inteligentes"
considerações sobre um alegado "modelo económico
optimizado" que, por si próprio, asseguraria de forma
automática a resolução de todos os nossos problemas. Aos
dirigentes bastaria sentarem-se na cabina de comando deste "modelo",
carregando de tempos a tempos num ou noutro botão. Uma ilusão
absurda, puramente de gabinete, académica!
No entanto, até Lénine incentivou as experiências, a busca
de soluções optimizadas...
Não vem a propósito a citação que faz de Ilitch,
nada a propósito. A tendência para as reorganizações
e reformas, o constante prurido reestruturador foi classificado por
Lénine como o mais infalível sinal de burocratismo, quaisquer que
sejam as roupagens "marxistas" de que se veste. Lembre-se das
proféticas palavras leninistas de que o sistema não passa de um
sistema, e que há ainda o nível de "habilidade" para
trabalhar, tanto "em cima" como "em baixo", o qual
não se pode submeter ao sistema. Não se deve alvoroçar o
povo com "rupturas de sistema" e reorganizações, avisou
Vladimir Ilitch ainda no início dos anos 20, recrutem-se pessoas e
controle-se a execução real das tarefas, isto será
valorizado pelo povo. Este importantíssimo, talvez o mais importante
ensinamento leninista sobre a governação, o qual atravessa
literalmente todas as últimas obras, notas e documentos de Ilitch, na
prática (em palavras é claro que todos estão a favor)
está hoje esquecido. Porque nos surpreendemos então que, apesar
da avalanche de "amadurecidas" resoluções e
reorganizações, as coisas vão de mal a pior no nosso
país?
Durante o tempo de Stáline, a palavra de ordem "quadros e controlo
resolvem tudo" era aplicada à vida de forma consequente e firme.
Apesar de evidentes erros e falhas (quem não os tem?), foram resolvidas
todas as tarefas históricas maiores que se colocaram ao País,
seja a criação das bases económicas do socialismo, a
derrota do fascismo ou a reconstrução da economia nacional.
Nomeie-me nem que seja apenas um problema, social ou económico, que
Khruchov e os seus sucessores tenham conseguido, já não digo
resolver, mas pelo menos atenuar. Por todo o lado o que vemos é
toneladas de papel e gramas de obra, o avanço real em frente continua a
não se ver. Antes pelo contrário, estamos a ceder
posições conquistadas...
Compreenda bem o que lhe digo. Eu não sou contra as reformas ou
reorganizações enquanto tais. Eu sou contra que se concentrem
nelas as atenções, esperando que mais uma resolução
produza resultados milagrosos. É preciso diminuir dez vezes o
número de tais resoluções e reorganizações e
canalizar todos as forças para um trabalho meticuloso, duro, rotineiro
na realização de poucas mas rigorosas e concretas tarefas.
Então sim, surgem os resultados milagrosos, reforça-se a
confiança do povo no Partido, a qual, infelizmente, fica agora mais
abalada a cada ano que passa. Refira-se que aqui não estou a descobrir a
América. Era exactamente neste espírito que trabalhava o aparelho
estatal-partidário nos chamados anos do "culto da
personalidade". Penso que não é em vão, mas antes com
bastante sucesso, que a experiência daqueles anos é estudada por
dirigentes das maiores corporações monopolistas do Ocidente.
Ivan Alekssandrovitch, perdoe-me pela franqueza mas as suas
considerações parecem-me demasiado simplistas. Depreende-se das
suas palavras que, em última instância, tudo depende de quem
está à frente do País... Não se estará a
atribuir dessa forma uma espécie de força demoníaca ao
factor subjectivo, o que, sem dúvida, contraria os pressupostos
fundamentais do marxismo-leninismo?...
Lénine, segundo a sua lógica, "contrariou-os" quando,
após o fim da guerra civil, declarou que para a vitória do
socialismo na Rússia era apenas necessário "nível
cultural" dos comunistas. Por outras palavras, aptidão para
governar o País, em relação ao que eram "gotas de
água num mar de povo". Isto era afirmado em condições
de uma terrível destruição, fome, de um atraso medieval no
campo, numa situação em que o País, citando as palavras de
Lénine, lembrava "um homem espancado até à
morte"!
A esmagadora maioria dos cientistas e especialistas, tanto da Rússia
como do estrangeiro, hipnotizados pelos chamados "factores
objectivos", apelidavam publicamente o plano de Lénine como uma
"ilusão doentia", uma aposta nas "forças
demoníacas do Partido Bolchevista". Os demónios são
demónios, mas o facto é que nós construímos o
socialismo em prazos curtíssimos malgrado todos "os mochos
sábios" com os seus graus e títulos académicos.
Mas as analogias históricas não convencem ninguém.
É preferível falar do presente. Mesmo no actual sistema
económico temos dezenas de empresas, quer na indústria quer na
agricultura, que estão ao nível mundial e em certos aspectos
até o superam. Veja, por exemplo, a unidade de construção
metalomecânica em Ivanov, dirigida por Kabaidze, ou o famoso
kolkhoz
do presidente Bedulia.
A condição mais importante, decisiva para o êxito dos
sectores mais avançados (navios-almirante) da nossa economia é o
nível de direcção, a competência profissional do
director ou do presidente. Se Kabaidze ou Bedulia não prepararem os seus
sucessores, tudo começará a descarrilar, resvalando para o
nível medíocre e cinzento que predomina no nosso País.
Daqui conclui-se que a raiz do mal não está no sistema
económico existente, nas condições que oferece às
pessoas com talento capazes de fazerem milagres (!), mas no que se costuma
designar como "factor subjectivo-pessoal". Muito se fala entre
nós sobre o aumento do papel deste factor no socialismo. Trata-se de
facto de uma constatação correcta, só que o papel deste
factor não pode ser entendido de forma simplista e cor-de-rosa. Um
dirigente inteligente e competente acelera substancialmente o desenvolvimento
de uma empresa, de um ramo, de um país; da mesma forma que um fraco e
medíocre o trava e o atrasa gravemente. Por isso, os quadros dirigentes
têm de ser submetidos a uma exigência rígida e a um controlo
constante e global da sua evolução profissional,
ideológica, moral e política. Sem isto o socialismo não
só não realiza como, pelo contrário, perde a sua
superioridade histórica.
Falar da criação de um "novo sistema" é falar de
um sistema de grande escala, amplamente disseminado e profundamente reflectido,
de revelação, promoção e estimulação
da evolução de pessoas talentosas em todos os escalões de
direcção, quer estatais quer partidários. Se conseguirmos
preparar e "munir" os altos objectivos com algumas dezenas de
milhares de Kabaidze e de Beluia, o País realizará um forte
arranque em frente. Se não, continuará a marcar passo ao som da
fanfarra das habituais resoluções e reorganizações.
A principal tarefa partidária e, em grande parte, do aparelho de Estado,
deve consistir exactamente na descoberta e promoção de pessoas
com talento. Ora, neste momento, só se pensa nisto quase em
último lugar, dedicando-se praticamente todo o tempo à
preparação das habituais decisões e
resoluções e de sonoras iniciativas para as propagandear. Mas,
mais do que isso, as pessoas talentosas e brilhantes são preteridas em
favor dos obedientes, dóceis e medíocres que irrompem agora
até em cargos ministeriais. E quando "em cima" tudo
está de pernas para o ar, "em baixo" as coisas não
andam em frente. Não me surpreendo nada com o aumento do descontrolo nos
processos económicos e sociais na sociedade, com o enfraquecimento da
disciplina, da consciência e responsabilidades dos trabalhadores comuns,
com o disparo do que hoje se costuma chamar de "fenómenos
anti-socialistas". Repito, a principal causa dos nossos males está
na baixa abrupta do nível da direcção
partidária-estatal, no esquecimento dos geniais ensinamentos de
Lénine sobre a selecção dos quadros e o controlo de
execução como instrumento fundamental e decisivo de
influência partidária.
Pelo que conheço dos documentos oficiais e afirmações de
destacados historiadores, quem começou a desembaraçar-se de
pessoas talentosas ao mais alto nível, foi exactamente Stáline,
cuja política de quadros considera exemplar
Se quiser compreender a essência dos problemas tem de pensar mais com a
sua própria cabeça. Desde a chegada de Khruchov ao poder surgiram
tantas falsidades nesses documentos que nos causam, por vezes, assombro: como
foi possível aparecerem tais coisas nas nossas publicações
partidárias, comunistas! Quanto a esses "destacados"
cientistas-especialistas que hoje escrevem uma coisa, amanhã outra e
depois de amanhã outra ainda, também são uma fonte muito
pouco fiável.
Quanto ao fundo da questão, durante o período de Stáline,
a promoção para os mais altos escalões da
governação baseava-se exclusivamente nas qualidades
políticas e de eficácia (claro que houve excepções,
mas eram bastante raras, o que confirmava a regra). O principal critério
era a capacidade de uma pessoa para, num curtíssimo prazo, alterar uma
situação para melhor. Não eram tidas em conta quaisquer
considerações de fidelidade pessoal ou proximidade com o
"chefe", a chamada "cunha", já não falando
das relações parentesco-familiares. Para além disso, as
pessoas com quem Stáline simpatizava particularmente serviam de exemplos
para os outros e o grau de exigência era mais rígido e severo.
Refiro-me a V.M. Molotov
[1]
, a G.K. Jukov
[2]
, N.A. Boznessenski
[3]
, ao construtor de aviões A.S. Iakovlev
[4]
e alguns outros
O autêntico sistema bolchevique existente nesses anos de
selecção e distribuição de quadros permitia que nos
postos-chave do Partido, Estado e Exército, estivessem efectivamente as
pessoas mais talentosas e preparadas do ponto de vista profissional, que
realizaram, segundo os padrões actuais, feitos impossíveis,
literalmente milagrosos. N.A Boznessenski, A.N. Kossíguin
[5]
. D.F. Ustinov
[6]
, V.A. Malechev
[7]
, I.F. Tevossian
[8]
, B.L. Bannikov
[9]
, A.I. Chakhurin
[10]
, N.C. Patolitchev
[11]
são apenas alguns dos muitos que possuíam enormes capacidades e
talentos e, o que não é menos importante, ocuparam altos cargos
no auge das suas forças. No período de Stáline, o Governo
soviético, pela sua composição etária, era
certamente o mais jovem do mundo. Eu, por exemplo, tinha 35 anos quando me
designaram Comissário do Povo para a Agricultura da URSS, e o meu caso
não foi nenhuma excepção mas antes constituía a
regra. A maioria dos comissários do povo tinha mais ou menos essa idade
e mesmo muitos secretários regionais do partido, nessa altura,
não teriam mais do que 30 anos. A palavra de ordem, "Entre
nós, os jovens têm caminho em todo o lado", nos anos 30 e 40,
era aplicada à vida de forma consequente, com persistência e uma
firmeza férrea. Quando comecei a trabalhar numa
instituição para a agricultura, ainda muito novo, tinha a firme
convicção de que o meu sucesso na carreira dependia
exclusivamente dos meus méritos e esforços e não das
conjunturas criadas ou da intercedência de familiares influentes. Como
muitos outros da minha geração, sabia que se me revelasse
à altura das funções não ficaria muito tempo no
mesmo lugar, não teria de "mendigar" durante longos anos uma
promoção a seguir a outra, desperdiçando a energia e a
vitalidade da juventude a classificar papelada burocrática, mas que
rapidamente me abririam caminho, "subindo-me" vários degraus
para "cima", lá onde se influencia e decide.
Posso afirmar com todo o fundamento que a opção de promover
jovens era uma linha consciente, pensada nos seus diversos aspectos e exaltada,
quer pelo próprio Stáline, quer por outros membros do
Politbureau
do CC do nosso Partido. Esta linha revelou-se inteiramente adequada. Estou
convencido de que se nós tivéssemos entrado em guerra com
comissários do povo e comandantes do exército
sexagenários, o resultado poderia ter sido outro
Só pessoas
jovens, criativas e capazes de pensar para além dos padrões
habituais poderiam resolver as tarefas de complexidade inédita e a
tremenda pressão dos anos da guerra.
Recordo-me a este propósito de Dimitri Fedorovitch Ustinov, que foi
Comissário do Povo para o armamento durante a guerra. Ainda muito jovem,
não possuindo naturalmente uma grande experiência de vida e como
engenheiro, teve a coragem de tomar em algumas horas, por sua conta e risco,
várias importantes decisões sobre a construção e
equipamento de fábricas militares, que normalmente exigiriam muitos
meses de trabalho de grandes equipas e o envolvimento dos institutos de
projectos e outros tantos meses para coordenar a acção com as
diversas entidades
No entanto, como reconheceram os especialistas,
Ustinov não se enganou nos cálculos
Ou Avraami Pavlovitch Zaveniaguin
[12]
que tanto fez também pela defesa, pela ciência e equipamento.
"Isso é impossível, inconcebível, contraria a
experiência internacional", alarmavam-se os nossos altos
intelectuais, cientistas luminares e especialistas. Mas Zaveniaguin conseguiu o
que queria e realizou aquilo que era "impossível" e
"inconcebível".
Veja ainda a composição do alto comando do Exército
Vermelho. É claro que as repressões de 1937-1938 enfraqueceram-no
e permitiram que alguns marechais e generais com espírito antigo
reforçassem as suas posições. Mas, paralelamente,
prosseguia o processo de selecção e formação de
pessoas talentosas, capazes de conduzir a guerra segundo os métodos
modernos. Em geral, nas vésperas da guerra, os postos de comando, quer
no exército quer no Estado-maior, eram ocupados na sua esmagadora
maioria por pessoas de mérito, oficiais militares capazes, cujo acerto
da escolha viria a ser confirmada pela brutal experiência dos combates.
G.K. Jukov, A.M. Vassilevski
[13]
, K.K. Rokossovski
[14]
, I.S. Konev
[15]
, K.T. Meretskov
[16]
e outras gloriosas figuras militares nossas, conseguiram impor-se nos campos
de batalha aos melhores cabos de guerra da Alemanha de Hitler, que
possuía, indiscutivelmente, o exército mais poderoso do mundo
capitalista.
Mas não se tratou apenas do memorável talento, patriotismo e
entusiasmo revolucionário do nosso povo. Todas estas excelentes
qualidades, como nos mostra a experiência dos últimos anos,
desaparecem quase completamente quando não existe ordem e a devida
organização das coisas, quando está ausente o
autêntico sistema bolchevista de selecção,
promoção e estimulação das pessoas com talento.
Não posso concordar com a afirmação de alguns
"peritos" em história, de que as pessoas jovens e dotadas
foram chamadas ao aparelho do Estado e do Partido para preencher o
"vácuo" criado em resultado das repressões dos anos 30.
Em primeiro lugar, com os jovens, ombro a ombro, trabalhavam quadros mais
velhos e experientes, garantindo uma combinação bastante eficaz
entre juventude e experiência. Em segundo lugar, e isto é o
principal, mesmo depois das repressões de 1937, não faltavam
concorrentes para os postos chave, incluindo experientes figuras de
mérito. Digo isto com toda a segurança porquanto me recordo bem
da situação existente na altura nos ministérios ligados
à agricultura. E nos restantes o quadro era sensivelmente o mesmo.
Recordo-me também do descontentamento dos veteranos, membros do Partido
antes da revolução, com a nomeação de jovens
comissários do povo. Havia de tudo
Mas o CC defendia firmemente a
sua linha, não fazendo quaisquer concessões a serviços e
feitos heróicos antigos.
Independentemente do que possam dizer sobre Stáline, enquanto
desempenhou funções de direcção esteve sempre
rodeado de um número de pessoas dotadas e talentosas incomparavelmente
maior do que Khruchov, já sem falar dos seus sucessores. Diga-se
também que a responsabilidade pelas falhas era concreta, individual e
não diluída no colectivo como agora, quando desaparecem milhares
de milhões e regiões inteiras são deixadas ao abandono sem
que nunca se identifiquem os responsáveis! No nosso tempo, uma
situação deste tipo era simplesmente inconcebível. Um
Comissário do Povo que permitisse um gasto excessivo de dois ou
três mil rublos punha em risco não o seu cargo, mas a vida! Admito
que para alguns isto possa parecer cruel, no entanto, do ponto de vista dos
interesses estatais e do povo, tal procedimento, em minha opinião,
é plenamente justificado.
É sem dúvida positivo que, nos últimos anos, tenham
terminado os ataques a Stáline por parte de indivíduos com
mentalidade pequeno-burguesa ou de vítimas das repressões, e se
tenha começado a mostrar de forma mais objectiva a sua actividade
estatal e militar. No entanto, infelizmente, os métodos e estilo de
trabalho não foram regenerados, talvez simplesmente não o
consigam fazer...
Fica-se com a impressão de que rejeita radicalmente a reforma de 1965 e
vê a salvação no slogan stalinista "Os quadros
resolvem tudo". No entanto, esta reforma não foi de longe uma
invenção de gabinete de burocratas decididos a vingar-se de
Stáline, custe o que custar. Mais do que uma vez aconteceu encontrar-me
com dirigentes de empresas e
kolkhozes
dos mais avançados, que se queixavam dos defeitos do sistema
económico criado nos anos 30 e 40, em especial quanto aos indicadores de
avaliação. Da mesma forma, a "gravitação"
em torno do factor quadros está ligada, pelos vistos, a especificidades
da história do nosso País e é pouco provável que
hoje se justifique, tanto mais que contradiz a experiência mundial...
As pessoas aspiram sempre ao melhor, enquanto os dirigentes, mesmo os mais
empenhados, desejam um alívio da sua pesada e frequentemente ingrata
missão. Humanamente é possível entender ambos: o
nivelamento salarial, a incompetência das "cúpulas"
atingem dolorosamente sobretudo os colectivos mais empenhados. No entanto, a
resolução de questões de Estado exige uma atitude de
Estado que não pode submeter-se a interesses pessoais ou sectoriais, aos
quais, infelizmente, se vergam pessoas de grande dignidade que me merecem todo
o respeito.
Posso dizer que apoio a actual revisão, mas nunca uma
alteração capital do nosso sistema económico, já
que as suas enormes potencialidades e possibilidades, repito, estão
demonstradas nas experiências dos anos 30, 40 e 50.
Não avalio as reformas de Kossíguin todas da mesma forma.
Alekssei Nikolaievitch, o qual respeito profunda e sinceramente, foi,
indiscutivelmente, o mais competente, hábil e conhecedor dirigente
económico dos últimos anos, o que, refira-se, provocou uma
manifesta hostilidade por parte de Khruchov que não suportava pessoas
mais aptas do que ele. Nas propostas de Kossíguin existem elementos
valiosos e úteis, os quais podem e devem ser aplicados no mecanismo
económico. Mas apenas como elementos rigorosamente subordinados ao
princípio da planificação. No seu conjunto, a
orientação para o lucro, para a activação das
relações monetário-mercantis, para a
regeneração dos factores de mercado como base reguladora do
desenvolvimento, nas nossas condições, é extremamente
prejudicial e perigosa. Uma tal alteração da estratégia
económica conduzirá inevitavelmente, e já conduziu,
à desvalorização do carácter planificado da
economia, ao declínio da disciplina estatal em todos os escalões,
à acentuação dos processos incontroláveis
económicos e sociais, ao aumento dos preços,
inflação e outros fenómenos negativos. Existem, claro,
determinados efeitos positivos. Mas, no quadro dos efeitos negativos que
enumerei, não são relevantes.
Nos seus pontos de vista, Ivan Alekssandrovitch, existe, na minha
opinião, uma clara contradição. Afirma que o afastamento
do sistema económico stalinista teve um enorme efeito negativo. Contudo,
na prática, esse afastamento não existiu: as reformas dos anos 60
não se concretizaram, patinaram logo aos primeiros passos. No essencial,
nas últimas décadas, manteve-se o mesmo sistema que foi criado
nos anos 30 e 40. Neste sentido é mais lógico pressupor que as
nossas dificuldades decorrem da essência do próprio sistema e
não em resultado da sua alteração...
Eu já lhe falei dos maus capitães que são capazes de
encalhar o mais moderno navio... É verdade que as reformas de
Kossíguin patinaram, aqui você tem razão. No entanto, mesmo
assim alguma coisa conseguiram fazer, abalando o princípio da
planificação e a disciplina do Estado. Pergunte a qualquer
director de fábrica o que é que ele precisa em primeiro lugar
para cumprir o plano e garantir uma produção de qualidade?
Certamente que lhe dirá: o fornecimento regular de materiais e
equipamentos, ou seja o cumprimento por parte dos fornecedores de todas as suas
obrigações. Ora é exactamente este aspecto que hoje
está colocado em segundo plano, cedendo lugar aos indicadores de valor e
à perseguição do lucro.
Admito perfeitamente que se as reformas de Kossíguin tivessem sido
realizadas até ao fim e não medrosamente apenas em parte, como
agora se habituaram a fazer com qualquer questão, uma série de
indicadores económicos melhoraria significativamente. Mas isso teria um
preço demasiado alto e, o mais importante, custos sociais que do ponto
de vista dos interesses do Estado não se justificariam. Neste caso, o
remédio proposto pelos adeptos das reformas cardinais teria um efeito
pior do que a doença: com a ajuda de tais "medicamentos" uma
doença pulmonar transformar-se-ia num tumor cancerígeno.
Felizmente que, por enquanto, os efeitos negativos do modelo de mercado
revelam-se, por assim dizer, na sua variante congelada e diminuída. Na
Jugoslávia, onde se repercutem de forma mais decidida e consequente, e
onde há muito passaram a fase na qual nos encontramos, estes efeitos
negativos manifestaram-se com todos os seus cambiantes. O voluntarismo dos
mercados provocou graves distorções entre os diferentes ramos do
aparelho económico, entre regiões inteiras do País, a base
científica-tecnológica envelhece irremediavelmente, enquanto na
economia está literalmente entregue aos egoísmos de
"grupo". Apesar de a Jugoslávia ter conseguido nos anos do
pós-guerra elevar substancialmente o nível de vida da
população, ter alcançado nítidos êxitos na
produção de várias mercadorias e no conjunto dos ramos do
sector dos serviços, este incremento foi obtido numa base malsã e
à custa de factores que inevitavelmente conduzem à
formação de uma situação explosiva e a uma crise
geral da sociedade, o que, aliás, é dito abertamente pelos
principais economistas do País.
O "socialismo de mercado" conduziu a um aumento insustentável
da inflação, a uma acentuada diferenciação e
polarização social (a tal ponto que, neste aspecto, a
Jugoslávia, já ultrapassou vários países
capitalistas), a um desemprego maciço e, como consequência
natural, ao crescente descontentamento de amplas camadas de trabalhadores,
sobretudo operários, cujas greve, há muito, se tornaram um
acontecimento habitual. Não tenho dúvidas de que se abrirmos
todas as eclusas ao mercado voluntarista no nosso país, espera-nos um
futuro igual ou até talvez pior... São ingénuas as
esperanças de que tal voluntarismo poderá ser contido dentro dos
limites do socialismo e sob o controlo do plano. Na Jugoslávia, muitos
economistas sensatos e dirigentes tentaram-no e não conseguiram nada.
É que, nesta matéria, agem factores objectivos que não
podem ser anulados com vontades subjectivas, mesmo que sejam as mais bem
intencionadas...
Falemos então da "experiência mundial". A
tendência aqui, por sinal, não é favorável aos
factores de mercado, antes pelo contrário. O reforço dos
princípios da planificação e a aposta no futuro são
elementos que se observam hoje em todas as maiores corporações
americanas, japonesas e da Alemanha Ocidental que determinam o clima da
economia capitalista. Os gestores das companhias florescentes, em especial das
japonesas, pensam cada vez mais no dia de amanhã e mesmo no depois de
amanhã, dão passos que contrariam a regulação
mecanicista da conjuntura do mercado. Sem falar do crescimento do sector
económico estatal em praticamente todos os países capitalistas e
da adopção e realização com sucesso de programas
económicos e técnico-científicos de longo prazo,
área em que nalguns aspectos até fomos ultrapassados pelos
capitalistas. Enquanto isso, os seus economistas-"inovadores"
apresentam o alinhamento pelas referências monetárias mercantis
quase como a panaceia para todos os males!
Se pretendemos retirar alguma coisa de útil do estrangeiro, e não
apenas falar disso do alto das tribunas, é preciso começar pela
criação de um autêntico sistema científico e moderno
de formação, desenvolvimento e promoção de quadros.
Nisto o Ocidente deixou-nos muito para trás. Veja-se o facto de que,
mesmo com um nível semelhante de equipamento técnico de
produção, as firmas capitalistas, através dos chamados
factores organizacionais, determinados em primeiro lugar pela competência
dos quadros dirigentes, conseguem uma produtividade do trabalho duas a
três vezes superior à nossa. Os empresários ocidentais
dão mais atenção e tempo à questão da
preparação de quadros do que às
reorganizações e reestruturações. Penso mesmo que
os saltos que damos, de um extremo ao outro, nessas
reorganizações levariam à falência, ao fim de duas
semanas, qualquer empresa capitalista, mesmo a mais florescente.
Mas as empresas ocidentais têm uma estrutura organizativa de
administração muito mais elaborada do que a nossa... Porque
não copiar a sua experiência!
É preciso copiar com inteligência e não mecanicamente.
Devemos seguir sempre o nosso caminho e adoptar apenas o que corresponde
às particularidades da economia nacional e se integra organicamente
nela. Como fazem, por exemplo, os japoneses.
Uma pessoa minha conhecida, regressada de uma missão de trabalho no
Japão, contou-me que nas empresas das maiores corporações,
onde praticamente não existem cartazes de propaganda, viu apenas um
slogan inscrito "Os Quadros Resolvem Tudo!", e os japoneses sabem a
quem pertence este slogan... Tendo introduzido este princípio de forma
consequente e de acordo com as suas especificidades nacionais em todos os elos
sem excepção do processo produtivo, os patrões da
corporação conseguiram, numa série de
orientações principais, ultrapassar até os seus
concorrentes americanos. Nos chamados "círculos de qualidade",
que permitem às firmas japonesas livrarem-se dos produtos com defeito,
é utilizada a experiência do nosso movimento
stakhanovista
[17]
, a experiência da organização da emulação
socialista e, em particular, o sistema de produção sem defeito de
Saratov
[18]
, o que não é escondido no Japão... As mais importantes
companhias do país do sol nascente elaboram regularmente planos de
introdução das propostas de racionalização feitas
pelos operários, os mais empenhados dos quais são publicamente
apresentados e enaltecidos, como nos anos 30 e 40 no nosso País.
Contaram-me que são exactamente os especialistas japoneses quem mais
revela interesse pelo Pavilhão da "Emulação
Socialista", no Parque de Exposições em Moscovo, onde
estudam minuciosamente tudo o que de valor aparece nesta área. Outro
facto interessante é que, no Japão, os operários que mais
se distinguem na racionalização e produtividade recebem por isso
recompensas simbólicas. Lá, com algum fundamento, pensam que os
factores ideológicos e morais (o colectivismo corporativo, a ajuda
mútua, a solidariedade) produzem efeitos muito mais fortes do que o mero
estímulo material! Pois nós descobrimos isso ainda nos anos 30.
Descobrimos e... esquecemos, deixámo-nos seduzir pelos estímulos
puramente materiais, pondo de lado outros que são tão ou mesmo
mais eficazes.
Temos assim que os capitalistas utilizam activamente a nossa experiência
e os nossos êxitos, enquanto nós renunciamos na prática
às nossas enormes vantagens objectivas, ajoelhamo-nos resignados perante
o famigerado "modelo de mercado", tomando como referência a
economia capitalista não de ontem, mas de anteontem! Se isto é
"inovação" e "progresso" então o que
será "conservadorismo" e "retrocesso"?
Lembro-me a propósito de outro episódio. No final dos anos 30,
como Comissário do Povo para a Agricultura da URSS, desempenhava em
simultâneo o cargo de presidente do comité da
Exposição Agrícola da União Soviética que
estava instalada no local do actual Parque de Exposições dos
Êxitos Económicos da URSS. Stáline e outros membros do
Politbureau
acompanhavam o trabalho da exposição com grande
atenção, considerando-a como o principal centro para a
divulgação do movimento
Stakhanovista
no sector da agricultura. Enquanto observava os expositores, Stáline
reparou que alguns legumes, frutas e hortaliças vindos das
explorações mais avançadas, tinham um aspecto que, no
mínimo, era pouco comercializável.
"-O que se passa camarada Benediktov?", perguntou-me. "Isto
é uma exposição de resultados avançados ou de
produtos estragados?"
"- Os produtos são transportados para a exposição
pelo caminho-de-ferro, o que, naturalmente, demora alguns dias. O
Goscontrol
[19]
não autoriza o transporte aéreo, considerando que se trata de uma
despesa injustificada."
"- O
Goscontrol
está a ver este assunto a partir da sua capelinha departamental. O que
você tem de fazer é abordar o problema com uma
posição de Estado e não permitir que o formalismo deite
tudo a perder. Como Comissário do Povo e presidente da
Exposição deve defender esta posição e lutar contra
tal formalismo. As pessoas devem poder ver com os seus olhos a qualidade dos
legumes e frutas que é possível cultivar. É preciso
despertar nelas o desejo e a atracção pelas experiências
mais avançadas, para que as divulguem. Agora assim, está a
economizar milhares mas a perder milhões."
Imediatamente a seguir, os produtos passaram ser transportados de avião.
Stáline tinha razão: tive oportunidade de testemunhar
várias vezes como as delegações de
kolkhozes
e
Sovkhozes
literalmente se deslumbravam com a ideia de "criar destas beterrabas e
couves".
Refira-se que o movimento
stakhanovista
permitiu elevar a produtividade do trabalho no País, no mínimo
uma vez e meia, aumentar ao mesmo tempo a consciencialização e a
cultura de trabalho dos operários comuns e
kolkhozianos.
E tudo isto num prazo curtíssimo e sem quaisquer grandes despesas.
E mesmo assim continua a ser difícil de acreditar que a política
de quadros durante o período de Stáline estava a um nível
muito acima dos nossos tempos. Agora, pelo menos, não há
repressões em massa, acabou o despotismo cruel e as ilegalidades que
eliminaram as melhores pessoas, a nata intelectual da Nação
Ou acha que 1937 reforçou as fileiras dos quadros dirigentes?
Penso que quando conhecer não apenas uma parte mas todos os factos e
documentos relacionados com o tema das repressões, quando os analisar e
reflectir sobre o contexto da tensa e complexa situação da
altura, sentirá vergonha das frases falsas ditas por pessoas exasperadas
e desorientadas, que perderam a capacidade de raciocinar de forma sadia. O
nosso país não teria podido livrar-se de forma tão
rápida e decidida da idade média e seguir em frente, não
teria conseguido, apesar de todos os sofrimentos, tornar-se numa moderna e
grande potência, e a cultura soviética nunca teria atingido o
apogeu do seu florescimento se, como afirma, "a nata da
Nação" tivesse sido sistematicamente eliminada pelo
"maldoso" Stáline e o seu círculo. Exactamente porque
se conseguiu emancipar e promover ao mais alto nível a parte mais
talentosa, corajosa, criadora e honesta do nosso povo foi possível tomar
a dianteira e superar provações que nenhum outro país no
mundo suportaria. Mas quando a política de quadros se alterou, quando
passou a aplicar-se à escala nacional uma política de
perseguição e acossamento das pessoas talentosas, quando o
oportunismo e o carreirismo se tornaram moda, as forças criadoras do
povo começaram efectivamente a definhar e chegámos à
infâmia de precisarmos de importar regularmente cereais e outros produtos
alimentares, de haver penúria de produtos de primeira necessidade, de
termos uma esfera de serviços esgotada e continuarmos a atrasar-nos em
relação ao Ocidente no campo técnico-científico.
Estou convencido de que as baixas exangues que sofremos nas últimas
décadas na economia, política e ideologia, superam várias
vezes os danos causados pelas repressões e ilegalidades dos anos 30 e
40. No fundamental, o potencial criador de várias gerações
das mais talentosas e sadias do nosso povo foi desperdiçado e
corroído na sua base moral pela ideologia e psicologia
pequeno-burguesas. Por isto, não tenhamos dúvidas, pagaremos o
mais alto preço.
É verdade que nos anos 30, milhares de pessoas inocentes foram
vitimadas. É óbvio que uma pessoa cujos pai ou mãe tenham
sido injustamente fuzilados não pode consolar-se com o facto de que por
cada vítima inocente muitos mais tenham sido condenados justamente.
Aqui é preciso passar por cima da nossa própria dor, deixar de
olhar para a história através de um prisma de
exasperação pessoal. Mais que não seja em nome da
elementar objectividade já sem falar da atitude de classe e de
partido que, para muitos dos "intelectos" que refere, é como
um pano vermelho para um touro
Apesar de tudo o que se possa dizer sobre
aquele tempo, a atmosfera de então caracterizava-se não pelo
medo, pelas repressões ou pelo terror, mas por uma poderosa onda de
entusiasmo revolucionário das massas populares, sentindo-se pela
primeira vez depois de muitos séculos donos da própria vida,
sinceramente orgulhosos do seu País, da sua Pátria e que
acreditavam profundamente nos seus dirigentes.
É preciso analisar o que se passou com objectividade, rigor documental,
profundidade e, sobretudo, a partir das nossas posições de
classe. Temos de estabelecer o número total de vítimas, quer
inocentes quer culpadas, determinar a responsabilidade de Stáline, dos
que o rodeavam, bem como os muitos excessos ocorridos na província com o
beneplácito das autoridades locais. Só depois disto estar
esclarecido poderemos lançar raios e coriscos
Mas nós
fazemos tudo ao contrário. Primeiro fazemos alarde, atolamo-nos na lama,
e só depois começamos a pensar: teremos feito bem, ou será
que apenas criámos um amontoado de problemas artificiais cuja
superação exigirá esforços heróicos? Estou
convencido de que já é tempo de pensarmos sobre a necessidade de
reconstituir um quadro autêntico do passado. Enquanto não o
fizermos os nossos inimigos continuarão, à custa do nosso
silêncio, a fabricar uma versão sua cada vez sólida.
Há muito que se devia ter começado, até porque nesta
área o trabalho é gigantesco. Boa parte disto foi oferecido por
Khruchov, que odiava Stáline e transferiu para a grande política
os seus interesses mesquinhos e a sua exasperação pessoal.
Pessoas competentes disseram-me que Khruchov deu ordem para ser
destruída uma série de documentos importantes relacionados com as
repressões dos anos 30 e 40. Certamente que, em primeiro lugar, desejou
esconder a sua participação nas ilegalidades em Moscovo e na
Ucrânia, onde, para ficar nas boas graças do Centro, assassinou
muitas pessoas inocentes. Ao mesmo tempo foram destruídos documentos de
outro tipo que demonstravam irrefutavelmente a fundamentação das
acções repressivas adoptadas no final dos anos 30 contra algumas
destacadas figuras do Partido e do Exército. A táctica é
óbvia: encobrir-se a si próprio e lançar todas as culpas
pelas ilegalidades para cima de Stáline e dos "stalinistas",
os quais eram vistos por Khruchov como a principal ameaça ao seu poder.
Entretanto distraí-me, caí em suposições, comecei a
falar sobre algo que não conheço com profundidade. São
precisos documentos e factos indiscutíveis e não os possuo. Por
isso peço-lhe que não aborde mais este tema: não é
meu hábito falar sem provas documentais
Eu tenho ainda menos hipóteses de vir a aceder a esses testemunhos
documentais, os arquivos permanecerão fechados por muito tempo
Estudos sérios não existem sobre esta matéria, para os
ideólogos do Partido este é um tema proibido e agora você,
um participante activo nesses acontecimentos, recusa-se a revelar o que
sabe
Que fazer, eu quero saber a verdade! Vou ter com esses escritores e
"intelectuais" que, segundo o que me diz, mais não fazem que
turvar as águas! Ou com os kremlinólogos ocidentais que, como
justamente observou, são tão hábeis a fabricar as suas
versões!
Pronto, pronto, eu conto-lhe um episódio verdadeiro da minha vida,
ocorrido, se a memória não me falha, em 1937. Tire você
próprio as conclusões
Nessa altura ocupava um cargo de direcção no Comissariado do Povo
para os
Sovkhozes
da URSS. Ao entrar de manhã no gabinete encontrei uma
notificação para me apresentar urgentemente no NKVD [Comissariado
do Povo para os Assuntos Internos]. Era algo que não provocava especial
surpresa ou preocupação, porque era frequente os colaboradores do
Comissariado do Povo serem chamados a prestar declarações sobre
processos de investigação de grupos de sabotadores na nossa
instituição. O investigador, de aspecto inteligente e
simpático, cumprimentou-me educadamente e propôs que me sentasse.
"- Que tem a dizer sobre os colaboradores Petrov e Grigoriev (altero os
apelidos por questões de ética (I.B.)?
"- São óptimos especialistas, comunistas honestos e
dedicados à causa do Partido e ao camarada Stáline"
respondi sem sequer pensar. Tratava-se de dois dos meus amigos mais
próximos, éramos, como se costuma dizer, unha com carne
"- Tem a certeza disso?" perguntou o investigador, cuja voz me
pareceu transparecer um sentimento de decepção.
"- Absoluta, respondo tanto por eles como por mim próprio."
"- Então veja estes documentos". E passou-me para as
mãos várias folhas de papel.
Ao lê-las, fiquei gelado. Tratava-se de uma declaração
sobre "A actividade sabotadora de I.A. Benediktov no Comissariado",
realizada durante vários anos "ao serviço da espionagem
alemã". Tudo, todos os factos enumerados no documento tinham
efectivamente ocorrido: as aquisições na Alemanha de
máquinas agrícolas impróprias para as nossas
condições, ordens e directivas erradas, o menosprezo de queixas
locais justas e mesmo algumas tiradas minhas feitas na brincadeira, num
círculo restrito, para impressionar amigos com o meu sentido de humor...
Claro que tudo aquilo era resultado da minha ignorância, inépcia,
falta de experiência nunca tinha havido, nem podia haver da minha
parte qualquer má intenção. No entanto, todos aqueles
factos estavam agrupados e interpretados com uma tal habilidade
demoníaca e uma lógica irrefutável que, colocando-me no
lugar do investigador, de imediato e sem hesitações teria
acreditado nos "propósitos sabotadores de I. A. Benediktov".
Mas um golpe mais terrível esperava-me mais à frente: abalado
pela espantosa força da mentira, não reparei logo nas assinaturas
de quem tinha forjado o documento. O primeiro apelido não me surpreendeu
(tratava-se de um tratante, mais tarde condenado com pena de prisão por
calúnia, que fizera denúncias sobre muitas pessoas do
Comissariado e que, por isso, já ninguém levava a sério).
Mas quando vi os apelidos que constavam na segunda e terceira linhas
então fiquei literalmente hirto: eram as assinaturas de Petrov e
Grigoriev, pessoas que eu considerava como os meus melhores amigos, aos quais
confiava tudo inteiramente!
"- O que é que tem a dizer sobre esta
declaração?", perguntou o investigador quando viu que eu
tinha, mais ou menos, voltado a mim.
"- Todos os factos aqui expostos tiveram lugar, nem precisa de os
verificar. Mas estes erros cometi-os por ignorância e falta de
experiência. Arrisquei em nome dos interesses do trabalho, assumi a
responsabilidade em momentos em que outros teriam preferido cruzar os
braços. As afirmações sobre sabotagem intencional e as
ligações com a espionagem alemã são uma mentira
absurda."
"- Continua a considerar Petrov e Grigoriev como comunistas
honestos?"
"- Sim, continuo, e não consigo compreender o que os fez subscrever
esta falsificação..."
Mas na verdade já começava a compreender, projectando na
memória certos sinais de afastamento, frieza e tensão que tinham
surgido imediatamente após a minha nomeação para um posto
chave no Comissariado... Tanto Petrov como Grigoriev seriam, possivelmente,
melhores especialistas do que eu, mas seguiam a filosofia dos "mochos
sábios", travando por vezes a minha iniciativa e a sede de
mudanças rápidas.
"- Compreendo que não queira afundar os seus amigos", disse o
investigador depois de reflectir alguns momentos. "Mas, infelizmente, o
comportamento deles está longe de ser o que diz. É claro que
recolhi algumas informações sobre si e não são
más: é uma pessoa empenhada, bastante capaz. Mas já em
relação aos seus amigos, "comunistas honestos",
são más. Ivan Alekssandrovitch, quero que compreenda a nossa
posição: admite que os factos tiveram lugar e diz que não
tem qualquer dúvida sobre a honestidade daqueles que o acusam de
sabotagem. Concordará que enquanto
tchekistas
temos que agir em conformidade. Pense novamente se tudo o que nos disse
é verdade. Eu compreendo, agora está numa situação
complicada, mas não vale a pena desesperar porque ainda não
chegámos a nenhuma conclusão", disse-me o investigador na
despedida, apertando-me a mão.
Não sei como consegui chegar a casa, nem o que disse à minha
mulher. Na memória ficou-me apenas a maneira febril como
telefonámos aos nossos amigos e como a minha mulher, cerrando
obstinadamente os lábios para não chorar, escreveu cartas e
postais aos familiares e pessoas próximas (as relações com
famílias de "inimigos do povo" poderiam ser-lhes fortemente
prejudiciais e tínhamos simplesmente a obrigação de os
avisar).
Da parte da tarde, no gabinete, quando tentava vencer pensamentos e
presságios sombrios e entender o sentido dos papéis que tinham
chegado, tocou o telefone: convidavam-me a comparecer no Comité Central
na manhã do dia seguinte. "Está decidido, estou morto",
pensei eu, "expulsam-me do Partido e, depois, julgamento".
A minha mulher não aguentou mais e passou a noite a chorar. De
manhã, preparou-me uma pequena trouxa com alguns pertences, com os quais
segui para o edifício do Comité Central na Praça Velha.
Recordo-me do olhar perplexo que me lançou a mulher, já com
alguma idade, que estava sentada na recepção da sala de
reuniões. "Isso pode deixar aqui", disse, mostrando-me uma
cadeira junto à porta. Na reunião, foram debatidas
questões sobre o desenvolvimento da agricultura. Quase que não
conseguia entender o sentido das intervenções, esperava que
dissessem o meu apelido e começassem a estigmatizar-me. Por fim,
alguém falou no meu nome... era Stáline.
"O burocratismo no Comissariado não diminui", disse ele
devagar e pesadamente. "Todos nós respeitamos o Comissário
do Povo... um velho bolchevique, veterano de guerra, mas não há
meio de ele conseguir combater o burocratismo, é verdade que a idade
também já não ajuda. Ouvimos opiniões e decidimos
reforçar a direcção do sector. Proponho a
nomeação para o cargo de Comissário do Povo do jovem
especialista Benediktov. Alguém está contra? Não?
Considera-se o assunto resolvido".
Após alguns minutos, quando todos começavam a sair, aproximou-se
de mim Vorochilov
[20]
: "Ivan Alekssandrovitch, o camarada Stáline pede que vá ter
com ele".
Numa sala espaçosa reconheci os rostos bem conhecidos das fotografias de
Molotov, Kaganovitch e Andreev
[21]
.
"- Eis o nosso novo Comissário do Povo", disse Stáline
quando me aproximei dele. "Então, concorda com a decisão
tomada ou tem alguma razão contra?"
"- Tenho, camarada Stáline, três ao todo."
"- Diga então!
"- Em primeiro lugar sou demasiado novo, em segundo, trabalho há
pouco tempo nas novas funções e faltam-me experiência e
conhecimentos.
"- A juventude é uma insuficiência que passa. Só
é pena que passe tão depressa. Nós é que
precisávamos um pouco mais dessa insuficiência, não
é Molotov?" Este pigarreou de forma indefinida, ajustando as lentes
no nariz. "Experiência e conhecimento é algo que se
adquire", continuou Stáline. "Teria sido para mim um prazer
ter estudado, mas você, pelo que me disseram, teve-o que chegue. Mas
não se encha de orgulho que nós ainda lhe vamos fazer muitos
galos na cabeça. Prepare-se para ter uma vida difícil, o
Comissariado tem sido negligenciado. E qual é a terceira
razão?"
Então contei a Stáline a minha ida ao
NKVD.
Ele franziu o semblante, ficou calado e depois, olhando-me fixamente, disse:
"- Responda francamente, como comunista: essas acusações
têm algum fundamento?"
"- Nenhum, excepto no que toca à minha inexperiência e
inépcia."
"- Muito bem, pode ir trabalhar que nós trataremos dessa
questão."
Só dois dias depois dessa conversa, quando me telefonou um dos
secretários do CC, compreendi que o perigo passara. Quanto à
trouxa, foi-me enviada nesse dia do CC para o Comissariado. Estava de tal modo
aturdido que me esquecera completamente dela...
Ao que parece, Stáline não quis alterar uma decisão
já tomada, e isso salvou-o....
Não concordo. Ao longo de muitos anos de trabalho, constatei
várias vezes que os procedimentos formais ou ambições
pessoais pouco significavam para ele. O que contava para Stáline era o
trabalho e, se fosse necessário, não o confrangia alterar
decisões tomadas, não se preocupando nem um pouco sobre o que
pudessem outros pensar ou dizer. Tive simplesmente sorte porque o caso sobre a
minha fictícia "sabotagem" caiu sob o seu controlo pessoal.
Nas questões relacionadas com processos de pessoas acusadas de
sabotagem, Stáline tinha fama de liberal no
Politbureau
da altura. Normalmente, punha-se do lado dos acusados e conseguia
inocentá-los, embora, claro, tenha havido excepções. Isto
encontra-se bem descrito nas memórias de Tchuianov, antigo
primeiro-secretário do Partido na região de Stalinegrado. E mesmo
eu presenciei várias vezes desavenças entre Stáline com
Kaganovitch e Andreev, considerados "rapaces" nesta matéria.
Os argumentos de Stáline assentavam fundamentalmente na ideia de que
mesmo com os inimigos do povo era necessário lutar dentro do campo da
legalidade, nunca saindo dele. Outro qualquer membro do
Politbureau
que recebesse o meu caso poderia ter dado seguimento às calúnias
dos invejosos e canalhas.
Quer dizer que as repressões e arbitrariedades eram feitas nas costas de
Stáline, sem o seu conhecimento? Todavia, no XX Congresso foram
apresentadas provas irrefutáveis de que foi exactamente Stáline o
iniciador das repressões e quem escolhia as principais vítimas...
Quanto à irrefutabilidade tenho as maiores dúvidas. Tudo foi
feito à pressa com o evidente propósito de difamar Stáline
e, sobretudo, os que o apoiavam. Quebrando a sua resistência, Khruchov e
o seu círculo mais chegado contavam conseguir uma situação
de monopólio no Partido e no Estado. Quando se trava uma luta pelo
poder, lançam-se todo o tipo de argumentos, muitas vezes duvidosos. Por
exemplo, as claras alusões à participação de
Stáline no assassinato de Kirov
[22]
, que ressoaram no famoso relatório de Khruchov, nunca foram confirmadas
com provas reais. As palavras de Khruchov de que, alegadamente, Stáline
"comandava as operações militares pelo globo",
revelaram-se absurdas, como confirmaram praticamente todos os marechais e
generais que com ele trabalharam durante a guerra. De um modo geral, o
relatório de Khruchov no XX Congresso, a par de factos evidentes,
está cheio de aspectos obscuros, contraditórios, simplesmente
incompreensíveis, em especial, no que toca à
participação nas repressões dos membros do
Politbureau
na altura, entre os quais, como é sabido, se incluía o
próprio Khruchov... Repito: aqui é preciso um estudo meticuloso
dos documentos e materiais de arquivo, uma análise profunda e uma
reflexão a partir das nossas posições partidárias
de classe, considerando todos os factores e circunstâncias e não
apenas os que se encaixam num determinado esquema teórico.
Mas no nosso país, em vez se fazer essa análise e
reflexão, utiliza-se "o restabelecimento da verdade
histórica" como cobertura para ajustar contas com os
adversários políticos e ganhar um sedutor capital
ideológico como "inovadores" e "combatentes" contra
mais um "ismo", o que, evidentemente, é apresentado como um
"enorme contributo criativo". O próprio Khruchov se tornou
vítima dessa trama, no mínimo, suspeita. Foi injuriado com todas
as palavras, depois totalmente excluído de todos os documentos
históricos, como se não tivesse existido tal figura na
história do País. A nossa cultura política é ainda
pouca, há muitos oportunistas reles, a ânsia de obter resultados
imediatos acaba por colidir com os interesses estratégicos de longo
prazo...
Temos portanto de esperar pela análise e estudo dos arquivos. O que,
pelos vistos vai durar muito tempo... O que fazer agora, quando os opositores
do socialismo desferem golpes sensíveis sobre a nossa ideologia, minam a
confiança das pessoas no Partido, denigrem o caminho percorrido pelo
povo? Como propagandista e leitor da
Sociedade Conhecimento
confronto-me frequentemente com auditórios de jovens que colocam muitas
perguntas sobre o tema do culto da personalidade e das repressões. Que
posso eu responder, como preencher este vazio se mesmo nas memórias que
se publicam, quando se publicam é claro, tudo o que se relaciona mais
directamente com o tema é implacavelmente cortado. Porque é que
você, participante e testemunha nestes acontecimentos, não nos
dá a sua opinião, a sua versão, a sua hipótese?
Veja, este tema é tratado por pessoas absolutamente incompetentes e mal
intencionadas, que apresentam a sua opinião como uma verdade acabada e
convencem-se disto... Ou você, Comissário do Povo de
Stáline, comunista, afinal não tem como replicar e devemos
nós envergonhar-nos da nossa história?
A sua insistência convence. De facto não precisamos de nos
envergonhar da nossa história. Com todas as suas páginas
dramáticas, esta é uma história heróica, a
história de um grande povo. O que posso dizer, não tenho outra
escolha, é a minha opinião pessoal, não assente, repito,
nos necessários documentos e factos.
Fui efectivamente um participante nos acontecimentos desses anos, encontrei-me
muitas vezes com Stáline, conhecia bem destacados dirigentes do Partido
e da economia dos anos 30 e 40, estive presente em muitas reuniões do
Politbureau.
Todavia, a maior parte do tempo ocupei-me das questões da agricultura
e, naturalmente, percebo muito menos do resto. Um pouco mais, certamente, do
que os actuais críticos, mas não com necessário
profissionalismo. Peço que tenha isto em consideração.
As repressões dos anos 30 e parte dos anos 40 resultaram,
principalmente, de factores objectivos. Em primeiro lugar, da resistência
encarniçada dos declarados e, em especial, dos dissimulados inimigos do
Poder Soviético. Os primeiros eram significativamente menos numerosos
que os segundos, e nisto residia toda a dificuldade.
Nem de longe, todos os que, em consequência da Revolução de
Outubro, perderam a sua riqueza, os privilégios, a possibilidade de
viver à custa do trabalho dos outros, fugiram para o estrangeiro. Muitas
destas pessoas, aproveitando-se da confusão e da balbúrdia dos
primeiros anos pós revolução, conseguiram infiltrar-se no
aparelho de Estado e no Partido, até mesmo no NKVD
[Comissariado do Povo dos Assuntos Internos]. Tanto mais que havia grande
carência de pessoas formadas, de especialistas qualificados. A
"quinta coluna" potencial era constituída por uma parte
significativa da
inteligentsia
anterior à revolução, que tinha perdido uma série
de privilégios e regalias, designadamente no plano material, e estava
agora ao serviço do aparelho soviético, como se costuma dizer, a
contragosto, por não ter outra alternativa... Com esta "quinta
coluna" relacionavam-se os
népmans
[empresários do período da Nova Política
Económica], tal como os
kulaks
[proprietários rurais ricos] que odiavam o Poder Soviético, parte
dos camponeses médios e alguns operários, vitimados em
consequência de excessos e da desordem que, inevitavelmente, acompanha
qualquer revolução e as grandes transformações
sociais. Um perigo menor, mas perfeitamente perceptível, vinha da
actividade clandestina dos grupos e grupelhos políticos da burguesia,
pequena-burguesia e até de monárquicos, muitos dos quais
mantinham ligações regulares com os círculos da
emigração. Tudo isso não era uma invenção do
Stáline ou do NKVD, mas a mais prosaica realidade existente.
Basta dizer que no decurso das investigações do chamado caso
Prompartia
[partido industrial], que tinha evidentes objectivos anti-soviéticos,
foram desmascaradas cerca de duas mil pessoas que de forma consciente e
orientada praticavam actos de sabotagem. Em meados dos anos 30, testemunhei
pessoalmente casos de sabotagem consciente na indústria química e
de curtume. E mesmo no Comissariado do Povo dos
Sovkhozes
da RSFSR [República Soviética Federativa Socialista da
Rússia] e no Comissariado do Povo da Agricultura da URSS, onde
trabalhei, alguns especialistas vindos da
inteligentsia
anterior à revolução não perdiam uma oportunidade
para nos passar uma rasteira.
A actividade da oposição trotskista-zinovievista
[23]
e mais tarde bukharinista
[24]
era reforçada com este tipo de acções subversivas.
É verdade que os seus líderes, ainda nos finais dos anos 20,
foram obrigados a recuar e a intervir com discursos de arrependimento. No
entanto, muitos correligionários de Trotski e de Bukharine tinham ficado
nos aparelhos do Partido e do Estado, no Exército, nos
órgãos de segurança de Estado, onde prosseguiam a
sabotagem ao Poder Soviético no campo ideológico, evocando
hipocritamente os ideais de Outubro. Note-se que, também no comando do
Exército Vermelho, havia bastantes oficiais czaristas. Muitos deles,
incluindo Tukhatchevski
[25]
, Iakir
[26]
, Uborevitch
[27]
e outros, passaram-se para o lado dos bolcheviques na sequência de um
grande trabalho de organização e propaganda realizado por
Trotski, cujo contributo para o reforço da defesa da
Revolução, como sabe, foi altamente valorizado por Lénine.
É certo que a maioria dessas pessoas, conservando certos preconceitos e
convicções antigas próprios do seu extracto social, eram
leais ao Poder Soviético. Mas havia quem andasse com as tripas do
avesso, o que constituía uma ameaça determinada, uma vez que
Trotski, com as suas excelentes capacidades organizativas e talento
conspirador, já emigrado, conseguia manter ligações
regulares com os descontentes no interior do País. E nem sequer é
preciso falar dos muitos agentes enviados nos anos 30 para o território
da União pelos serviços de espionagem capitalistas.
É evidente que os adversários do Poder Soviético,
não obstante representarem por certo alguns milhões de pessoas,
constituíam uma clara minoria do povo. No entanto, dada a
importância dos cargos que exerciam, o seu nível intelectual mais
elevado, educação e conhecimentos, ignorá-los como
potencial ameaça para o socialismo teria sido uma leviandade criminosa,
inadmissível para um político sério. Numa
situação em que os países capitalistas não
escondiam a sua hostilidade e se aproximava o embate com o fascismo, o governo
do País estava simplesmente obrigado a empreender firmes medidas em
grande escala para se resguardar de possíveis ataques pelas costas,
neutralizar a potencial "quinta coluna" e garantir a máxima
unidade nos escalões de direcção do Partido, Estado e
Exército.
Referiu-se aos inimigos do Poder Soviético e aos adversários
ideológicos de Stáline. Mas entre as vítimas de
repressão havia muitas pessoas que eram capazes de dar a vida por
Stáline...
É verdade. Mas isso apenas demonstra que as repressões não
eram motivadas pela falta de lealdade pessoal a Stáline, como alguns
pretendem fazer crer, mas por outras razões mais sérias. Quais?
Pense-se, mais que não seja, no processo que se impunha de saneamento e
rejuvenescimento da direcção.
Entre a velha guarda partidária, que conseguiu entusiasmar e levantar as
massas para a Revolução de Outubro, havia, nas palavras de
Lénine, algumas "figurinhas" de "santos de pau
carunchoso" que sabiam "empertigar-se e palrar", mas não
eram capazes de trabalhar de forma inovadora, à altura das tarefas que
se colocavam ao país. O meu Comissariado, por exemplo, era dirigido por
um velho bolchevique, pessoa honesta e, sem dúvida, com mérito
(por isso não refiro o seu nome), mas incapaz de organizar as coisas.
Inúmeros encontros e exortações, reuniões com
"brilhantes" palavras de ordem, constantes vivas à
revolução, a Lénine, a propósito e a
despropósito, era esse o seu estilo, o qual, simplesmente não
estava em condições para alterar. E de nada servia o elevado grau
de formação e cultura, as suas grandes qualidades morais: as
aptidões práticas são insubstituíveis.
Nos seus últimos escritos, Lénine sublinhou várias vezes
que a maioria do Partido (cerca de nove em cada dez), era constituída
por pessoas incapazes de responder às novas exigências, apelando
por isso à sua substituição nos lugares de
responsabilidade, à sua "exclusão", sem
contemplações perante quaisquer serviços que tivessem
prestado. Tudo isto correspondia à realidade. Naturalmente que a
promoção em massa de pessoas mais jovens, dotadas e capazes de
trabalhar em novos moldes não podia processar-se de forma indolor.
Provocou descontentamento, ressentimentos e acusações da parte
dos veteranos, cuja resistência também foi preciso quebrar.
Mas é claro que a maioria não foi vítima disto.
Lembra-se das palavras de Lénine de que os russos eram maus
trabalhadores em comparação com os operários dos
países ocidentais? Confessemos: o desleixo, a irresponsabilidade, a
indolência está-nos no sangue; do operário ao ministro,
temos uma cultura de trabalho reduzida, para não dizer primitiva. E para
arrancar todos estes "sinais de nascença do passado"
será preciso ainda muito tempo e esforços.
Estou convencido de que, nos anos 30, quando estávamos perante uma
questão de vida ou de morte do Estado Soviético, era preciso
utilizar todo o arsenal de combate contra as nossas chagas ancestrais russas,
recorrendo, a par de estímulos materiais e morais, a medidas do foro
administrativo e mesmo punitivo-repressivas. Sim, sim, esse chicote, sem o
qual, muitas vezes, não é possível extrair de uma parte da
nossa população (não tão pequena quanto isso)
aquela rudeza elementar, selvagem, boçal.
Folheie os últimos volumes das obras completas de V.I. Lénine,
onde estão reunidas as suas cartas de trabalho, os telegramas e notas.
Não se cansava de repetir que "nas nossas condições,
com estes malditos hábitos de desleixo, qualquer coisa se desconjunta em
duas semanas se não a ajustarmos e verificarmos, se não dermos
três chicotadas
[28]
". "Em nome de Cristo, ponham alguém atrás das grades
da prisão. Sem isso, não se consegue nada
[29]
". Praticamente em todas as linhas apelava a "chicotadas",
às prisões e repressões, incluindo a pena capital, por
descuido, negligência, desleixo, subornos e tentativas de
"camuflar" actos vis. E estes apelos tinham em vista quem?
Funcionários dirigentes, incluindo os dos escalões mais altos,
bolcheviques, que tinham passado pelas prisões, por trabalhos
forçados, pelo exílio. Lénine respeitava as pessoas,
valorizava as suas qualidades práticas. Mas quando a
situação o pedia, revelava uma severa exigência, não
hesitando em adoptar as medidas mais rigorosas e drásticas,
"punitivas", se quiser. Stáline herdou este estilo, e nesse
tempo não poderia ser de outra forma.
Na situação específica dos anos 30 e 40, os actos de
negligência, irresponsabilidade e incúria tinham obrigatoriamente
de ser equiparados a crimes políticos. E as pessoas, estando conscientes
disto na sua grande maioria, apoiavam tais medidas. Do ponto de vista
prático, é absolutamente indiferente qual a razão por que
uma fábrica, construída à custa de uma tremendo
esforço, não produz a quantidade de bens necessários a
todos: se devido às diversões de agentes inimigos ou à
mais elementar inépcia daqueles que se revelam incapazes de organizar a
produção e pensam mais nos seus interesses pessoais do que nos da
sociedade... A mim não me comove nada a história tocante de uma
mãe com dois filhos que foi condenada a vários anos de
prisão pelo roubo de duas espigas de trigo. É claro que, no seu
plano pessoal, a sentença é no mínimo cruel. Mas este
exemplo dissuadirá, por muito tempo, que centenas ou milhares de outros
amigos do alheio deitem a mão a bens do Estado, enriquecendo à
custa de outros... Não é verdade que hoje, ladrões
descarados e trapaceiros de todos os tipos privam o Estado de milhares de
milhões, talvez mesmo dezenas de milhares de milhões de rublos,
que poderiam, por exemplo, ser destinados a prestações sociais
não de uma nem duas, mas de milhões de mães?
Mas desviei-me do assunto. Em suma, as repressões dos anos 30 foram, no
seu fundamento, inevitáveis. Penso que se tivesse vivido mais 15 anos,
Lénine teria tomado a mesma via. Não é por acaso que os
críticos mais consequentes de Stáline e do chamado
"stalinismo" cedo ou tarde acabam a criticar Lénine. Em
última análise, não se pode acusar estas pessoas de falta
de lógica.
É certo que, com Lénine, os excessos e desvios teriam sido muito
menos.
Na sua opinião, em que é que consistiram em concreto esses
excessos e qual é a fronteira que separa os factores objectivos dos
erros e falhas subjectivos?
Eu já disse que, no aparelho do Partido e nos órgãos do
NKVD, havia inimigos ocultos do Poder Soviético, assim como carreiristas
de diverso tipo, cobiçosos e aventureiros. Guiados pela sua cupidez e
pelos seus interesses pessoais, inscreveram nas listas dos "inimigos do
povo" pessoas honestas e talentosas, fabricaram "casos",
chamando como "testemunhas" todo o género de canalhas, do tipo
dos meus amigos Petrov e Grigoriev. Os abusos e desvios, em especial ao
nível local, foram também resultado do baixo nível
político e sociocultural (simplesmente não podia haver outro) dos
quadros dirigentes locais. Ainda para mais, a propaganda acentuava a
"urgência" nesta matéria. A procura de actos de
"sabotagem", designação que passou a classificar
indistintamente todos os incidentes, até erros acidentais e outros
causados pela inexperiência de pessoas honestas, tornou-se numa
espécie de psicose entre amplas massas da população.
É certo que o ideal seria investigar individualmente e com objectividade
todos os casos de suspensão ou paragens da produção, a
origem dos defeitos nos produtos, apurando com minúcia as
situações resultantes de inexperiência, as provocadas por
negligência criminosa e as que eram de facto consequência de actos
conscientes de sabotagem. No entanto, muitas vezes isso não acontecia,
era muito mais simples e fácil lançar as culpas de tudo nos
"inimigos do povo", tanto mais que a memória desses inimigos,
escarnecendo das pessoas simples durante o tempo do czar, ainda estava
fresca
De certo modo, repetiu-se a situação dos primeiros anos da
revolução e da guerra civil, quando a fúria de um
ódio multi-secular de explorados contra exploradores, provocou a morte
de dezenas de milhares de inocentes das camadas "alta" e
"média". Será justo culparmos Lénine, Djerjinski
[30]
e os seus companheiros destes excessos e crueldades? Em termos abstractos
podemos responder que sim, houve aqui e ali desatenções, falhas,
precipitações, etc. No entanto, na prática, era
simplesmente impossível conter de uma penada as paixões
despertadas, parar a carnificina e o derramamento de sangue. Os bolcheviques
fizeram tudo o que estava ao seu alcance, pondo a própria vida em risco,
mas nem sempre lograram refrear a fúria das massas. Algo de semelhante
ocorreu nos anos 30 com Stáline.
É verdade que o facto de muitos milhares de pessoas honestas, inocentes,
terem sido vitimadas durante as repressões significou um grande dano
para a nossa sociedade. Mas, no global, a firme depuração em
grande escala do aparelho partidário-estatal e do Exército
reforçou o país e teve um papel positivo. Nunca houve, nunca
haverá na história verdadeiras transformações
revolucionárias sem os seus custos, por vezes extremamente elevados e
dolorosos.
Fala de "fúria popular", mas as repressões eram
organizadas pelo aparelho do Partido e pelos órgãos do NKVD, os
quais estavam nas mãos de Stáline
Mas de onde vinham as pessoas que estavam no aparelho do Partido e nos
órgãos de segurança de Estado? Claro que vinham do povo,
no fundamental dos meios operários e camponeses. E reflectiam
necessariamente o seu estado de espírito, o seu modo de pensar, a sua
psicologia. E os operários e camponeses, também na altura,
não estavam todos na vanguarda
O dramatismo da situação residiu no facto de que a
depuração, o reforço do país, teve de ser feito
através de um aparelho, quer partidário quer estatal, que estava
imundo. Por isso, uma onda de depuração era seguida de outra,
desta vez já contra os que tinham cometido ilegalidades e abusos no
exercício das suas funções. De resto, em termos relativos,
os órgãos de segurança do Estado terão sido dos que
mais sofreram. Eram "depurados" de forma regular e radical, sem
qualquer complacência pelos serviços prestados ou biografias
revolucionárias.
Não tenho dúvidas de que Stáline sabia das arbitrariedades
e ilegalidades praticadas no decorrer das repressões, sofreu com isso e
tomou medidas concretas para a correcção dos excessos cometidos e
para a libertação de pessoas honestas da prisão.
Aliás, naquele período, não se fazia muita
cerimónia com os caluniadores e denunciantes. Muitos deles, após
os desmascaramentos, eram metidos nos mesmos campos para onde tinham sido
enviadas as suas vítimas. Paradoxalmente, muitos deles, soltos no
período de Khruchov, vendo-se em liberdade, desataram a apregoar mais
alto que todos sobre as ilegalidades stalinistas, conseguindo até
publicar memórias sobre o assunto.
Desculpe, o que diz sobre a não participação de
Stáline na repressão de pessoas honestas não é
convincente. Mas mesmo admitindo isso como verdade, então, em primeiro
lugar, ele tinha a obrigação de reconhecer perante todo o povo as
ilegalidades cometidas, em segundo lugar, reabilitar os que sofreram
injustamente e, em terceiro, tomar medidas para que tais ilegalidades
não pudessem ocorrer mais no futuro. Veja que nada disto foi feito
Visivelmente, você não está ao corrente dos factos. No que
respeita às duas primeiras considerações que faz,
lembro-lhe que o Plenário de Janeiro do CC do PCU(b) [Partido Comunista
de toda a União (bolchevique)] em 1938, reconheceu publicamente as
ilegalidades cometidas em relação a comunistas e pessoas sem
partido honestos, aprovando sobre este assunto uma resolução
específica que foi, aliás, publicada em todos os jornais
nacionais. De forma igualmente aberta, o XVII Congresso do PCU(b), em 1939,
referiu-se aos danos causados em todo o país pelas repressões
infundamentadas.
Imediatamente após o Plenário do CC, em Janeiro de 1938, milhares
de pessoas reprimidas ilegalmente, incluindo oficiais militares,
começaram a regressar dos locais de reclusão. Todos foram
oficialmente reabilitados e Stáline apresentou pessoalmente desculpas a
alguns deles.
No que se refere ao seu terceiro considerando, já lhe disse que o
aparelho do NKVB foi provavelmente o mais atingido pelas repressões, uma
grande parte exactamente por ter sido chamada a responder pelos abusos de poder
e represálias sobre pessoas honestas... A responsabilidade maior por
essas repressões, como saberá, coube a Iagoda e a Ejov, antigos
Comissários do Povo para os Assuntos Internos. Juntamente com os seus
mais próximos colaboradores, foram condenados à pena capital e
fuzilados pela morte das melhores pessoas, de experientes quadros do Partido.
Quem lhes sucedeu, Béria, tinha fama de "liberal" e, nos
primeiros momentos, restringiu de facto as proporções das
repressões. No entanto, seduzido pelo poder, cedeu também a
abusos e desagregou-se completamente no plano moral e de vida. Um ano e
qualquer coisa antes da morte de Stáline, foi demitido do posto de
Comissário do Povo e os seus colaboradores devotos foram detidos e
colocados sob investigação. O cerco a Béria cerrava-se
inexoravelmente e não foi por acaso que, nos últimos meses de
vida de Stáline, desenvolveu uma actividade febril, sendo o primeiro,
imediatamente após a sua morte, a desencadear a campanha de
difamação do líder.
Mas falemos agora das medidas contra as repressões tomadas pelo XVIII
Congresso do PCU(b), em 1939, que revogou a prática comum até
então de depurações regulares no Partido. Na minha
opinião pessoal, considero que foi uma decisão errada. Preocupado
com os danos causados pelas repressões em massa, Stáline caiu
noutro extremo e nitidamente precipitou-se. Lénine estava muito mais
próximo da verdade quando sublinhou que o partido governante deve
depurar-se constantemente dos que se aproveitam do poder e dos que a ele se
encostam. O esquecimento deste ensinamento custou-nos terrivelmente caro.
É verdade que só agora nos damos conta disso, na altura
não duvidei da justeza da decisão tomada.
A propósito das perguntas que me tem feito, veio-me à
memória um episódio. Quando, nos finais de 1939, muitas pessoas
condenadas injustamente começaram a regressar dos locais de
reclusão aos comissariados da Agricultura, expressei, na presença
de Stáline, a minha satisfação a respeito deste assunto. A
sua reacção, no entanto, foi para mim inesperada.
"- Para onde é que antes estavam a olhar?", perguntou,
zangado, Stáline. "Provavelmente até conheciam essas
pessoas, compreendiam em que situação se encontravam. Porque
é que não intercederam em sua ajuda, e não vieram ter
comigo no fim de contas? Não querem ter chatices? Se desejam uma vida
sossegada devem sair do Comissariado. Aí, os mochos
sábios podem causar muitos prejuízos."
No entanto, insisto, continua a ser difícil de acreditar que
Stáline não soubesse o que se estava a passar no Comissariado dos
Assuntos Internos...
Durante o período de Stáline, os comissariados tinham uma grande
liberdade de acção. Isto era considerado como a principal
premissa da capacidade de iniciativa e da autonomia do trabalho. O controlo,
bastante rigoroso e constante, realiza-se na elaboração dos
planos, na definição das orientações
"estratégicas" do desenvolvimento dos sectores, bem como em
relação aos resultados concretos das políticas aplicadas.
Ninguém interferia com o trabalho corrente quotidiano de um
Comissariado, como acontece hoje, em que um ministro, antes de dar um passo,
não falando já das grandes decisões, tem de chegar a
acordo várias vezes com as correspondentes subdivisões do
Comité Central e outras instâncias de direcção. De
resto, na altura, com excepção do departamento agrícola,
não existiam quaisquer outros departamentos sectoriais no CC. É
claro que sempre consultei os colaboradores do CC, as outras
instituições, mas era autónomo nas decisões que
tomava, por vezes até contra a opinião deles.
Pela amarga experiência de outros e em parte da minha própria,
sabia que a responsabilidade pelos resultados seria individual, nenhuns
"conselheiros" ou "colaboradores", incluindo
secretários do CC ou mesmo membros do
Politbureau,
podiam ser chamados à colação. Stáline rapidamente
nos tirava o hábito de nos escondermos atrás de costas alheias,
passando a responsabilidade, como por vezes dizia irritado, para "um
kolkhoz
de pessoas irresponsáveis". Penso que em relação aos
outros comissariados, incluindo o NKVD, funcionava o mesmo princípio.
Este estilo elevava o nível de responsabilização dos
quadros dirigentes, permitia identificar com nitidez "quem era quem"
na prática, coisa que hoje é difícil de determinar:
há demasiadas assinaturas e acordos que possibilitam a um dirigente
eximir-se de qualquer responsabilidade. Mas havia, infelizmente, o reverso da
moeda. Refiro-me ao "isolamento" dos comissariados das
influências externas e à possibilidade de abusos de poder.
Aparentemente, estas circunstâncias manifestaram-se quando à
frente do NKVD foram colocadas pessoas bem preparadas do ponto de vista
profissional, mas pouco consistentes no plano político e
ético-moral. Quando o controlo se apertou, foram demitidas dos seus
cargos e pagaram pelos seus actos. Entretanto, tinham sofrido pessoas inocentes
e sem dúvida que Stáline tem aqui uma quota-parte de
responsabilidade.
Hoje é fácil gritar sobre os erros do passado, muito mais
difícil é determinar e compreender as suas causas. Aliás,
sempre foi mais fácil falar do que reflectir. Neste sentido, entendo bem
os seus colegas jornalistas e literatos
Permita-me que lhe coloque mais uma pergunta ardilosa. Disse que Stáline
até incentivava os comissários do povo a defenderem as pessoas
injustamente reprimidas. É curioso, mas teria você conservado o
seu cargo se interviesse em favor, digamos, de Tukhatchevski, Voznessenski ou
de Bliukher
[31]
? A opinião corrente é que foram reprimidos porque Stáline
os encarava como concorrentes na luta pelo poder
Em favor das pessoas que enumerou não teria intercedido pela
razão simples de que, na altura, estava inteiramente convencido da sua
culpa, como, aliás, estava a esmagadora maioria dos soviéticos.
Quanto à "luta pelo poder" e à eliminação
dos "concorrentes", desculpe mas não passam de
invenções ocas.
As apreciações simplificadas são sempre atractivas. A este
propósito disse muito bem Belinski
[32]
: "Quanto mais estreita for uma opinião, mais ela será
acessível à maioria, que gosta de que o bom seja sempre bom e o
ruim sempre ruim, não querendo sequer ouvir falar de que um mesmo
objecto possa conter em si o bom e o ruim". E se, na sua essência,
repito mais uma vez (agora sem qualquer ressalva sobre a minha
incompetência), o despotismo e a avidez de poder nada tiveram a ver com
as repressões, pelo menos no caso de Stáline, já que em
relação aos que o rodeavam a situação é
distinta
Encontrei-me e conversei com Stáline dezenas de vezes, vi como ele
decidia os problemas, como se relacionava com as pessoas, como reflectia e
hesitava, procurando saídas para as situações mais
complicadas. Posso afirmar peremptoriamente: sentindo profundamente os mais
altos interesses do Partido e do País, ele nunca teria sido capaz de os
pôr em causa, eliminando como potenciais concorrentes pessoas talentosas.
Os pretensos peritos que, com ar catedrático, proferem tais alarvidades,
simplesmente não conhecem a verdadeira situação de como as
coisas se faziam na direcção do País.
Apesar da opinião corrente, nesses anos, todas as questões,
incluindo as que se relacionavam com a destituição de figuras
destacadas do Partido, do Estado e Exército, eram decididas no
Politbureau
de forma colegial. Nas reuniões do
Politbureau
havia frequentemente debates e discussões inflamadas, onde eram
expressas opiniões diferentes, por vezes opostas, naturalmente
enquadradas nos objectivos angulares do Partido. Não havia uma
unanimidade implícita e submissa Stáline e os seus
camaradas não suportavam tal coisa. Digo isto com inteiro fundamento
porquanto estive muitas vezes presente nas reuniões do
Politbureau.
É verdade que o ponto de vista de Stáline, regra geral,
impunha-se. Mas isto acontecia porque ele objectivamente equacionava os
problemas de forma aprofundada, via mais longe e mais fundo que os outros. As
pessoas são pessoas e gradualmente habituavam-se a isto, seguindo a lei
do menor esforço, e deixavam de defender os seus pontos de vista
até ao fim. Stáline dava-se conta do perigo que isto
representava, zangava-se, mostrava como exemplo N.A. Boznessenski, que defendia
firme e consequentemente as suas opiniões. Contudo não conseguiu
alterar a situação. Ao passar a barreira dos 70 anos,
começou a ceder notoriamente. A idade e a tremenda tensão dos
assuntos de Estado produziam, visivelmente, os seus efeitos. Mas no final dos
anos 30, a colegialidade no trabalho do
Politbureau
revela-se de forma muito precisa. Houve casos, bastante raros é certo,
em que Stáline ficou em minoria nas votações. Isto
aconteceu em particular no referente às repressões,
matéria em que Stáline tinha posições mais
"suaves" dos que muitos outros membros do
Politbureau.
Estou convencido que Tukhatchevski, Iakir, Bliukher e outras grandes figuras
foram reprimidas por razões políticas e na sequência de
decisões colegiais do
Politbureau.
Motivações pessoais, se é que as houve, tiveram um papel
secundário. Outra questão é a de saber até que
ponto aquelas razões eram fundamentadas e reflectidas. Naturalmente que
era possível cometerem-se erros. Mas para compreendermos e
reconstituirmos um quadro autêntico do passado precisamos de fazer uma
abordagem política sob a perspectiva dos interesses do Estado e de
realizar uma análise aprofundada e multilateral do assunto
E quanto a Tukhatchevski
Não se cansam de repisar no mesmo: Tukhatchevski, Tukhatchevski
por todo o lado se ouve que o verdugo do Stáline matou o mais talentoso
cabo-de-guerra soviético. Quantas vezes falei sobre os anos 30, e sempre
a mesma pergunta
Até que um dia, já farto de tudo isto, fui
ter com um velho conhecido, aliás, crítico assumido de
Stáline, que esteve directamente ligado ao trabalho da comissão
para a reabilitação de Tukhatchevski.
"- Era um homem complicado", respondeu-me. "Não lhe
agradava a direcção do Partido no Exército e também
não lhe faltava presunção e sobranceria
aristocrática. No entanto, raramente aparecem chefes militares como ele,
com um avanço de décadas, um enorme talento, não era por
acaso que os alemães o temiam mais do que a todos os outros. Foram eles
que forjaram a falsificação e o NKVD
fabricou o processo. Do ponto de vista jurídico, a
acusação é totalmente inconsistente. Foi justamente
reabilitado, não tenhas dúvidas.
"-Espera lá, então tanto fumo e afinal não havia
nenhum fogo? A acusação foi assinada pelo Bliukher e Alksnis
[33]
. Sabes bem que não eram capazes caluniar gente honesta mesmo sob
ameaça de morte
"- Sim, alguma coisa houve. Foi apurado que Tukhatchevski convocou uma
reunião secreta, onde foram discutidos os planos para a
destituição de Vorochilov (então Comissário do Povo
V.L.). Mas juridicamente nenhum aspecto da acusação ficou
provado.
"- Ora bem, estás a ver! Em qualquer país isso é
motivo suficiente para a destituição e mesmo para julgamento. Em
todo o lado os ministros da Defesa são destituídos e nomeados
pelas mais altas instâncias. Pensas que Tukhatchevski contava convencer
Stáline e outros membros do
Politbureau
com a sua eloquência? Então para que era o secretismo? O que temos
é um caso de conspiração, de traição ao
Estado
"- Não te exaltes, Ivan! Tu nunca percebeste grande coisa de
jurisprudência. São necessárias provas concretas, factos
precisos, indícios irrefutáveis, numa palavra, todos os atributos
da legalidade, e nestes caso tudo foi forjado. E também não
é verdade que Tukhatchevski fosse um traidor, o mais provável
é que se tenha tratado de um caso de intriga, de uma luta entre o
talento e a nulidade
"
Juridicamente não sei, mas do ponto de vista da defesa dos interesses do
país, se é verdade que Tukhatchevski e o seu grupo tinham a
intenção de destituir o Comissário do Povo para a Defesa,
era necessário removê-los de cargos decisivos! A guerra
aproximava-se no mapa, estava em causa o destino do socialismo, do povo, manter
no mais alto comando pessoas capazes de infringir a mais elementar disciplina,
o seu dever militar, teria sido um crime. Podemos imaginar o rumo que tomariam
os acontecimentos se, nos momentos críticos da guerra, em vez de um
só general que traiu a Pátria, Vlassov, tivéssemos tido
algumas dezenas, ainda para mais nos postos mais influentes! E de pouco nos
serviria que o golpe pelas costas ao "regime stalinista" assentasse
ou não em "pressupostos ideológicos". O resultado teria
sido o mesmo. O exército francês foi destroçado em poucas
semanas pelos fascistas em grande parte porque nos círculos
político-militares do país não havia unidade, os generais
brigavam com os políticos e entregam-se a sentimentos derrotistas.
Veja que, se cavarmos um pouco mais fundo, se questionarmos as ideias
preconcebidas, a visão esquemática do "déspota
Stáline que eliminou pessoas de grande talento" começa a
ruir por si própria... Penso que boa parte do que se passou nas
repressões nos anos 30 e 40 ultrapassará os limites desta
visão esquemática se estudarmos o assunto de forma objectiva e
séria.
A sua opinião é convergente com as posições de uma
destacada figura do Partido Bolchevique, próxima de V.I. Lénine,
Helena Dmitrievna Stassova
[34]
. Apesar de toda a antipatia que sentia em relação a
Stáline, considerava que não se podia responsabiliza-lo
directamente pelas repressões injustificadas e pela
eliminação de pessoas honestas. Helena Dmitrievna insurgiu-se
contra as acções de Khruchov, considerava-o como um
"aventureiro irresponsável", um "visionário
fantasista"
[35]
. A sua análise também se aproxima das
considerações do grande escritor alemão L. Feuchtwanger
[36]
, que visitou a União Soviética em 1937 e publicou as suas
impressões num livro. Feuchtwanger quis investigar pessoalmente se na
realidade Stáline estava a eliminar pessoas com talento só para
reforçar o seu regime e o seu despotismo. O escritor, que manifesta o
seu desacordo de princípio com os métodos
"bolchevistas" de governação, em particular no
"campo das artes", esteve presente nos processos de Piatakov e de
Radek, conversou pessoalmente com muitos acusados e chegou à firme
conclusão de que os processos eram inteiramente fundamentados e que as
acções de Stáline e dos seus camaradas correspondiam aos
mais altos interesses do povo e do Estado soviético. Feuchtwanger
qualificou o comportamento de muitos intelectuais ocidentais, que
lançaram rumores sobre as "malfeitorias stalinistas", como
míopes, indignos e infames. Mas tudo isto, tal como as opiniões,
é pouco convincente: há demasiados factos evidentes que o
contradizem...
Que posso eu fazer, este é o meu ponto de vista pessoal e avisei-o de
que são necessários materiais e documentos de arquivo que
não possuo. Mas quanto à "evidência", aconselho-o
a ser prudente. Nós condenámos o voluntarismo, mas não tem
havido por enquanto vontade de relatar a história, apesar de neste
sentido terem sido dados nos últimos anos alguns passos
tímidos...
Pense ainda numa coisa. Nos "despóticos anos 30", as actas dos
processos políticos eram publicadas e eram de facto acessíveis a
qualquer pessoa, apesar de conterem opiniões e versões
contrárias à posição oficial. Com Khruchov,
partidário da "abertura" e da "transparência" [
glasnost,
em russo], tudo isto foi colocado em fundos secretos e de acesso reservado.
Não terá sido porque esses documentos contradizem a
"evidência" dos "factos" apresentados e interpretados
oficialmente?
Quanto a Feuchtwanger, o que lhe posso dizer é que não estava
sozinho. Romain Rolland, Henri Barbusse, Anderson-Nexö
[37]
e outros escritores progressistas, cientistas e artistas plásticos,
apoiaram abertamente a política de Stáline e dos seus camaradas.
Mesmo Einstein, pouco dado aos "métodos musculados" na
política, recusou-se a subscrever um apelo condenando as
repressões... É um facto indesmentível que a nata da
intelectualidade ocidental, que permaneceu fiel aos ideais do progresso e do
humanismo, demarcou-se da campanha estridente de desmascaramento "dos
crimes stalinistas". Ao contrário, os hipócritas e
sediciosos, que traíram estes ideais, chegando ao colaboracionismo com o
fascismo e a reacção, berraram mais alto que todos contra o
"terror stalinista". É também um bom assunto para
reflectir...
Foi Comissário do Povo para a Agricultura da URSS exactamente numa
altura em que, na biologia soviética, se agudizou o conflito entre os
partidários da tradicional doutrina de Mitchúrin e a
genética, entre Lessienko
[38]
e Vavilov
[39]
. Sabe-se que Stáline e o seu comissariado apoiaram Lessienko e a escola
soviética de genética foi autenticamente destroçada e
muitos dos seus sobreviventes, incluindo Vavilov, reprimidos. A biologia
nacional, que nesse tempo era das mais avançadas, começou a ficar
seriamente atrasada em relação aos padrões mundiais.
Concordará que, depois de tudo isto, dificilmente se acreditará
na competência da direcção stalinista da ciência.
Já não falo dos métodos inadmissíveis de
represálias contra os que divergiam da linha dominante. Khruchov, apesar
de todos os seus defeitos, relacionava-se com os cientistas pelo menos de forma
civilizada
Khruchov tem muito mais culpas no atraso da genética do que
Stáline. Nos anos 30, era incomparavelmente mais difícil prever
as suas perspectivas de desenvolvimento do que nos anos 50. Nikita
Sergueievitch ficou literalmente enfeitiçado com as espantosas promessas
de Lessienko, nas quais, ao contrário de Stáline, acreditava
incondicionalmente, o que fez com que os investigadores genéticos
não recebessem o apoio necessário, ainda por cima numa altura em
que já começavam a vislumbrar-se êxitos palpáveis.
Não tenho dúvidas de que Stáline, dotado de uma
intuição extraordinária para o valor prático da
aplicação de novas orientações, se tivesse durado
mais cinco ou seis anos, os investigadores genéticos teriam recebido
tudo o que pediam e muito mais. Podem apontar-lhe outras insuficiências,
mas concentrar forças e recursos nos sectores decisivos, descobrir e
promover talentosos cientistas-organizadores era uma coisa que fazia como
ninguém. É um facto que foi Stáline um dos primeiros
líderes políticos do mundo a tomar consciência do enorme
significado prático da investigação nuclear e da
exploração espacial. É igualmente sintomático que
tenha sido ele a dar todo o apoio a I.V. Kurtchatov
[40]
e S.P. Koroliev
[41]
, então quase desconhecidos e pouco considerados pela elite
académica. Quebrando a paralisia e rotineirismo dos cientistas da
época, o CC do Partido, sob a direcção de Stáline,
"iluminou-se" e atribuiu uma importância de Estado a estas
orientações que a muitos, mesmo no mundo científico,
pareciam fantasistas. Em resultado, apesar do seu atraso económico de
décadas em relação ao Ocidente, o nosso País
conquistou as posições mais avançadas nos sectores chave
do progresso científico-técnico, lançando os fundamentos
materiais do estatuto de grande potência.
Já falou disso no início da nossa conversa a propósito da
economia
E então, repito mais uma vez, terá de ter paciência se me
quiser ouvir até ao fim.
A maioria das escolas inovadoras, que colocaram a ciência
soviética nas últimas fronteiras mundiais, foram criadas e
ganharam força no amaldiçoado, por jornalistas e literatos,
período stalinista. O seu florescimento aconteceu no final dos anos 50 e
inícios da década de 60. A partir daí, gradualmente, tudo
começou a andar para trás. Distintas escolas nacionais
começaram a definhar, os interesses de grupo e o monolitismo de
clãs de notáveis tornaram-se dominantes na ciência, a
qualidade dos cientistas, em particular na área humanitária,
baixou nitidamente.
Julgo que encontrará nos jornais inúmeros exemplos de como
poderosos clãs de cientistas afastam talentosos "forasteiros".
Pode dizer o que quiser, mas eu estou absolutamente convencido de que, hoje, no
início dos anos 80, o CAU [Coeficiente de Actividade Útil]
[42]
da nossa ciência é muito menor do que o de há 40 anos e
todo o tipo de porcaria, que impede o seu desenvolvimento normal, é
incomparavelmente maior. De resto, os processos de depuração
estão atrasados em todo o lado.
Ainda assim gostava que me desse mais pormenores sobre a genética
Muito bem, voltemos a ela. No final dos anos 30 e nos primeiros anos do
pós-guerra, quando o País sentia graves carências de
forças e recursos, primeiro para aguentar o embate com o fascismo,
depois para a sua reconstrução a partir de ruínas,
não podíamos dar-nos ao luxo de manter uma ciência
estéril, afastada das exigências cruciais da vida. Naqueles anos,
tudo se submetia literalmente ao objectivo do reforço do potencial
económico e militar, qualquer problema era antes de mais analisado sob
este ângulo.
As investigações científicas realizadas por Lessienko e os
seus colaboradores estavam orientadas com precisão para resultados
concretos e, numa série de casos, já tinham produzido efeitos
práticos palpáveis. Refiro-me designadamente ao aumento do
rendimento das colheitas e à introdução de novas culturas
agrícolas, mais promissoras. Os trabalhos de Vavilov e dos seus
discípulos nem sequer num futuro previsível prometiam quaisquer
resultados práticos, quanto mais no horizonte de então.
Note-se também que entre os genéticos predominavam cientistas com
espírito burguês e tiques elitistas, por vezes claramente
contrários ao povo, fazendo gala do seu "apoliticismo" e da
sua fidelidade à "ciência pura", a qual, alegavam,
não podia ocupar-se com as necessidades "terrenas". Alguns
deles chegaram a solidarizar-se quase que abertamente com as odiosas teorias
racistas do fascismo e trabalharam na sua demonstração. Um desses
snobes académicos, o biólogo Timofeev-Ressovski, optou mesmo pela
traição pura à Pátria, ficando voluntariamente na
Alemanha fascista onde, durante toda a guerra, trabalhou no Instituto de
Investigação Científica de Berlim, estreitamente ligado
aos serviços especiais do Reich de Hitler.
Tais pessoas, naturalmente, não despertavam simpatia. Mas o principal,
repito, foi que os genéticos não conseguiram demonstrar na altura
a importância e as perspectivas de desenvolvimento das suas
investigações.
É claro que hoje se torna evidente que o "pragmatismo"
excessivo revelado travou o desenvolvimento da "grande
ciência". Mas os culpados por este engano são sobretudo os
que tinham a responsabilidade directa pelas ciências académicas e,
também de certo modo, eu como ministro da Agricultura da União.
Stáline, que sempre esteve bastante afastado deste problema,
incitava-nos, aliás, constantemente a acompanhar as
orientações promissoras da ciência, os mais recentes
avanços e as inovações técnicas, a defender os
cientistas talentosos dos ataques e intrigas dos medíocres e invejosos.
Mas o erro que cometemos não teve, apesar de tudo, um significado
decisivo. Mesmo agora, do alto das décadas que já passaram,
continuo a considerar que a linha política adoptada pelo Partido de
aproximar, por todos os meios, a ciência agrónoma à vida,
às suas exigências e necessidades, estava no fundamental certa. O
próprio Vavilov, que dirigia na altura o Instituto de Fitocultura,
reconheceu isso na prática ao prometer várias vezes alargar o
âmbito extremamente especializado da sua investigação e
reorientar a actividade do Instituto para a realidade da Agricultura.
Mas não vai negar que, na polémica Lessienko-Vavilov, a
vitória ficou do lado da ignorância e desonestidade, da
intolerância com pontos de vista diferentes e que a simpatia de
Stáline por Lessienko criou condições para que se
afirmasse na biologia esse monolitismo de um grupo de pessoas que hoje se
tornou, eventualmente, no maior travão ao desenvolvimento da
ciência
Porque é que não vou negar?!... Nego e negarei com firmeza. Mas
primeiro permita-me que resmungue um pouco, eu que sou um velho. A forma
tendenciosa e unilateral como coloca as perguntas não o enobrece. A
sensação que tenho, ao vê-lo repetir
invenções medíocres que os chamados "círculos
intelectuais" gostam de veicular, é que você já
defende determinadas posições. Para que é que quer
então as minhas opiniões? Um jornalista deve ser objectivo e
isento se desejar verdadeiramente compreender algo, e não repetir
incompreensíveis frases em voga. Quero a este propósito citar as
notáveis palavras de V.I. Lenine: "Não se podem analisar
factos em separado, é necessário ter em conta todo o conjunto de
factos relacionados com a questão em análise, sem
excepção, já que, de outra forma, surge inevitavelmente a
suspeita de que, em vez de uma ligação objectiva e de uma
interdependência dos acontecimentos históricos no seu todo,
estamos perante um cozinhado "subjectivo" para justificar um eventual
caso sujo. E isto acontece
mais frequentemente do que parece"
[43]
.
Pelos vistos você também caiu nesse "cozinhado
subjectivo". Só que em relação a Stáline,
alguns políticos sem escrúpulos fizeram-no para justificar os
seus próprios actos indecorosos, enquanto na história de Vavilov,
o mesmo foi feito por figuras da ciência igualmente sem
escrúpulos.
Aceito a crítica e tentarei ser mais objectivo embora, como
compreenderá, não seja fácil desistir de imediato daquilo
que considerava ser incontestável... Não obstante, como avalia as
afirmações, amplamente divulgadas, que acusam Lessienko de
charlatanismo e apresentam Vavilov como um mártir?
Como o mais típico dos exemplos de sectarismo. Empenhadas em manter o
seu monopólio (como é sabido, nos últimos 20 anos, os
cientistas genéticos têm dominado alguns dos mais importantes
sectores da biologia), certas pessoas fazem circular informações
notoriamente falsas e caluniadoras dos seus "concorrentes".
Conheci bem Trofim Denissovitch Lessienko, os seus pontos fortes e fracos.
Posso afirmar com segurança que foi um grande e talentoso cientista que
fez muito pelo desenvolvimento da biologia soviética, o que nunca foi
posto em causa pelo próprio Vavilov, o qual, aliás, o levou para
a grande ciência, valorizando extraordinariamente os primeiros passos do
jovem agrónomo. E é um facto que com base nos trabalhos de
Lessienko foram criadas importantes culturas agrícolas como o trigo
tremês
[44]
"Liutentses-1173" e "Odesskaia -13", a cevada
"Odesski-14" e o algodoeiro "Odesski-1", foram elaborados
numerosos novos processos agrotécnicos, designadamente, a
vernalização
[45]
e o corte do algodoeiro. Um discípulo leal de Lessienko, que o
respeitou profundamente até ao fim dos seus dias, foi Pavel
Panteleimonovitch Lukianenko
[46]
, talvez o mais talentoso e fértil seleccionador, responsável
pelo desenvolvimento de 15 novas espécies regionais de trigo de inverno,
nomeadamente algumas mundialmente conhecidas como a "Bezostaia-1",
"Avrora" e "Kavkaz". O que quer que digam os
"críticos" de Lessienko, nos campos cerealíferos do
País predominam culturas introduzidas por ele e pelos os seus seguidores
e discípulos. Era bom se tivéssemos mais
"charlatães" como ele! Há muito que teríamos,
provavelmente, resolvido o problema do rendimento das colheitas e retirado da
ordem do dia o do abastecimento do País com cereais. Os êxitos dos
cientistas genéticos permanecem por enquanto muito mais modestos
(não será também devido a esta sua posição
frágil, aos seus baixos resultados práticos, que lançam
ruidosas acusações aos seus adversários?). Não nego
os seus êxitos, entenda-se, mas estou convencido de que o estabelecimento
do monopólio de uma escola científica produz grandes
malefícios...
Por outro lado, é verdade que muitas das premissas de Lessienko
não tiveram confirmação experimental e algumas outras
revelaram-se erradas. Mas indique-me um só cientista que seja que nunca
se tenha enganado, nem tenha colocado hipóteses falsas? E por isso
declaramo-lo "charlatão"?
Sobre a luta entre as orientações de Vavilov e de Lessienko,
abundam as especulações que deturpam o quadro autêntico do
que se passou. Em primeiro lugar, esta luta decorreu com vitórias
alternadas: houve vários momentos em que Lessienko esteve em minoria.
Por exemplo, as decisões do Plenário do CC, de Fevereiro de 1947,
apontavam uma série de orientações erradas do seu
trabalho. Lembro-me bem da crítica contundente feita a Lessienko pelo
responsável do Departamento para a Ciência do Comité
Central do Partido, Iuri Jdanov
[47]
, embora seja verdade que este, ao longo da discussão, alterou o seu
ponto de vista.
Mas continuemos em frente. Por muito que dramatizem a perseguição
dos genéticos, o facto que permanece é que muitos cientistas
desta orientação (duramente criticados na famosa sessão da
Academia das Ciências de Agronomia Lénine em 1948, onde os
partidários de Lessienko predominaram), continuaram o seu trabalho,
embora em piores condições. Daqueles cujos nomes me recordo
(Nemtchinov, Dubinin, Rapoport, Jebrak), todos continuaram na ciência,
apesar da condenação bastante violenta de Lessienko e dos seus
partidários e, o que é relevante, apesar de terem rejeitado o
acto de "arrependimento". Quanto às repressões, estas
exerceram-se não devido a visões diferentes, mas por
acções concretas de sabotagem, não obstante, também
aqui, se terem verificado casos de arbitrariedade e ilegalidades, os quais,
aliás, atingiram também cientistas que estavam face aos
genéticos do outro lado das barricadas científicas. Se a
memória não me atraiçoa, apenas se concretizou um
só processo judicial pouco antes de a guerra deflagrar.
Chamo ainda a sua atenção para uma outra circunstância.
Após o destronamento de Lessienko e dos seus seguidores, todos os
sectores chave das ciências biológicas foram ocupados pelos seus
adversários científicos que aproveitaram a oportunidade. Basta
isto para provar que "a eliminação geral dos
genéticos" não passa de uma invenção maldosa,
exagerada, infelizmente, por jornalistas e literatos incompetentes.
No entanto, aparentemente, Stáline era benevolente com Lessienko e
antipatizava com Vavilov...
Nesse ponto posso concordar com você. Mas com uma ressalva:
Stáline normalmente não se deixava guiar pelas simpatias ou
antipatias pessoais, mas baseava-se nos interesses em causa. Penso que foi isso
que aconteceu também neste caso.
Não me recordo com exactidão, creio que foi em 1940, quando dois
cientistas biólogos, Liubichev e Efroimson, endereçaram uma carta
ao Comité Central. Num tom bastante violento, acusavam Lessienko de
falsear factos, de rudeza e intriguismo entre outros pecados mortais. A carta
apelava a uma severa deliberação do órgão contra o
"charlatão", responsável por enormes prejuízos
na ciência biológica.
Coube-me participar na verificação daquelas
afirmações. Lessienko, como seria de esperar, justificou-se,
apresentando vários argumentos, uns convincentes, outros não, mas
não exigiu quaisquer "represálias" em
relação aos queixosos. Era o seu estilo, nunca quis transformar a
ciência numa luta em que os concorrentes derrotados fossem
obrigatoriamente afastados. Acreditava apaixonadamente, com fanatismo, que
tinha razão, alimentando por vezes a esperança ingénua de
que os seus adversários, perante a irrefutabilidade dos factos, cedo ou
tarde chegariam à mesma conclusão e "deporiam as
armas", por vontade própria, sem interferências das
instâncias dirigentes. "Está a ver", observou a
propósito Stáline, que detestava as pequenas desavenças e
contendas características dos meios científico e
artístico. "Quase que querem metê-lo atrás das grades,
enquanto ele continua a pensar primeiro que tudo no trabalho e não desce
ao plano pessoal. É uma boa qualidade, de grande valor para um
cientista".
Outro facto típico de Lessienko ocorreu quando prenderam Vavilov. Os
seguidores e "amigos" mais próximos deste, pondo-se a salvo,
confirmaram uns atrás dos outros a versão "sabotadora"
do investigador. Lessienko, que na altura combatia as posições
científicas de Vavilov, recusou-se categoricamente a fazê-lo e
reafirmou a sua recusa por escrito. Note-se que na época, uma
acusação de cumplicidade com "inimigos do povo" podia
sair cara a pessoas com postos muito mais importantes do que o de Lessienko, e
ele sabia-o perfeitamente...
Não digo que Trofim Denissovitch tivesse sempre um comportamento
exemplar. Por vezes era dominado pela sua teimosia, facciosismo e
propensão para frases políticas retumbantes. Mas não
há certamente pessoas sem defeitos. O importante é que as suas
qualidades prevaleçam.
No entanto, repare-se que o meu julgamento assenta nos valores morais da
"humanidade". Estou convicto de que Stáline, à
semelhança do que fazia com outros problemas, terá analisado este
sob uma perspectiva política. O que quero dizer com isto?
A superação do atraso e o alcance das fronteiras mais
avançadas do progresso científico-técnico exigia que o
país tivesse cientistas de novo tipo, do tipo socialista, livres dos
defeitos da intelectualidade burguesa russa, com a sua frouxidão,
indolência desastrada e o seu desdém aristocrático pelo
povo mais simples. Falando numa linguagem moderna, nos anos 30 foi feita uma
grande encomenda social de cientistas civicamente activos, estreitamente
ligados aos trabalhadores e à sua luta revolucionária pela
criação da nova sociedade, pessoas que não se conformassem
com as rotinas e dogmas académicos, "dormindo sobre os
louros", pessoas empenhadas na resolução das tarefas
práticas necessárias.
O excelente filme "O Deputado do Báltico", cujo protagonista
era inspirado no grande cientista-biólogo Timiriazev
[48]
, reflecte com profundidade e veracidade todo o dramatismo do confronto de um
cientista como ele com a "mesquinhez educada", que na altura
predominava na ciência, impregnada de hábitos e preconceitos
burgueses. Infelizmente, a maior parte da intelectualidade anterior à
revolução tinha posições burguesas, os Timiriazev
eram casos únicos. Mas foi das suas mãos que cientistas de novo
tipo, socialista, saídos do povo profundo, como Lessienko, receberam o
testemunho. Por seu lado, Vavilov nunca conseguiu livrar-se dos defeitos da
elite académica pré-revolucionária.
Na polémica científica que deflagrou nos anos 30, Lessienko e os
seus seguidores revelaram maior combatividade, solidez, perseverança e
firmeza de princípios. Vavilov, como reconheciam os seus
correligionários, manobrava de uma para a outra posição,
tentando manter boas relações com "uns e com outros", o
que a mim, por exemplo, causava irritação e desconfiança,
levando-me a supor que não estava convencido do que dizia ou que temia
consequências. Penso que as pessoas que dirigiam directamente a
ciência naquele período tinham os mesmos sentimentos, embora fosse
claro que as decisões nestas matérias não deviam ser
tomadas na base das emoções.
Vavilov revelou também alguma cobardia e fraqueza quando esteve sob
investigação. Não aguentando a pressão
psicológica do investigador, não só admitiu as
calúnias contra si próprio, mas também denegriu os seus
colegas, admitindo a existência de um grupo de sabotadores no Instituto
de Fitocultura, o que provocou tormentos e sofrimentos a pessoas completamente
inocentes. Só soube disto muito mais tarde. Nesse período nem eu,
enquanto comissário para a agricultura, nem muito menos Stáline,
estivemos envolvidos nas peripécias da luta entre Lessienko e Vavilov ou
nas circunstâncias da prisão deste último.
Lessienko, mesmo sob a ameaça de esquartejamento, nunca se entregaria a
si e muito menos aceitaria caluniar outros. Tinha uma vontade de ferro e
princípios morais inabaláveis, dos quais era impossível
demovê-lo. Outra coisa era que por vezes caía numa
inexplicável teimosia e irritação e começava a
fundamentar nas suas emoções a base "teórica".
Suponho que não era por acaso que os jovens cientistas se sentiam
atraídos por Trofim Denissovitch. Pode por vezes faltar-lhes
experiência, mas sabem muito bem distinguir o autêntico do que
é falso. Estive algumas vezes em encontros de Lessienko com estudantes,
pós-graduados e jovens cientistas e posso garantir-lhe que ele sabia
"aquecer" um auditório, conquistá-lo, incutir na
juventude o desejo apaixonado pela busca criadora, pelo alcance de resultados
extraordinários. Pelo contrário, os cientistas da nata
pré-revolucionária (lembro-me bem da minha passagem nos anos 20
pela Academia de Agronomia) não despertavam especial simpatia em
nós, juventude operária, que tínhamos a
aspiração de explorar a grande ciência. Muitos deles
aderiram à revolução com um grande atraso e fizeram-no com
um "pau atrás das costas", como se costuma dizer, demonstrando
manifesta hostilidade para com os "filhos da cozinheira" que ousavam
iniciar a caminhada até ao Olimpo da ciência. Para os que vinham
dos meios operários e camponeses, Lessienko, dedicado aos ideais da
revolução até à medula dos ossos, constituía
o exemplo evidente do muito que um homem simples pode alcançar,
possuído pela sede de verdade, pela vontade ardente de transformar a
ciência numa poderosa alavanca para melhorar a vida das pessoas. É
claro que tudo isto se reflectia na relação de Stáline com
Lessienko, já que ansiava envolver activamente na ciência a
juventude operária e camponesa.
Mas disse que Stáline tinha sobre Lessienko uma opinião mais
crítica do que Khruchov...
É verdade. Ele via com mais clareza os defeitos do cientista. Na minha
presença, várias vezes admoestou Trofim Denissovitch, embora de
forma delicada, pela sua tendência de andar sempre com uma "base
marxista no bolso do casaco", ou seja, de levar a ideologia e a
terminologia marxistas para esferas onde não existe uma
relação directa. No mesmo sentido, Stáline fez
considerações críticas ao relatório, por ele
aprovado em geral, que Lessienko apresentou na referida sessão da
Academia das Ciências de Agronomia Lénine em 1948.
Interessante foi também a reacção de Stáline ao
incumprimento da promessa de Lessienko de elevar o rendimento das colheitas em
quatro ou cinco vezes. "Camarada Lessienko, pelos vistos, o objectivo que
colocou é pouco realista", disse-lhe certo dia. "Mas mesmo que
só consiga elevar o rendimento das colheitas uma vez e meia ou duas,
isso já será um grande sucesso. De nada vale tirar o prazer aos
cientistas de colocarem objectivos irrealistas, do ponto de vista
prático. O que hoje parece irrealista amanhã pode tornar-se num
facto evidente. Já temos muitos cientistas mochos que
preferem levar uma vida calma, sem objectivos irrealistas. Se
penalizássemos Lessienko apareceriam ainda mais mochos
desses."
A propósito, já não de Lessienko, quero dizer-lhe que
Stáline apoiou várias vezes os cientistas marginais,
inventores-solitários que colocavam, na opinião de especialistas
reconhecidos, objectivos "irrealistas". Insistia para que lhes fosse
dado apoio, recursos, etc. Tal como outros comissários, também eu
levei muitas vezes "nas orelhas" por recusar apoio a um ou outro
lunático que me aparecia com mais um projecto do "propulsor
eterno". Na maioria dos casos, naturalmente, o "propulsor
eterno" não funcionava, o que era comunicado a Stáline, mas
houve também excepções. No entanto, os numerosos
insucessos dos "artesãos-solitários" não o
desanimavam e voltava a insistir com os comissários para que prestassem
atenção aos projectos "inovadores". Nessa altura, a
atitude de Stáline parecia-me errada, já que nos desviava de
assuntos mais importantes, fazendo-nos perder muito tempo e paciência.
Mas hoje vejo o assunto de outro modo.
A nós, dirigentes da economia, Stáline habituou-nos a
relacionarmo-nos com extrema atenção com os projectos e propostas
dos "outsiders" e incentivarmos a actividade criadora das massas no
campo da técnica, e conseguiu alguns resultados. É certo que os
inventores e os operários que melhoravam os processos de
produção, nos anos 30 e 40, não tinham só
facilidades, especialmente aqueles que contrariavam a linha oficial
(também então havia bastantes adeptos da "vida calma"
em todos os níveis). Mas, pelo menos, nesses anos lutava-se
efectivamente e com resultados contra o conservadorismo, o rotineirismo, o
"egoísmo de grupo" dos departamentos e
instituições científicas. Havia muito menos disto do que
há hoje. Casos de descobertas importantíssimas e de grande valor
que ficam nas prateleiras durante décadas, enquanto os seus autores
são submetidos a refinadas perseguições e
humilhações por parte de departamentos e institutos
científicos que se guiam por interesses próprios, eram naqueles
anos inconcebíveis. Os burocratas depressa se fariam apanhar em
"actos de sabotagem" (e na sua essência é disso que se
trata) com todas as consequências e incómodos correspondentes.
Falando honestamente, quando leio os jornais de hoje descrevendo os tormentos
dos actuais Kulibin
[49]
e Polsunovi
[50]
, penso involuntariamente que, afinal de contas, o velho método era
muito mais útil e "humano" para o País do que este
sermões e apelos infindos "ao espírito de partido"
feitos a partir das mais altas tribunas...
No entanto em relação à genética, Stáline
cometeu uma clara arbitrariedade, e a cibernética também foi
desprezada...
Por todo o lado não se ouve falar de outra coisa: genética e
cibernética, cibernética e genética. A acreditar nesses
literatos e jornalistas, não teria existido ciência no
período stalinista, mas apenas perseguições e erros
absurdos...
É verdade que se cometeram erros e falhas, o que é normal em
qualquer actividade. Porém, o facto é que nos anos 30 tais erros
eram incomparavelmente menores do que os de hoje e o próprio ambiente na
ciência era mais saudável, criativo e, se quiser, havia mais
moralidade. Em todo o caso, na altura, os verdadeiros cientistas tinham papel
determinante, enquanto hoje a situação criada pelos
medíocres e nulos é tal que os verdadeiros cientistas asfixiam.
Falo em particular da ciência agronómica, mas as coisas são
semelhantes um pouco por todo o lado.
Dezenas ou mesmo centenas de institutos desnecessários, que trabalham
para si próprios, milhões de ociosos que passam os dias sem fazer
nada, clãs monopolistas de "notoriedades", que repartem a
ciência em esferas de influência e juntam esforços apenas
para se verem livres de "forasteiros" talentosos eis o quadro
actual, verdadeiro, da nossa ciência, a qual, pressupõe-se,
está "liberta" do "
diktat
e violência" stalinistas! E se alguém honesto tentar
pôr as coisas em ordem, limpar as esferas científicas dos
elementos parasitários e todo o tipo de canalhas, levantar-se-ia de
imediato um clamor em todo o mundo: "ó da guarda, é o
regresso a 1937, aos métodos depravados e condenados do
culto!".
Em vez de se combater a torpeza dos nossos dias, que há muito supera,
quer em escala quer pela gravidade dos efeitos, tudo o que no passado
aconteceu, prefere-se remexer nos erros de há quarenta anos, os reais e
os inventados, repisar sobre a genética e cibernética,
cibernética e genética... O que, aliás, até se
compreende: nada custa dar mais um pontapé nos líderes mortos,
mas tentem fazer o mesmo com o director de um qualquer instituto ou
simplesmente com um professor catedrático...
"Procuramos as raízes", explicou-me um dia um literato meu
conhecido. Porém, o mais certo, irmãos meus, é que devido
à vossa incapacidade e falta de vontade de trabalhar como deve ser,
apenas fazem barulho, entregando-se ao prazer, tão apreciado pelos
burgueses esclarecidos, do "sensacional" e do "picante". Se
procurassem de facto alguma coisa, então colocariam a questão de
forma completamente diferente: porque é que aquilo que foi durante o
período de Stáline uma única excepção, se
tornou hoje na regra, se transformou num sistema generalizado, sem a
destruição do qual a ciência soviética simplesmente
não poderá alcançar os níveis mundiais mais
avançados?
Dir-me-á que isso aconteceu porque foram reprimidos os mais talentosos e
os mais honestos. Mas por essa lógica também poderíamos
com igual sucesso atribuir as culpas pelos problemas de hoje a Pedro, o Grande,
ou a Ivan, o Terrível.
Passaram-se já 40 anos depois das repressões e mais do que uma
geração de líderes partidários demarcaram-se dos
"métodos viciados" do culto da personalidade, mas os nossos
literatos continuam a matraquear na mesma tecla: Stáline,
Stáline, Stáline... O facto é que nestas décadas,
com o nosso sistema e o nosso povo talentoso, mais impoluto que os japoneses ou
os alemães ocidentais, era possível fazer prodígios!
Todavia, encontramo-nos voltados não para o progresso mas para o
retrocesso.
Permita, Ivan Alekssandrovitch, que passemos a outro assunto. Foi
Comissário do Povo e ministro da Agricultura durante Stáline e
Khruchov. Será possível comparar a forma como cada um via os
sectores mais importantes da economia?
No
Politbureau,
Khruchov tinha fama de ser um especialista em agricultura. E em grande parte
isto correspondia à realidade. Nikita Sergueievitch conhecia bastante
bem os problemas do sector agrícola, em especial da agricultura,
aproximando-se em conhecimentos e competência do nível de um bom
agrónomo. Stáline neste aspecto era mais fraco, o que,
aliás não escondia, procurando aconselhar-se nos momentos em que
os problemas do sector eram discutidos.
No entanto, por muito que isto seja paradoxal, enquanto dirigiu o País,
Khruchov cometeu incomparavelmente mais erros e desacertos na área da
agricultura. Entusiasmado com uma ideia, normalmente com base sensata, Nikita
Sergueievitch ardia, literalmente, em desejos de a ver aplicada o mais
rapidamente possível à vida, precipitava-se, ia por atalhos,
perdendo a noção da realidade. O resultado foi que muitas das
suas iniciativas tiveram consequências funestas, catastróficas,
coisa que nunca aconteceria com Stáline...
Penso que a raiz de tudo isto estava na sua relação com os
especialistas, com os cientistas, agrónomos e outras pessoas com
competência na área da agricultura.
Stáline, que colocava acima de tudo os interesses do trabalho, em regra,
tomava as decisões, ouvindo a opinião dos especialistas com maior
autoridade, incluindo pontos de vista contraditórios, dos quais tirava
as suas próprias conclusões. Se os "dissidentes"
tivessem argumentos fortes e convincentes, Stáline, normalmente,
alterava a sua posição ou introduzia correcções
substanciais, apesar de ter havido casos em que revelou uma
obstinação injustificada. Khruchov, cujo comportamento com o
tempo era cada vez mais determinado pelas suas ambições pessoais,
tinha outro tipo de relacionamento com os especialistas, sobretudo com os que
pensavam de forma diferente. Por isso começaram a ganhar relevo aqueles
que obedientemente sabiam fazer coro, adivinhar e "fundamentar
cientificamente" a opinião já formada do Primeiro, que este
nunca alterava mesmo perante a evidência dos factos. Pela mão
ligeira de Nikita Sergueievitch, não só na agricultura como
noutros sectores da economia, começaram a multiplicar-se com uma rapidez
inaudita os quadros dirigentes e científicos do género
"engraxador", ofuscando os que estavam habituados a pensar pela sua
própria cabeça e a defender os seus pontos de vista até ao
fim.
Essa sua opinião contradiz a ideia generalizada de que Khruchov, apesar
de todas as extravagâncias, era mais democrático, humano e
tolerante com as opiniões dos outros do que Staline
É uma ideia profundamente errada. A aparência é muitas
vezes tomada pela essência, nisto reside todo o busílis da
questão. O caso de Khruchov é ainda mais complexo, uma vez que
durante o tempo em que permaneceu no posto n.º 1 ocorreram surpreendentes
metamorfoses.
Conheci bem Nikita Sergueievitch antes e depois da guerra. Era um dirigente
forte, dinâmico e com uma capacidade de trabalho verdadeiramente
extraordinária. Tinha grande inteligência que combinava com a
argúcia e sagacidade dos camponeses, poder de iniciativa, engenho, uma
simplicidade e espírito democrático inatos, e uma habilidade de
ganhar para o seu lado as mais diferentes pessoas. Todas estas qualidades
permitiram-lhe merecidamente ocupar altos postos no Partido e entrar para o
Politbureau.
Nesses anos, Khruchov era efectivamente um democrata, ouvia opiniões
de terceiros, tratava as pessoas com autêntico respeito. Aliás,
era esse o ambiente geral criado por Stáline e os que o rodeavam, e
Nikita Sergueievitch, inteligentemente, esforçou-se por lhes
"seguir as pegadas".
Quando se tornou Primeiro, e tendo reforçado o seu poder com o
afastamento do grupo "anti-partido", Khruchov começou a mudar
a olhos vistos. O seu democratismo natural começou a ceder lugar a
tiques autoritários, o respeito pela opinião dos outros
transformou-se na perseguição aos que pensavam diferentemente,
entre os quais foram imediatamente incluídos os que não
manifestavam o entusiasmo devido a propósito das "inovadoras"
ideias do "eminente marxista-leninista".
Sinceramente, não me apercebi logo destas alterações e
mantive o hábito, herdado dos tempos stalinistas, de dizer no
Politbureau
e nas mais importantes reuniões aquilo que pensava e considerava ser o
correcto, fosse ou não do agrado do "chefe". Khruchov
inicialmente reagia calmamente. No entanto, aos poucos, na sua
relação comigo começou a sentir-se uma certa frieza e
depois uma hostilidade aberta. Essa hostilidade senti-a mais intensamente
quando me pronunciei contra uma proposta, no mínimo pouco inteligente,
de Nikita Sergueievitch, que pretendia transferir a Academia de Agronomia de
Moscovo para uma localidade rural. A campanha "Mais próximo da
produção", lançada nessa altura, tinha gerado
incongruências graves que perturbavam a administração
normal de muitos sectores da economia nacional.
"Escuta Ivan, não te armes em valente", disse-me um amigo
íntimo, que trabalhava no aparelho de Khruchov. "Ele não
é o democrata que parece ser à primeira vista. De qualquer
maneira não conseguirás convencê-lo, mas arriscas-te
seriamente a perder a pasta". Não tive em conta o conselho e em
breve fui efectivamente afastado de cargos de direcção na
economia e nomeado embaixador na Índia
De resto, mesmo na actividade diplomática não perdi o
hábito de me "armar em valente", isto é, por outras
palavras, de dar os passos que me pareciam necessários, mesmo que
pudessem desagradar à direcção. Foi dessa maneira,
actuando por minha conta e risco, que organizei, provavelmente pela primeira
vez na nossa histórica soviética, a compra de um grande terreno
no estrangeiro, em Deli, contíguo ao território da embaixada da
URSS. Hoje, o valor dos terrenos na capital indiana é dez vezes
superior, o que representa para nós importantes recursos em divisas.
Contudo, nesse tempo, este tipo de operações era mal visto, sob a
mira ideológica de que a aquisição de propriedade
fundiária era "alheia aos métodos socialistas" e mais
própria da "renda burguesa" do que da comunista. A muito
custo, recorrendo a ligações antigas no Plano Estatal e no
Ministério das Finanças, consegui os recursos necessários.
Nessa altura senti directamente o quanto tinha aumentado o burocratismo nos
mais altos escalões, o alinhamento com as posições do
Primeiro, a tendência para fugir à responsabilidade pessoal,
garantindo cobertura por um número máximo de assinaturas e
vistos. O "novo" estilo de administração estava
instalado: o que é mau espalha-se muito mais depressa do que aquilo que
é bom. A tendência para a cautela excessiva e para desviar
responsabilidades para cima de outros sempre existiu no aparelho.
Voltando à sua pergunta, quero deixar claro que foi exactamente Khruchov
que começou a pôr de lado pessoas capazes de defender firmemente
os seus pontos de vista até ao fim. Muitos comissários
stalinistas, habituados a dizer frontalmente a mais amarga das verdades,
gradualmente foram saindo dos seus cargos. Aqueles que ficaram, salvo raras
excepções, transformaram-se em cortesãos que tinham
perfeita consciência das "empresas" ruinosas de Khruchov, mas
respeitavam a relação de forças existente e quem, em
última análise, a determinava... Khruchov teve razão
quando, em Outubro de 1964, em resposta às acusações de
"aventureirismo" e de "irrealismo", culpou os que com ele
colaboravam de, com o seu assentimento e silêncio, terem
contribuído para o resultado final. É verdade que se esqueceu de
dizer que ele próprio incentivou esse estilo de comportamento, que
acabou por se tornar predominante. Não podemos esquecer que foi
exactamente Nikita Khruchov que afastou para sempre da "grande
política" figuras do chamado "grupo anti-partido", com
principal destaque para Molotov, que ousaram manifestar as suas opiniões
sobre a actividade do Primeiro Secretário do CC, criticando duramente as
suas insuficiências e erros.
Admito que Khruchev fosse mais autoritário do que hoje se pensa, mas
é um pouco difícil de acreditar que Stáline valorizava
mais do que ele as opiniões dos outros e a independência das
pessoas...
E no entanto é essa a realidade. Leia as memórias de pessoas
competentes, daqueles que conheciam bem Stáline, que trabalharam com ele
lado a lado. G.K. Jukov, A.M. Vassilievski, K.K. Rokossovski, N.G. Kuznetsov,
I.S. Issakov, S.M. Chtemenko e outros oficiais militares. Todos numa só
voz reconhecem que Stáline valorizava as pessoas que pensavam de forma
autónoma e que eram capazes de defender as suas opiniões. G.K.
Jukov, que conhecia Stáline melhor do que ninguém, escreve
claramente que com ele podia-se discutir e que a afirmação do
contrário é simplesmente falsa. Ou passe os olhos pelo
magnífico livro, "O objectivo da Vida", o melhor na minha
opinião sobre o nosso tempo, do construtor de aviões A. Iakovlev.
Nele encontra a avaliação isenta de um intelectual russo honesto,
independente dos campos ideológicos, sobre o estilo e métodos de
trabalho de Stáline, sobre as suas qualidades humanas.
A realidade é mesmo assim: normalmente as pessoas escolhem e
aproximam-se das suas almas gémeas, na sua relação com o
trabalho e com a vida. Sendo um homem com uma mente profundamente
analítica, audaz, resoluto e determinado, Stáline estimulava
essas mesmas qualidades nos seus subordinados, sentindo uma
inquestionável simpatia por pessoas firmes e de pensamento independente,
capazes de defenderem os seus pontos de vista perante seja quem for e, ao
contrário, detestava os cobardes, os aduladores que gostam de se
"colar" à opinião previamente conhecida do chefe. E se
em relação aos jovens novos funcionários era revelada
alguma condescendência, uma espécie de "desconto" pela
sua timidez e falta de experiência, aos quadros experientes e mesmo aos
que gozavam de grande prestígio não se desculpavam tais
"fraquezas humanas". "É um especialista
hábil", disse certo dia Stáline a propósito de um
deles. "Mas não se lhe pode dar um trabalho de
direcção. É demasiado adulador. Tamanha
dedicação aos seus superiores pode causar mais danos que o mais
feroz dos inimigos. E não responderá por nada já que,
dirá, tudo foi acordado com a direcção".
Aconteceu-me, embora bastante raramente, contestar posições de
Stáline. Discutir com ele não era nada fácil e não
era apenas devido à pressão da sua colossal autoridade.
Stáline habitualmente estudava os assuntos profundamente e sob os
diversos ângulos, por outro lado, possuía uma
intuição fina dos pontos fracos e das posições do
oponente. Nós, dirigentes económicos, tínhamos a certeza
de que não seríamos penalizados pelo facto de contestarmos o
líder, quanto muito este manifestava algum desagrado que depressa
esquecia. Mas se se viesse a demonstrar que tínhamos razão,
então era certo que a nossa autoridade aumentaria aos olhos dele. Pelo
contrário, se alguém escondesse a verdade, preferindo o
silêncio por comodidade pessoal, isso acabaria por se saber e aí,
o mais provável, era perder irremediavelmente a confiança de
Stáline. Por tudo isto, habituamo-nos a dizer a verdade, fosse a quem
fosse, sem cuidar do orgulho próprio dos superiores.
Infelizmente, não houve sempre o necessário rigor e
coerência. Numa série de casos, Stáline, talvez devido
à grave carência de quadros, talvez devido a
considerações pessoais, permitiu a nomeação para
altos cargos de pessoas com tendência para a adulação e
habilidosamente capazes de se acomodarem à conjuntura criada. Em minha
opinião, isso aconteceu com a promoção de A.I. Vechinski
[51]
, que chegou a ocupar durante um certo tempo o cargo de ministro dos
Negócios Estrangeiros. Tinha raros dons oratórios, uma
extraordinária educação e profundos conhecimentos, mas no
fundo era um oportunista. Mas, repito, normalmente a preferência era dada
a pessoas de princípios, que pensavam autonomamente. Não foi por
acaso que, durante os anos da guerra, Stáline indicou publicamente como
seus continuadores os nomes de G.K. Jukov e, mais tarde, de T.A. Voznessenski.
Eram pessoas com vontade de ferro, carácteres firmes e frontais que,
mais vezes do que quaisquer outros, refutaram as opiniões de
Stáline no debate de assuntos militares e de Estado.
Leia a intervenção de Stáline no último
Plenário do CC do Partido da sua vida, onde, invocando a idade e
problemas de saúde, pediu oficialmente que fosse substituído
pelos menos em alguns altos postos. Na mesma ocasião, Stáline
lançou duras críticas a dois dos seus mais próximos
companheiros, V.M. Molotov e A.I. Mikoian
[52]
, considerados por muitos como possíveis sucessores do líder.
Apontou-lhes exactamente uma alegada falta de firmeza e de independência.
Esta acusação, sobretudo no que respeita a V.M. Molotov,
parece-me hoje injusta. Mas a atitude de Stáline é extremamente
significativa. E não havia aqui qualquer espécie de "jogo
escondido", de "esperteza bizantina", de que tantos gostam de
especular os "kremlinólogos" e "sovietólogos"
ocidentais, cujas obras tive oportunidade de conhecer suficientemente enquanto
vivi no estrangeiro. O facto é que, pouco tempo depois, Stáline
escolheu um sucessor do seu ponto de vista mais digno para ocupar um dos mais
altos postos. Refiro-me a Panteleimon Kondratievitch Ponomarenko
[53]
, antigo primeiro secretário do CC do Partido Comunista da
Ucrânia, que durante a guerra dirigiu o estado-maior do movimento de
guerrilha no Quartel-General do Comando Supremo. Possuindo um carácter
firme e independente, Panteleimon Kondratievitch era ao mesmo tempo, até
à medula dos ossos, um democrata que gostava de trabalhar em colectivo,
tinha empatia e sabia organizar o trabalho de um largo conjunto de pessoas num
ambiente fraterno.
Provavelmente, Stáline valorizou ainda a circunstância de
Ponomarenko não integrar o seu círculo mais próximo,
possuir posições próprias e nunca ter fugido às
responsabilidades.
A nomeação de P.K. Ponomarenko para o cargo de Presidente do
Conselho de Ministros da URSS chegou a ser assinado por vários membros
do
Politbureau
e só a morte de Stáline impediu que a sua vontade fosse cumprida.
Quando ascendeu a Primeiro Secretário do CC, Khruchov, que estava
naturalmente dentro do assunto, tomou as medidas necessárias para
afastar o mais possível Ponomarenko. Inicialmente foi enviado para o
Cazaquistão, depois, em 1955, entrou no trabalho diplomático como
embaixador na Polónia e mais tarde na Holanda. Mas até aqui a sua
carreira foi curta: em breve o perigoso "concorrente" passaria
à reforma, aliás em condições bastante humildes,
já que não lhe foram atribuídas as regalias inerentes aos
serviços prestados ao Estado. Este homem simples, modesto e
despretensioso na vida pessoal, preocupado em cuidar dos familiares e entes
próximos, viveu praticamente na miséria até que,
finalmente, após a destituição de Khruchov, amigos seus
intercederam junto do CC, garantindo-lhe recursos suficientes para uma velhice
digna.
Contei-lhe este episódio propositadamente para antecipar as suas
eventuais perguntas sobre a "humanidade" e o "amor ao
próximo" de Khruchov em contraste com a "crueldade" e
"despotismo" de Stáline. É verdade que Stáline
podia ser brusco, por vezes injustificadamente, chegando a ser cruel. Mas com
ele, as pessoas responsáveis por determinadas falhas e que, por essa
razão, eram despromovidas de funções, podiam novamente
voltar a subir, como aconteceu com G.K. Jukov, S.K. Timochenko, L.Z. Mechlis e
alguns comissários do povo. Com Khruchov, todos os que perdiam a
confiança do Primeiro afundavam-se e nunca mais lhes era dada a
mão. O mesmo se tem passado com os seus sucessores
Porquê? A
diferença é que Stáline nunca quis quebrar as pessoas e
dava-lhes sempre uma oportunidade para corrigir erros, compreendendo que
não era fácil encontrar dirigentes capazes. Khruchov, por seu
lado, que pensava apenas em reforçar o seu poder, receava que as pessoas
que ele ultrajara, se voltassem a altos cargos, pudessem representar um
potencial perigo para esse poder
E em relação ao desmascaramento do culto da personalidade? Para
muitos, Khruchov revelou nesse momento coragem política e humanismo,
pelo menos em relação às vítimas inocentes.
Não vejo especial coragem, muito menos política, no facto de
alguém combater os mortos, fazendo deles bodes expiatórios dos
erros do passado e, claro está, das insuficiências do presente.
Tal "coragem" é normalmente revelada pelos que bebem as
palavras do "chefe" enquanto "vivo" e têm perante ele
um comportamento "certinho". Depois, quando já não
há perigo, desforram-se da sua cobardia e temor, amaldiçoando
"corajosamente" o "tirano" e o "déspota".
Entre os altos dirigentes, Khruchov era o que mais bajulava Stáline,
demonstrando um medo doentio, que por vezes atingia o anedótico, o que,
naturalmente, não elevava a sua autoridade aos olhos do Primeiro, o
qual, mesmo sem isso, antipatiza com "Nikita", como lhe chamava
irritado. Julgo que Khruchov sabia disto, mas nada podia fazer: há
coisas que ultrapassam o alcance da nossa vontade. Nas reuniões do
Politbureau
e nas conferências de responsáveis em que participei, Nikita
Sergueievitch, ao contrário, por exemplo, de Molotov ou de Jdanov que,
por vezes, se opunham a Stáline de forma bastante ríspida, nunca
tinha nada a dizer contra, não se atrevia a abrir a boca.
Em relação à "humanidade", devo dizer que nada
teve a ver com as verdadeiras razões do desmascaramento do culto da
personalidade muito embora, num brinde mais emocionado, Khruchov pudesse deixar
escapar uma lágrima verdadeira a propósito de um relato
dilacerante sobre os sofrimentos nos campos stalinistas. Apesar da sua
insensibilidade relativamente às pessoas, era um homem emocional,
nalgumas coisas até sentimental. A versão sobre a
"humanidade" das suas intenções servia na
perfeição a Nikita Sergueievitch e ele fez tudo o que podia para
que o maior número possível de crédulos engolisse este
anzol ou, com mais exactidão, fingissem que acreditavam. E, quer no
nosso país quer no estrangeiro, houve mais do que os suficientes.
Pode ser que não saiba, mas eu ainda não me esqueci de que, nos
anos 30 e 40, Khruchov mantinha uma sólida amizade com L.M. Kaganovitch,
o "comissário de ferro", que tinha no
Politbureau
as posições mais severas e intransigentes em
relação aos "inimigos do povo". Em estreito contacto
com Kaganovitch, Khruchov, primeiro em Moscovo nos anos anteriores à
guerra e mais tarde no pós-guerra, na Ucrânia, depurou com
firmeza, até mesmo demasiada, as organizações do Partido
dos "degenerados" e "elementos sabotadores". No decorrer
das depurações sofreram muitas pessoas honestas, o que provocou o
descontentamento de Stáline e levou à perda da sua
confiança em Kaganovitch. Khruchov conseguiu reabilitar-se graças
aos êxitos indiscutíveis na reconstrução da
agricultura e indústria destruídas pela guerra.
Recordo-me de nesse tempo ter telefonado a Nikita Sergueievitch, que era
então primeiro secretário do Partido Comunista da
República, em Kiev, pedindo-lhe que investigasse o caso de um grupo de
quadros responsáveis da agricultura, alguns dos quais conhecia bem, que
tinham sido expulsos do Partido sem fundamento, conforme era minha
convicção. Após ter-me escutado atentamente, Khruchov
prometeu-me falar com Kaganovitch, que tinha sido enviado pelo
Politbureau
para a Ucrânia para o ajudar a organizar o trabalho. Mas deu-me a
entender que a questão seria resolvida a contento, pedindo-me para
"não fazer barulho no Centro, que isso poderia complicar a
situação". Não sei se falou ou não com
Kaganovitch, o certo é que não ajudou as pessoas.
Há uma coisa por demais estranha que me chamou a atenção.
Quando se fala de Stáline, todas as suas acções são
normalmente explicadas pela luta pelo poder, mas quando toca a Khruchov, aquilo
que fez foi motivado exclusivamente por razões nobres:
"humanismo", "democraticidade",
"compaixão" e por aí adiante. Não sei o que
há aqui mais, se ingenuidade se uma ilusão consciente. Khruchov,
tal como Stáline, era um político, cujas acções
eram determinadas por interesses políticos inteiramente prosaicos e
totalmente afastados das elevadas categorias ético-morais...
Gostava de saber a que se refere concretamente e, já agora, como explica
o facto indiscutível de que o desmascaramento do culto da personalidade
e das repressões maciças dos anos 30 e 40 tenha tido tão
ampla repercussão positiva?
A principal motivação de Khruchov era a luta pelo poder, por uma
posição de monopólio nos aparelhos do Partido e do Estado,
o que acabou por conseguir, acumulando os dois postos mais importantes: o de
Primeiro Secretário do CC do PCUS e o de Presidente do Conselho de
Ministros da URSS.
No início, porém, a situação de Nikita
Sergueievitch era complicada. Apesar de estar bem colocado no Partido, a
maioria dos membros do
Politbureau
não eram seus apoiantes, antes pelo contrário. Molotov, Malenkov,
Kaganovitch, Vorochilov e outros destacados dirigentes do Partido e do Estado
pertencentes ao anterior círculo de Stáline não tinham uma
opinião favorável sobre Khruchov e encaravam-no como uma figura
de compromisso, um califa por uma hora, posição que este, como
é evidente, conhecia bem. Nos aparelhos locais do Partido e do Estado
havia também muitas pessoas que tinham passado pela escola de
Stáline e faziam uma avaliação muito céptica do
projecto "inovador" de Khruchov. Ele precisava portanto de quebrar
esta "oposição", apresentar os seus adversários
sob uma perspectiva negativa, operar uma transformação
maciça na consciência social, num espírito anti-stalinista.
Refiro-me à preparação do terreno propício aos
projectos pequeno-burgueses e aventureiristas que contrariavam o rigoroso
realismo da atitude marxista-leninista. A campanha de denegrimento de
Stáline e a reabilitação das vítimas das
"repressões" servia na perfeição estes
objectivos, tanto mais que parte dos reabilitados receberam cargos no aparelho
do Estado e do Partido, tornando-se, naturalmente, no sustentáculo de
Khruchov.
A "ampla repercussão social" também se explica pelos
interesses inteiramente prosaicos de determinadas camadas e grupos sociais,
como agora é moda dizer. Os sonoros aplausos do estrangeiro são
compreensíveis: a campanha de descrédito de Stáline, que
no Ocidente foi habilidosamente transformada numa campanha contra o Poder
Soviético, enfraqueceu e dividiu o movimento comunista e operário
internacional, reforçou as tendências revisionistas oportunistas,
lançou a confusão na mente e sentimentos das camadas
progressistas, em resumo, beneficiou os inimigos do socialismo, os quais
aplaudiram esta campanha no fundamental.
Mesmo no nosso país, as invectivas contra o culto foram saudadas por
todo o tipo de ociosos, espertalhões, vigaristas que parasitavam
à custa de outros, aqueles que não gostavam do trabalho honesto,
da disciplina de ferro e da ordem. Ai de quem lhes toque que começam
logo a gritar contra o "despotismo", "a restrição
das liberdades", "os resquícios das repressões
stalinistas"! As críticas a Stáline impressionaram
particularmente uma parte dos funcionários do aparelho
partidário-estatal, divorciados das massas e com especial
tendência para a burocratização, cansados do ritmo tenso e
da rigorosa disciplina de trabalho, que viram no "novo estilo" de
Khruchov uma esperança de vida calma e distendida. E, como é
óbvio, o "degelo" de Khruchov agradou a largos círculos
dos meios artísticos, gente que, dada a sua especificidade social, sente
inclinação para o individualismo, para o desregramento
anárquico e sente-se incomodada pelo papel dirigente do Partido,
disfarçando a sua verdadeira posição com uma fraseologia
"progressista" sobre a "liberdade", "humanismo" e
"democracia".
Muitos intelectuais não conseguem perdoar ao socialismo o facto de que
no capitalismo poderiam ter uma vida mais confortável. É como se
não percebessem que um país atrasado nos planos económico
e cultural, que foi submetido a provações inauditas na
história, tinha de dar prioridade às necessidades básicas
do povo e simplesmente não estava em condições para
desenvolver sofisticados bens de consumo e serviços modernos. Não
acreditam na grandeza e envergadura dos nossos objectivos. Uma casa de campo e
um automóvel é muito mais importante para esta gente do que os
altos ideais do socialismo, em nome dos quais se bateram várias
gerações de combatentes pela felicidade do povo. Incapazes de
trabalhar de mangas arregaçadas, de lutar pelas suas ideias, ficam
desnorteados e baixam os braços ao menor sinal de injustiça e
indecência, começando a elogiar a liberdade "absoluta",
acima das classes, e a proclamar a necessidade de um sistema mais
"humano" e "democrático", no qual facilmente se
adivinham os contornos do capitalismo "liberalizador". Nada
preocupados com o que tal capitalismo implica para as pessoas simples, para a
massa fundamental dos trabalhadores, estão prontos a submeter-se ao jugo
do capital desde que lhes paguem mais. São exactamente estas pessoas
que, de forma tão empenhada, se mostram intimidadas e intimidam os
outros com os horrores do chamado "stalinismo", o qual, claro
está, subentende os fundamentos angulares do sistema socialista e
sobretudo o papel dirigente do Partido Comunista
A burguesia culta foi sempre o sustentáculo dos políticos sem
princípios. Tanto no passado como no presente, tanto no Ocidente como,
por muito triste que seja, na sociedade socialista.
Falando com franqueza, a sua exposição parece-me demasiado
esquemática, apesar de ter alguma coerência e lógica. Nas
várias camadas da população, deparei-me várias
vezes com pessoas honestas, leais ao socialismo, que consideram Stáline
como um criminoso
E agora, se bem o compreendo, diz-me que Khruchov era
apoiado pela parte mais burocratizante do aparelho partidário-estatal.
Mas não foi Stáline que colocou o aparelho acima das massas e deu
aos burocratas um poder inaudito?
Qualquer tentativa de explicar causas profundas peca inevitavelmente por
esquematismo, e a que faço não é naturalmente
excepção. Em todo o caso, tento explicar e não me desvio
do assunto, refugiando-me em enleados sentimentais-banais sobre a
"coragem" e a "bondade" de Khruchov.
É verdade que muitas pessoas honestas e pensantes foram induzidas em
erro e ficaram desorientadas com materiais seleccionados de forma tendenciosa e
por vezes falsificados. Isto é agravado pelo facto de não termos
o hábito de pôr em causa a versão oficial, para além
de que a nossa capacidade de reflectir e discutir está a um nível
muito baixo. Mas estes são fenómenos temporários. A
verdade histórica, cedo ou tarde, virá à tona, por muito
que a tentem afundar os políticos com os seus fins cúpidos ou
certas individualidades dos círculos intelectuais.
É mais fácil induzir em erro um professor ou um literato do que
um simples operário, que avalia a política pelo critério
mais fiel: pelo que ela proporciona ao quotidiano concreto da vida do
cidadão comum. Apesar das condenações oficiais e
desmascaramentos, Stáline continua a ter numerosos partidários em
diferentes meios, especialmente entre os operários simples,
kholkozianos,
militares, gente das gerações mais antigas, que conheceram a
situação daquele tempo por experiência pessoal e não
através de artigos de jornal. Nem Khruchov nem os actuais dirigentes
deixarão uma memória tão profunda e grata no povo, e nem
podiam deixar, apesar de, por todo o lado, ostentarem o seu sentimento
"popular".
Em relação aos burocratas e aos privilégios que
Stáline lhes terá dado, devo dizer-lhe que está
completamente errado. Na prática, Stáline só conhecia o
trabalho. Trabalhava com total dedicação 14, 15, 16 horas por
dia, sem qualquer trégua ou condescendência para consigo
próprio. Submetendo-se ao seu ritmo, os membros do
Politbureau,
os comissários do povo, os quadros responsáveis dos
órgãos centrais e mesmo locais trabalhavam com semelhante
intensidade.
Trabalhar 14 a 16 horas por dia não era para nós uma
excepção, pelo contrário, era a regra. Quanto muito,
íamos de férias uma vez em cada quatro ou cinco anos, mas nem
todos se podiam orgulhar disso. Folgas praticamente não existiam.
Uma disciplina de ferro, um controlo permanente, trabalhar até ao limite
das forças e, o principal, a exigência de resultados concretos, a
melhoria real das coisas, a sua ausência equivalia à
destituição do cargo, sem olhar aos serviços prestados no
passado tudo isto conduziu a uma tal produtividade e eficiência no
trabalho de direcção sobre a qual hoje apenas se poderá
sonhar. Não me recordo, como exemplo, de nenhuma resolução
ou directiva do CC, do
Politbureau
ou do Conselho de Ministros que não tivesse sido cumprida. Hoje, segundo
se diz, é exactamente ao contrário. Entre as crescentes torrentes
delas, não se encontra uma que tenha sido concretizada, pelo menos em
parte... Aliás, nos nossos dias, não se tomava a sério os
que evocavam dificuldades e "circunstâncias objectivas".
"Foram colocados nos vossos cargos exactamente para as superar",
dizia habitualmente Stáline nessas situações.
Encontrei e li o livro de Lion Feuchtwanger sobre a sua visita, em 1937,
à União Soviética, do qual me falou. Nele escreve
nomeadamente que as pessoas que ocupavam cargos com alguma responsabilidade,
"quase que não têm tempo para comer, quase que não
dormem e acham normal chamar por telefone alguém que está no
teatro a meio de uma representação ou telefonar-lhe às
três ou quatro da manhã para lhe perguntar algo de urgente. Nunca
encontrei trabalhadores incansáveis em tal quantidade como em Moscovo...
Se em Nova Iorque ou em Chicago não encontrei os propalados ritmos
americanos de trabalho, vim encontrá-los aqui em Moscovo"
[54]
. Uma descrição fidedigna, era mesmo assim!
Aliás, na altura, nós, comissários do povo, nem sequer
pensávamos em limusines do Estado, casas de campo, restaurantes e outros
privilégios semelhantes. Não tínhamos tempo para isso,
tanto mais que o mínimo abuso neste plano era punido implacavelmente: o
Goscontrol
e os
partorg
[55]
do CC trabalhavam eficazmente e as críticas vindas da "base",
da parte dos trabalhadores, eram tidas em conta, muito mais do que hoje.
O povo sabia que as regalias dadas aos dirigentes significavam o prolongamento
do dia de trabalho em mais oito horas, por isso ninguém criticava ou se
indignava como agora, em que, de facto, são dados muitos
privilégios a um ministro sem que se vejam os resultados do seu trabalho
durante anos. Resultados positivos, é claro...
Por outras palavras, Stáline, cujo estilo de vida se distinguia por um
ascetismo e puritanismo bolcheviques, dirigia o aparelho com mão de
ferro, considerando, com algum fundamento, como o tempo veio a demonstrar, que
a multiplicidade das tentações na vida poderia diminuir a
produtividade do trabalho dos dirigentes, minar a confiança das pessoas
comuns neles, ou seja no Partido, aspecto do qual depende muita coisa no nosso
país. No entanto, por vezes, Stáline fechava os olhos às
pequenas fraquezas dos comissários do povo, em especial dos jovens,
desde que, claro, não se reflectissem no trabalho...
Como é óbvio, estes ritmos de trabalho e tal regime draconiano
não agradavam a todos. As pessoas são pessoas, apetece-nos
relaxar, dedicar pelo menos algum tempo à família, aos interesses
pessoais, e alguns gostariam de saborear as honrarias e privilégios das
altas posições...
Quer dizer que Khruchov jogou com isso?
Sim. Este factor "humano" contribuiu em muito para alargar e
reforçar o apoio a Khruchov entre os dirigentes do Centro e em
particular ao nível local. Nikita Sergueievitch defendia uma disciplina
e um regime de trabalho mais "macios", fazia-se passar por uma pessoa
"compreensiva" e capaz de "perceber a
situação", embora no fundo fosse bastante exigente. Mas
não foi por acaso que um dos primeiros sinais do "novo estilo"
tenha sido a proibição de ficar no trabalho depois da oito da
noite. Com Stáline, muitos comissários do povo trabalham noites
inteiras, o que, como é evidente, extenuava qualquer um.
Por outro lado, Molotov e Malenkov, considerados como partidários
entusiastas do estilo "duro" stalinista, condenaram firmemente os
mais pequenos desvios da disciplina partidária, o que, depreende-se,
não lhes aumentou a popularidade dentro do aparelho...
Não escondo que na altura estava longe de ser um "stalinista",
Khruchov impressionava-me mais. Pensava que com ele teria mais liberdade de
acção e seria capaz de levar a cabo o programa que concebera. Mas
as minhas expectativas goraram-se. Com Khruchov, a iniciativa dos ministros
estreitou-se, diminuindo também em todos os níveis a
exigência e a responsabilidade. Começou-se a pensar menos no
trabalho e mais nos diferentes bens da vida. Penso que foi nessa altura que se
abriu a fenda que, mais tarde, com os sucessores de Khruchov, viria a provocar
o afastamento do aparelho das massas e, como reacção
contrária, a manifestação de hostilidade das amplas massas
dos trabalhadores e do povo em relação ao aparelho, coisa que nos
anos 30, 40 e mesmo 50, não existia.
Mas o mais importante talvez nem seja isso. Reflecti muito sobre as
razões do fracasso do "grande salto em frente" de Khruchov,
porque é que estamos a marcar passo no mesmo sítio desde meados
dos anos 70 (a reforma dá-nos tempo e a possibilidade de estudar um
pouco) e cheguei a algumas conclusões. Desde os meados dos anos 50,
altura em que começou a diminuir a exigência em
relação aos quadros, que a vida impunha que essa exigência
fosse pelo contrário aumentada, sob pena de ser impossível
resolver as novas tarefas, mais complexas e de maior envergadura. Khruchov, que
tinha passado pela escola stalinista, ainda tentou de alguma forma parar esse
processo. Infelizmente, os seus sucessores deixaram-se ir na corrente
reincidente das "forças e tradições da velha
sociedade", como disse Lénine. Muitos postos do Partido e do Estado
foram entregues a pessoas incompetentes e indignas dos seus altos cargos, que
se revelaram incapazes de garantir uma direcção eficaz das
tarefas. A promoção dos quadros deixou ter correspondência
com os serviços reais prestados. Alguns tornaram-se ministros,
secretários do CC e mesmo membros do
Politbureau,
não por terem resolvido o problema do abastecimento de produtos
alimentares na sua região ou por terem colocado as empresas que
dirigiram ao nível internacional, mas na sequência de uma
correlação de circunstâncias que lhes foi favorável.
É natural que, não sendo capazes de trabalhar verdadeiramente,
estas pessoas ocupem o tempo com papelada e reorganizações. As
directivas sucedem-se umas atrás das outras e perde-se a conta aos
discursos com apelos a "trabalhar de forma inovadora".
Voltemos a questões mais concretas. Não poderia falar com mais
detalhe sobre as diferenças das posições de Stáline
e Khruchov em relação à agricultura?
Essas diferenças ganharam contornos precisos já depois da morte
de Stáline, quando Nikita Sergueievitch decidiu pasmar o mundo com os
seus métodos "inovadores". É claro que já antes
de 1953, Khruchov alimentava as suas ideias predilectas, os seus projectos para
resolver este ou aquele problema. Todavia, ao contrário dos outros
membros do Politbureau, não era capaz, ou melhor, não queria
defender os seus pontos de vista, tanto mais que as tímidas tentativas
que fez neste sentido foram severamente criticadas por Stáline, que
não tolerava "projectos
manilovistas"
[56]
, como costumava dizer irritado. Aparentemente, foi o medo hipertrofiado que
Nikita Sergueievitch tinha de Stáline que lhe valeu a fama de ser um
executante resignado, obediente e limitado, despojado de qualquer
ambição política ou desejo de protagonismo... No futuro,
na sua na luta pelo poder, Khruchov viria a utilizar habilmente esta falsa
imagem que, no entanto, era partilhada por muitos.
Mas voltando às diferenças. Antes de mais, elas tiveram a ver com
as explorações agrícolas privadas dos
kolkhozianos
e dos trabalhadores dos
sovkhozes,
bem como com a actividade industrial artesanal e cooperativa. Mesmo
após a conclusão da colectivização do campo, o
sector individual continuava a desempenhar um papel importante. Nos anos
pré-guerra, as explorações individuais eram
responsáveis por entre 60 a 90 por cento dos legumes, carne, leite, ovos
e outros produtos agrícolas, à excepção, claro
está, do trigo e das culturas técnicas. Produziam igualmente a
maior parte da fruta e frutos secos. De resto, a maior parte dos rendimentos
dos
kolkhozianos,
quer antes quer nos primeiros anos do pós-guerra, provinha não
das explorações colectivas mas exactamente da
produção individual. Stáline considerava que esta era uma
situação objectiva e inevitável por um longo
período e opunha-se implacavelmente às tentativas de
forçar o prosseguimento da "colectivização" e
socialização, posição que testemunhei várias
vezes.
Inversamente, Khruchov julgava as explorações individuais, bem
como a actividade de todo o tipo de cooperativas nos meios rurais, como
"resquícios obsoletos do passado, os quais, supostamente,
"desviavam" os camponeses do trabalho colectivo e impediam que o
enorme potencial das "vantagens do socialismo" se revelasse no campo.
Outro ponto substancial de divergência refere-se à política
salarial. Com Stáline, os salários eram amplamente utilizados
como incentivo à alta produtividade do trabalho e ao trabalho
qualificado, como importante alavanca do aceleramento do progresso
científico-técnico. Na agricultura, por exemplo, o salário
dos agrónomos, mecanizadores, condutores de máquinas e outras
profissões determinantes para a modernização da
produção, era significativamente superior, nalguns casos em
várias vezes, ao dos
kolkhozianos
e operários dos
sovkhozes.
O sistema de incentivos à alta produtividade do trabalho funcionava
igualmente de forma satisfatória. Os operários de vanguarda
ganhavam muito mais do que os operários "medianos" e algumas
categorias de
stakhanovistas
não tinham sequer um tecto salarial.
Um quadro semelhante observava-se na indústria, onde os engenheiros e,
em especial, os construtores de novas máquinas recebiam muito mais do
que os operários e os empregados dos ramos não produtivos.
Lembro-me de que, no início dos anos 50, um professor
universitário podia ganhar até mil rublos por mês, enquanto
uma empregada de limpeza tinha um salário de 30 rublos, o que era visto
como dentro da ordem das coisas.
As regalias materiais combinadas com estímulos ideológico-morais
permitiram atrair os mais capazes e dotados para as fileiras de
agrónomos, mecanizadores, engenheiros, construtores e outras
profissões com um papel crucial no progresso
científico-técnico. E entre a população, em
especial a juventude, desenvolvia-se a aspiração ao conhecimento
e ao domínio da técnica moderna.
Para Khruchov, que sempre ultrapassou todos os limites no que toca a
sentimentos populistas, tal política era "socialmente injusta"
e "não-socialista". Sob sua pressão, começaram a
ser revistas as tabelas de vencimentos no sentido de eliminar
"diferenças injustificadas" na retribuição do
trabalho. Infelizmente, este processo prosseguiu depois de 1964. Os resultados
da violação voluntarista das mais importantes leis objectivas do
socialismo são conhecidos: o nivelamento salarial foi estabelecido em
praticamente todos os ramos que determinam o progresso
científico-técnico, encurralando-se (não encontro outra
palavra) o corpo dos engenheiros-construtores, cujo vencimento é quase
mais baixo do que o de uma empregada de limpeza. E quando se vira de pernas
para o ar o sistema de estímulos materiais, também na economia,
como é natural, se desencadeia todo o tipo de incongruências, as
quais, de forma alguma, favorecem o seu normal crescimento.
Todavia, esta minha opinião é de hoje. Na altura, em meados dos
anos 50, via isto tudo de modo diferente e, falando com franqueza, até
fiquei impressionado com o desejo de Khruchov de eliminar as injustiças
na retribuição do trabalho das diferentes categorias de
trabalhadores.
No fundo, Nikita Sergueievitch era um extraordinário mestre do efeito de
curto prazo, com reflexos fulgurantes, os quais, justiça lhe seja feita,
cegaram temporariamente não só os seus seguidores, mas até
os opositores. Porém, este efeito foi obtido à custa da
secundarização dos interesses estratégicos de longo prazo,
o que veio a traduzir-se em perdas colossais. Mas as pessoas vivem o dia de
hoje, e Nikita Sergueievitch soube explorar habilmente esta fraqueza...
Na literatura de memórias existem referências à
discordância de Stáline com o absurdo projecto de Khruchov das
agro-cidades...
Não classificaria esse projecto como absurdo. Assentava na ideia
perfeitamente racional de promover a integração da
produção agrícola e industrial, diminuir as
diferenças entre a cidade e o campo nas esferas social, de
serviços e cultural. Devo dizer que quando Khruchov apresentou estas
ideias a minha reacção foi positiva. No entanto, depois,
influenciado pelas críticas sérias e bem fundamentadas da parte
de grandes especialistas e cientistas-agrónomos, passei a referir-me
à teoria das "agro-cidades" com maior contenção.
Foi-me demonstrado de forma bastante convincente que o nível de
desenvolvimento alcançado no campo não permitiria, durante um
período de tempo ainda longo, caminhar para a integração
da produção agrícola e industrial, pelo menos à
escala de todo o país, como propunha Khruchov. Outra flagrante fuga em
frente, e mais um exemplo de desprezo pela especificidade do campo, foi a tese
sobre a necessidade de centralizar e concentrar a população rural
e liquidar as aldeias "sem futuro". Ulteriormente, as tentativas de
forçar o processo de industrialização do campo, causaram,
como é conhecido, grandes danos à agricultura.
Nessa altura, Khruchov, num artigo publicado no
Pravda,
apresentou com bastante desenvoltura a concepção das
"agro-cidades". Stáline, que habitualmente incentivava os
dirigentes partidários a estudos teóricos, à
formulação de problemáticas, reagiu muito negativamente ao
artigo, diria mesmo com hostilidade. Em breve o
Pravda
publicaria outro texto em que a teoria das "agro-cidades" era
submetida a uma crítica demolidora. Num círculo restrito,
Stáline qualificou as buscas
khruchovianas
ainda com mais severidade, considerando-as como "o mais puro
fantasismo", "uma fuga em frente esquerdista", "um
delírio pequeno-burguês". Recordo-me bem destas palavras
porquanto Stáline repetiu-as à minha frente várias vezes,
temendo, aparentemente, que eu fosse influenciado pela "teoria"
khruchoviana.
Stáline, embora valorizasse as qualidades organizadoras de Khruchov,
considerando-o um executivo brilhante, tinha uma fraca opinião sobre as
suas capacidades políticas e teórico-ideológicas. Para
além disso, nas suas relações com Khruchov, transparecia
um manifesto desdém, coisa que Stáline nunca se permitia nas suas
relações com os dirigentes partidários e do Estado, com
excepção, talvez, de Béria. A minha impressão
pessoal é que, ao relacionar-se de forma diferente com esta
"dupla", Stáline pretendia demarcar-se do seu
"não-bolchevismo", como se se desculpasse pelo facto de, nos
assuntos de Estado, ser forçado a recorrer a pessoas aptas, mas com
formação ideológica duvidosa, uma espécie de
"aliados políticos" conjunturais.
Khruchov reagiu com bastante calma exterior e lisura ao sabão que
Stáline lhe passara. Mas é claro que tudo não passava de
uma aparência enganadora: Nikita Khruchov era uma pessoa com
amor-próprio e ambição extremos, apesar de ter conseguido
ocultar isso durante algum tempo.
Uma vez, no final de uma reunião em que Stáline, sem olhar a
delicadezas, admoestou duramente Khruchov por uma asneira qualquer, descemos os
dois para os carros que nos esperavam na rua.
"- Ele sabe muito", disse de súbito e com azedume Khruchov.
"Mandar é fácil, devia experimentar fazer algo de
concreto..."
"De quem se trata?", perguntei mecanicamente, ocupado que estava com
os meus pensamentos (na reunião também eu tinha sido criticado e
começara já a pensar na maneira de realizar as sugestões
de Staline).
"Sou eu a falar com os meus botões", disse Nikita
Sergueievitch. "Levámos uma boa ensaboadela, temos de tirar as
nossas conclusões". Recuperara o controlo de si e tentava agora
sorrir amigavelmente.
Só me dei conta no carro de que Khruchov se referia a Stáline.
Como se costuma dizer, guarda-te do homem que não fala e do cão
que não ladra...
Afastei-me da questão que me colocou. A história das
"agro-cidades" põe mais uma vez em evidência as
diferenças entre Stáline e Khruchov em relação aos
problemas da agricultura.
Stáline era realista até à medula dos ossos, por isso dava
muito mais importância à especificidade do sector, agia de forma
reflectida, fundamentada, sem precipitações, prevendo eventuais
consequências a longo prazo desta ou daquela decisão. Khruchov era
o contrário, ansiava por resultados rápidos e fulgurantes, tinha
pressa e precipitava-se, passando por cima do nível real de
desenvolvimento atingido e caindo num utopismo imperdoável e criminoso.
Infere-se das suas palavras que a principal responsabilidade pela actual
situação, bastante deplorável, da agricultura recai sobre
Khruchov e naqueles que se afastaram da linha stalinista. Mas será que
esta linha foi em si própria irrepreensível? Não houve os
desvios e excessos da colectivização, a horrível fome de
1933, o "transvase" de meios do campo para a cidade e, finalmente, a
submissão dos
kolkhozianos
a uma servidão semifeudal, sendo-lhes negado até o direito a
possuir passaporte? E mesmo assim, no período de Stáline, a nossa
agricultura não conseguiu recuperar o seu atraso em
relação ao Ocidente. Os documentos oficiais e
investigações de reputados historiadores, atribuem a
Stáline e aos que o rodeavam grandes responsabilidades. Ou não
concorda com isto?
A julgar pela pergunta, você não conseguiu compreender
correctamente a relação entre os factores objectivos e
subjectivos e enfiou tudo no mesmo saco. Tentarei, tanto quanto puder,
esclarecer os factos com verdade.
É um erro de raiz atribuir a Khruchov ou a Stáline todas as
culpas pelo atraso da agricultura. Apesar de tudo, o principal aqui são
os factores objectivos, a especificidade histórica do desenvolvimento do
país. Não podemos esquecer que, nos anos 20, os arados de madeira
predominavam nos nossos campos, enquanto nos Estados Unidos, na
Grã-Bretanha e noutros estados europeus a mecanização da
agricultura estava praticamente concluída. Foi de uma agricultura
atrasada e medieval que tivemos de extrair meios e forças para a
industrialização do País, para a criação de
um exército moderno e para a reconstrução da economia
destruída pela guerra. Simplesmente não havia outra
solução. Um mar de explorações privadas atrasadas
tiveram de ser reconvertidas de acordo com as orientações da
colectivização socialista, com todos os exageros e aspectos
negativos inevitáveis. E tudo isto decorreu sob a pressão inimiga
do cerco capitalista, em ritmo forçado e em curtíssimos prazos
históricos (não havia outros). Estou convencido de que se
tivéssemos atrasado cinco ou seis anos a colectivização ou
a industrialização, a economia não teria podido garantir
os meios necessários à vitória sobre o fascismo e o campo
não seria capaz de alimentar o exército e a
população, já sem falar do previsível surgimento de
uma "quinta coluna" na retaguarda formada pelos proprietários
kulaks
que odiavam o Poder Soviético. A verdadeira questão reside no
facto de que a história não nos deu possibilidades
"normais", tivemos que agir em circunstâncias
"anormais", ou seja com ritmos forçados.
Claro que o Partido, o Governo e Stáline, pessoalmente, fizeram muito
para o desenvolvimento da agricultura e para a melhoria da vida dos camponeses,
afirmo-o na qualidade de quem dirigiu o sector durante quase duas dezenas de
anos. O campo sofreu um poderoso impulso em frente na
modernização da organização da
produção e do trabalho e na criação de
condições civilizadas sócioculturais. Contudo, esperar
resultados milagrosos como a eliminação do atraso em
relação ao Ocidente neste curto espaço de tempo, é
simplesmente irrealista. Só no início dos anos 50, o Estado teve
possibilidade de, pela primeira vez, destinar grandes recursos materiais e
humanos para o desenvolvimento da agricultura. Até esta altura, a cidade
viveu em grande parte à custa do campo, e não havia outra
alternativa, a não ser talvez nas ilusões de gabinete dos
"reputados historiadores".
Não discuto que a vida dos camponeses era nesse tempo difícil:
trabalho intenso, impostos elevados e uma "dura"
ligação ao local de residência. Aliás, o mesmo
acontecia também na cidade. Não se esqueça de que, na
Rússia czarista, o nível de vida da população
estava atrasado 100 anos, ou mesmo mais, em relação aos
países capitalistas desenvolvidos.
Mas também não devemos carregar nas tintas: em
comparação com o período anterior à
Revolução de Outubro, as condições de vida e de
acesso à cultura da esmagadora maioria da população rural
alteraram-se significativamente no bom sentido. As grandes massas, quer de
kolkhozianos
quer de operários dos
sovkhozes,
no fundamental, estavam satisfeitas com a sua vida e olhavam para o futuro
com muito mais optimismo do que agora, apesar de as actuais
condições de bem-estar materiais serem impensáveis na
época. Digo isto porque tenho ouvido muita gritaria sobre a pobreza nos
campos durante os anos 30 e 40. A darmos crédito a alguns literatos ou
mesmo dirigentes do Partido, todo aquele período teria sido atravessado
pelo terror, repressões e violência em relação aos
camponeses. É um disparate. Nenhum sistema político pode
apoiar-se por muito tempo na violência, sendo que os que habitavam o
campo nos anos 30 constituíam a maioria da população! Se
tudo assentasse, como alguns tentam fazer crer, no medo do NKVD, não
teria sido possível destroçar a máquina de guerra
fascista, a mais poderosa no mundo, nem teria havido o heroísmo em massa
na frente e na retaguarda nem, em última análise, o nosso
país teria alguma vez chegado a ser uma das duas superpotências
mundiais.
Falou dos factores objectivos mas nada disse sobre os subjectivos...
Já lá vou. Espera certamente que compare os actos de
Stáline e de Khruchov, ou mais precisamente os erros por eles cometidos
que atrasaram o desenvolvimento da agricultura.
Em qualquer domínio os erros são inevitáveis e tanto
Stáline como Khruchov cometeram bastantes. Mas há erros e erros.
Stáline cometeu-os em questões de menor importância,
secundárias, evitando-os nas matérias centrais,
estratégicas. Khruchov era o contrário, entendia-se melhor quanto
aos pormenores e detalhes, mas pensava mal, apressadamente, as decisões
de Estado de grande envergadura, o que teve numa série de casos
resultados simplesmente catastróficos. Há pouco falou da fome de
1933. A sua principal causa foi a seca, mas as consequências que teve no
processo de colectivização do campo, que estava a ser
concluído nessa altura, reflectiram-se num aumento dos excessos e
complicações, inevitáveis em quaisquer grandes
transformações sociais. Ambos estes factores tiveram um
carácter objectivo e não era possível imputá-los
à vontade, ainda que sobre-humana, de um líder. Por isso, o erro
de Stáline, se é que existiu, residiu quanto muito no facto de
ter confiado de mais no então Comissário do Povo para a
Agricultura, Iakovlev
[57]
, que não só não tomou as medidas necessárias para
fazer face à calamidade, mas também encobriu efectivamente as
acções sabotadoras dos trotskistas e outros
"esquerdistas", que se tinham entrincheirado em órgãos
de poder centrais e locais. Nessa altura eu trabalhava no Centro de Moscovo dos
Sovkhozes
Hortícolas e recebi do comissariado ordens tão estranhas, para
não lhes chamar outra coisa, que se as tivesse cumprido poderiam ter
provocado a desorganização da produção.
Aliás, Iakovlev foi fuzilado por sabotagem juntamente com os seus
cúmplices. De qualquer modo, as acções do seu grupo,
apesar de terem agudizado a situação, não tiveram uma
importância decisiva nos acontecimentos, os quais, repito, resultaram no
fundamental de factores objectivos.
Por sua vez Khruchov, ao assumir os comandos do Estado, cometeu erros
estratégicos pelo seu carácter e consequências. Em meados
dos anos 50, quando pela primeira vez havia a possibilidade de destinar grandes
meios e forças para a agricultura, ele deu prioridade ao desbravamento
de terras virgens, o que, como é óbvio, produziu resultados
visíveis e rápidos, mas a longo prazo revelou-se ser uma
decisão claramente errada. Não só porque o desbravamento
das terras virgens foi feito à custa de regiões, às quais
deveria ter sido dada uma atenção redobrada, caso da
Ucrânia e das zonas de solo mais pobre da Rússia. Muito mais
ruinosa se revelou a "viragem estratégica" da agricultura para
os factores de crescimento extensivo, num momento em que estava na ordem do dia
a transição para a intensificação da agricultura.
Aliás, em todos os países, essa transição foi
acompanhada de uma redução das áreas de sementeira. Por
outras palavras, teria sido necessário caminhar em
"profundidade" e nós, na ânsia de êxitos
imediatos, apostámos no "alargamento", seguindo uma
direcção notoriamente errada, perdendo assim, sem qualquer
exagero, vários quinquénios agrícolas.
Consequências extremamente negativas tiveram igualmente os ataques
frontais de Khruchov contra as explorações agrícolas e, em
particular, a redução do número de cabeças de gado
que podiam integrar a propriedade pessoal dos
kolkhozianos
e dos operários agrícolas dos
sovkhozes.
Isto apesar de a combinação flexível da propriedade
social com a pessoal ter permitido, durante o período de Stáline,
resolver muitos problemas. Pergunte às pessoas das
gerações mais velhas, certamente que vos dirão que a
variedade da oferta de produtos alimentares nas nossas lojas era duas vezes
maior do que a que existe agora, no início dos anos 80. E, claro
está, o alastramento a todos os sectores do nivelamento salarial e o
gigantismo em que se converteu a eliminação das aldeias "sem
futuro", desferiram novos e sensíveis golpes na agricultura.
Todavia, os líderes que substituíram Khruchov não
só não corrigiram estes erros como, pelo contrário, os
agravaram. Se Nikita Sergueievitch, como organizador forte e pessoa
enérgica e empreendedora "sacudia" e predispunha de alguma
forma os quadros dirigentes para o trabalho, os seus sucessores passaram a dar
preferência aos sermões intermináveis.
Tudo isto, apesar dos enormes gastos, conduziu a agricultura a um "estado
bastante lamentável", como justamente observou.
Não terá caído numa contradição? Afirmou que
Stáline era um bom conhecedor de pessoas, sabia qual era o seu
verdadeiro valor
Como se pôde então enganar quanto a
Khruchov, Béria, Vechinski e outras pessoas que entraram no seu
círculo mais próximo?
Não penso que tenha sido um engano. Stáline, tal como
Lénine, sabia utilizar pessoas cujo perfil político considerava
duvidoso, não bolchevique. Não são só os
marxistas-leninistas, digamos a 100 por cento, que têm o monopólio
do saber-fazer, das elevadas qualidades de trabalho
Tanto Vechinski como
Mekhlis ou Béria tinham um passado de mencheviques, uma
"nódoa negra" nas suas biografias. Mas as suas vantagens
profissionais prevaleciam claramente, para além de que não podiam
interferir na definição da estratégia política. O
próprio Lénine permitiu que Trotski, Zinoviev, Kameniev e
Bukharine ocupassem altos cargos, apesar de não os considerar como
verdadeiros bolcheviques e autênticos teóricos marxistas.
Parece que só gostamos dos extremos. Se elogiamos alguém,
colocamo-lo nas nuvens, se censuramos, então temos de reduzi-lo a
pó
Ou é um diabo ou um anjo, o intermédio é
como se não existisse, não obstante, na realidade e pelo
contrário, existir e muito frequentemente.
Veja, por exemplo, o caso de Béria. Apresentam-no como um amontoado de
vícios, imagináveis e inimagináveis. É verdade que
tinha vícios e que era um indivíduo indecente e sem
escrúpulos. Eu, como outros comissários, passei muito por causa
dele. Mas, apesar de todos os seus indiscutíveis defeitos, Béria
possuía uma vontade forte, qualidades de organizador, a capacidade de
entender rapidamente a essência de um problema e de reagir
instantaneamente a uma situação complicada, identificando os seus
aspectos principais e secundários.
O facto é que foi sob a sua direcção que se criou, em
prazos curtíssimos, a bomba atómica e que, nos anos da guerra,
tão rapidamente se ergueram as indústrias de defesa.
O pequeno erro de Béria é que deixava transparecer uma
intenção consciente e mesmo objectivos
"políticos". Penso que Stáline utilizou Béria,
tal como Mekhlis, como um "
cassetete
do terror", com a ajuda do qual se malhava no desleixo, na incúria
e na leviandade das classes dirigentes e noutras chagas nossas, que
Lénine justamente apelidou de "oblomovismo
[58]
russo". Refira-se que tal método, pouco atraente, funcionava
eficazmente.
É claro que houve casos em que o cassetete de Béria atingia
também as cabeças de pessoas honestas.
Fosse como fosse, Béria, depois de ter sido demitido por Stáline
do cargo de ministro da Segurança de Estado em 1952, foi de novo puxado
para cima após a morte deste. Tornou-se vice-presidente do Conselho de
Ministros da URSS e encabeçou o Ministério da Segurança
Interna, o qual passou a integrar também o Ministério dos
Assuntos Internos. Por outras palavras, conseguiu um poder com o qual nem
sequer se atreveria a sonhar no tempo de Stáline. No que respeita a
Khruchov, é indubitável que Stáline, melhor que
ninguém, via o seu "não-bolchevismo", os limites dos
seus horizontes intelectuais e culturais, as suas ambições
carreiristas. Porém, deu preferência à
utilização das suas excelentes qualidades de executivo em altos
postos partidários. E fez bem: enquanto trabalhou sob uma
direcção rigorosa, Khruchov fez muito de útil. Outra coisa
é o facto de não se enquadrar em nenhum dos parâmetros do
posto decisivo do nosso país, apesar do seu grande desejo de ser o
Primeiro. Nisto reside toda a tragédia...
Pode-se concordar que Khruchov era inferior a Stáline em muitos
aspectos. Mas pelo menos não enviou pessoas honestas para a
prisão, nem fez correr sangue. O povo nunca perdoará....
Mas está convencido de que tem legitimidade para se armar em arauto do
povo? O povo no nosso país é diferenciado. Para os professores
universitários e literatos, obviamente, Stáline representa um
"déspota" e um "ditador", para os trabalhadores de
vanguarda, para muitas pessoas simples que viveram aquele tempo é um
grande homem sábio, que lutou pela felicidade do povo e obrigou os
responsáveis públicos a fazer o mesmo, esses que agora
estão de barriga cheia, se deixaram burocratizar e divorciar das amplas
massas. Serei ingénuo? Talvez... Mas quando contraponho estes dois
extremos, recordo as profundas palavras de Karl Marx, de que um intelectual tem
mais a aprender com um operário do que um operário com um
intelectual...
Desculpe, mas qual é a relação com a pergunta que lhe fiz?
A mais directa. Fale com os trabalhadores simples e honestos do nosso povo.
Dir-lhe-ão que "é hora de pôr ordem nas coisas,
endurecer ao máximo a desleixada disciplina do Partido e do Estado,
não hesitando perante as medidas mais drásticas". Costuma-se
dizer que a voz do povo é a voz de Deus. Da minha experiência
pessoal posso afirmar com segurança que, sem a permanente
depuração do aparelho do partido e do Estado de todos os
elementos indignos que nele se instalam, sem a repressão decidida, na
sua raiz, das tendências e manifestações anti-socialistas
nos altos escalões, não será possível assegurar um
desenvolvimento rápido e seguro do País. Até porque esse
"trabalho de saneamento" normaliza a situação no
País, garante o influxo no Partido e na esfera da
administração de jovens honestos, sensatos e talentosos, permite
aproveitar o enorme potencial democrático do povo. É exactamente
desde modo. Este potencial manifesta-se apenas num ambiente de ordem e
disciplina férrea, de combate firme a todos os fenómenos
anti-socialistas. De outra forma toda a participação se esvai no
leito caudaloso da perniciosa loquacidade da demagogia, da
dissolução anárquica e das lutas cúpidas por
interesses pessoais e de grupo. Quanto trabalhei na Jugoslávia observei
tudo isto até à exaustão... E esta disciplina e alta
exigência para com todos, do mais ao menos importante, deve
começar exactamente pelos dirigentes do mais alto escalão, caso
contrário haverá consequências extremamente perigosas para
o socialismo...
Stáline, como já referi, decifrou com mais rapidez e profundidade
do que ninguém a essência pequeno-burguesa dos slogans e projectos
de Khruchov. Todavia, não conseguiu tomar as medidas necessárias
que resguardassem o país e o socialismo mundial da chegada ao poder de
líderes "não bolcheviques" do tipo de Khruchov e
semelhantes... Em consequência, tivemos de pagar um alto preço
pelo seu esquerdismo e megalomania pequeno-burguesa.
Dou-lhe mais um exemplo. Refiro-me a Georgui Konstantinovitch Jukov, um
talentosíssimo chefe militar, indiscutivelmente o melhor comandante da
Segunda Guerra Mundial. A par de todas as suas qualidades pessoais invulgares,
tinha igualmente defeitos evidentes, os quais são descritos com
frontalidade e franqueza por Konstantin Konstantinovitch Rokossovski, no seu
livro "O Dever do Soldado".
Se a arrogância, grosseria, impertinência e outros modos
tarimbeiros podiam ser tolerados, já sua presunção,
ambições e pretensões "napoleónicas"
constituíam uma ameaça política. Quando Stáline,
que foi sempre benevolente com Jukov, se apercebeu disto, de imediato tomou as
medidas necessárias. Um tribunal militar de honra, constituído
por célebres marechais e almirantes, julgou com severidade o
comportamento de Jukov, que teve de ouvir muitas palavras duras, embora justas.
Todavia, levando em conta os grandes serviços prestados e a honestidade
pessoal de Jukov, o tribunal pronunciou-se pela não
adopção de medidas rigorosas que Malenkov e Béria
claramente esperavam, tal como Stáline, que os apoiava. No final,
Stáline não só cedeu à vontade dos militares,
limitando-se a baixar Jukov de posto, como, pouco antes da sua morte, voltou a
promovê-lo para cargos decisivos. Tratou-se de um erro crasso. Em breve,
Jukov viria a confirmar que os receios de Stáline tinham fundamento ao
ingerir-se de forma inadmissível, mesmo para um chefe militar da sua
dimensão, nos assuntos políticos do Partido. Como é
sabido, em Junho de 1957, ameaçou quase que abertamente o chamado
"grupo anti-partido", ou seja a maioria dos membros do
Politbureau,
com o uso da força militar. Ao dar o seu apoio a Khruchov, o qual
Jukov pensava que mais tarde poderia facilmente controlar, o marechal esperava
reforçar a sua situação. No entanto, como tantas vezes
sucede, caiu no fosso que ele próprio tinha camuflado para outros
caírem. Khruchov fazia muito menos cerimónia com os concorrentes
perigosos do que Malenkov ou Molotov.
Os resultados do domínio monopolista de Khruchov, ajudado por um Jukov
de visão curta e desmedidas ambições pessoais, são
evidentes. O País saiu dos trilhos leninistas de desenvolvimento,
atrasou-se, prejudicando os interesses de dezenas ou mesmo centenas de
milhões de pessoas, se tivermos em conta as implicações
internacionais.
Tudo isto poderia ter sido evitado se Stáline tivesse revelado a firmeza
e a coerência que lhe eram características na
identificação de fenómenos potencialmente perigosos para o
socialismo. Por outras palavras, se tivesse eliminado qualquer possibilidade de
Khruchov e Jukov surgirem como protagonistas. Não quero com isto dizer
que tivessem de ser julgados e presos já não era tempo
disso. Teria sido suficiente impor a estas figuras, indiscutivelmente
proeminentes, a reforma compulsiva... Dirá que teria sido injusto,
cruel, um acto de repressão. Admito que sim, se analisarmos o assunto
sob a perspectiva das suas "capelinhas pessoais", do ponto de vista
dos seus amigos, familiares e, claro está, dos nossos literatos de
"elevada moral". Mas veja que no interesse de dezenas de
milhões, da maioria esmagadora da população
soviética, estas "repressões" teriam sido
necessárias e justas. Aliás, a autêntica política
leninista começa exactamente pela defesa destes interesses, pela
capacidade de colocar o geral e o todo acima do que é pessoal e de
grupo.
Recorda-se do que se passou com a "oposição
operária"
[59]
em 1921? Nas suas fileiras estavam muitas pessoas honestas e dedicadas aos
ideais da revolução, mas que, no entanto, assumiram
posições potencialmente perigosas para o socialismo. Vladimir
Ilitch Lénine insistiu com a maior firmeza para que fossem
excluídas do Partido e, ao falhar esse objectivo (a sua proposta foi
derrotada por alguns votos), conseguiu afastar os membros da
oposição dos postos decisivos, enviá-los para a
província ou para o trabalho diplomático, como foi o caso de
Alekssandra Mikhailovna Kollontai
[60]
Talvez a maior falha de Stáline tenha sido o facto de não ter
sabido ou, provavelmente, não ter tido tempo para preparar um substituto
digno de si. Talvez não tenha tido tempo já que tomou
determinadas medidas neste sentido. No XIX Congresso do Partido foi
significativamente alargada a composição do Presidium do
Comité Central. P.K. Ponomarenko assumiu o cargo de Presidente do
Conselho de Ministros e iniciou-se uma espécie de
"experiência" com "jovens duplos" de ministros
Porém, infelizmente, tudo acabou por seguir um rumo diferente.
Para finalizar, o que deseja aos jovens que agora entram na vida activa?
Tolstoi tem uma frase notável que vem a propósito: "O
caminho correcto é este: assimila o que antes de ti outros fizeram e
segue em frente". A minha geração assimilou as
lições do leninismo e foi capaz de resolver todos os problemas
que se colocaram ao País: construir o socialismo, defendê-lo da
agressão fascista, transformar o País numa grande potência
moderna. A actual geração também conseguirá dar
conta das suas complexas tarefas se souber aproveitar toda a valiosa
experiência do passado, se assimilar os métodos bolcheviques de
administração do País testados no passado e seguir em
frente para alcançar a mais alta produtividade e eficiência do
trabalho no mundo e a organização mais racional e humana da
cultura, do lazer e da vida no nosso planeta.
O patriotismo, o amor à Pátria não é apenas um
factor psicológico, é também uma poderosa força
económica. Nos EUA e no Japão estes sentimentos são
cultivados logo nas mais tenras idades, incutindo na juventude orgulho pelo seu
país, pelo seu povo, pela sua cultura. No nosso país este orgulho
é por vezes apelidado, por actuais literatos e alguma imprensa, como
chauvinismo.
Nós, como pioneiros do socialismo e internacionalistas por
convicção, temos razões acrescidas para nos orgulharmos do
nosso país e das tradições heróicas do nosso povo.
Apesar de todos os problemas e dificuldades, o futuro acabará por
pertencer ao socialismo, enquanto que o capitalismo, não obstante os
seus claros êxitos e conquistas, saíra inevitavelmente do palco da
História.
Espero que a nossa juventude não se perca perante as múltiplas
dificuldades, que não ceda ao cepticismo vulgar, à
descrença, à lamúria, mas que, arregaçando as
mangas, lute pelos ideais do socialismo com a mesma energia, ardor e
abnegação que caracterizaram a geração dos anos 30.
Notas do tradutor
1
Viatcheslav Mikhailovitcht Molotov
(1890-1986), membro do PCUS desde 1906. Secretário do Comité
Central do Partido Comunista da Ucrânia (1920), integra o
Politbureau
do PCUS (1926-57). Presidente do Conselho de Comissários do Povo
(1930-41) e ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS (1939-1949 e
1953-1956). Em 1957 é designado embaixador na República Popular
da Mongólia.
2
Georgui Konstantinovitch Jukov
(1896-1974), Marechal da União Soviética, coordenou as
acções militares na batalha de Stalinegrado, entre muitas outras,
e aceitou a capitulação da Alemanha fascista em 8 de Maio de
1945. Vice-ministro (1953-55) e ministro (1955-57) da Defesa. Candidato a
membro do CC do PCUS (1941-46 e 1952-53), membro do CC do PCUS (1953-57),
candidato a membro e membro do
Presidium
do CC do PCUS (1956-1957). Deputado do Conselho Supremo da URSS (1941-1958).
3
Nicolai Aleksseievitch Voznessenski
(1903-50), membro do PCUS desde 1919, presidente do
Gosplan
(1938-41 e 1942-45). Integra o CC do PCUS em 1939 e o
PolitBureau
em 1947.
4
Alekssandr Sergueievitcht Iakovlev
(1906-...), membro do PCUS desde 1938, dirigiu a criação de uma
série de tipos de aviões. Caças Iak-1, Iak-2, com motor a
hélice, e os jactos Iak-15, Iak-28, entre outros. Os jactos de
passageiros Iak-40, Iak-42, auto do livro "O Objectivo da Vida"
(1966). Deputado do Soviete Supremo da URSS desde 1946.
5
Alekssei Nicolaievitch Kossíguin
(1904-80), membro do CC do PCUS desde 1927. Comissário do Povo para a
Indústria Têxtil (1939-40), ministro das Finanças da URSS
(1948), ministro da Indústria Ligeira (1949-53), presidente do Gosplan
(1959-60), vice-presidente (1960) e presidente (1964-80) do Conselho de
Ministros da URSS, membro do CC do PCUS desde 1939 e do
PolitBureau
(1948-52 e 1960-80).
6
Dmitri Fiodorovitch Ustinov
(1908-80), membro do PCUS desde 1927, comissário do povo para o
Armamento (1941-53), ministro da Indústria de Defesa (1953-57), vice e
primeiro vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS (1957-65), ministro
da Defesa 48 (1976). Membro do CC do PCUS desde 1952 candidato a membro (1966)
e membro do
PolitBureau
(1976).
7
Viatcheslav Alekssandrovitch Malechev
(1902-57), membro do PCUS desde 1926. Comissário do Povo para a
Metalomecânica Pesada (1939-1956), membro do CC do PCUS (1939) e do
Presídium
do CC do PCUS (1952-52).
8
Ivan Feodorovitch Tevossian
(1902-1958), membro do PCUS desde 1918 e combatente na guerra civil. A partir
de 1939, ano em que passa a integrar o CC do PCUS, lidera uma série de
comissariados (mais tarde designados ministérios) ligados à
Indústria. Em 1956 é enviado como embaixador da URSS para o
Japão. Deputado do Soviete Supremo da URSS desde 1937.Tevossian
9
Boris Lvovitch Vannikov
(1897-1962), membro do CC do PCUS desde 1919. Vice comissário da
Indústria de Defesa (1937), Comissário do Povo para o Armamento
(1939-1941), Comissário do Povo para as Munições de Guerra
(1942-46), primeiro vice-ministro da Indústria de
Construção de Máquinas Médias (1953-58). Membro do
CC do PCUS (1939-61), deputado do Soviete Supremo da URSS (1946-50).
10
Alekssei Ivanovitch Chakhurin
(1904-1975), membro do PCUS desde 1925. Comissário do Povo (1940-46) e
vice-ministro da Indústria de Aviação e vice-presidente do
Comité de Estado para as Relações Económicas
Exteriores (1953-59). Membro do CC do PCU(b) (1939-46). É reformado em
1959.
11
Nikolai Semionovitch. Patolitchev
(1908-
), membro do PCUS desde 1928. Responsável de comités
regionais (1939-40), secretário do CC do PCUS (1946-47), primeiro
secretário do CC do PC da Bielorrússia (1950-56), ministro do
Comércio Externo da URSS (1958-85). Membro do CC do PCUS (1941-86).
É reformado em 1985.
12
Avraami Pavlovitch Zavieniaguin
(1901-1956), director do Combinado Metalúrgico de Magnitorski e vice
comissário da Indústria Pesada, responsável pela
construção e director do Combinado metalúrgico de Norliski
(1938) Vice comissário e vice ministro dos Assuntos Internos da URSS
(1941-50), ministro da Metalomecânica, desde 1955. Membro do CC do PCUS
desde 1956 (tinha sido candidato entre 1934-39 e desde 1952). Deputado do
Soviete Supremo da URSS (1937-50).
13
Alekssandr Mikhailovitch Vassilievski
(1895-1977), membro do PCUS desde 1938, marechal da União
Soviética (1943), coordenou as acções militares em
várias frentes na 2ª Grande Guerra, ministro das Forças
Armadas (1949-53), primeiro vice-ministro da defesa da URSS (1953-56). Membro
do CC do PCUS (1952-1961), deputado do Soviete Supremo da URSS (1946-58).
14
Konstantin Konstantinovitch Rokossovski
, (1896-1968) marechal da União Soviética (1944), comandou os
exércitos em várias grandes batalhas durante a Segunda Guerra
Mundial, designadamente Moscovo, Briansk e Donsk. Membro do PCUS desde 1919,
candidato a membro do CC (1961). Foi ministro da Defesa da Polónia
(1949-56) e vice-ministro da Defesa da URSS (1956-57 e 1958-62). Deputado do
Soviete Supremo da URSS (1946-49 e 1958).
15
Ivan Stepanovitch Konev
(1897-1973), marechal da União Soviética (1944), membro do PCUS
desde 1918. Combatente na guerra civil, comandou exércitos em
várias batalhas da 2ª Grande Guerra. Candidato desde 1939, torna-se
membro do CC em 1952. Deputado do Soviete Supremo da URSS desde 1937.
16
Kirill Afanassievitch Meretskov
(1897-1968) Marechal da União Soviética (1944). membro do PCUS
desde 1917, participante na guerra civil de Espanha (1936-37), chefe militar na
guerra soviético-finlandesa (1939), comandou vários
exércitos e frentes na 2ª Grande Guerra. Ministro-adjunto para os
estabelecimentos militares de ensino superior (1955-64), candidato a membro do
CC do PCUS (1939-56). Deputado do Soviete Supremo da URSS (1940-62).
17
Alekssei Grigorievitch Stakhanov
(1905/06-1977), mineiro iniciador de um movimento de massas de operários
inovadores dos métodos de produção que foi designado com o
seu nome. Em Agosto de 1935 estabeleceu um extraordinário recorde na
extracção de carvão. Membro do PCUS desde 1936 e deputado
do Soviete Supremo da URSS (1937-46).
18
Saratov
, região no sul da Rússia com grande concentração
de indústrias de metalomecânica, construção de
máquinas-ferramentas, motores e automóveis,
electrodomésticos, etc.
19
Goscontrol
(Controlo Estatal), era constituído por diferentes órgãos
de fiscalização da legalidade e disciplina, que incluíam
na base os Sovietes.
20
Kliment Efrimievitch Vorochilov
(1881-1969), marechal da União Soviética (1935), membro do PCUS
desde 1908, um dos organizadores e responsáveis pelo Exército
Vermelho. Herói da Guerra Civil. Em 1925 torna-se Comissário do
Povo para os Assuntos da Guerra e do Mar e, em 1934, Comissário do Povo
para a Defesa. Vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS (1946),
presidente do
Presidium
do Soviete Supremo da URSS (1953-60), membro do
Politbureau
(1926-60), membro do CC PCUS (1921-61 e a partir de 1966)
21
Andrei Andreevitch Andreev
(1895-1971), membro do PCUS desde 1914, participante na Revolução
de Outubro em Petrogrado, Comissário do Povo para as Vias de
Comunicação (1931), membro do CC do PCUS (1920-1961), membro do
Politbureau
(1932-52), deputado do Soviete Supremo da URSS (1937-62).
22
Serguei Mikhailovitch Kostrikov
(Kirov) (1886-1934), membro do PCUS desde 1904, dirigiu a luta pelo Poder
Soviético no Norte do Cáucaso. Primeiro secretário do
Partido na região de Leninegrado (1926), membro do CC em 1923 e do
Politbureau
em 1930. Vitimado por um atentado.
23 "
Oposição Trotskista-Zinovievista"
(1926-27), grupo fraccionário, constituído em partido ilegal, que
contestava a possibilidade de construir o socialismo na URSS.
24
Nikolai Ivanovitch Bukharin
(1888-1938), fuzilado em 1938 no âmbito do processo sobre a actividade
anti-soviética do "Bloco Trotskista de Direita", que se
propunha restabelecer as relações de produção
capitalistas na Rússia.
25
Mikhail Nikolaievitch Tukhatchevski
(1893-1937), marechal da União Soviética (1935), membro do PCUS
desde 1918, chefe militar durante a guerra civil, vice-comissário da
Guerra e do Mar (1931) e vice-comissário da Defesa (1934-36), candidato
a membro do CC do Partido em 1934.
26
Iona Emmanuil Iakir
(1896-1937), membro do PCUS desde 1917, chefe militar na guerra civil, membro
do CC do Partido (1934).
27
Ieronim Pietrovitch Uborevitch
(1896-1937), membro do PCUS desde 1917, comandante militar durante a guerra
civil, ocupou vários postos no exército. Candidato a membro do CC
do Partido (1930-37).
28
Nota do autor
: V.I. Lénine, obras completas, tomo 44, págs.364-370
[edição russa]
29
Nota do autor
: V.I. Lénine, obras completas, tomo 50, pág.161
[edição russa] 50
30
Feliks Edmundovitch Dzerjinski
(1877-1926), membro do Partido desde 1895, foi um dos dirigentes da
Revolução de 1905-07. Em 1907 é eleito membro do CC do
Partido Social-Democrata Operário da Rússia. Preso e exilado
durante vários anos, integrou o Centro Militar Revolucionário do
Partido na Revolução de Outubro. Torna-se presidente em 1917 da
Comissão Extraordinária de toda a Rússia
(órgão de segurança interna, cujos membros eram designados
como "tchequistas") e Comissário do Povo para os Assuntos
internos (1919-23). Membro do CC (1917) e candidato a membro do
Politbureau
(1924).
31
Vassili Konstantinovitch Bliukher
(1890-1938), membro do PCUS desde 1916, marechal da União
Soviética (1935), comandou batalhas durante a guerra civil, ocupou
destacados postos militares, candidato a membro do CC (1934-1938).
32
Vissaron Grigorievitch Belinski
(1811-48), famoso crítico literário russo, democrata
revolucionário e filósofo materialista.
33
Iakov Ivanovitch Alksnis
(1897-1938), membro do PCUS desde 1916, chefe militar na guerra civil, vice
comandante (1921-31) e comandante da Força Aérea (1931-36).
34
Helena Dmitrievna Stassova
(1873-1966), participante nas revoluções de 1905-07 e de 1917,
secretária do CC (1917-20), no Komintern (1921-26), membro da
Comissão Internacional de Controlo do Komintern (1935-43).
35
Nota do autor
: Segundo testemunho de uma antiga secretária de E.D. Stassova, nos anos
50, no CC da União da Juventude Comunista Leninista de toda a URSS.
36
Lion Feuchtwanger
(1884-1954)
37
Martin Andersen-Nexö
, escritor dinamarquês (1869-1954)
38
Trofim Denissovitch Lessienko
(1898-1976), biólogo e agrónomo, deputado do Soviete Supremo da
URSS (1937-66).
39
Nikolai Ivanovitch Vavilov
(1887-1943) biólogo, primeiro presidente da Academia das Ciências
de Agronomia Lénine (1929-35)
40
Igor Vassilevitch Kurtchakov
(1902/03-1960), físico soviético, pioneiro na ciência e
tecnologia atómica na URSS, dirigiu a investigação que
levou à descoberta da divisão do átomo de urânio
(1940), a construção do primeiro reactor nuclear na Europa
(1946), da primeira bomba atómica soviética (1949), da primeira
bomba termonuclear em todo mundo (1953) e da primeira central eléctrica
atómica (1954). Membro do PCUS desde 1948, deputado do Soviete Supremo
da URSS desde 1950.
41
Serguei Pavlovitch Koroliev
(1907-1966), cientista e construtor de mísseis e naves espaciais. Sob a
sua direcção foram construídos os primeiros mísseis
balísticos, os primeiros satélites para fins diversos, e as naves
espaciais "Vostok", "Voskhod" nas quais se realizaram os
primeiros voos espaciais e a primeira saída do homem no espaço
sideral. Membro do PCUS (1953).
42
Coeficiente de Actividade Útil
: indicador de eficiência de um sistema baseado na relação
do total da energia fornecida e da que é efectivamente transformada no
ciclo de trabalho
43
Nota do autor
: V.I. Lénine, obras completas, tomo 30, pág. 351
[edição russa]
44
Trigo tremês
: variedade de trigo que nasce e amadurece em três meses.
45
Vernalização
: técnica de redução do ciclo vegetativo de uma planta
através do tratamento das suas sementes e bolbos com agentes
químicos para apressar a sua floração ou
frutificação.
46
Pavel Panteleimonovitch Lukianenko
(1901-1973), membro da Academia de Ciências da URSS (1964), membro do
PCUS (1964), deputado do Soviete Supremo da URSS (1962).
47
Iuri Andreievitch Jdanov
(1919-...), cientista químico, membro do PCUS desde 1944, membro do CC
(1952-56). Filho de Andrei Alekssandrovitch Jdanov (participante na
revolução de Outubro e na guerra civil, membro do
PolitBureau
desde 1939).
48
Kliment Arkadievitch Timiriazev
(1843-1920), naturalista-darwinista, um dos fundadores da escola
científica russa de fisiólogos de plantas. Foi deputado do
Soviete de Moscovo em 1920.
49
Ivan Petrovitch Kulibin
(1725-1818), autodidacta russo, inventor de inúmeros sistemas
mecânicos, concebeu o projecto e o modelo da ponte sobre o rio Neba com
um só arco de 298 metros.
50
Ivan Ivanvitch Polzunov
(1728-1766), um dos inventores do motor térmico. É autor do
primeiro projecto em todo do mundo (1763) de uma máquina a vapor com
dois cilindros que acabou por não conseguir construir.
51
Andrei Ianurievitch Vechinski
(1883-1954), jurista e diplomata soviético. Membro do PCUS desde 1920,
mencheivique entre 1903 e 1920. Procurador da União Soviética
(1933-39), ocupou altos cargos no Ministério dos Negócios
Estrangeiros (1940-53). Membro do CC (1937-50 e 1954).
52
Anastas Ivanovitch Mikoian
(1895-1978), membro do PCUS desde 1915. Foi um dos organizadores da luta pelo
Poder Soviético no Azerbaidjão. Entre 1926-46 foi
Comissário do Povo para o Comércio Interno e Externo,
Comissário para o Abastecimento e Comissário para a
Indústria alimentar. Ministro do Comércio Exterior (1946-49);
ministro do Comércio da URSS (1953-55), primeiro vice-presidente do
Conselho de Ministros da URSS (1955), presidente do Soviete Supremo da URSS
(1964-65). Membro do CC (1923-76), membro do
Politibureau
(1935-66), deputado do Soviete Supremo (1937-74).
53
Panteleimon Kondratievitch Ponomarenko
(1902-84), membro do PCUS desde 1925. Primeiro secretário do CC do
Partido Comunista da Ucrânia (1938), dirigiu o estado-maior da guerrilha
a partir de 1942. Em 1948 torna-se em simultâneo secretário do CC
do PCUS e ministro do Aprovisionamento da URSS, ministro da Cultura (1953),
primeiro secretário do CC do PC do Kasaquistão (1954), embaixador
da URSS na Polónia, Índia, Nepal e Holanda (1955-62). Membro do
Presidium
do Soviete Supremo da URSS (1941-51e 1954-58). É reformado em 1978.
54
Nota do autor
: Lion Feuchtwanger, Moscovo, 1937, pág. 26
55
Partorg
(organizadores do partido), dirigentes eleitos nas organizações
partidárias dos diferentes níveis.
56
Manilov
, um dos protagonistas da obra de Nicolai Gogol "Almas Mortas".
Expressão utilizada para designar projectos irrealistas, inúteis
e desligados da realidade.
57
Iakov Arkadi Iakovlev
(o seu verdadeiro apelido era Epchtein), membro do Partido desde 1913, foi um
dos dirigentes que combateram pelo Poder Soviético na Ucrânia,
ministro da Agricultura entre 1929 e 1933. Foi fuzilado em 1938. 52
58 "
Oblomovismo
", termo com origem na personagem de Oblómov, protagonista do
romance homónimo de Ivan Alekssandrovitch Gontcharov (1812-1891), que
representa a inércia, a preguiça e a ociosidade.
59 "
Oposição Operária
", grupo fraccionário de tendência anarco-sindicalista
formado no Partido Comunista da Rússia (bolchevique) entre 1920-22.
Contestava o papel dirigente do Partido e do Estado Soviético, elegendo
os sindicatos como a forma suprema de organização da classe
operária, aos quais deveria ser entregue a administração
da economia.
60
Alekssandra Mikhailovna Kollontai
(1872-1952), membro do PCUS desde 1915, participante na Revolução
de Outubro, em Petrogrado. Membro do CC, foi Comissária do Povo entre
1917-18. Adere aos "Comunistas de Esquerda" em 1918 e à
"Oposição Operária" em 1920-22. Foi a primeira
mulher embaixadora no mundo. Representante de Negócios da URSS na
Noruega (1923), no México (1926), embaixadora na Suécia
(1930-1945).
[*] Ministro da Agricultura da URSS, de 1938 a 1959.
[**] Membro da União dos Jornalistas da URSS, doutorado em
Ciências Económicas.
O original encontra-se na revista
Molodaya Gvardia,
1989, N.º 4, pgs. 12-65.
A versão em português foi extraída de
www.hist-socialismo.net
. Tradução portuguesa e notas de CN, Fev/2005
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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